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10º ano Camões Lírico Três conceitos caracterizaram a grande viragem no pensamento humano: renascimento, humanismo e classicismo. O renascimento é um movimento cultural com origem em Itália (sec. XIV-XVI), em que surge uma nova conceção de homem e natureza, caracterizando-se por uma recuperação dos conhecimentos e modelos da antiguidade clássica. Humanismo é um movimento intelectual e filosófico que coloca o homem no centro do conhecimento (antropocentrismo), através de uma valorização do próprio homem e exaltação da sua capacidade de entender o mundo e tudo o que o rodeia. Classicismo é uma tendência estética que ganha corpo com os valores clássicos greco-latinos e introduz novas formas, novas espécies, novos géneros nas artes plásticas e na literatura, como modelos a imitar; preconiza o gosto das composições equilibradas, a simplicidade, a precisão, a busca da harmoniza das formas e a idealização da realidade, de que a visão da natureza como um locus amoenus, a mulher perfeita, idealiza de acordo com o cânone petrarquista, e o amor platónico são exemplos. Influencia tradicional vs influencia clássica ou renascentista Luís de camões cultivou diversos géneros poéticos. Sendo um poeta de transição, faz uma incorporação artística da corrente tradicional, de cariz peninsular (medida velha), e dos modelos formais e das temáticas da corrente renascentista que se cultivavam em Itália (medida nova), aos quais imprimiu um cunho muito pessoal. Representação da mulher amada A mulher é ideal de beleza, apresentada ora como símbolo de pureza, ora como símbolo do amor físico e sensual: • Ideal de mulher petrarquista: a mulher é apresentada como uma figura angelical, a celeste fermosura, a Circe que pôde transformar o pensamento do eu que por ela sofre, um ser superior de perfeição moral inacessível e intocável. Remete para a dimensão espiritual do amor. O modelo de mulher petrarquista é laura, a musa inspiradora de Petrarca. • Ideal de Vénus: a mulher é apresentada como uma figura individualizada, uma mulher de perfeição física, descrita como ser sensual, simbolizada por Vénus. Evidencia uma exaltação da dimensão terrena do amor. A sensualidade da mulher é uma inovação de camões, em relação aos poetas do renascimento italiano. No modelo renascentista, a mulher apresenta fisicamente cabelo louro, pele branca, olhos azuis, sorriso longínquo, gesto suave, pensar maduro, alegria saudosa. A representação da natureza A natureza aparece associada à poesia amorosa como expressão de estados de alma ou por contraste entre o estado de espírito do sujeito poético; apresenta-se como objeto de contemplação, cenário ou pretexto para a reflexão do eu poético; é geralmente uma paisagem diurna, natural, harmoniosa e agradável- descrição do tipo locus amoenus. O desconcerto O poeta constata o desconcerto moral, social e existencial, que revela: • Na desordem do mundo exterior, entre os homens: as injustiças sociais, a virtude não recompensada adv. a desonestidade compensada, a mediocridade que tem sucesso (os bons vi sempre passar/ no mundo graves tormentos/ e para mais me espantar, / os maus vi sempre nadar/ em mar de contentamentos.); • No conflito interior de cada homem: o sujeito poético como vítima; a desilusão amorosa; o mundo em tumulto igual ao eu em tumulto; a ação do destino cruel; o fracasso do sonho e dos projetos; o absurdo da morte. A mudança O tema da mudança aparece associado à temática do desconcerto e à temática do destino. O poeta reflete sobre a mudança na natureza e a mudança do ser humano. A mudança é cíclica na natureza (reversível) e é linear (irreversível) no homem. A existência humana muda, mas é imprevisível e marcada pela adversidade, com consequências negativas (pessimismo e morte). O poeta reflete ainda sobre a mudança da própria mudança, de que o soneto Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades é exemplo. Formas poéticas/métrica • Medida velha (influencia/ corrente tradicional) • Medida nova (influência/ corrente clássica) Os lusíadas, luís de Camões Conceito de epopeia A epopeia é um género narrativo em verso que remonta à antiguidade clássica. A epopeia, marcada pelo estilo grandioso e solene, canta um facto heroico de interesse nacional e universal que assegura a unidade de ação (em Os Lusíadas, a viagem à Índia); os episódios retrospetivos e as profecias dão extensão e riqueza à obra. Estrutura