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FFEEAAMMIIGG –– FFAACCUULLDDAADDEE DDEE EENNGGEENNHHAARRIIAA DDEE MMIINNAASS GGEERRAAIISS CCUURRSSOO DDEE EENNGGEENNHHAARRIIAA DDEE PPRROODDUUÇÇÃÃOO TTRRAATTAAMMEENNTTOO DDEE EESSGGOOTTOOSS SSAANNIITTÁÁRRIIOOSS EE DDEE EEFFLLUUEENNTTEESS IINNDDUUSSTTRRIIAAIISS OORRGGÂÂNNIICCOOSS AAGGOOSSTTOO // 22001166 FFEEAAMMIIGG –– FFAACCUULLDDAADDEE DDEE EENNGGEENNHHAARRIIAA DDEE MMIINNAASS GGEERRAAIISS CCUURRSSOO DDEE EENNGGEENNHHAARRIIAA DDEE PPRROODDUUÇÇÃÃOO TTRRAATTAAMMEENNTTOO DDEE EESSGGOOTTOOSS SSAANNIITTÁÁRRIIOOSS EE DDEE EEFFLLUUEENNTTEESS IINNDDUUSSTTRRIIAAIISS OORRGGÂÂNNIICCOOSS HHoonnóórriioo PPeerreeiirraa BBootteellhhoo EEnnggºº CCiivviill ee SSaanniittaarriissttaa MMeessttrree eemm SSaanneeaammeennttoo,, MMeeiioo AAmmbbiieennttee ee RReeccuurrssooss HHííddrriiccooss LLiivvrree DDoocceennttee ((DDoouuttoorr)) eemm EEnnggeennhhaarriiaa SSaanniittáárriiaa ee AAmmbbiieennttaall PPrrooff.. TTiittuullaarr ddaa EEEE UUFFMMGG -- PPrrooff.. TTiittuullaarr ddaa FFEEAAMMIIGG SUMÁRIO 1. IMPORTÂNCIA DO TRATAMENTO DE ESGOTOS E DO REÚSO DA ÁGUA .................. 03 2. CARACTERÍSTICAS DOS EFLUENTES ORGÂNICOS .................................................... 13 2.1. Parâmetros Significativos. Composições Típicas ......................................................... 13 2.2. Monitorização: Importância e Procedimentos .............................................................. 18 3. POLUIÇÃO E AUTODEPURAÇÃO DAS ÁGUAS ............................................................. 20 3.1. Poluição Hídrica. Causas e Consequências ................................................................ 20 3.2. Autodepuração das Águas. Curva de Depleção do Oxigênio ....................................... 23 3.3. Grau de Tratamento .................................................................................................... 32 4. TRATAMENTO DE ÁGUAS RESIDUÁRIAS. VISÃO GERAL DAS TECNOLOGIAS DISPONÍVEIS ................................................................................................................... 33 4.1. Processos Físicos e Químicos. Processos Biológicos Aeróbios e Anaeróbios ............ 33 4.2. Tratamentos Anaeróbios. Fundamentos Teóricos ....................................................... 34 4.3. Reatores Anaeróbios ................................................................................................... 39 4.4. Tratamentos Aeróbios. Estabilização da Matéria Orgânica na Presença de Oxigênio . 39 4.5. Reatores Aeróbios ...................................................................................................... 40 4.6. Processos Combinados. Instalações Típicas. Eficiência. Custos ................................. 43 5. REATORES DE MANTA DE LODO ................................................................................... 51 5.1. Características Gerais e Princípios de Funcionamento ................................................ 51 5.2. Critérios e Parâmetros para o Dimensionamento ....................................................... 54 5.3. Problemas Operacionais ............................................................................................. 55 6. PROCESSO DOS LODOS ATIVADOS .............................................................................. 58 6.1. Características e Variantes do Processo ..................................................................... 58 6.2. Fatores Intervenientes ................................................................................................. 63 6.3. Sistema de Aeração .................................................................................................... 65 6.4. Sedimentação do Lodo (Decantador Secundário) ....................................................... 66 6.5. Problemas Operacionais ............................................................................................. 67 7. LAGOAS DE ESTABILIZAÇÃO .......................................................................................... 69 7.1. Características e Campo de Aplicação ........................................................................ 69 7.2. Tipos de Lagoas .......................................................................................................... 70 7.3. Estabilização da Matéria Orgânica. Fatores Intervenientes ......................................... 73 7.4. Dimensionamento das Lagoas Facultativas pelo Método Empírico ............................. 75 7.5. Lagoas Aeradas .......................................................................................................... 78 7.6. Lagoas Anaeróbias ...................................................................................................... 81 7.7. Lagoas de Aguapés ..................................................................................................... 84 7.8. Lagoas Coadjuvantes .................................................................................................. 85 8. TRATAMENTO DE EFLUENTES INDUSTRIAIS ................................................................ 86 8.1. Características dos Despejos Industriais. Alternativas para o Tratamento ................... 86 8.2. Métodos Gerais de Tratamento. Processos Combinados ............................................ 90 9. TRATAMENTO E DISPOSIÇÃO DO LODO ....................................................................... 93 9.1. Geração, Tratamento e Destinação Final .................................................................... 93 9.2. Composição e Utilização Agrícola ............................................................................... 97 10. ASPECTOS LEGAIS E GERENCIAIS .............................................................................. 103 10.1. Legislação Ambiental Específica ............................................................................. 103 10.2. Controle da Poluição Hídrica. DN 01/2008 – COPAM/CERH ................................... 105 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 112 03 1. IMPORTÂNCIA DO TRATAMENTO DE ESGOTOS E DO REUSO DA ÁGUA. A água e a umidade circulam continuamente em nosso planeta constituindo o chamado ciclo hidrológico. (Figura 1.1) A irradiação solar evapora as águas dos mares, dos lagos, dos cursos superficiais e do solo, provocando ainda a transpiração das plantas e dos animais. Acredita-se que, anualmente, 300.000 Km3 de água são evaporados dos oceanos, enquanto 100.000 Km3 provêm das áreas continentais. Os vapores aquosos sobem e juntam-se para formar as nuvens e, sob certas condições, de temperatura e pressão, a umidade destas condensa-se e cai na terra sob as formas de chuva, granizo ou neve, constituindo as chamadas águas meteóricas. A precipitação total da atmosfera é sempre igual à evaporação por ela recebida. Assim, em cada ano, 400.000 Km3 de água vertem sobre a terra e deste total cerca de 25% cabe às superfícies continentais, constituindo a origem de todos os suprimentos de água doce. Uma parte, depois de molhar a folhagem e o solo, escoa sobre a superfície em direção aos lagos e cursos d'água, outra infiltra-se e uma terceira parcela evapora-se. Uma fração das águas de infiltração fica retida na zona das raízes das plantas, retornando eventualmente à superfície, pela ação dos vegetais ou pela capilaridade do solo; parte, porém, continua a mover-se para baixo até alcançar os aquíferos. Ao juntar-se à massa de água subterrânea, a água infiltrada move-se através dos poros do subsolo podendo reaparecer na superfície em forma de fontes, as quais alimentam os rios.Estes, recebendo o escoamento superficial e as descargas do subsolo, conduzem as águas de volta aos oceanos. Neles desaguam diretamente as águas subterrâneas que não tenham outro processo de descarga, natural ou artificial. A água disponível origina-se, assim, de fontes superficiais ou subterrâneas. Em contato com o ar, o solo e a vida, vegetal e animal, leva consigo impurezas, em suspensão ou em solução, que podem torná-la imprópria ao consumo qualquer que ele seja. Além disso, para garantir sua potabilidade, deve-se tratá-la adequadamente e preservar as suas condições naturais, de modo que os processos de purificação artificial não venham a ficar comprometidos, pela deterioração da qualidade da água "in natura", em decorrência das atividades e ações humanas. Por outro lado as águas servidas, resultantes das atividades higiênicas domésticas e dos usos públicos, comerciais, industriais e agrícolas, são descarregadas nos corpos d'água receptores. Na maioria das vezes, são lançadas sem qualquer tratamento e, assim, passam a constituir uma carga de poluição que, dependendo da magnitude, poderá impedir ou dificultar a utilização da água para múltiplas finalidades. As águas de abastecimento devem sempre ser distribuídas puras. A população mundial não pode continuar acreditando que as fontes de suprimento são ilimitadas. Deverão ser tomadas medidas de caráter global para conservar e proteger os recursos hidráulicos, a fim de assegurar a prosperidade e o crescimento econômico das nações. Não há propriamente, grande escassez de água na hidrosfera (Quadros 1.1 e 1.2). O que existe é um volume predominante de água salgada, nos oceanos e mares, assim como de água congelada, nas calotas polares, o que dificulta ou impede a sua utilização, visto não se dispor ainda de uma tecnologia capaz de possibilitar o seu aproveitamento econômico, sob estas formas. 