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Profa. Dra. Neusa Meirelles UNIDADE II Estudos Disciplinares Poder e Política no Espaço Virtual: Discursividade e Convencimento 1. Objetivos A discussão nessa Unidade parte de dois conceitos centrais: discursividade (como um conjunto de práticas diversificadas de comunicação) e convencimento (conjunto de práticas intencionais de persuasão). Postas lado a lado, essas duas palavras, discursividade e convencimento, abrangem um campo de saberes relacionados à comunicação entre alguém (A) que possui um dado conteúdo (mensagem), e alguém (B) a quem esse conteúdo deve ser passado, com vista a atender algum objetivo ou finalidade (que tanto pode ser de A quanto de B). Essa relação esquemática pode ser extremamente complexa, mas ela implica e oculta uma relação de poder (simbólico) entre A e B, ou seja, entre as duas personagens está pressuposto um fragmento de discurso (de poder). Discursividade e convencimento – Objetivos Mas, o que é um discurso? De início é um ato de fala, a escritura de um conteúdo (variável), de um corpus delimitado, que remete a um conjunto de enunciados possíveis, segundo regras estabelecidas, para um conjunto infinito de performances. Diz Foucault: “O discurso é um conjunto [de enunciados] sempre finito e atualmente limitado unicamente pelas sequências linguísticas que foram formuladas”. (FOUCAULT, 2000. p. 90). Portanto, a análise do discurso não se dirige ao texto ou para performances verbais e frases, mas para os enunciados. Discurso e sua análise Para o mesmo autor, (Foucault), enunciado é, basicamente: a) uma função que se apoia em um conjunto de signos; b) requer, para se realizar, um referencial, um princípio de diferenciação; c) tem como sujeito uma posição, que pode ser ocupada por indivíduos diferenciados; d) tem um campo associado, um domínio de coexistência para outros enunciados; e) um enunciado é dotado de materialidade, status, regras de transcrição, possibilidades diversas de uso ou de utilização (FOUCAULT, 1987, p.133). Análise de discurso: o que vem a ser enunciado? Deleuze, comentando a prática de Foucault, descreve o enunciado como “uma diagonal móvel que permite, nesse espaço, confrontar diretamente um mesmo conjunto em níveis diferentes, mas também escolher diretamente em um mesmo nível, determinados conjuntos, sem ter em conta outros que, no entanto, deles fazem parte”. (DELEUZE, 1987, p. 20-21). Por exemplo, tome-se a ideia de traição (quebra desleal de compromisso assumido com outrem), é uma ideia que faz parte de vários discursos: político, amoroso, religioso, jurídico, institucional, militar, filosófico, psicológico, psicanalítico, sociológico, literário, poético, da música popular etc. Essa ideia que relaciona todos esses campos, é a “mesma” ideia, mas em múltiplas formulações, implicações distintas e ao longo da história. Análise de discurso, Deleuze e um exemplo “Trata-se de apreender o enunciado na estreiteza e na singularidade de seu acontecimento: de determinar as condições de sua existência, de fixar da maneira mais justa os seus limites, de estabelecer suas correlações com os outros enunciados aos quais ele pode estar ligado, de mostrar que outras formas de enunciação ele exclui”. (FOUCAULT, 2000, p. 93). Assim, observar que um enunciado se relaciona com outros do mesmo tipo (famílias de enunciados), em um espaço correlativo, associado ou adjacente, constituído pelas regras de variação. E passagem da descrição à observação, ao cálculo, à instituição, à prescrição; e ainda observar as relações do enunciado com seus sujeitos, os seus objetos, os seus conceitos, estabelecidos em um espaço colateral, como esclarece Foucault, “colateral é aquilo a que ele se refere, o que é posto em jogo por ele, não apenas o que é dito, mas aquilo de que fala, seu ‘tema’” (DELEUZE, op. cit.) Qual a finalidade da análise de discurso? Como foi apontado, o sujeito do enunciado é construído pelo próprio enunciado, e conforme Foucault, “É um lugar determinado e vazio que pode ser efetivamente ocupado por indivíduos diferentes, mas esse lugar [...] é variável o bastante para poder continuar, idêntico a si mesmo, através de várias frases, bem como para se modificar a cada uma” (FOUCAULT, 1986, p. 