externa O poema está escrito em versos decassilábicos, apresenta dez cantos; as estrofes organizam-se geometricamente em oitavas, com esquema rimático abababcc; tem 1102 estrofes. Rima emparelhada e cruzada. Estrutura interna O poema está organizado em quatro partes: Proposição (I, 1-3); Invocação (I,4- 5); Dedicatória (I, 6-18 e X, 145-156); Narração (I-X). Proposição, apresenta o assunto da epopeia, propondo-se cantar os feitos do povo português. Invocação; suplica, apelo, pedido. Dedicatória, camões oferece a epopeia ao rei D. Sebastião. Narração, o poeta narra os feitos das personagens. Planos estruturais da Epopeia O plano da viagem, constitui a ação central do poema. Compreende a narração da viagem do descoberto do caminho marítimo para a Índia e o regresso para Portugal. O plano mitológico, dado pela intervenção dos deuses pagãos na ação, simbolizando, por um lado, as diversas adversidades superadas pelos heróis. O plano da história de Portugal, assegurado por diversas vozes (Vasco da Gama, Paulo da Gama, figuras mitológicas). São narrativas secundárias que se inserem no propósito inicial do poeta sem perder a unidade da ação: o louvor dos feitos valorosos do português. O plano das considerações do poeta, revela-nos um autor atento ao seu tempo e com uma intenção pedagógica e cívica que acompanha os diversos relatos. Assim, críticas, tece lamentos e desabafos ou exorta os portugueses a seguirem o exemplo dos verdadeiros heróis, o caminho da imortalidade, que é, como afirma, o Caminho da virtude, alto e fragoso/ mas, no fim, alegre e deleitoso. Principais considerações do poeta ao longo da epopeia Nestas reflexões do poeta, destacam-se duas perspetivas diferentes. Por um lado, constituem a visão do poeta renascentista relativamente à própria condição humana, o que está, por vezes, ao serviço da construção do herói do poema, que ultrapassa todas as dificuldades e será premiado pelo seu esforço e valentia, na ilha dos amores, espaço simbólico de recompensa pela conclusão de um percurso heroico e glorioso. Todavia, o poeta revela também a sua perspetiva disfórica em relação a uma fase do império português e aos valores dominantes no país, num momento em que o brilho das grandes navegações começava a ser ofuscado pelo materialismo que dominava o reino, pela indiferença em relação à arte; o poeta manifesta ainda o seu desalente pelo desprezo a que a sua epopeia era votada. Canto I- reflexões sobre os perigos a que o ser humano está sujeito. Canto V- Considerações sobre os que desprezam a poesia. Canto VI- reflexões sobre o valor da gloria. Canto VII- exaltação do espírito de cruzada dos portugueses, espalhando a fé cristã. Canto VIII- considerações do poeta sobre os efeitos preciosos do vil metal. Critica à sociedade orientada por valores materialistas. Canto IX- reflexões sobre o significado e o valor da imortalidade. Canto X- sentimentos contraditórios- desalento, orgulho, esperança. 11ºano Sermão de santo António aos peixes, padre António vieira O sermão de santo António é um longo discurso argumentativo, criado com a finalidade de ser pregado. A partir das propriedades do sal (conservar o são e preservar da corrupção) e das características da pregação de santo António (louvar o bem e repreender o mal), o sermão de vieira assume uma dupla finalidade: louvar as virtudes e repreender os vícios humanos. Começandopor referir as qualidades dos peixes, o pregador retira duas conclusões: os peixes são melhores do que os homens e, para evitar a maldade, aqueles devem manter-se afastados dos homens. De forma semelhante, santo António, para se aproximar de deus, afastou-se dos homens. Pelo contrário, os vícios, em geral, dos peixes, que se comem uns aos outros e em que os grandes comem os pequenos, servem de pretexto para uma critica à exploração dos poderosos sobre os mais humildes. Alem disso, os defeitos, em particular, de certos peixes estão ao serviço da denuncia dos vícios humanos. É o caso do roncador que simboliza a arrogância; o pegador, o oportunismo; o voador, a ambição desmedida e vaidade; o polvo, a hipocrisia e a traição. Louvores aos peixes: • Peixe de Tobias: sara a cegueira e expulsa os demónios (critica-se a heresia e a ausência de conversão por parte dos homens); • Remora: peixe tão pequeno no corpo e tão grande na força e no poder (travão dos ímpetos humanos(impulso/violência)) (critica-se a fraqueza humana e a ausência de força de vontade); • Torpedo: emite pequenas descargas elétricas que fazem tremer o braço do pescador (voz da consciência) (critica-se a exploração do próximo, corrupção e ambição desmedida); • Quatro-olhos: vigia, noção do céu e do inferno (critica-se a vaidade humana). Repreensões aos peixes: • Roncadores: embora tão pequenos, roncam muito, daí que representam a arrogância e a soberba dos homens; • Pegadores: sendo pequenos, pegam-se aos maiores, não os largando mais, razão porque simbolizam o parasitismo, a vivencia à custa dos outros (critica-se o parasitismo e o oportunismo); • Voadores: apesar de serem peixes, também se metem a ser aves. Por isso, simbolizam a presunção, a vaidade e a ambição (é criticada a ambição, vaidade e o capricho dos homens); • Polvo: maior traidor do mar (critica-se a falsa aparência dos homens, a traição e a hipocrisia. Critica social e alegoria O sermão é uma sátira social em que o padre António vieira tece duras críticas à exploração e à ganância humana, principalmente aquela que é exercida pelos colonos sobre os índios. Por outro lado, o Sermão é uma longa alegoria (em que se apresentam ideias através de imagens ou figuras concretas), funcionando os peixes como uma metáfora dos homens. Deste modo, as virtudes dos peixes são pretexto para denunciar os vícios humanos, da mesma forma que os defeitos dos seres marinhos são motivo para criticar os defeitos morais e sociais dos homens. Contudo, pode-se afirmar que o sermão aborda um assunto intemporal na medida em que os homens procuram constantemente a ascensão social, ainda que de forma impropria, revelando atitudes moralmente condenáveis. Linguagem e estilo Recursos expressivos: a. Alegoria, que é todo o sermão, na medida em que os defeitos dos peixes personificam a maldade humana; b. Comparação, entre os peixes e os homens, pois os homens, com suas más e perversas cobiças, vêm a ser como os peixes; c. Metáfora, identificam os pregadores com o sal da terra; d. Apostrofe, (invocação de pessoas ausentes, seres inanimados ou entidades abstratas) em Vós, diz cristo senhor nosso, falando com os pregadores, sois o sal da terra; e. Enumeração, associada a uma gradação: começam a correr os peixes, os grandes, os maiores, os pequenos; f. Antíteses, deixa as praças vai-se às praias, deixa a terra, vai-se ao mar; g. Anáfora, p.e mimetismo do polvo: se está nos limos faz-se verde, se está na areia faz-se branco, se esta no lodo faz-se pardo. Frei Luís de Sousa, Almeida Garret O pano de fundo da obra romântica é um quadro tumultuoso, agreste, sombrio, preferencialmente noturno- a dita paisagem romântica (locus horrendus) – que contrasta com a sobriedade, harmonia, frescura, serenidade e elegância da paisagem clássica (locus amoenus). Sebastianismo: história e ficção O sebastianismo é um mito criado apos o desaparecimento do rei D. Sebastião na batalha de Alcácer Quibir em 1578 que apresenta várias características. O desaparecimento misterioso de D. Sebastião; associação da sua morte à decadência do império; esperança no seu regresso. Fundada em superstições, a crença popular profetizava o regresso do rei numa manhã de nevoeiro para libertar o país do domínio filipino e instaurar a gloria passada. O mito tornou-se um traço de personalidade nacional que se caracteriza por viver as glorias do passado e acreditar que os problemas serão resolvidos com a chegada de um redentor, de um messias. Em Frei Luís de Sousa, as personagens assumem posições contrárias relativamente a este mito. Com efeito, Maria de Noronha confessa o seu culto por D. Sebastião e acredita em lendas messiânicas sobre o seu regresso. Na mesma linha, Telmo pais alia o sebastianismo à esperança do regresso do seu amo, D. João de Portugal, desaparecido na mesma batalha. Pelo contrário, D. Madalena vive atormentada pela imagem sempre obsessivamente presente do primeiro marido, D. João de Portugal. Manuel de Sousa Coutinho, apesar do seu patriotismo, mas com uma mentalidade racionalista, nega este mito. Por último, D. João de Portugal, na figura do Romeiro, representa o Portugal do passado e o seu regresso desencadeará a tragédia familiar. Características de tragédia clássica e de drama romântico A obra é um drama romântico, pois apresenta uma forma em prosa e não em poesia. O dramaturgo assume uma atitude romântica perante a história, uma vez que a ação se inspira em acontecimentos históricos, isto é, na figura o prosador Frei Luís de Sousa que decidiu, juntamente