04 F IG U R A 1 .1 : C IC L O H ID R O L Ó G IC O (D E B R IG G S , G E R A L D F , 1 9 6 9 , F E U F P R /O P A S ) 05 As reservas de água doce, em sua quase totalidade, encontram-se nos lençóis subterrâneos, cuja extração requer tecnologia avançada, às vezes onerosa e nem sempre disponível em nosso meio. As águas superficiais, menos abundantes, não se encontram uniformemente distribuídas, havendo regiões muito bem aquinhoadas em relação a outras onde se registra uma grande aridez. A importância da água para o desenvolvimento sócio-econômico, diversifica a sua utilização e impõe também a necessidade de controlar a sua qualidade, quer para o consumo industrial e agrícola, quer para a psicultura e as atividades recreativas, ou ainda para a navegação em hidrovias. A poluição hídrica atinge os seres humanos bem como os animais e os vegetais. Assim, a vida, em qualquer de suas formas, é diretamente afetada pela deterioração da qualidade da água. A poluição, por outro lado, cria um sério problema qual seja o de encontrar um meio ao mesmo tempo eficaz e econômico, para o seu controle. Daí a necessidade cada vez mais premente, de se dispor de melhores e mais amplos conhecimentos bem como de dados mais exatos e confiáveis, a fim de que se tenha maior segurança para projetar o sistema de controle, colocá-lo em funcionamento e avaliar o seu rendimento. Reservas (Km 3 ) ( % ) Oceanos 1.300.000.000 97,2472 Gelo e capas polares 28.500.000 2,1319 Vapor d'água atmosférico 12.700 0,0010 Águas dos Continentes 8.289.230 0,6199 TOTAL 1.336.801.930 100,0000 Volume Quadro 1.1: Reservas Mundiais de Água Água Fonte: UNESCO Reservas (Km 3 ) ( % ) Lagos de água salgada e mares interiores 100.000 1,2064 Águas subterrâneas 8.000.000 96,5108 Águas do solo, próximas à superfície 65.000 0,7841 Águas superficiais 124.230 1,4987 Lagos de água doce 123.000 1,4838 Curso de água (média) 1.230 0,0149 TOTAL 8.289.230 100,0000 Volume Quadro 1.2: Reservas Continentais de Água Fonte: UNESCO 06 Há quem afirme que o grau de tecnologia necessário à prevenção da contaminação das águas, já foi alcançado e que as limitações ao seu emprego são de ordem financeira ou causadas pela existência de barreiras institucionais, de um ou de outro tipo. Em muitos casos isso não é verdade e, no futuro, a redução da poluição aquática dependerá cada vez mais dos avanços tecnológicos, à medida em que forem desaparecendo as barreiras artificiais para a sua aplicação. A maior parte dos problemas de poluição das águas se agrava porque os governos não dedicaram, no devido tempo, atenção necessária à matéria. As indústrias, por seu turno, sempre alegaram que a construção de instalações depuradoras de águas residuárias, representava um encargo financeiro insuportável. Confiou-se sempre e de uma maneira exagerada, na capacidade de autopurificação dos rios e lagos. No passado os problemas eram de ordem local ou municipal; hoje com as transformações havidas numa sociedade em expansão, o quadro é inteiramente diferente. A urbanização, a elevação do nível sócio-econômico das populações, a extensão das áreas municipais até as zonas industriais formando um conglomerado único, provocaram o aumento de volume e a diversificação da natureza das águas residuárias municipais. Atualmente, com o advento da série 14.000 da ISO - Internacional Standartization Organization, a produção industrial, além da qualidade do produto, deverá atender também aos aspectos de gestão ambiental, análise do ciclo vital do bem produzido e avaliação de desempenho, que garantam a qualidade da vida e o ambiente saudáveis. De forma simplificada a ISO-14.000, abrange duas grandes vertentes, uma direcionada para o produto e outra para a organização. À médio prazo permitirá a identificação de áreas degradadas, impactos ambientais e avaliação de riscos, assim como a preparação de planos de emergência, auditorias ambientais e novos projetos para o meio ambiente. A longo prazo possibilitará a produção de bens através de processos mais limpos, conservação dos recursos naturais, gestão racional do uso de energia, reutilização de resíduos industriais e redução global da poluição. Portanto, a modernização do parque industrial e a capacitação para competir numa economia globalizada, implicará também numa postura consentânea com os presupostos básicos da abordagem ecológica para o crescimento sustentado. A variada produção de bens de consumo e o aparecimento de indústrias cada vez mais sofisticadas, estão ocasionando o aparecimento de despejos mais complexos, incluindo-se entre eles os que desafiam a capacidade dos técnicos para tratá-los ou mesmo para detectar a sua presença na água. A generalização do uso de fertilizantes químicos e de praguicidas nas atividades agropecuárias, tem acarretado novos problemas de contaminação, em decorrência da drenagem do solo. Ademais, o uso crescente da energia nuclear e a utilização de materiais radioativos poderá no futuro, agravar o problema da contaminação das águas, se os rejeitos produzidos não forem devidamente acondicionados e dispostos. Os processos convencionais de tratamento de águas residuárias, estão sendo utilizados ao máximo para conter a poluição dentro de certos limites, mas para um número cada vez maior de cidades estes processos se revelam inadequados. Existe uma preocupação crescente com respeito à eficiência das instalações depuradoras, à medida que cresce e se diversifica a massa de contaminantes químicos e biológicos. 07 No Brasil de um modo geral e, em Minas Gerais em particular, as áreas densamente povoadas continuam desaguando seus despejos em corpos d'água mais ou menos importantes, com um grau de tratamento mínimo ou mesmo inexistente. Em consequência a poluição das águas tem crescido assustadoramente,ficando cada vez mais difícil e dispendioso combatê-la. O despejo direto de efluentes nas coleções naturais de água, constitui problema complexo, que pode acarretar inconvenientes os mais diversos, dependendo estes das condições locais, sobretudo do volume e natureza dos esgotos, vazão e características físicas, químicas e biológicas das águas receptoras. Na análise das principais consequências do lançamento podem ser distinguidas as formas de poluição: física, química, biológica, radioativa e térmica. Essa realidade estabelece um limite, quanto à higiene e segurança, para utilização da água, do qual estamos nos aproximando rapidamente, à medida que o consumo aumenta em rítmo acelerado. A reutilização sucessiva da água é hoje uma evidência, que não se pode ignorar, daí a necessidade premente do planejamento global dos recursos hídricos, de modo que se obtenha a otimização do seu uso, em todos os seus aspectos. Portanto, o controle da poluição e o tratamento dos despejos líquidos, constitui uma das mais importantes questões dos tempos hodiernos, tanto do ponto de vista sanitário, quanto do desenvolvimento comprometido com a preservação do meio ambiente, em condições saudáveis. Além disso, a escassez de água e a obrigação de pagar pelo seu uso (consumidor-pagador) e as sanções econômicas pela poluição dos recursos hídricos (poluidor-pagador), criam um cenário novo, ao qual as empresas terão que se adaptar rapidamente. O reuso de recursos hídricos pressupõe a aplicação de tecnologias, cujo grau de eficiência depende dos fins aos quais a água se destina e de como ela foi usada anteriormente. O que dificulta, entretanto, a conceituação precisa da expressão “reuso de água” é a definição do exato momento a partir do qual se admite que a reutilização está sendo feita. Por exemplo, entre uma comunidade que capta água de um grande rio que recebeu os esgotos de uma metrópole e uma outra cidade, às margens de outro grande rio, onde apenas algumas pessoas lançam despejos líquidos, existem diferenças acentuadas em termos de diluição, distâncias percorridas pelos efluentes e fatores naturais referentes à recuperação da qualidade das águas desses rios. Sendo assim, é impossível determinar o instante preciso em que foi iniciado o reuso. Este fica evidente, entretanto, quando se trata da utilização direta de efluentes, tratados ou não. A prática de lançar águas residuárias em corpos de água superficiais, sejam elas brutas ou depuradas, é a solução normalmente utilizada no mundo inteiro. Tais corpos de água podem servir como fontes de abastecimento de várias comunidades, havendo casos em que a mesma cidade descarrega seus esgotos e faz uso do mesmo corpo hídrico como manancial de água para consumo humano. Deste modo a caracterização do reuso deve levar em consideração as vazões dos esgotos e do corpo receptor. De maneira geral, o processo pode ocorrer de forma direta ou indireta e por ações planejadas ou não. 08 De acordo com a OMS - Organização Mundial da Saúde, tem-se: Reuso indireto: ocorre quando a água já servida, após consumo doméstico ou industrial, é descarregada em águas superficiais ou subterrâneas e utilizada novamente a jusante, de forma diluída; Reuso direto: é a utilização planejada e deliberada de esgotos tratados, para