109). É por esse motivo que, nesse espaço, desaparece a poderosa figura de um sujeito da enunciação – presente na frase – substituída por uma posição, um lócus ou um lugar vazio. Além disso, é preciso reconhecer que um mesmo enunciado pode ter várias posições, diversos lugares [...] “elas são, a esse título, os modos de uma ‘não pessoa’, de um ‘Ele’, ou de um ‘Se’: ele fala, fala-se”. Assim, Foucault segue Blanchot “quando ele situa o sujeito na espessura de um murmúrio anônimo” (DELEUZE, 1987, p. 26). É desse ‘lugar vazio’ que é possível falar do não cumprimento de compromissos (traição) em tantos discursos distintos. Quem fala nos enunciados? Quem é o sujeito? Toda cultura “fala” por discursos, mas é possível “dizer” por imagem, contudo, texto e imagem não são intercambiáveis, nem um é mais explícito ou completo que outro. Eles permanecem justapostos, como se dançassem um com o outro, e o mais importante é entender os passos dessa dança e seu ritmo. Pois bem, aos conjuntos de discursos diversificados, (textos orais, impressos, digitalizados, de imagens em movimento, de imagens sem movimento, de sonoridades) podem ser denominados discursividades, no plural ou no singular se houver interesse em tomar cada segmento isoladamente. Discursividade(s) Ovos racistas? Luta, briga, barulho Atenção! Isto não é um cachimbo. Cada discurso, imagem e/ou som, alude um ao outro, mas o sentido está além... (de ambos). Discursividade: discurso e imagem São discursos ideológicos, variando a tendência: white power e nazismo são expressões do racismo branco, antissemita; “São Paulo para os paulistas” é etnocentrismo e preconceituoso; integralismo era racista, comunismo também tinha referências racistas. Em comum, a proposição antidemocrática de “uma verdade política” com exclusão autoritária de outras possíveis. Discursividade: imagens representando discursos políticos de poder (bandeiras, cartazes, pins) Racismo Preconceito Integralismo Comunismo Nazismo Todos os lugares em ônibus e metrô são destinados prioritariamente para idosos, pessoas com deficiências de locomoção, grávidas, obesos e mulheres com crianças no colo (no DF essa proposta já é lei, no Rio e em outras cidades também, mas o prefeito de São Paulo vetou). Imagens que representam poder político mandatório, direitos humanos, sociais e políticos Era uma forma de induzir gentileza para com os grupos que, independentemente da idade, apresentam alguma vulnerabilidade. Ações do tipo estacionar, proibir estacionamento etc. são da competência dos governos (exercício legítimo de poder e autoridade). As imagens das pessoas “falam por si”, não há texto, são ícones porque representam seus objetos nos traços mais simples. Continuação O Estado, por meio das políticas públicas dos governos, exerce poder sobre a vida dos cidadãos, com vacinas para vários grupos etários, do nascimento à velhice, além das campanhas específicas do tipo “outubro rosa” (câncer de mama), “novembro azul” (câncer de próstata), farmácia popular e outras medidas. Algumas dessas políticas se valem de “cartilhas” do tipo HQ, textos simples, com ilustrações, para finalidades específicas como prevenção de gravidez, prevenção de AIDS, de hepatite, etc. Exercício do biopoder (controle político do corpo do cidadão) Foucault, em um texto datado de 1976, avisava que “o discurso não deve ser compreendido como o conjunto das coisas que se diz, nem como a maneira de dizê-las. Ele está igualmente no que não se diz, ou que se marca por gestos, atitudes, maneiras de ser, esquemas de comportamentos, manejosespaciais” (Foucault, 2011, p. 220). Isso porque o discurso “é um campo estratégico” de relações múltiplas. Por ele e com ele se dá o assujeitamento, a subjetivação, desqualificação e seu oposto, enfim, com ele são sustentadas teses e posições contraditórias, o que o torna, não apenas “uma superfície de inscrição, mas um operador” (FOUCAULT, op. cit. passim). Discursividade e poder: o que considerar? O que é enunciado? Escolha a alternativa correta. a) Enunciado é uma frase com sujeito e predicado. b) Enunciado é uma proposição, mas verdadeira. c) Enunciado é uma função que se apoia em um conjunto de signos. d) Enunciado é uma proposição construída na primeira pessoa do singular. e) Enunciado