com sua mulher, consagrar-se a deus num convento. Alem disso, na obra, celebra-se o individualismo e o sentimento. Assim, Manuel de Sousa afirma a sua individualidade através das suas excecionais qualidades de coragem e patriotismo. Por outro lado, Madalena é o símbolo da mulher sentimental, vítima do destino e do amor. Há uma valorização dos sentimentos em detrimento da razão. Também as personagens apresentam um perfil romântico. Neste sentido, o herói romântico caracteriza-se pela sua natureza excessiva, uma rutura com os valores da sociedade, como é o caso de Manuel de sousa no gesto de incendiar o seu palácio, numa clara oposição ao poder espanhol. No entanto, estas personagens românticas perdem a compostura altiva e serena perante o destino traçado, recusando-o. Todavia, pode classificar-se também como tragedia clássica, uma vez que apresenta um número de personagens restrito e de condição social elevada. De igual modo, regista-se a presença de peripécias (como o incendio do palácio e o regresso de D. João de Portugal); a hybris (o desafio lançado às leis da sociedade, quando D. Madalena contrai segundas núpcias sem a certeza da morte do primeiro marido); a presença do destino, que determina a vida das personagens; o climax, que se atinge em determinadas cenas como a destruição do retrato e o incendio do palácio; o conflito interior e o pathos (sofrimento) continuo experimentados por D. Madalena; a anagnórise (com a identificação do romeiro com D. João de Portugal; a catástrofe, com a morte física de Maria, e D. Madalena e Manuel de Sousa para o mundo; verifica-se, alem disso, a presença do coro da tragedia grega nas figuras de Frei Jorge e de Telmo. A dimensão patriótica e a sua expressão simbólica Há três personagens que evidenciam o seu patriotismo nacionalista. Manuel de Sousa Coutinho transmite o seu amor à pátria não só por palavras, mas também pelos atos, pois não hesita em incendiar o seu próprio palácio, evitando que o venham habitar aqueles que governam o país em nome de um rei estrangeiro. Também Telmo e Maria de Noronha, que partilham do mesmo idealismo sebastianista, afirmam o seu patriotismo e admiram o gesto praticado por Manuel de Sousa. O patriotismo é uma das marcas da dimensão romântica da obra que assume umadupla dimensão temporal. No tempo em que ocorrem os acontecimentos, Portugal vive sob o domínio filipino e, na data da publicação da obra, 1844, o país vive sob a ditadura cabralista. É, portanto, na atmosfera psicológica do sebastianismo e na crença no regresso do monarca que se vai desenrolar a tragedia que se abate sobre toda uma família, arrastando-a de forma implacável para um final funesto, bem ao gosto do romantismo. Personagens: D. Madalena de Vilhena, a mais trágica das personagens, encarna a heroína romântica. Manuel de Sousa Coutinho, é a personagem que melhor define as contradições do homem romântico. Oscilando entre a razão e o sentimento. Maria, também ela uma heroína romântica, é o anjo inocente vítima da sociedade, que acredita piamente no regresso de D. Sebastião. Treze anos com uma maturidade e preocupações invulgares para a sua idade. Acentuada pela tuberculose, deixa-se arrastar pela tragedia presente e a persegue, morrendo de vergonha em palco, como convém a um final trágico. Telmo Pais, escudeiro valido, o familiar quase parente, o velho amigo que foi de D. João de Portugal e que permaneceu ao serviço de D. Madalena, apos o desaparecimento daquele. D. João de Portugal é, na verdade, a sombra que paira desde o início sobre os Sousa Coutinho. Frei Jorge, frade dominicano, irmão de Manuel, representa o papel dos confidentes da tragédia clássica e pode ser considerado o verdadeiro culpado do desfecho tráfico. Cânticos do Realismo, Cesário Verde Representação da cidade e dos tipos sociais Esta vivência entre o campo e a cidade vai determinar decisivamente a temática da sua poesia, marcada pela dicotomia cidade / campo. Esta oposição é um elemento estruturante da obra poética de Cesário. Com efeito, divide-se entre a critica da cidade e o elogio do campo. O espaço confinado da cidade opõe-se sistematicamente ao espaço amplo do campo. Na cidade, o sujeito sente-se sufocado, encarcerado. O ambiente citadino, símbolo do desenvolvimento e do progresso, metáfora do ocidente (sentimento dum ocidental) aparece paradoxalmente como paradigma em todos os males – a cidade como palco da doença: do lado da cidade, encontra-se a