certas finalidades como irrigação, abastecimento industrial, recarga de aqüíferos e até mesmo consumo humano; Reciclagem: é o reuso da água nas dependências internas das industrias, tendo como objetivo a economia e o controle da poluição hídrica. Assim o termo reuso é empregado para designar descargas de efluentes que são subseqüentemente utilizados por outros usuários, diferentes do original. A reciclagem é definida como o reuso interno da água, para o uso original, em circuito fechado. O reuso indireto pode ser intencional ou não intencional. No primeiro caso enquadra-se a reutilização indireta que decorre de descargas planejadas à montante ou de recargas planejadas do aqüífero subterrâneo. O reuso direto planejado, para consumo humano, pode ser classificado como reciclagem, desde que os efluentes tratados sejam utilizados novamente pela mesma entidade que os produziu. A Figura 1.2, apresenta uma classificação mais abrangente do reuso de água. A terminologia empregada pode ser assim definida: Reuso indireto não planejado: ocorre quando a água já utilizada, uma ou mais vezes, é descarregada no ambiente e novamente utilizada a jusante, em sua forma diluída, de maneira não controlada. Reuso planejado: verifica-se quando o processo resulta de ação consciente, podendo o efluente ser usado de forma direta ou indireta. O reuso intencional direto pressupõe a existência de um sistema de tratamento que atenda aos padrões de qualidade requeridos pelo novo uso da água. Neste caso, os efluentes poderão sofrer tratamento adicional e/ou armazenamento, mas em momento algum são despejados em águas receptoras. O reuso planejado indireto, implica no controle da descarga de montante e da captação a jusante, além do monitoramento de eventuais lançamentos no percurso. Os objetivos visam melhorar a qualidade do efluente tratado, modular as vazões, armazenar a água ou mesmo atender motivações psicológicas para os usuários. O reuso potável direto ocorre quando os esgotos submetidos a tratamentos avançados são diretamente reutilizados no sistema de água potável. Em nosso meio, tal prática é inviável para a maioria dos efluentes, seja por questões culturais, seja pelos riscos decorrentes da falta de controle rigoroso. Além disso, os custos envolvidos podem tomar o processo inviável sob o aspecto econômico. O reuso potável indireto é o caso em que o efluente tratado é lançado em águas superficiais ou subterrâneas, antes de ser novamente utilizado como água potável. Deste modo beneficia-se da autodepuração natural, antes da nova captação e subseqüente tratamento. O reuso não potável abrange a utilização agrícola, industrial, recreativa, doméstica e para a aqüicultura. Além destas, vale ressaltar a recarga de aqüíferos e o reforço da vazão nos mananciais de superfície. 09 FIGURA 1.2: MODALIDADES DE REUSO DE ÁGUA 10 Os agravos à saúde e ao meio ambiente, associados à reutilização de águas servidas, decorrem da poluição hídrica e das limitações tecnológicas e econômicas, para a depuração dos efluentes. Apesar dos avanços obtidos nos últimos anos, nem todas as substâncias indesejadas podem ser removidas por meio de processos convencionais de tratamento. Assim sendo, é necessário compatibilizar as relações custo/benefício e custo/eficácia, tendo em vista que quanto mais nobre o uso, mais alto será o investimento necessário. A escassez e a baixa qualidade das águas, vem fazendo com que a avaliação e o gerenciamento dos riscos, sejam um dos principais desafios para o reuso das mesmas. Uma das tarefas mais importantes para a análise de risco é fornecer aos tomadores de decisões, critérios e processos os mais claros e precisos possíveis. Tais características são fundamentais para a elaboração de programas consistentes. A avaliação de riscos pode ser entendida como o conjunto de metodologias que calculam e avaliam a probabilidade de um efeito adverso ser provocado por agentes físicos, químicos ou biológicos, emanados do processo industrial ou resultantes da tecnologia utilizada. A definição de efeito adverso é um julgamento de valor, podendo se constituir de mortes, doenças, diminuição da qualidade de vida, prejuízos econômicos, danos ambientais e outros. O gerenciamento de riscos é o conjunto de normas, regras e procedimentos, objetivando controlar e minimizar danos pessoais, sociais e econômicos. A questão é julgar se um determinado risco é aceitável ou não. Esta decisão envolve aspectos éticos, políticos,sociais e técnicos, da maior relevância. Existem vários métodos que auxiliam a tomada de decisão como os tradicionais balanços risco/benefício e custo/benefício, assim como a análise comparativa de riscos. Nenhum método é aplicável a todos os casos e, em geral, uma combinação deles é sempre necessária. O objetivo é garantir que a decisão tomada resulte em proteção adequada ao ser humano e ao ambiente como um todo em consonância como a viabilidade técnica e econômica das medidas de controle a serem adotadas. Portanto, a segurança, no sentido mais amplo, é o parâmetro fundamental para o gerenciamento de risco. Entretanto, um programa de avaliação de riscos não permite traçar uma linha definitiva entre o que é ou não é seguro, se a segurança for entendida como ausência total de perigo. A garantia absoluta só existe se o agente não for usado para nenhum fim ou, em outras palavras, se a exposição ao risco não ocorrer. O grande desafio para as entidades gestoras de recursos hídricos, refere-se ao balanço entre a oferta e a demanda de água. No Brasil, a agricultura consome, atualmente, cerca de 70% da água utilizada. Os 30% restantes destinam-se aos usos domésticos e industriais, em partes iguais. É muito provável que o consumo agrícola, ainda nesta década, atinja a 80%, aumentando os conflitos hoje existentes na maioria das bacias hidrográficas. 11 Nas regiões áridas e semi-áridas, a água tornou-se um fator limitativo para o desenvolvimento urbano, industrial e agrícola. Entretanto, o fenômeno da escassez não é exclusivo dessas regiões. Muitas áreas com precipitações pluviométricas significativas mas insuficientes para atender as demandas excessivamente elevadas, também enfrentam a crise que afeta o desenvolvimento econômico e a qualidade da vida. Nessas condições, o conceito de “substituição de fontes” mostra-se como a alternativa mais plausível para satisfazer as demandas menos restritas, liberando as águas de melhor qualidade para usos mais nobres, como o abastecimento doméstico. Em 1958, o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, recomendou que, em áreas carentes, nenhuma água de boa qualidade deve ser utilizada em consumos que tolerem uma qualidade inferior. As águas tais como as pluviais, as residuárias, as de drenagem agrícola e as salobras, sempre que possível, devem ser destinadas como fontes alternativas para usos menos exigentes. A água, considerada o insumo do século, é um recurso renovável através do ciclo hidrológico. Quando reciclada por sistemas naturais, é limpa e segura, sendo deteriorada a níveis diferentes de poluição por meio da atividade antrópica. Entretanto, uma vez poluída, a água pode ser recuperada e/ou reutilizada para fins diversos. A qualidade da água utilizada e o objeto específico do reuso estabelecerão os níveis de tratamento recomendados, os critérios de segurança a serem adotados, os custos de capital, de operação e de manutenção associados. As possibilidades e formas potenciais de reuso dependem, evidentemente, de características, condições e fatores locais, tais como decisão política, disponibilidade e atendimento à legislação. Embora existam muitas possibilidades de reutilização de água no Brasil, para satisfazer a uma variada demanda, as mais significativas são o reuso urbano, industrial, rural e o destinado à recarga artificial de aquíferos. O reuso para fins industriais pode ser visualizado sob múltiplos aspectos, de acordo com as possibilidades existentes no contexto interno ou externo das fábricas. O reuso com o aproveitamento de fontes externas, pode ser efetuado por companhias estaduais ou municipais de saneamento, capazes de fornecer esgotos tratados como água de utilidade para indústrias isoladas ou em conjunto. O sistema de tratamento adicional necessário, para atender aos padrões de qualidade, deve apresentar viabilidade técnica e econômica; geralmente é viável quando existe concentração de indústrias, que se associem, num raio de aproximadamente 5 Km, em torno da estação de tratamento e recuperação da água para reuso. Em São Paulo, onde o custo da água industrial é da ordem de R$ 6,00/m3, tem-se obtido custos marginais próximos de R$ 2,00/m3, com uma economia de 67%. Geralmente, a grande demanda industrial refere-se às águas de reposição, nas torres de resfriamento, que corresponde a consumos elevados, facilitando a viabilidade do empreendimento. 