é toda e qualquer frase, desde que assertiva. Interatividade O que é enunciado? Escolha a alternativa correta. a) Enunciado é uma frase com sujeito e predicado. b) Enunciado é uma proposição, mas verdadeira. c) Enunciado é uma função que se apoia em um conjunto de signos. d) Enunciado é uma proposição construída na primeira pessoa do singular. e) Enunciado é toda e qualquer frase, desde que assertiva. Resposta O poder não se limita à repressão nem à proibição: poder é uma relação, uma prática, e como prática, poder também “produz coisas, induz ao prazer, produz discurso” (FOUCAULT, 1988, p. 8). Nesse sentido, para seu exercício, o poder deve desenvolver mecanismos sutis, técnicas de registro, procedimentos de pesquisa, de observação e verificação; portanto, devem entrar em funcionamento aparelhos de saber que são, afinal, ideológicos. Portanto, estudar o poder implica em focalizá-lo a partir das técnicas e táticas de dominação, das estratégias de controle. Poder, discursos e suas práticas Roberto Machado (1988, XIX) comenta que as relações de poder disciplinar não são negativas, mas positivas do ponto de vista tecnológico. Sob esse ponto de vista, “o poder é produtor de individualidade. O indivíduo é uma produção do poder e do saber”. Todavia, o poder disciplinar se caracteriza pela ação sobre os corpos, elevando a eficiência dos gestos, das práticas: formaram-se os soldados, os operários, os atletas. Outra técnica consiste em vigiar as performances cotidianas, assegurando que elas estejam afinadas com os objetivos. Essa modalidade de poder é a vigilância, a visibilidade permite o exercício do controle (poder). Poder disciplinar, controle As instituições disciplinares são baseadas nessa modalidade de poder: tanto as prisões, quanto os colégios, orfanatos e exércitos. Trata-se do sistema panóptico, proposto por Jeremy Benthan no séc. XVIII, um sistema que permitiria “Que o poder, mesmo com uma multiplicidade de homens a controlar, seja tão eficaz como se exercesse sobre apenas um” (FOUCAULT, 2013, p.112). Interessante notar que, nessa mesma época (séc. XVIII) século das revoluções, dos discursos dos direitos humanos e liberdade e transparência, no sistema panóptico ‘cada camarada torna-se um vigilante’, enquanto para Rousseau seria o inverso, “que cada vigilante torne-se um camarada” (FOUCAULT, 2013, p.113). Note-se que os grilhões que prendiam os prisioneiros desapareceram, mas o olho de quem o vigia e o submete, do mesmo modo, está lá. Vigilância, controle e poder pelo olhar, do panóptico, séc. XVIII, às câmeras atuais O exercício do poder pressupõe pelo menos três dimensões implícitas: o saber como (prática), o saber (o quê) conteúdo e o saber o porquê (finalidade, objetivos). Nesse sentido, exercer poder é sempre uma relação entre um sujeito e um objeto, mas em posições intercambiáveis; além disso, poder não é apenas uma relação racional: na verdade, a razão nesse caso está a serviço de outras dimensões do comportamento humano, as paixões. O discurso de poder, o conhecimento e o saber Foucault faz severa distinção entre conhecimento e saber: conhecimento consiste na elaboração de discursos sobre algo (objeto) a partir de processos de identificação, análise, etc. nos quais se mantêm a distância entre sujeito e objeto. Ao contrário, o saber é processo no qual o sujeito se compromete com o objeto no ato de conhecer, por isso o sujeito se constitui com o objeto que conhece. Portanto, “a articulação poder saber será dupla”, porque não é possível exercer controle sobre todos sem deles extrair um saber que os objetiva, “poder de extrair dos indivíduos um saber, e de extrair um saber sobre esses indivíduos submetidos ao olhar e já controlados” (REVEL, 2005, p. 78). Conceituando: conhecimento e saber O inquérito, assim como a pesquisa científica, consiste no esforço dirigido para encontrar a “verdade dos fatos”. Um recurso que surgiu de uma longa trajetória, desde a antiguidade clássica, incluindo procedimentos de investigação, utilização de testemunhas, validação de provas etc. Essa trajetória abrangeu a contribuição de vários autores, mas no estado moderno, no âmbito do sistema penal, não está mais em questão a desobediência às normas religiosas nem às ordens do rei, e sim a