humilhação, a noite, a morte, a solidão, o presente (cristalizações); do lado do campo, a liberdade amorosa, a saúde, a vida, o passado infantil (De tarde). O campo simboliza a energia, a vida, a saúde, o espaço onde se recuperam as forças perdidas na confusão da cidade. É espaço de inspiração, presente no verso: “no campo; eu acho nele a musa que me anima” (De verão). Por influência do realismo, Cesário Verde dá atenção às situações do quotidiano. Com realidades aparentemente insignificantes, constrói quadros de grande expressividade. O deambular constante pela cidade, as estadias no campo tornar-se-ão motivos de inspiração da sua poesia. Os seus poemas deixam transparecer pequenos quadros da vida real, do ambiente doméstico e familiar, tornando Cesário um poeta- pintor da paisagem urbana e do mundo rural. Tipos sociais: • Povo/classes trabalhadoras: produtividade, vitalidade, autenticidade. Alvo de simpatia e solidariedade por parte do sujeito poético. Ex: vendedora de legumes, calafates, obreiras, varinas… • Burguesia: ociosidade, inércia, artificialidade. Alvo de critica e ironia por parte do sujeito poético. Ex: criado do bairro burgues, dentistas, lojistas… • Marginais que vivem na cidade: degradação social e moral. Alvo de critica por pare do sujeito poético. Ex: ladroes, jogadores, prostitutas… Dois tipos de mulher em Cesário Verde A poesia de Cesário Verde apresenta dois tipos opostos de mulher: a mulher esplêndida, madura, destrutiva e essencialmente frigida, associada com a cidade (mulher fatal), e a jovem simples (mulher angelical) terna e vulnerável, associada com o campo e com os valores opostos à cidade. Deambulação e imaginação: o observador acidental Deambulando, o poeta capta as impressões da realidade quotidiana, tornando um observador acidental. O espaço urbano transforma-se num espaço de observação do mundo e da vida. Ao deambular pelas ruas de lisboa, observa acidentalmente pessoas e espaços, transformando-os num repórter do quotidiano. Ao estilo realista, transporta para a sua poesia a realidade de todos os dias, concedendo particular atenção aos lugares e, sobretudo, às pessoas com quem se cruza. Nessa sua deambulação pelos vários espaços, o poeta apresenta-nos, por exemplo, uma vasta galeria de figuras femininas de diferentes estratos sociais: as varinas, a engomadeira tisica, a vendedeira de hortaliças, a atriz, a mulher fatal, a mulher altiva, as prostitutas… Perceção sensorial e transfiguração poética do real Relações com o poema épico Cesário Verde, o sentimento dum ocidental - Espírito antiépico (atitude face à realidade observada: descrença na capacidade humana no universo citadino); - Viagem pela cidade (representação da degradação social e moral); - Personagens antiépicas: - Marginais (ladrões, bêbados, jogadores, prostitutas); - Ociosas, artificiais (dentistas, arlequins, lojistas). Também há exaltação das personagens “épicas” (classes trabalhadoras). Os Lusíadas, Luís de Camões - Espírito épico- exaltação das capacidades humanas; Também está presente o espírito antiépico. - Viagem marítima (epopeia dos descobrimentos); - Personagem coletiva épica: povo português (representado por vasco da gama e pelos marinheiros que com ele percorrem o caminho marítimo para a índia). Linguagem, estilo, estrutura • Recurso às sinestesiasi (“Com choques rijos, ásperos e cantantes”); • Parnasianismo ii (“e apuro-me em lançar originais e exatos, os meus alexandrinos”); • Comparação (“como morcegos, ao cair das badaladas, saltam de viga em viga os mestres carpinteiros”); • Metáfora (“há colos, ombros, bocas, um semblante nas posições de certos frutos”); • Tripla e dupla adjetivação (“saias curtas, frescas, engomadas”); • Enumeração (“com santos e fiéis, andores, ramos e velas”); • Hipérbole (“em uma catedral de um comprimento imenso”); • Hipálage (“cheiro salutar e honesto ao pão do forno”); • Assíndetoiii (“eu hoje estou cruel, frenético, exigente”). i Sinestesias, Associação de sensações resultantes da perceção sensorial de sentidos diferentes. ii Parnasianismo, procura a confeção perfeita através de uma poesia descritiva, baseada em temáticas greco-latinas que defende a reação contra o romantismo, a obsessão pela beleza na perfeição formal (em ritmo e rima) e a busca da impessoalidade e da impassibilidade. iii Assíndeto, acentua os valores individuais de cada palavra, registando as gradações subtis de uma realidade mutável. 