12 Os usos industriais que apresentam possibilidade de reutilização de água, são basicamente os seguintes: Torres de resfriamento; Caldeiras; Lavagem de peças e equipamentos, principalmente nas indústrias mecânicas e metalúrgicas; Irrigação de áreas verdes, lavagens de pisos e de veículos; Processos industriais; Lavagem de gases de chaminés. Os custos elevados das águas industriais, têm estimulado o reuso interno, sobretudo em regiões metropolitanas. Essa tendência tende a se ampliar em face da nova legislação brasileira, associada aos instrumentos de outorga e cobrança pela utilização dos recursos hídricos, tanto na tomada de água como no lançamento de efluentes. Estes instrumentos estão sendo implantados pela Agência Nacional de Águas - ANA, em todo o País. As indústrias serão, automaticamente, induzidas a reduzir o consumo de água, por uma sistemática de racionalização, reuso e abatimento das cargas poluidoras, por meio de sistemas avançados de tratamento. Dentro do critério de estabelecer prioridades para usos que já possuam demanda imediata e que não exijam níveis elevados de tratamento, é geralmente conveniente concentrar nas torres de resfriamento, a fase inicial do reuso interno. A utilização de esgotos tratados para refrigeração gera uma pequena desvantagem em relação ao uso de águas naturais, pelo fato de que aqueles possuem temperatura um pouco mais elevada. Em compensação, apresentam oscilação de temperatura muito menor, tornando os sistemas de resfriamento mais estáveis. O reuso interno específico consiste em efetuar a reciclagem de efluentes de quaisquer processos industriais, seja para usá-los no mesmo local de geração ou em outras operações que se desenvolvam em seqüência e que suportem qualidade compatível. Neste caso incluem-se as torres de resfriamento, a produção de vapor nas caldeiras e as águas de processo, de várias tipologias, excluídas as da indústria alimentícia. No caso particular das Usinas de Beneficiamento de Leite e Laticínios em geral, há uma perspectiva muito favorável ao reuso de água para irrigação de áreas verdes, extinção de poeiras, lavagem de veículos, descargas sanitárias, lavagem de pisos e instalações, resfriamento, produção de vapor e outros consumos das centrais de utilidades. Obviamente, quanto mais nobre o uso, maiores deverão ser os cuidados com o controle de qualidade da água reutilizada. O desvio do efluente industrial tratado, para uma Estação de Tratamento de Água – ETA, amplia enormemente a possibilidade de atender às mais variadas demandas. Entretanto, tais procedimentos devem ser precedidos de estudos de viabilidade econômico-financeira, para que se possa avaliar, com propriedade, a relação custo / benefício do empreendimento. 13 2 . CARACTERÍSTICAS DOS EFLUENTES ORGÂNICOS 2.1. Parâmetros Significativos. Composições Típicas Os esgotos domésticos contém, aproximadamente, 99,9% de água e 0,01% de matéria sólida, esta constituída de sólidos orgânicos e inorgânicos, suspensos e dissolvidos, além de microorganismos diversos. Esta fração de 0,01% é que torna necessária a depuração dos mesmos. A composição dos esgotos sanitários é função dos usos das águas de abastecimento e varia com o clima, os hábitos e as condições sócio-econômicas da população, presença de efluentes industriais, infiltração de águas pluviais, idade das águas residuárias e outros fatores. As característicasdos efluentes industriais, por seu torno, refletem o processamento da matéria prima e as transformações da mesma até o produto final. Nem sempre é necessário ou viável, a determinação de todos os compostos presentes nos despejos líquidos, não somente pela dificuldade da realização de várias análises laboratoriais incluindo os custos respectivos, como também pelo fato de que os resultados em si, não apresentam maior interesse prático, seja para o projeto ou a operação dos sistemas de tratamento. Por isso, é necessária a escolha de parâmetros representativos que, direta ou indiretamente, possam revelar o caráter poluidor dos efluentes, sem onerar demasiadamente a monitorização. Tais parâmetros podem ser classificados em três categorias: físicos, químicos e biológicos. Os parâmetros físicos mais importantes são a temperatura, o odor, a cor e a turbidez. A temperatura, em geral, é ligeiramente superior à das águas de abastecimento podendo atingir valores elevados em determinados efluentes industriais. O odor é uma propriedade organoléptica bastante variável. No esgoto doméstico fresco é ligeiramente desagradável, tornando-se bastante fétido no esgoto séptico, devido à presença de compostos de enxofre, especialmente o gás sulfídrico (H2S). A cor é ligeiramente cinza no esgoto fresco passando a cinza escuro ou preto no estado séptico. Nos digestores aeróbios o líquido apresenta-se marron. A turbidez é causada pela presença de sólidos em suspensão, manifestando-se mais elevada nos esgotos brutos ou muito concentrados. As características químicas das águas residuárias são avaliadas pela determinação do conteúdo em sólidos, matéria orgânica, óleos e graxas, pH, alcalinidade, nutrientes (N,P) e, eventualmente, biocidas, fenóis, cianetos e metais pesados tóxicos. As análises respectivas podem ser assim classificadas: 14 1 - Sólidos totais (ST), orgânicos (SV) e inorgânicos (SF); suspensos (SS) e dissolvi- dos (SD); sólidos sedimentáveis (RS). - Em suspensão, não filtráveis (partículas e coloides: > 1) fixos ou inorgânicos: componentes minerais inertes, não incineráveis. voláteis ou orgânicos: componentes orgânicos, obtidos pela ignição. - Dissolvidos, filtráveis (coloides, moléculas e íons, dimensões inferiores a 1) fixos ou inorgânicos: componentes minerais. voláteis ou orgânicos: componentes orgânicos. - Sedimentáveis: fração dos sólidos totais que se sedimenta no cone IMHOFF, num tempo determinado, em geral 1h (cm3/l = ml/l) 2 - Oxigênio Dissolvido (OD): é o parâmetro mais importante para o controle da poluição. A concentração de oxigênio nos corpos de água, depende fundamentalmente da temperatura e da pressão. Em con- dições normais (T = 20º C e P = 760 mm Hg) a saturação de oxigênio, na água limpa, é de 9,17 mg/l. A presença de oxigênio, no seio da massa líquida, é tanto mais saudá- vel quanto mais próxima da saturação. A ausência de oxigênio revela pronunciada poluição. 3 - Matéria Orgânica: mistura heterogênea de compostos orgânicos. Principais com- ponentes: proteínas, glicídios e lipídios. - Determinação Indireta: medida pelo consumo de oxigênio. Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO): associada à fração biodegradável de compostos orgânicos carbonáceos (CHO). Revela o con- sumo de oxigênio no metabolismo de microorganismos aeró- bios, para a estabilização bioquímica da matéria orgânica. DBO 20 Demanda bioquímica de oxigênio, em cinco dias, com a amos- 5 tra incubada a 20 ºC (valor padrão). DBO T Demanda bioquímica total ou de 1o estágio ou última. Represen- t ta o consumo total de oxigênio, requerido para a estabilização completa da matéria orgânica, ao final do tempo t, em geral su- perior a 20 dias e na temperatura considerada (T ºC) 15 Demanda Química de Oxigênio (DQO): Representa a quantidade de oxigênio necessária para oxidar quimicamente a matéria orgânica e inorgânica presente na amostra. Utiliza oxidantes fortes como o permanganato (KMnO4) ou, de preferência, o dicro- mato de potássio (K2Cr2O7). - Determinação Direta: medida pela produção de gás carbônico. Carbono Orgânico Total (COT):Medida direta da matéria orgânica carbonácea, através da conversão do carbono orgânico em gás carbônico (CO2). 4 - Óleos e Graxas (OG): Parcela da matéria orgânica solúvel em hexanos. 5 - Nitrogênio Total (N): Inclui o nitrogênio orgânico, amônia, nitrito e nitrato. É a soma de todos os compostos de nitrogênio. - Nitrogênio orgânico: Encontra-se na forma de proteínas, aminoácidos e uréia. - Nitrogênio KJELDAHL(NK): É a soma do nitrogênio orgânigo e da amônia (NH3) Amônia (NH3): Resultante da decomposição do nitrogênio orgânico. Nitrito (NO2): Estágio intermediário da oxidação da amônia. Nitrato (NO3): Produto final do ciclo do nitrogênio, resultante da oxidação dos nitritos. 6 - Fósforo (P): Encontra-se na forma orgânica ou de sais minerais. - Fósforo Orgânico: Combinado com a matéria orgânica. - Fósforo Inorgânico: Ortofosfatos e polifosfatos. 7 - Concentração Hidrogeniônica (pH): Obtida pela dissolução eletrolítica. Indicador das características ácidas, básicas ou neutras dos esgotos. 8 - Alcalinidade, em CaCo3: Indicadora da capacidade tampão do meio, ou seja, da resis- tência às variações do pH. Causada pela presença de hidróxidos, carbonatos e bicarbonatos. 9 - Cloretos (Cl): Oriundos das águas de abastecimento, dejetos humanos e resíduos industriais. 10 - Detergentes (ABS): Provenientes dos produtos de limpeza. Podem interferir nos processos de tratamento de esgotos. 16 No caso dos efluentes industriais, além dos parâmetros mencionados, pode haver a necessidade de monitorizar os metais pesados, micropoluentes orgânicos, como os biocidas e fenóis, além de substâncias tóxicas como os fluoretos, sulfetos e cianetos. Em cada caso, a eleição dos parâmetros de maior significância, deve ser precedida de um exame criterioso das peculiaridades locais, de modo a evitar omissões comprometedoras ou custos desnecessários. Os principais microorganismos presentesnos esgotos são: 1 - Bactérias: - Organismos protistas unicelulares, procariotas; - Possuem várias formas (cocos, bacilos, espirilos) e tamanhos (1 a 4 ); - São principalmente heterotróficas, saprófitas e de vida livre; - Podem ser aeróbias, anaeróbias ou facultativas; - São os principais agentes da estabilização da matéria orgânica; - Algumas são patogênicas, podendo causar doenças intestinais (Sal- monelas, Shigelas, Vibriões, etc). 