infração à lei civil, com graduações que vão até o crime. Segundo os teóricos do séc. XVIII, entre eles Beccaria e Benthan: “Uma lei penal deve simplesmente representar o que é útil para a sociedade. A lei define como repreensível o que é nocivo à sociedade, definindo assim, negativamente, o que é útil” (FOUCAULT, op. cit. p. 81) Nesse sentido, o crime se distingue do pecado, da falta moral ou ética: ele é uma prática nociva à sociedade. A busca pela verdade, o inquérito, as provas e testemunhas Supostamente, o discurso de poder sempre está ancorado em uma “verdade” mas, de outra perspectiva, sempre há a suspeita de que esse discurso não seja verdadeiro. Em síntese, existe um mito, firmemente estabelecido, de que a verdade nunca pertence ao poder político, e de que o saber teria duas fontes: o contato com o divino, na Antiguidade, com seus representantes (Idade Média) ou como resultante da elaboração racional. A verdade racional é um mito ao qual Nietzsche devotou grande esforço: para ele, assim como para Foucault e autores contemporâneos, “o poder político não está ausente do saber, ele é tramado com o saber” (FOUCAULT, 1996, p. 51). Poder e política, um jogo com a verdade Alguns acontecimentos passam desapercebidos na vida cotidiana, são tidos como rotineiros, mas há estreita relação entre as formas de exercício do poder político e as formas de aquisição e transmissão de saber (considerando sobretudo o papel representado pelos meios de comunicação). Um exemplo dessa relação é o inquérito, forma e recurso de gestão administrativa, que passa pela instituição judiciária, ancorada na legislação e nos critérios racionais de busca e determinação da verdade. Contudo, essa “verdade” não é absoluta: o princípio do contraditório (garantia de defesa ampla) é clara demonstração da existência de “um outro lado” em todas as questões... Poder político e a “verdade dos fatos” no estado moderno Buscar a verdade implicaria em procurá-la no ou pelo discurso? Mas qual discurso, o do Outro, ou o elaborado pelo Sujeito, o discurso da sua verdade? Esse questionamento tem sido desenvolvido por distintos saberes, na Filosofia e Epistemologia, desde a antiguidade clássica, e nos tempos modernos, principalmente pela Psicologia, Psicanálise e posteriormente pelas Sociologias da Comunicação e do Conhecimento. Na Antiguidade, Sócrates propunha a busca pela verdade de si, do Sujeito (o conhece-te a ti mesmo) como parte do cuidado de si, e Platão, seguindo aproximadamente a mesma linha, propunha a busca racional sistemática (dialética) da verdade como ideia, ambos insistindo em movimento do pensamento racional do sujeito, ambos os autores voltados para uma verdade. A busca pela verdade e a produção da verdade 1 No ambiente intelectual de Sócrates e Platão, os sofistas, professores de retórica,preocupados com a política, propunham outro entendimento para a verdade, considerando-a relativa ao sujeito, à construção do sujeito: Protágoras era claro a respeito, segundo um fragmento célebre, “o homem é a medida de todas as coisas, das que são, enquanto são, das que não são, quando deixam de ser”. Não se tratava de encontrar uma verdade pela reflexão lógica e ética, nem de construí-la pela razão, pelo método, mas de construí-la pelo discurso, em conformidade com os interesses do sujeito, e no convencimento do público. Enquanto Sócrates, os sofistas e Platão falavam da Atenas, cidade estado, (continua) A busca pela verdade e a produção da verdade 2 Aristóteles vai falar de uma Atenas no império de Alexandre (as condições sociais e políticas haviam se tornado mais complexas). Para ele, o suporte da verdade são as coisas, “é a coisa que parece ser, de algum modo, a causa da verdade da proposição, pois é da existência da coisa, ou da sua não existência que dependem a verdade ou a falsidade da proposição.” (Categorias). Continuação Todavia, uma preocupação de Aristóteles foi dirigida para o método de investigação, construção do pensamento, práticas investigativas e exposição do pensamento. Não foi outro o conteúdo de várias de suas obras, inclusive da Retórica. Desse modo, deslocou-se o movimento de busca da verdade do sujeito para a preocupação com o instrumento de construção da verdade, a lógica e a elaboração de