12º ano Poesia do ortónimo, Fernando Pessoa Fingimento artístico Nos poemas «Autopsicografia» e «Isto», o eu lírico defende que o poeta não pretende representar diretamente os seus sentimentos e as suas experiências interiores tal qual as viveu. Nesta sua conceção de poesia, Pessoa afirma que o poeta parte das emoções que experienciou («a dor que deveras sente») e representa-as poeticamente, por palavras, transformando essas emoções em arte, através de um processo de intelectualização. A escrita resulta, portanto de um processo de racionalização dos sentimentos e da imaginação artística (trabalho poético) para escrever o poema. Pessoa chama a este processo fingimento artístico: «o poeta é um fingidor». Mas fingimento não significa aqui falta de autenticidade ou de sinceridade, o poeta apenas ganha distanciação em relação aos seus sentimentos para os poder representar estipticidade por palavras.Fingimento artístico associada às dicotomias sentir/ Pensar, Coração/ Razão; Sinceridade convencional/ Sinceridade Intelectual. A dor de pensar A consciência de si é um fardo, uma dor, por isso o poeta inveja aqueles que não pensam e que não intelectualizam a sua condição humana e, num sentido mais lato, a existência. No entanto, o “eu” acredita que aqueles que não pensam não podem ser verdadeiramente felizes, uma vez que não tem consciência da sua suposta felicidade. Surgem tentativas da fuga à dor de pensar: Alberto Caeiro, sonho, música e a nostalgia da infância. Ex: “gato que brincas na rua” e “ela canta pobre ceifeira” Sonho e realidade O “eu” lírico não encontra a felicidade na realidade do quotidiano, porque se sente tomado pela frustração, pelo vazio ou pelo tédio. O sonho é a dimensão em que se idealiza e onde cré conseguir realizar-se e atingir a plenitude ou o equilíbrio: metaforicamente, refere-se a este como «um país/ onde ser feliz/ consiste/ apenas em ser feliz» (“às vezes em sonho triste”). Na poesia de pessoa, o espaço onírico, ou seja, o mundo do sonho, não funciona como uma evasão ou escape, é antes um lugar onde o “eu” acredita que pode recuperar uma experiência perdida (a da infância) ou ser o que não se é no mundo «real». O “eu sonhado” não é uma outra pessoa, é sim uma outra faceta do «eu» lírico (“não sei se é sonho, se realidade”). O sujeito sente-se, pois, dividido entre o que é «realmente» e o que desejava ser. Para pessoa, a sensação do sonho torna-se mais profunda que a própria realidade. A nostalgia da infância A melancolia no presente que marca o «eu» na poesia de Fernando Pessoa ortónimo leva-o muitas vezes a manifestar um sentimento de nostalgia em relação à infância. Nessa época, o “eu” não recorria ao pensamento analito que lhe permitiria ter consciência do seu estado de alma. Deste modo, a evocação da infância não passa de uma tentativa infrutífera de evasão da melancolia do presente através de um passado que, porque concebido apenas ilusoriamente como um paraíso perdido, acaba por não permitir ao «eu» libertar-se da tristeza, do tédio e da angústia que o atormentam. Ex: “ó sino da mina aldeia”, “pobre velha música” Poesia dos heterónimos, Fernando Pessoa Alberto Caeiro, o poeta bucólico Caeiro é o mestre de Fernando Pessoa ortónimo e dos heterónimos: aponta soluções para os problemas existenciais e filosóficos (dor de pensar, a metafísica, a consciência do mundo, etc). Defende que devemos percecionar, conhecer e fruir o mundo através dos sentidos, sobretudo a visão, e que o real se reduz à materialidade. Sente deslumbrado perante a Natureza e a sua diversidade. Advoga a comunhão do Homem com a natureza – neste ponto, aproxima-se do paganismo («fui o único poeta da natureza»). É o poeta do real objetivo. Aceita de forma tranquila a natureza e o mundo («sei a verdade e sou feliz»). Considera que só o presente existe e deve ser vivido. Afirma recusar o pensamento, a filosofia e a existência de uma metafísica («eu não tenho filosofia: tenho sentidos», «pensar é não compreender», «pensar é estar doente dos olhos»). Contradições: • Caeiro diz desvalorizar ou recusar o pensamento, mas os seus poemas são reflexões e não tanto descrições da Natureza. • Analisa e reflete sobre as sensações, não se limita a captar impressões. • Afirma-se contra a filosofia, mas expõe a sua doutrina nos seus poemas. Estilo: • Frases simples • Domínio do campo lexical de «natureza» • Marcas do discurso de oralidade (polissíndeto, repetição) • Recursos retóricos: comparações, metáforas e imagens