2 - Fungos: - Organismos aeróbios, multicelulares, heterotróficos; - São também muito importantes na decomposição da matéria orgânica; - Podem crescer em ambientes de baixo pH. 3 - Protozoários: - Organismos unicelulares do grupo dos protistas, eucariotas (amebas, flagelados e ciliados); - A maioria é aeróbia ou facultativa; - Alimentam-se de bactérias, algas e outros microorganismos; - São essenciais à manutenção do equilíbrio vital na biomassa; - Algumas espécies são patogênicas como a ameba (E. hystolítica) e a giárdia (G. lambria). 4 - Vírus Entéricos - Parasitos intracelulares estritos, formados pela associação de uma carapaça protéica e material genético (DNA ou RNA); - Alguns tipos encontrados nos esgotos são patogênicos (Poliovirus, vírus cossakie, hepato vírus, adenovirus e virus ECHO). 5 - Helmintos - Animais superiores, tais como áscaris, necator, shistosoma e outros; - Os ovos e as larvas, presentes nos esgotos domésticos, podem disseminar muitas verminoses. O Quadro 1.3 apresenta a composição típica dos esgotos sanitários, em relação aos parâmetros mais importantes. As características dos efluentes industriais são muito variadas em função das peculiaridades de cada indústria. De um modo geral, destacam-se os despejos orgânicos, biodegradáveis, de natureza semelhante aos esgotos domésticos e os despejos inorgânicos provenientes da indústria química. Além destes, existem os despejos especiais ou exóticos, como os das refinarias de petróleo e indústria petroquímica, os da indústria farmacêutica, os radioativos e outros. 17 QUADRO 1.3: COMPOSIÇÃO QUÍMICA E BIOLÓGICA DOS ESGOTOS SANITÁRIOS Parâmetro Contribuição "per capita" (g/hab x dia) Concentração (mg/l) Faixa Valor típico Intervalo Valor Típico Sólidos Totais 120 - 220 180 700 - 1 350 1 100 * Em suspensão 35 - 70 60 200 - 450 400 - Fixos (inorgânicos) 10 - 15 10 40 - 100 80 - Voláteis (orgânicos) 25 - 55 50 160 - 350 320 * Dissolvidos 85 - 150 120 500 - 900 700 - Fixos (inorgânicos) 50 - 90 70 300 - 550 400 - Voláteis (orgânicos) 35 - 60 50 200 - 350 300 * Sedimentáveis (ml/l) - - 10 - 20 15 DBO5 40 - 60 54 250 - 350 300 DBO20 total 60 - 90 75 365 - 500 450 DQO 80 - 130 90 415 - 600 500 COT 30 - 60 45 170 - 350 250 Nitrogênio Total (N) 6,0 - 40,0 8,0 35 - 70 50 * N. orgânico 2,5 - 5,0 3,5 15 - 30 20 * N. amoniacal (NH3) 3,5 - 7,0 4,5 20 - 40 30 * N. nítroso (NO2) traços traços traços zero * N. Nítrico (NO3) 0,0 - 0,5 traços 0 - 2 zero Fósforo Total (P) 1,0 - 4,5 2,5 5 - 25 14 * Fósforo orgânico 0,3 - 1,5 0,8 2 - 8 4 * Fósforo inorgânico 0,7 - 3,0 1,7 3 - 17 10 pH - - 6,7 - 7,5 7,0 Alcalinidade (CaCO3) 20 - 30 25 110 - 170 140 Cloretos 4 - 8 6 20 - 50 35 Óleos e Graxas 10 - 30 20 55 - 170 110 Microorganismos Contribuição "per capita"(ORG/hab x dia) Concentração (ORG / 100 ml) Bactérias Totais 10 12 - 10 13 10 9 - 10 10 Coliformes Totais (CT) 109 - 1012 106 - 109 Coliformes Fecais (CF) 10 8 - 10 11 10 5 - 10 8 Estreptococos Fecais (EF) 10 8 - 10 9 10 5 - 10 6 Protozoários (cistos) < 10 6 < 10 3 Helmintos (ovos) < 106 < 103 Virus Entéricos 10 5 - 10 7 10 2 - 10 4 Fontes: Metcalf & Eddy ; Von Sperling, M e Botelho, H.P. 18 2.2. Monitorização. Importância e Procedimentos A monitorização dos efluentes líquidos deve ser encarada como o mais poderoso instrumento de gestão dos recursos hídricos. Permite avaliar a natureza e a magnitude da poluição das águas; possibilita o controle do desempenho das instalações depuradoras de águas residuárias; orienta os técnicos, as autoridades e os empresários; contribui para o esclarecimento da opinião pública, em geral; fornece os elementos indispensáveis à constituição de bancos de dados para o acompanhamento da evolução dos acontecimentos. O monitoramento, enfim, instrumentaliza as ações que devam ser tomadas em defesa do meio ambiente e benefício público. Somente em última instância deve ser usado como mecanismo de punição. O ideal seria que os órgãos fiscalizadores da política ambiental se responsabilizassem diretamente pela monitorização de efluentes industriais. Enquanto isso não for possível, cumpre estimular o automonitoramento, cercando-o dos cuidados indispensáveis à sua credibilidade. Para tanto é necessária a idoneidade dos laboratórios e a consciência profissional dos envolvidos no processo. Mas é imprescindível também que se evite usá-lo para sanções apressadas sem que haja tempo suficiente para as indústrias sanar os problemas identificados. Isso poderia ocasionar um desestímulo para aperfeiçoamento e uso adequado da automonitorização. Existem dois tipos de monitorização: contínua e intermitente. O monitoramento contínuo se faz através de estações fixas ou móveis, estas últimas montadas em veículos apropriados. A monitorização intermitente é realizada através de campanhas sazonais, semestrais, mensais, quinzenais, semanais ou mesmo diárias. A freqüência é estabelecida em função dos objetivos que se tem em vista. A monitorização contínua depende de recursos tecnológicos mais sofisticados, que permitam a colheita automática de amostras em intervalos programados, a realização "in loco" das análises de um elenco de parâmetros representativos, o processamento local dos resultados e a remessa automática dos dados para o sistema central computadorizado. Naturalmente, esses procedimentos avançados, que se encontram disponíveis nos paises desenvolvidos, são escassos em nosso meio. As campanhas de amostragem baseiam-se em alguns pressupostos básicos, a saber: - Escolha judiciosa dos pontos de amostragem; - Definição da freqüência das coletas; - Seleção adequada do elenco de parâmetros; - Adoção de métodos apropriados para a coleta e o transporte das amostras; - Realização das análises laboratoriais segundos métodos padronizados, como os da APHA (Standart Methods for the Examination of Water and Wastewater). - Processamento e interpretação correta dos dados laboratoriais. 19 O valor de qualquer resultado de laboratório depende da integridade da amostra. O propósito da amostragem é recolher uma porção do líquido a ser analisado, sendo essa porção suficientemente pequena em volume, para ser convenientemente manuseada, e, ao mesmo tempo, representativa. Deve ser recolhida de tal forma que não se agregue e nem se perca nada da porção tomada, nem ocorra variação durante o transcorrer do tempo entre a coleta e o exame no laboratório. Para evitar essas variações é necessário o uso de substâncias preservativas, que são especificadas de acordo com o parâmetro que se deseja avaliar. A amostragem pode ser simples ou composta. Amostragem simples é aquela onde a coleta é feita apenas em um determinado instante, sendo obrigatoriamente utilizada em efluentes em batelada e em análises de gases dissolvidos, cloro residual, sulfetos, temperatura, pH e óleos e graxas. Pode também ser utilizada em efluentes de características relativamente constantes, no que diz respeito à vazão e à concentração. Nestes casos podem ser tomadas alíquotas constantes durante a campanha. No caso de flutuações de vazão e modificações acentuadas de concentração, as alíquotas devem ser proporcionais à vazão, no momento da coleta. Neste caso, a amostragem é denominadacomposta e, em geral, é usada para determinar as características de efluentes industriais e sanitários. No caso do controle da poluição dos rios, os pontos de amostragem devem situar-se à montante e à jusante dos lançamentos de despejos, assim como antes e depois da confluência de afluentes importantes, quer quanto à vazão quer quanto ao transporte de cargas poluidoras significativas. Para se avaliar o desempenho de uma ETE - Estação de Tratamento de Esgotos, a colheita de amostras deve ser feita, pelo menos, na entrada (afluente bruto) e na saída (efluente tratado), podendo ainda haver outros pontos intermediários, quando se tornar necessário avaliar a eficiência de determinadas unidades ou resolver problemas operacionais específicos. Em síntese os fatores a serem considerados nos programas de amostragem são: - Definição clara dos objetivos; - Seleção dos parâmetros e dos locais de amostragem; - Determinação do número de amostras e tempo de amostragem; - Seleção dos métodos analíticos; - Definição dos métodos de coleta e de preservação das amostras; - Reavaliação da metodologia e interpretação estatística dos resultados. Por último, vale salientar que, no processamento dos dados é muito importante determinar os parâmetros estatísticos (média, desvio padrão e coeficiente de variação) para que se possa aquilatar a consistência dos achados laboratoriais. Somente assim poder-se-à verificar a conveniência da ampliação da amostra, para captar a variabilidade eventualmente encontrada, quando esta se revelar muito grande. 