conhecimentos já aceitos, consensuais. Todo o período helenístico trouxe vários encaminhamentos para a questão da verdade e do sujeito, até que o Cristianismo, com Agostinho de Hipona, seguindo o caminho de Platão, (continua) A busca pela verdade e a produção da verdade 3 instalou as Escrituras como a verdade exterior ao sujeito, mas reservando para ele a possibilidade de chegar à verdade pela fé. Mais tarde, Thomaz D’Aquino, inspirado em Aristóteles, reforçou a preocupação com os caminhos para construção da verdade, baseados na filosofia. Continuação Chegar à verdade não implica agora em alteração do sujeito, mas sim em desenvolver condições que lhe são intrínsecas, ou seja, pensamento racional, o método científico, essa guinada é marcada por Descartes (racionalismo), entre outros e, mais tarde, por Kant, que vai associar racionalismo e empirismo no idealismo transcendental. Aquela tendência que foi centrada no eu, na verdade do sujeito, foi barrada ou deslocada para o sujeito cognoscente “ou epistemológico” (RAJCHMAN, 1993, p.14). Mas essa categoria se mostrou insuficiente porque o sujeito não está isolado, mantém laços com os outros, vive em um mundo social, de relacionamentos, ele trabalha, fala, vive e ama. O sujeito capaz de chegar à verdade e de produzir a verdade Agora a relação com a verdade se tornou triangular, de comunicação, portanto, a mediação entre Sujeito e o Outro é um discurso, um tecido simbólico, cujo conteúdo (sentido) vai ser objeto de análise, interpretação e reflexão. Esse Sujeito, assim envolvido nas tramas do social, não é aquela figura ideal, cognoscente, mas alguém constituído em sociedade, na cultura, por meio de práticas de sujeição e de liberdade (transgressão) em campo ético. O sujeito, a verdade e o Outro Vários filósofos estudaram os caminhos para o sujeito buscar a verdade. Esses caminhos estão apontados abaixo, mas qual deles está errado? a) Sócrates propunha a busca pela verdade de si, do Sujeito (o conhece-te a ti mesmo) como parte do cuidado de si. b) Platão propunha que o sujeito estudasse filosofia, ética e dialética. c) Aristóteles deslocou o conhecimento da verdade do sujeito para as coisas, para a realidade. d) Para Agostinho de Hipona a verdade estava nas escrituras, mas era preciso buscá-la com fé. e) Tomás D’Aquino seguiu aproximadamente o caminho de Aristóteles, abrangendo a teologia. Interatividade Vários filósofos estudaram os caminhos para o sujeito buscar a verdade. Esses caminhos estão apontados abaixo, mas qual deles está errado? a) Sócrates propunha a busca pela verdade de si, do Sujeito (o conhece-te a ti mesmo) como parte do cuidado de si. b) Platão propunha que o sujeito estudasse filosofia, ética e dialética. c) Aristóteles deslocou o conhecimento da verdade do sujeito para as coisas, para a realidade. d) Para Agostinho de Hipona a verdade estava nas escrituras, mas era preciso buscá-la com fé. e) Tomás D’Aquino seguiu aproximadamente o caminho de Aristóteles, abrangendo a teologia. Resposta A constituição do sujeito se faz pelo discurso, que é recurso ou instrumento que permite a entrada do sujeito no mundo simbólico; ao mesmo tempo, o discurso é também meio e recurso de construção do outro e do mundo das coisas. Desse modo, o sujeito se envolve nas práticas sociais (simbólicas), nas práticas de poder, de liberdade e de sua sexualidade. Ele só pode saber o que é liberdade no seu exercício, e só pode ser a si mesmo no exercício de sua sexualidade. Ainda que ser a si mesmo, sujeito de si e de sua sexualidade, lhe custe o enfrentamento com o outro, somente desse lócus será possível o exercício de sua liberdade. O sujeito de si, o discurso e as práticas Circulam pela sociedade uma pluralidade de discursos que se arrogam verdadeiros, enquanto outros, no mesmo campo, insistem na falsidade dos primeiros; desse “ruído discursivo” escapa a construção dos objetos: Afinal, os políticos falam do quê? Há divergências em relação aos objetos, assim como em relação às práticas de construção do discurso. Então, seria o caso de se pensar em um princípio de universalização para tornar possível o acordo em argumentações morais como propõe Habermas? Ele distingue situações nas quais atores falantes buscam entendimento mútuo (intersubjetivo) examinando