simples • Irregularidade a nível da estrutura estrófica e métrica. Ricardo Reis, o poeta clássico Ricardo Reis é helenista (estudioso da língua e/ou civilização da antiga Grécia) e latinista (conhece bem e estuda a língua e literaturas latinas). Transmite nos poemas ensinamentos (uma filosofia de vida) para os indivíduos saberem enfrentar as adversidades do mundo. Entre essas adversidades contam-se a ação do destino (fado), o tempo que foge, a velhice, a doença, a morte e outras situações que desencadeiam o sofrimento. Aconselha a aceitar a ordem das coisas e a desfrutar a vida na terra. Adota uma visão pagã do mundo, em que o homem vive em comunhão com a Natureza e em que existem deuses, uma mitologia e o destino. «Abdica e sê rei de ti próprio». Epicurismo • Na vida, devem procurar-se os prazeres serenos e moderados; • Aconselha-se a fruição tranquila do presente em vez de recear a ação do destino, a morte e outros problemas que ameaçam os indivíduos; • Adota-se a firmeza e a autonomia na forma como se enfrentam as adversidades do mundo e se evitam as ciladas da fortuna (do fado); • Advoga-se uma atitude imperturbável e de distanciação face aos males que podem surgir: ataraxia; • Defende-se o carpe diem, a ideia de se procurar uma felicidade suave e tranquila de prazeres moderados; • Incentiva-se a aceitação de uma vida simples, sem grandes ambições e em contacto com a natureza. Estoicismo • Autodisciplina e autocontrolo na vida e na escrita; • Indiferença perante as paixões; • Encoraja-se a «apatia», um estado de ausência do sofrimento como forma de o sujeito enfrentar com determinação as contrariedades, a doença e a morte; • Aconselha-se também a ataraxia. Estilo: • Recurso ao hipérbato e à anástrofe, sugerindo, assim, a construção da frase latina. • Uso de um vocabulário erudito de origem grega e latina. Álvaro de campos, o poeta da modernidade Evolução literária em 3 fases: 1º fase- decadentista; 2º fase- sensacionista e futurista; 3º fase- intimista. Após uma primeira fase mais associadas a temas característicos do decadentismo (tédio profundo em relação à vida, desejo de experimentar novas sensações), e que tem como paradigma o poema «opiário», a poesia de Álvaro de Campos evolui para um período fortemente marcado pela influência do futurismo (2ºfase). É neste âmbito que o sujeito poético procede à exaltação da vida moderna, ou sejam da crescente industrialização, da evolução tecnológica e do ritmo frenético dos grandes centros urbanos, sobretudo em poemas como «Ode triunfal» e «Ode marítimas» A poesia de Álvaro de campos transmite nos seus poemas as sensações intensas desencadeadas pelo ritmo alucinante das máquinas e da vida moderna. Por dar primazia às sensações («sentir tudo de todas as maneiras», também é um exemplo de sensacionismo. Na terceira fase, todo este ambiente marcado pelo excesso se desfaz, acabando por culminar uma atitude de apatia resultante de um desalento e ceticismo profundos em relação à vida. A defetividade do presente desencadeia no «eu» uma profunda nostalgia da infância, época supostamente feliz. Em suma, Álvaro de Campos resulta no heterónimo mais complexo de Pessoa, atravessando fases poéticas diferentes. Mensagem, Fernando Pessoa Estrutura da obra Mensagem divide-se em três partes: Brasão, Mar Português e o Encoberto. Na primeira parte, Brasão, alinham-se mitos e figuras históricas de Portugal. Na segunda parte, Mar Português, fala-se dos descobrimentos. Na terceira parte, Encoberto, sebastianismo e iminência da concretização do quinto império. A natureza épico-lírica da obra A natureza épico-líricade Mensagem assenta no facto de os 44 poemas que a compõem revelarem marcas de ambos os domínios literários. O leitor reconhece um caracter híbrido que resulta do cruzamento do género da epopeia e do modo lírico, como se pode ver em «O infante» (segunda parte: «O mar português»). A par da sua faceta épica emerge em mensagem uma dimensão lírica que se manifesta numa vertente mais introspetiva dos poemas. Como é característica deste modo literário, encontramos um sujeito poético que, no seu discurso, dá conta do seu mundo interior, dos seus sentimentos, das suas reflexões sobre Portugal e o seu destino. Ao contrário d’Os Lusíadas, que, num momento de abatimento e decadência, narra a grandeza do passado, a Mensagem, exaltando os heróis e feitos do passado, na primeira e segunda parte. A terceira parte da obra dissocia-se definitivamente