20 3. POLUIÇÃO E AUTODEPURAÇÃO DAS ÁGUAS 3.1. Poluição Hídrica. Causas e Conseqüências Os poluentes podem atingir as coleções de água diretamente ou, indiretamente, através da poluição atmosférica ou do solo (Figura 3.1). As principais fontes de poluição hídrica são as seguintes: - Minerações; - Desflorestamento. Desmatamento. Erosão; - Agropecuárias: . Fertilizantes. Nutrientes; . Biocidas. Agrotóxicos, (praguicidas, inseticidas, fungicidas, etc); . Produtos veterinários (antibióticos, hormônios, etc). - Esgotos sanitários. Esgotos domésticos: . Matéria orgânica, . Detergentes, . Agentes biológicos (bactérias, protozoários, virus entéricos, helmintos). - Despejos industriais: . Orgânicos; . Inorgânicos; . Biológicos; . Radioativos. Alguns poluentes, não biodegradáveis, são de remoção mais difícil. Dentre eles podem ser mencionados o óleo, os detergentes, os metais pesados, os biocidas e outros micropoluentes orgânicos. As atividades primárias da economia, minerações e explorações agropastorís, em geral, são responsáveis pela maior carga poluidora, podendo ultrapassar a 80% da poluição global. Os esgotos domésticos e os despejos industriais contribuem com os restantes 20%, mais ou menos em partes iguais. Entretanto, as águas residuárias urbanas constituem formas concentradas de poluição, ao passo que as atividades agrícolas e minerárias, apresentam-se bastante difusas no imenso território nacional. Os efeitos da poluição hídrica são bastante variáveis e dependem do uso da água, como se pode observar no Quadro 3.1. Em todos os aspectos os danos são consideráveis, mas nenhum deles é mais importante do que o comprometimento da saúde e da qualidade da vida. A poluição orgânica possui características próprias, sobretudo a biodegradação, podendo ser removida naturalmente, pelos corpos de água receptores, mediante ações físicas, químicas, físico-químicas, bioquímicas e biológicas. A poluição química por substâncias tóxicas, afeta os rios de maneira insidiosa, podendo destruir a vida aquática e causar muitos outros efeitos adversos. 21 F IG U R A 3 .1 : F O N T E S A N T R O P E G Ê N IC A S D A P O L U IÇ Ã O D O S O L O E D A S Á G U A S 22 QUADRO 3.1: DANOS CAUSADOS, PELA POLUIÇÃO, AO USO DA ÁGUA PARA DIFERENTES FINS Nº Usos da Água Danos causados à utilização da água, à jusante do ponto de lançamento de águas residuárias 01 Abastecimento Público Deterioração das características físicas, químicas e biológicas das águas receptoras: Variações bruscas e imprevisíveis na qualidade das águas receptoras e conseqüentes riscos e dificuldades para o tratamento das águas de abastecimento; contaminação química e/ou biológica acarretando malefícios diversos para a saúde dos usuários. Prejuízos econômicos em conseqüência da poluição química (dureza, corrosão, etc). 02 Abastecimento Industrial Limitações para a utilização da água, em conseqüência das alterações de suas características, seja como matéria prima, seja no aquecimento ou refrigeração de equipamentos, seja como meio de transporte ou nos fluxos de processamento industrial. Prejuízos econômicos decorrentes da conservação de instalações e equipamentos. Custo do tratamento. 03 Agricultura e Pecuária Presença de substâncias químicas ou oleosas prejudiciais à irrigação; obstrução de rios e canais; Presença de agentes causadores de doenças; Destruição de plantações por substâncias nocivas nas áreas inundadas pelas enchentes; Poluição química e/ou biológica das águas utilizadas pelos rebanhos podendo causar-lhes doença e morte. Despesas elevadas para proteção dos rebanhos ou plantações; Depreciação do valor das propriedades pela degradação das águas. 04 Piscicultura Morte dos peixes por asfixia, presença de substâncias tóxicas ou obstrução das guelras. Degenerescência e enfraquecimento dos peixes; substituição de espécies mais desejáveis por outras mais resistentes; Desaparecimento de organismos aquáticos inferiores indispensáveis à subsistência dos peixes; Obstrução dos locais adequados à deposição dos ovos; Sedimentação de lodos em áreas que concorrem com alimentos para os peixes; Desvalorização de extensas zonas aquáticas propícias à pesca; Contaminação dos peixes e outros organismos aquáticos. 05 Recreação Contaminação das águas por helmintos, vírus, bactérias, protozoários e outros microorganismos; Contaminação por produtos químicos tóxicos ou agressivos às embarcações; inconvenientes de ordem estética, especialmente quanto ao aspecto, odores, formação de espumas ou de camadas oleosas, corpos flutuantes, matérias em suspensão e depósitos suspeitos. 06 Navegação Formação de bancos de lodos nos canais ou rios navegáveis; Necessidade de dragagem; Ação agressiva das águas e substâncias nelas contidas sobre as estruturas fixas ou flutuantes; Custo de conservação dos canais e estruturas. 07 Aproveitamentos Hidroelétricos Aumento da viscosidade e das resistências ao escoamento; Ataque por produtos químicos agressivos; Corrosão dos equipamentos; Dificuldades e Custos de manutenção. 23 3.2. Autodepuração das Águas. Curva de Depleção do Oxigênio As águas servidas, de natureza essencialmente orgânica, como os esgotos domésticos e determinados efluentes industriais, conduzidos pelos sistemas de esgotamento, até o ponto de lançamento nos corpos de água receptores, neles produzem uma série de transformações que, em seu conjunto, são responsáveis pelo fenômeno conhecido por auto-depuração ou auto-purificação. Em condições normais, um corpo d'água é capaz de receber uma carga apreciável de poluição e de eliminá-la gradativamente, por meio de ações físicas e bioquímicas, que se processam ao longo de largos intervalos de tempo e, no caso de cursos d'água, podendo desencadear-se por vários quilômetros de seu percurso. Por isso, Phelps, foi muito feliz ao dizer "Um rio é algo mais do que um acidente geográfico, uma linha em um mapa, um elemento do terreno. Um rio não pode ser adequadamente descrito simplesmente em termos de topografia e de geologia. Um rio é uma cousa viva, em elemento de energia, de movimento, de transformação". Oliver WendellHolmes, Juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos, em 1930 disse: "Um rio é mais do que uma amenidade, é um verdadeiro tesouro". É necessário considerar qualquer corpo d'água, como um ambiente pleno de vida, puro à sua própria maneira e que em si encerra um equilíbrio vital cujo rompimento acarreta inevitáveis malefícios para a utilização racional dos recursos hídricos proporcionados pela natureza. Portanto, a utilização das águas receptoras para o arrastamento de despejos, somente deve ocorrer quando a matéria presente nestes, não possa causar doenças, nem prejuízos ou inconvenientes de qualquer natureza, pois, a capacidade de regeneração é limitada. Quando os poluentes são descarregados num lago, onde as correntes próximas são lentas, mudando de direção com os ventos, há muita superposição e as mutações processam-se de maneira pouco nítida. Entretanto, se as águas residuárias são lançadas num curso d'água, com descargas uniformes sobre a corrente, as mudanças sucessivas propagam-se a diferentes distâncias do ponto de lançamento, estabelecendo um perfil de contaminação e purificação natural tão bem definido que pode ser convenientemente estudado através de modelos matemáticos. Na maioria das correntes, as modificações longitudinais variam de intensidade com os fatores climáticos e hidrológicos. Assim, a poluição atinge os valores críticos nos períodos quentes e de estiagem, quando se verifica a queda do nível dos rios. Um curso d'água ao receber uma forte carga de matéria orgânica putrescível, a turbidez se eleva e a luz solar não consegue penetrar, ocasionando a morte dos vegetais clorofilados. Estes são os responsáveis pela fotossíntese, através da qual absorvem o bióxido de carbono das águas e lhes proporciona o oxigênio indispensável à manutenção de condições aeróbias. Os organismos que se alimentam de detritos aumentam até equilibrar a disponibilidade de nutrientes. A sua atividade vital reflete-se na magnitude da demanda bioquímica de oxigênio (DBO) com a utilização em grande escala das reservas de oxigênio dissolvido (OD), podendo inclusive atingir a sua completa exaustão e, neste caso, acarretar o aparecimento de condições anaeróbias. O nitrogênio, o carbono, o enxofre, o fósforo e outros nutrientes desenvolvem seus ciclos naturais e as sucessivas populações de organismos vivos decomponhem a matéria orgânica até a sua estabilização. Os elos de uma cadeia alimentar vão se estabelecendo a partir dos nutrientes disponíveis, graças ao crescimento e adptação ao ambiente dos organismos que se estabelecem e se sucedem na competição vital. 