a pretensão de validez, de verdade e de sinceridade dos argumentos utilizados em relação ao mundo dos objetos, vida social e vida pessoal (subjetiva). A verdade, o discurso e o poder O entendimento mútuo é distinto quando se trata do agir estratégico e do agir comunicativo: enquanto no agir estratégico um ator atua sobre o outro para permitir a continuidade da interação, no agir comunicativo um ator é motivado racionalmente a obter a adesão do outro. Nesse caso, “quando um falante possa motivar racionalmente um ouvinte à aceitação da oferta [suscitada pelo ato de fala], não se explica pela validade do que é dito, mas sim pela garantia assumida pelo falante, tendo um efeito de coordenação, de que se esforçará, se necessário, para resgatar a pretensão erguida” (HABERMAS, 1989, p.79) Habermas, o agir comunicativo Quando o outro (ouvinte) acredita nas garantias que lhe foram ofertadas, criam-se obrigações e regulações pressupostas para a continuidade da interação, as quais são aplicáveis tanto para o falante quanto para o ouvinte. Todavia, quando os atos de fala não têm caráter de regulações, falante e ouvinte devem acordar com a interpretação da situação, mas nos termos da validade e veracidade dos enunciados que a construíram. Agir comunicativo, poder, discurso e consequências A trajetória percorrida conduziu a situar a verdade, não no sujeito, nem no outro, mas no discurso; contudo, há facetas ainda não exploradas: qual discurso em foco? É racional ou sedutor? Baudrillard (1992, p.61) lembra que “a sedução é aquilo que desloca o sentido do discurso e o desvia de sua verdade. Seria então o inverso da distinção psicanalítica entre discurso manifesto e latente, pois o discurso latente desvia o discurso manifesto não de sua verdade, mas para sua verdade”. Enquanto o discurso manifesto “tem o estatuto da aparência trabalhada”, é a interpretação que liberta discurso latente, quebrando a aparência, corroendo a sedução, embora todo discurso de sentido queira acabar com a aparência, essa é uma tentativa impossível. Agir comunicativo e a verdade no discurso Todo discurso dirigidopara o outro visa ao convencimento, mas não basta a competência linguística, o saber jogar com as palavras, é preciso o aprendizado da oportunidade, do que dizer no momento “certo”, com quais palavras, gestos, tom de voz. É esse saber prático que assegura o sucesso político dos populistas. Bourdieu (2000, p.53) denominava habitus linguístico a esse “saber” da oportunidade de falar: uma competência reconhecida desde os sofistas como condição fundamental na formação do político. Por ela não importa o que é dito, mas a oportunidade, o como é dito, é uma competência que faz parte da sedução e, mesmo se desmascarada pela interpretação do texto, será em um segundo momento, sem a oportunidade do primeiro. Discurso, o jogo entre sentido e sedução, convencimento Esses dois aspectos pertinentes a certas modalidades de discurso como: político, amoroso, jurídico, publicitário, entre outras, remetem à discussão sobre a verdade no discurso. No cotidiano, essa “verdade” remete ao interesse do sujeito (autor falante) no convencimento do outro (ouvinte). No discurso político, eleitoral, registra-se um certo pacto entre ouvinte e falante na direção de desconsiderar o que está sendo dito, priorizando outros aspectos do discurso, ou mesmo outros falantes concorrentes; no discurso amoroso existe uma predisposição da ouvinte (enamorada) em aceitar o discurso, ignorando o interesse, etc. De fato, o interesse do falante não é posto claramente no discurso, mas esse conteúdo “latente” implica na falsidade do discurso? Discurso, competência e sedução Bourdieu comentava por que a palavra interesse era “de certo modo interessante” (2011, p. 137) e explicando “a noção de interesse primeiro se colocou para mim como instrumento de ruptura com uma visão encantada e mistificadora das condutas humanas”. É enganoso imaginar que mesmo nos espaços supostamente isentos de interesses, eles não existam, isso porque as pessoas agem segundo uma estimativa de sucesso nas suas ações, de certo modo, trata-se do que Weber fala, quando focaliza o sentido social da ação do sujeito, e reciprocidade (WEBER, 1964, p. 5). Todavia, os agentes sociais