da epopeia camoniana, erigindo e alimentando o mito sebastianista. Dimensão simbólica do herói As figuras retratadas surgem como heróis que se enquadram no plano de deus para Portugal. De acordo com a vontade divina, o nosso país deverá traçar até alcançar o Quinto Império. Estes heróis são em geral figuras solitárias, dado que se elevam acima da turba, que vive para a satisfação das suas necessidades básicas, ousando sonhar. A sua «loucura» e febre do «longe» mostram que são ungidos por deus. O paradigma deste tipo de herói é D. Sebastião. O preço a pagar por este desejo de elevação acima da sua condição humana é o sofrimento. Aqueles que conseguem ultrapassar o medo e a dor são elevados à condição de imortais. O sebastianismo Mensagem retoma o mito Sebástico com uma configuração própria. Fernando pessoa é agora o profeta que, num contexto nacional difícil e de crise, fala do ressurgimento de Portugal e do seu futuro traçado por deus. Nesta obra, D. Sebastião é uma figura que surge no título de dois poemas, mas o seu valor é simbólico e não será o seu regresso «carnal» que Pessoa aguarda; a noção de Salvador terá uma configuração simbólica. Mensagem é atravessada por figuras, símbolos («as ilhas afortunadas», «nevoeiro») e avisos («o bandarra», «nevoeiro») que anunciam uma nova era. Essa era futura é o do Quinto Império. Um conceito bíblico que o padre António Vieira, Fernando Pessoa e outros autores atualizaram. Para o poeta da Mensagem, depois dos impérios grego, romano, cristão (medieval) e europeu marítimo chegará este novo tempo (quinto império). O Quinto Império é um conceito universal, pois envolve toda a humanidade e não será conquistada pelas armas. Trata-se de um domínio espiritual, que por escolha divina, tem Portugal à cabeça e que se propõe trazer fraternidade, paz, prosperidade a todos os povos. Será uma espécie de regresso ao paraíso perfeito. *Livro do desassossego, Bernardo Soares* O quotidiano Bernardo Soares reconhece que o fracasso que marca o seu quotidiano decorre, em parte, da inaptidão para lidar com estas questões pragmáticas da existência («Nunca aprendi a existir»). Consciente desta sua característica, acredita que todos os seus sonhos estão à partida condenados ao malogro- motivo pelo qual se refugia numa atitude de inércia. Considera que a condição de ser pensante o torna superior aos indivíduos que o rodeiam- seres marcados pela inconsciência que se contentam com uma existência marcada pela mediocridade. É por este motivo que se refugia numa solidão voluntária. Deambulação e sonho: o observador acidental Em vários fragmentos do livro, o enunciador percorre as ruas de lisboa e regista as perceções que tem da cidade recordando o que Cesário Verde tinha feito em «um sentimento do ocidental». A deambulação permite observar e fazer registos sobre diferentes lugares e elementos do real que se cruzam com o sujeito. A relação desta personagem com a realidade em que vive e o lugar em que se inscreve que o conduzem ao desassossego, que tem origem na insatisfação, no tédio, no seu temperamento sonhador, nas circunstâncias adversas da sociedade em que vive. Os momentos descritivos e os narrativos são frequentemente o ponto de partida para reflexões ou abrem portas para a imaginação e para o mundo do sonho: o «eu» imagina-se «outro» noutro lugar que ele próprio cria atrás da imaginação. No fundo, é no mundo onírico que se procura por termo ao seu desassossego. Perceção e transfiguração poética do real A perceção que o «eu» tem e regista do real é a que podemos apelidar de objetiva. É a imaginação que serve de ponte entre as paisagens exteriores e o mundo interior e a realidade interior suplanta a exterior. Assim, substitui o real exterior pelo interior. Há também as paisagens e as experiências que foram interiorizadas pelo «eu» e que são caracterizadas como suas: “certos quadros, sem sombra de relevo artísticos, certas oleogravuras que havia em paredes com que convivi muitas horas- passa a realidade dentro de mim”. Nestes casos, o enunciador seleciona aspetos do mundo exterior que transforma interiormente, de forma artística e imaginativa. O «eu» transfigura assim o real, torna-o seu e/ou muda-lhe a forma pelas palavras usadas- transfiguração poética: “os bancos do elétrico, de um entretecido da palha forte e pequena, levam-me a regiões distantes, multiplicam-se-me em indústrias, operários…”.
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