24 Dependendo do gradiente hidráulico do rio, a matéria em suspensão ou é arrastada pela corrente ou se deposita no fundo, podendo esses depósitos bentais variar desde delgadas camadas até espessos bancos de lodos. Sua decomposição difere consideravelmente da que existe na água corrente. Em presença do oxigênio dissolvido no fluxo sobrenadante, a decomposição bental, varia de acordo com a profundidade do depósito, desde condições amplamente aeróbias até outras pronunciadamente anaeróbias, influenciando recíprocamente a corrente líquida. O efeito inicial da poluição tende a degradar a qualidade física da água. No momento em que a decomposição se ativa, produzem-se biologicamente mutações que conduzem à degradação química, através de reações bioquímicas. Ao mesmo tempo torna-se evidente a degradação biológica em termos do número e organização dos seres vivos que persistem ou que aparecem no meio aquático, paralelamente ao estabelecimento da cadeia alimentar. Ao longo do curso e no decorrer do tempo, são utilizados os valores energéticos oriundos da carga poluidora. Diminue a DBO e a velocidade de absorção do oxigênio da atmosfera, que no início era lenta, a iguala e finalmente a ultrapassa. A água se clarifica; as plantas verdes desenvolvem-se novamente e passam a produzir oxigênio, através da fotossíntese. Reaparecem os macroorganismos, especialmente os peixes. As águas correntes recuperam a sua pureza original e a autopurificação se completa gradualmente. A autodepuração nunca é rápida e as águas muito poluidas podem percorrer grandes distâncias, durante dias, antes de alcançar um grau apreciável de regeneração. Se a poluição se mantém, contudo, dentro de limites aceitáveis, contribui para a fertilidade da água receptora e para a alimentação das populações aquáticas resultantes, entre as quais se incluem os peixes que se utilizam do nitrogênio, do fósforo e de outros nutrientes disponíveis ("NO PLANCTON, NO FISH" - FORBES). Entretanto, na fertilização das águas, em consequência do lançamento de esgotos domésticos, nunca se pode perder de vista os riscos de disseminação de doenças, através da contaminação dos vegetais e animais; tampouco se pode esquecer o perigo da eutroficação, sobretudo, nos lagos quiescentes. A poluição natural pode provocar a eutroficação natural assim como a "poluição controlada" pode produzir a "eutroficação cultivada", resultantes da administração racional da contaminação das águas. A concentração de oxigênio dissolvido é um dos parâmetros mais significativos para o acompanhamento da evolução da poluição orgânica e da autopurificação de um corpo d'água. Deve-se salientar que na maioria dos países incluindo o Brasil, as legislações de controle da poluição baseiam-se, fundamentalmente, no balanço de oxigênio, indispensável à compreensão das vantagens oferecidas pelo fenômeno da autodepuração. O corpo d'água receptor pode ser considerado como um depurador natural de esgotos, tornando-se necessário, tão somente, determinar a carga orgânica compatível com o lançamento das águas residuárias, de modo a evitar danos, em função dos múltiplos usos da água à jusante. A capacidade de autodepuração dos cursos d'água é a base lógica para a determinação do grau de tratamento necessário. O lançamento de despejos orgânicos biodegradáveis, como os esgotos domésticos e diversos resíduos industriais, pode causar consequências às águas receptoras, provocando a depleção do oxigênio. A reposição deste se faz, seja pela aeração natural, especialmente nos cursos d'água com apreciável turbulência, seja através da fotossíntese, realizada pelas algas e plantas aquáticas clorofiladas, presentes notadamente nos lagos. 25 Os principais fatores intervenientes na autodepuração são: a diluição, a sedimentação, a aeração, a temperatura, a luz solar e a ação de micro e macroorganismos. A diluição possibilita o fornecimento do oxigênio necessário à satisfação da demanda, quer química quer bioquímica. A sedimentação remove os sólidos em suspensão, formando os depósitos bentônicos. A turbulência favorece a homogeneização dos despejos e facilita a aeração. A temperatura influi consideravelmente na atividade biológica relacionada com o consumo de oxigênio e com a produção fotossintética, além de regular o teor de oxigênio dissolvido; este é função da temperatura e também da pressão, vale dizer, da altitude do ponto considerado. A luz é indispensável à realização da fotossíntese e os raios ultravioleta dela emanados podem destruir alguns seres de vida inferior. Os microorganismos são responsáveis pelas reações bioquímicas de oxidação e redução. As reações de oxidação, realizadas em meio aeróbio, consomem o oxigênio dissolvido provocando a queda de seu teor na água. A ação dos macroorganismos se faz principalmente através da predação e da competição vital. A Figura 3.2 permite visualizar a ação conjunta e combinada de todos os fatores intervenientes na autodepuração, através da curva de depleção do oxigênio. Ao longo da corrente, após o lançamento do despejo, podem-se distinguir no rio quatro zonas perfeitamente distintas, cada uma delas retratando um estágio da poluição: a) zona de degradação que se estende desde o lançamento do despejo até o ponto em que a taxade oxigênio dissolvido se reduz a 40% da saturação; b) zona de decomposição ativa, que se caracteriza pela manutenção do teor de OD abaixo de 40% da saturação, podendo cair até zero; c) zona de recuperação, na qual o corpo d'água readquire gradativamente as suas condições normais, a partir da elevação do oxigênio acima de 40% da saturação; d) zona de água limpa. Na zona de degradação tem início a decomposição da matéria orgânica, sob a ação de bactérias e microorganismos saprófitas. As águas tem aspecto sujo, as plantas verdes são destruidas, aparecem os organismos de água suja, a concentração de oxigênio decresce rapidamente e os peixes emigram para montante ou são mortos. Na zona de decomposição ativa as águas tornam-se negras ou pardacentas, podendo haver o desprendimento de gases e mau cheiro, as reações bioquímicas se aceleram e os peixes não sobrevivem. Na zona de recuperação, as águas vão se tornando mais claras, os vegetais verdes reaparecem, as substâncias solúveis são oxidadas, os animais inferiores servem de alimento para os peixes. A concentração de oxigênio dissolvido eleva-se desde 40% da saturação até o seu teor normal, em consequência da aeração superficial e, em parte, pela ação fotossintética dos vegetais clorofilados. Com o objetivo de estudar quantitativamente a autodepuração, "PHELPS E STREETER" propuseram um modelo matemático que, apesar de suas limitações, permite traçar a curva de depleção do oxigênio e através dela solucionar diversos problemas práticos (Figuras 3.3 e 3.4). A depleção ou deficit de oxigênio em relação à saturação, Dt, no tempo genérico t, pode ser expressa pela equação: (1) Dt = K1 Lo (10 -K 1 t - 10 -K 2 t ) + D o 10 -K 2 t K2 – K1 26 FIGURA 3.2: EXEMPLO DE FORMAS DE VIDA ASSOCIADAS COM ÁGUA LIMPA E COM ÁGUA POLUÍDA POR DESPEJOS ORGÂNICOS. 27 F IG U R A 3 .3 : D IS P O S IÇ Ã O D O S R E S ÍD U O S L ÍQ U ID O S 28 F IG U R A 3 .4 : C U R V A D E D E P L E Ç Ã O D O O X IG Ê N IO 29 O tempo gasto para se ter a máxima depleção, ou o mínimo de oxigênio dissolvido, OD min , chamado tempo crítico, tc, pode ser obtido a partir da equação: (2) tc = 1 log K2 [1 - Do (K2 – K1)] K2 – K1 K1 K1 . Lo A depleção máxima ou crítica, D c , correspondente, será: (3) D c = K2 L o 10 -K 1 tc K1 Nas equações (1), (2) e (3), L o é a demanda bioquímica de oxigênio total de 1o estágio, também chamada última, da mistura das águas do rio e do efluente. Em relação à DBO 5 , tem-se: (4) Lo = DBOmist. = (DBOr x Qr + DBOe x Qe ) (Qr + Qe) sendo, um coeficiente que depende da temperatura (T) e do tempo (t). As demais grandezas são as vazões do rio (Q r ) e do efluente (Q e ) e as respectivas demandas bioquímicas de oxigênio DBO r e DBO e , à 20oC e para a incubação de 5 dias. O parâmetro D o , denominado depleção inicial de oxigênio, representa a diferença entre a saturação e o teor de oxigênio dissolvido encontrado na água do rio após o lançamento do efluente, podendo ser calculado pela equação: D o = OD sat - OD o = . C T . C A . C s - OD o (5) Do = . 1 . P1 . Cs - (ODr x Qr + ODE x QE) 1,024(T-20) Po (Qr + Qe) Os coeficientes , C T e C A , referem-se às condições devidas à turbidez, à temperatura e à pressão atmosférica ou altitude, respectivamente. C s é a concentração de saturação de oxigênio da água limpa, ao nível do mar e à 20oC (C s = 9,17 mg/l) O coeficiente K 1 , denominado coeficiente de desoxigenação ou taxa de reação da DBO, depende da carga poluidora e exprime a velocidade com que a demanda bioquímica é satisfeita. Pode ser calculado pela equação: (6) K1 = log LA - log LB t sendo, L A e L B , respectivamente, as demandas bioquímicas de oxigênio, na seção de montante (A) e de jusante (B) de um determinado trecho do rio de comprimento AB e t o tempo de percurso da água entre A e B: t = AB / v, sendo v, a velocidade média de escoamento, no trecho AB. Para o cálculo de K 1 , é necessário que a velocidade de escoamento não seja inferior a 0,18 m/s e que no trecho AB não haja lançamento de despejos ou desaguamento de afluentes significativos. O valor a ser adotado para K 1 , deverá representar uma média de diversas determinações realizadas, de preferência no período de estiagem. 30 O coeficiente K 1 e a demanda de 1o estágio L o podem ainda ser calculados por outros métodos, entre os quais o de Moore, com auxílio de gráficos. O coeficiente K 1 é determinado à temperatura de 20oC. Pode-se corrigí-lo para qualquer temperatura, através das equações. (7a) (K 1 ) T = (K 1 ) 20 . 1,135(T - 20) 4oC < T < 20oC (7b) (K 1 ) T = (K 1 ) 20 . 1,056(T - 20) 20oC < T < 30oC A correlação entre o coeficiente K 1 , o tempo t e a demanda bioquímica de oxigênio (L), pode ser expressa pelas equações: (8) L t = L 0 . e-Kt (9) L t = L 0 . 