não tornam explícitos seus objetivos, portanto, nem seus interesses. Discurso, competência, sedução e interesse – 1 Bourdieu também explica que os agentes sociais não precisam tornar claros seus interesses, mesmo porque “eles não são como sujeitos diante de um objeto (ou, menos ainda, diante de um problema)”, (op. cit., p.144). Sua atuação está inscrita na situação na qual participam e da qual têm percepção antecipada do desenvolvimento. Trata-se, no sentido de Bourdieu, do habitus do jogo ou, como ele explica, “Ter o sentido do jogo é ter o jogo na pele; é perceber, no estado prático, o futuro do jogo; é ter o senso histórico do jogo. Enquanto o mau jogador está sempre fora do tempo”. Enfim, a competência discursiva implica o sentido das relações, o que significa, em outros termos, uma percepção prática estratégica das situações. Discurso, competência, sedução e interesse – 2 Filósofos estudaram a relação entre linguagem, discurso e a realidade construída na espessura do texto, outros na produção das imagens, na sonoridade do falar. Existe aqui uma dificuldade lógica, filosófica, mas também de poder: o rompimento de uma barragem, a inundação, as vítimas e sobreviventes podem aparecer na TV em detalhes que, aqueles que lá estiveram não viram. Aquelas cenas vão integrar um discurso sobre um acidente ou desastre que culpa a “mãe natureza” ou outras versões, contudo, o rompimento da barragem (acontecimento) não é a construção feita. (continua) Discurso, a linguagem e o falar Os recursos utilizados na produção daquele acontecimento que, aliás, não foi focalizado quando aconteceu, vão determinar o sentido que ele passa a ter para o ouvinte e espectador. É sintomático que as imagens apareçam descritas e comentadas por repórteres que, evidentemente, chegaram muito depois da situação. Continuação Existe nos tempos atuais a tendência de encontrar a verdade nas imagens dos meios de comunicação, nas opiniões dos telejornais, blogs, revistas. Assim, não basta mais ser informado dos fatos, é preciso buscar, nas fontes de informação, a verdade desses fatos. Foucault (1971, p.18) dizia que “creio que essa vontade de verdade assim apoiada sobre um suporte e uma distribuição institucional, tende a exercer sobre outros discursos [...] uma espécie de pressão e como que um poder de coerção”. Discurso, a linguagem, o falar e a verdade O que se pode dizer sobre a produção de um acontecimento para que se torne notícia? Aponte a observação correta. a) O acontecimento recebe tratamento da mais eficaz tecnologia para torná-lo mais bonito, agradável. b) Os repórteres estão no local e focalizam aquilo que interessa à empresa. c) Todo acontecimento tem um sentido político, essa dimensão política será enfatizada. d) Os acontecimentos não são focalizados porque os repórteres não estão no local. e) Sempre a imprensa vai minimizar os resultados e efeitos do acontecimento. Interatividade O que se pode dizer sobre a produção de um acontecimento para que se torne notícia? Aponte a observação correta. a) O acontecimento recebe tratamento da mais eficaz tecnologia para torná-lo mais bonito, agradável. b) Os repórteres estão no local e focalizam aquilo que interessa à empresa. c) Todo acontecimento tem um sentido político, essa dimensão política será enfatizada. d) Os acontecimentos não são focalizados porque os repórteres não estão no local. e) Sempre a imprensa vai minimizar os resultados e efeitos do acontecimento. Resposta Admitindo a existência da produção com todos os recursos de edição, qual a verdade do discurso? Seria mais consistente a da fala ou seria o discurso imagético? De fato, não existe uma verdade, mas aproximações sempre mediadas pela linguagem e pelo interesse, como foi visto. Sempre, a imagem ou o texto não são a coisa, mas sua representação ou sua “presentificação” (MENESES, 2003) se o foco for o cinema. Qual a verdade do discurso? Como alguém se convence da verdade do outro, especialmente no caso da verdade política, quando esse “outro” é toda uma população? Um primeiro recurso é a criação de um vínculo pessoal com o ouvinte, pelo olhar, riso, gestos, atitudes, e até mesmo por atitudes autoritárias: todos conhecem a imagem de Hitler: ele nunca está sorrindo, está sempre ereto, esticado, com braço levantado, como se saudando a si próprio. E o discurso de convencimento? – 1 Mais complexa é a produção da verdade em texto porque, nesse caso, emprega-se o recurso da verossimilhança: o que está dito não é necessariamente o que se passou, mas é “quase”. Outra alternativa é o emprego de estatísticas para “descrever” situações sociais e com isso induzir o leitor a enganos desejados pelo autor do texto. E o discurso de convencimento? – 2 Outro recurso largamente utilizado é a eleição de objetos, palavras ou gestos que representam, em uma síntese imperfeita, todo um conteúdo e tendência política. Na história brasileira podem ser citados: o trevo da política de Adhemar de Barros, nos anos 50, e a vassoura de Jânio Quadros, no mesmo período: Adhemar confiava no trevo de quatro folhas para ter sorte; Jânio na vassoura para “varrer” os ratos (ladrões) do poder. Ambos políticos populistas, Adhemar usava a frase: “Está aqui essa santa mulher que não me deixa mentir”(sua esposa, Dona Leonor Mendes de Barros). E o discurso de convencimento? – 3 De qualquer forma, convencer o outro, especialmente pelo texto, implica na criação de laços de sentido e nesse caso são fundamentais os argumentos e a construção textual da realidade. É possível, por exemplo, dizer que “todos os brasileiros anseiam pela ordem e pelo progresso”, claro está inclusive na bandeira como marcaindelével do positivismo, mas quantos desses “todos” sabem o que significa essa “ordem”? Quantos sabem o que significa o “progresso” no marco neoliberal (perda de empregos)? Houve época em que se dizia que a vocação do Brasil era a agricultura, hoje se diz a mesma coisa, com pequena alteração: a vocação do Brasil é o agronegócio e a pecuária. Evidente que são dois setores importantes da economia, mas não se pode elegê-los como “vocação do Brasil”. E o discurso de convencimento? – 4 Nas relações afetivas, amorosas, é comum fragmentos de discurso destinados a convencer o parceiro (em geral, a parceira) da verdade de seus propósitos. Curiosamente, esse “convencimento” é centrado no próprio sujeito, como: “vem me fazer feliz porque eu te amo” (Djavan, na música “Oceano”, do álbum Circuladô, de 1989). Nada mais egóico ou narcísico, mas dificilmente a ouvinte teria percebido, afinal era um discurso de amor. Outras modalidades do discurso de convencimento A publicidade é uma linguagem de sedução, portanto, os exemplos são muitos, alguns são interessantes pelo absurdo: “por que o casal está na praia? Ah! Porque a senhora usou o detergente X, então sobrou tempo para viajar. E a voz em off declara: limpe menos, passeie mais”. Há outros inúmeros exemplos, dos cremes que prometem deter as rugas, das pílulas que recuperam a mocidade, etc. Outras modalidades do discurso de convencimento Qual das alternativas abaixo está errada sobre o discurso de convencimento? a) Com essa finalidade autores produzem discursos de verossimilhança. b) Para convencimento, dependendo da área, são necessários recursos de análise que o ouvinte não dispõe. c) No discurso de convencimento amoroso o ouvinte está predisposto à aceitação. d) Todo discurso de convencimento exige reflexão racional. e) A imagem do falante deve inspirar confiança. Interatividade Qual das alternativas abaixo está errada sobre o discurso de convencimento? a) Com essa finalidade autores produzem discursos de verossimilhança. b) Para convencimento, dependendo da área, são necessários recursos de análise que o ouvinte não dispõe. c) No discurso de convencimento amoroso o ouvinte está predisposto à aceitação. d) Todo discurso de convencimento exige reflexão racional. e) A imagem do falante deve inspirar confiança. Resposta ARISTÓTELES. Categorias. Disponível em: http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_obrasraras/or1379818/or1379818.pdf. Acesso em 31 out. 2019. BAUDRILLARD, Jean. Da sedução. Campinas: Papirus, 1992. BOURDIEU, Pierre. A dimensão simbólica da dominação. Campinas: Papirus, 2000. BOURDIEU, Pierre. Razões práticas. Campinas: Papirus, 2011. DELEUZE, Gilles. Foucault. Lisboa: Vega, 1987. FOUCAULT, Michel. L’ordre du discours. Paris: Gallimard, 1971. FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Nau, 1996. 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