10 -K 1 t demanda remanescente (10) L' t = L 0 (1 - 10 -K 1 t ) demanda satisfeita (11) L’t = (1 - 10 -K 1 t ) estabilidade relativa (% satisfeita) Lo (12) L’t = 1 relação entre a DBO total e a satisfeita. Lo (1 – 10 -K 1 t) (13) = Lo = 1 relação entre a DBO total e a de 5 dias L’5 (1 – 10 -5k 1) (14) T = 20 (0,02 T + 0,6) correção devida à temperatura Para K 1 = 0,1 (esgotos domésticos típicos) = 1,46 à 20oC e 1,60 a 25oC, por exemplo. O coeficiente K 2 , chamado coeficiente de reaeração ou de reoxigenação, depende do regime do rio e em especial da profundidade H e da velocidade de escoamento (v). Para calculá-lo foram propostas diversas fórmulas, por vários pesquisadores e dentre eles Edwards & Gibbs; O'Connor & Dobbins; Owens e Churchill. À guisa de exemplo, menciona-se a fórmula de Churchil: (15) K 2 = 2,26 v / H1,67 K 1 = 0,434 K 31 Conhecido o coeficiente K 2 a 20oC, pode-se corrigir o seu valor para uma temperatura T qualquer pela equação: Valores de Lodos ativados: (1,00 a 1,03) (16) (K 2 ) T = (K 2 ) 20 . (T - 20) Lagoas aeradas: (1,06 a 1,09) Cursos d'água: (1,024) Os coeficientes K 1 e K 2 são interdependentes e podem ser correlacionados pelo assim chamado coeficiente de autodepuração: (17) f = K 2 / K 1 O Quadro 3.2, apresenta alguns valores do coeficiente de autodepuração, segundo STEEL, ERNEST W. (1960), "Water Supply and Sewerage", McGraw - Hill Book Company, Inc, New York. QUADRO 3.2: COEFICIENTE DE AUTODEPURAÇÃO ( f ) Corpo de Água Valores de f = K2 / K1 à 20º C Pequenas lagoas e remansos 0,5 - 1,0 Grandes lagos, represas ou rios morosos 1,0 - 1,5 Grandes rios de baixa velocidade 1,5 - 2,0 Grandes rios de velocidade normal 2,0 - 3,0 Rios velozes de alto gradiente hidráulico 3,0 - 5,0 Cursos d'água muito rápidos e cachoeiras > 5,0 Finalmente, pode-se calcular a distância (X c ) em que ocorrem as condições críticas, pela equação: (18) X c = v t c , sendo v a velocidade média de escoamento e t c o tempo crítico. Além dos coeficientes K 1 e K 2 , já analisados,poder-se-ia considerar um terceiro coeficiente K 3 , para retratar o fenômeno de deposição ou do arrastamento da matéria orgânica sedimentada. Quando a velocidade de escoamento é superior a 0,18 m/s, não há sedimentação e K 3 é igual a zero, fato que ocorre freqüentemente. Se, ao contrário, em determinado trecho, ocorrer o revolvimento, a elevação e o arrastamento do lodo depositado, causados pelo aumento da velocidade da corrente, resultará uma demanda adicional de oxigênio, não prevista nas equações de STREETER E PHELPS, podendo induzir a erro. Contudo, o arrastamento dos sedimentos geralmente se verifica em época de cheias o que pode ser neutralizado pelo aumento da vazão. Por outro lado, quando ocorre a formação de bancos de lodo poderá haver a liberação de compostos oxidáveis, que atingindo as camadas superiores da água, consomem oxigênio e criam a chamada demanda bental, cuja magnitude necessita ser avaliada. 32 A taxa de produção fotossintética de oxigênio, representa um fator de elevação da sua concentração no meio e ao desprezá-la, no modelo estudado, obviamente, ficou-se à favor da segurança. Normalmente, a produção fotossintética de oxigênio é desprezível nos cursos d'água turbulentos, sendo também pequena nos de baixo gradiente hidráulico com águas turvas. Os nossos rios, geralmente são pobres em sais minerais, enriquecendo-se de nutrientes justamente à jusante do lançamento de despejos. O modelo de STREETER e PHELPS, apesar dessas limitações tem a sua validade nos seguintes aspectos principais: a) Permite traçar a curva de depleção de oxigênio e, através dela, visualizar a poluição e a depuração do curso d'água no decorrer do tempo e ao longo do percurso da corrente líquida; b) a análise da curva permite saber se houve aerobiose ou anaerobiose no processo e se há ou não necessidade de tratamento dos esgotos; c) possibilita o estabelecimento do grau de tratamento necessário, à partir de definição de um teor mínimo de oxigênio dissolvido, denominado limite sanitário, abaixo do qual considera-se comprometida a qualidade da água, em função de seus usos preponderantes; d) permite ainda calcular a população, no caso de esgotos domésticos ou o equivalente populacional, no caso de efluentes industriais, cujos despejos podem ser lançados diretamente em condições compatíveis com a autodepuração. 3.3. Grau de Tratamento Chamando de L' o a demanda bioquímica de oxigênio de 1o estágio, admissível para a mistura, de DBO' e a demanda bioquímica de oxigênio de 5 dias, admissível para o efluente, de D' c o deficit crítico admissível, de t' c o tempo crítico correspondente e de G o grau de tratamento necesssário, em percentagem, pode-se escrever: (19) G = [1 - DBO’e ] x 100 DBOe (20) DBO'e = L’o (Qe + Qr) - DBOr x Qr) . Qe Para o cálculo de L' o tem-se as equações (2) e (3) com três incógnitas L' o , t' c e D' c . O sistema é indeterminado e deve ser resolvido por tentativas, arbitrando-se valores para L' o e calculando-se os valores correspondentes de t' c com os quais se calcula D' c até a compatibilização dos resultados com o limite sanitário (LS) admitido. (21) D' c = OD sat - LS. Finalmente, cumpre observar que, em termos de oxigênio, as condições críticas ocorrem em locais distantes do ponto de lançamento, normalmente entre o 1o e o 3o dia. Todavia, sob o aspecto sanitário, a pior situação se verifica nas áreas adjacentes ao desaguamento dos esgotos, pois, os germes patogênicos, por serem parasitas, vão perdendo a sua virulência na medida em que atingem o meio aquático que lhes é adverso. 33 4. TRATAMENTO DE ÁGUAS RESIDUÁRIAS. VISÃO GERAL DAS TECNOLOGIAS DISPONÍVEIS. 4.1. Processos Físicos e Químicos. Processos Biológicos Aeróbios e Anaeróbios Os processos físicos unitários empregados no tratamento de efluentes líquidos são: Gradeamento; Peneiramento; Evaporação; Resfriamento; Sedimentação / decantação; Flotação; Equalização / homogeneização; Adsorção; Adensamento; Desidratação / secagem; Separação; Destilação; Eletrodiálise; Osmose reversa. Os processos químicos específicos, podem ser assim enumerados: Neutralização; Correção do pH; Oxidação Redução; Precipitação química; Permutação de íons; Coagulação; Floculação. Os processos biológicos podem ser aeróbios ou anaeróbios, de acordo com a presença ou ausência de oxigênio. No primeiro caso, podem ser citadas a oxidação bioquímica (percoladores biológicos, lodos ativados), a digestão aeróbia e as lagoas de estabilização fotossintéticas ou aeradas. No segundo caso, tem-se a digestão anaeróbia que se realiza nos filtros biológicos ou nos reatores de manta de lodo. Nas estações de tratamento de águas residuárias procura-se combinar ou associar diferentes processos, de tal modo que se possa obter os melhores resultados. 34 4.2. Tratamentos Anaeróbios. Fundamentos Teóricos De um modo geral, os processos anaeróbios são empregados para depurar esgotos sanitários de pequenas comunidades ou como tratamento primário nas instalações de maior porte. Por outro lado, os efluentes industriais orgânicos, muitas vezes são submetidos aos tratamento anaeróbios, para atenuar as cargas de choque ou reduzir as aplicadas aos reatores secundários. Os tratamentos anaeróbios não dependem da transferência de oxigênio, produzem pouca quantidade de lodo, eliminam os gastos com energia elétrica e possibilitam o aproveitamento do gás metano, sobretudo em instalações maiores. Além disso, quando bem operados, apresentam eficiências que variam de 50 a 70%, dependendo do tipo de reator. Os processos anóxicos não excluem todavia os tratamentos preliminares, nem dispensam, na generalidade dos casos, o polimento final do efluente, de modo a adequá-lo às exigências da legislação ambiental. Além disso, tais processos necessitam de operação cuidadosa, sobretudo na fase de partida dos reatores. O processo de fermentação no qual certas bactérias, na ausência de oxigênio, produzem metano e gás carbônico, a partir da degradação de compostos orgânicos complexos, é denominado digestão anaeróbia. Esta pode ser considerada como um ecossistema, onde diversos grupos de microorganismos agem interativamente na conversão da matéria orgânica em gás sulfídrico, amônia, metano, gás carbônico e água, além de novas células bacterianas. As bactérias que participam do processo podem ser divididas em três importantes grupos, com comportamentos fisiológicos distintos. O primeiro grupo é composto de bactérias fermentativas hidrolíticas e acidogênicas, que transformam, por hidrólise, os polímeros em monômeros e estes em hidrogênio, gás carbônico, ácidos orgânicos, aminoácidos e outros compostos como, álcoois e glicose. O segundo grupo é formado pelas bactérias acetogênicas, produtoras de hidrogênio, que convertem os compostos gerados pelas bactérias fermentativas (aminoácidos, açucares, álcoois e ácidos orgânicos) em acetato, hidrogênio e gás carbônico. O terceiro grupo é constituído de bactérias metanogênicas, que se utilizam dos produtos finais do segundo grupo, como substratos essenciais. Através da hidrólise, a matéria sólida complexa (polímeros) é convertida em substâncias dissolvidas mais simples, capazes de atravessar a membrana celular. Isso é conseguido pela ação de exoenzimas excretadas pelas bactérias hidrolíticas. A hidrólise dos polímeros ocorre de forma lenta, sendo influenciada por vários fatores entre os quais a temperatura, o pH, o tempo de residência no reator, a composição do substrato e outros. Os produtos solúveis, oriundos da hidrólise, são metabolizados no interior das células das bactérias
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