Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
2012 Arte BrAsileirA Prof. Francisco Ponciano Vieira Prof.ª Carla Carvalho Copyright © UNIASSELVI 2012 Elaboração: Prof. Francisco Ponciano Vieira Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. 709.81 V658a Vieira, Francisco Ponciano Arte brasileira / Francisco Ponciano Vieira e Carla Carvalho. Indaial : Uniasselvi, 2012. 218 p. : il ISBN 978-85-7830- 564-2 1. Arte brasileira. I. Centro Universitário Leonardo da Vinci II. Núcleo de Ensino a Distância III. Título III ApresentAção Caro(a) acadêmico(a)! Seja bem-vindo aos estudos referentes à Arte Brasileira. Caminharemos juntos, de mãos dadas, com o objetivo de auxiliá-lo (a) no propósito de compreensão dos processos de transformações ocorridos na Arte Brasileira. Para isso, essa disciplina vai abordar as relações entre as culturas indígena, africana e europeia, que se articulam na constituição dos processos de formação da cultura brasileira. É importante considerar que seu curso é uma licenciatura, por isso sua formação precisa ter foco na ação do professor, entendendo que a docência em arte se constitui uma profissão complexa. Pensamos assim, pois ao professor de arte é necessário compreender os processos técnicos, culturais e históricos da arte, além de compreender como os seres humanos se relacionam com a arte. Nesse sentido, este Caderno de Estudos relacionará os conteúdos históricos às reflexões acerca do ensino da arte. Numa sociedade como a nossa, formada por multiculturas, o projeto que exibimos pretende ser o estimulador de uma visão relacional que articula elementos próprios do interior da cultura existente em nosso país aos contextos que bebemos, na medida em que fomos colonizados por europeus. Adotamos para a apresentação dessa temática a linha do tempo, com o objetivo de subsidiar você, leitor, a refletir sobre a diversidade cultural aqui existente. É importante considerar que a arte é expressão do ser humano nas suas relações com a sociedade, com os outros seres humanos e com ele mesmo. Nesse processo, que é dialético e dinâmico, é que o ser humano constitui suas formas de ver e perceber o mundo. Ressaltamos essa consideração, pois o que apresentaremos são produções artísticas marcadas pelos contextos culturais aos quais estavam inseridas no momento de sua criação, bem como pela história vivida nesse período. Ao ler o que aqui registramos, lembre-se sempre disso: a arte é marcada histórica e culturalmente. Também traçaremos um perfil acerca da Arte Moderna, no Brasil. Seu marco inicial é sinalizado pela Semana de Arte Moderna de 1922, importante movimento modernista. Neste evento, diversos artistas, de diferentes segmentos e movimentos, se reúnem e apresentam ao público uma nova forma de expressão, como meio de romper com os padrões antigos. IV Desejamos a você uma boa viagem pela Arte Brasileira. Acreditamos que, à medida que você conhecer um pouco mais sobre a história da Arte Brasileira, estará conhecendo mais sobre sua história, seu jeito de ver e pensar sobre o Brasil e, nesse processo, sobre você mesmo. Vamos começar! Prof. Francisco Ponciano Vieira Profª. Carla Carvalho Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! UNI V Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais que possuem o código QR Code, que é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar mais essa facilidade para aprimorar seus estudos! UNI VI VII sumário UNIDADE 1 - OS PRIMÓRDIOS DA ARTE NO BRASIL ............................................................. 1 TÓPICO 1 - A PRÉ-HISTÓRIA ............................................................................................................ 3 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 3 2 PERÍODO PRÉ-HISTÓRICO ............................................................................................................ 4 2.1 REGISTROS NATURALISTAS ..................................................................................................... 6 2.2 REGISTROS GEOMÉTRICOS ....................................................................................................... 7 2.3 TÉCNICAS UTILIZADAS NAS INSCRIÇÕES RUPESTRES ................................................... 8 3 VESTÍGIOS DE OCUPAÇÕES HUMANAS NA PRÉ-HISTÓRIA ........................................... 10 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 14 RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 16 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 17 TÓPICO 2 - AS CULTURAS MARAJOARA E SANTARÉM ......................................................... 19 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 19 2 A CULTURA MARAJOARA .............................................................................................................. 20 3 CULTURA SANTARÉM ..................................................................................................................... 23 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 26 RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 28 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................29 TÓPICO 3 - INFLUÊNCIAS INDÍGENAS NA ARTE ..................................................................... 31 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 31 2 ARTE INDÍGENA ................................................................................................................................ 32 2.1 ARTE CERAMISTA ........................................................................................................................ 33 2.2 A ARTE DE TECER TRAMAR E TRANÇAR ............................................................................. 35 2.3 ARTE PLUMÁRIA ......................................................................................................................... 36 2.4 ARTE DAS MÁSCARAS ............................................................................................................... 37 2.5 ARTE DA PINTURA CORPORAL .............................................................................................. 38 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 39 RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 42 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 43 TÓPICO 4 - REFLEXÕES ACERCA DO ENSINO DA ARTE ........................................................ 45 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 45 2 A SELEÇÃO DE CONTEÚDOS ........................................................................................................ 46 3 SOBRE O ENSINO DA ARTE ........................................................................................................... 47 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 49 RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 51 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 52 UNIDADE 2 - OS PORTUGUESES NO BRASIL ............................................................................. 53 TÓPICO 1 - A ARTE NO BRASIL COLÔNIA .................................................................................. 55 VIII 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 55 2 INÍCIO DA ARTE COLONIAL ........................................................................................................ 56 3 AS FORTIFICAÇÕES .......................................................................................................................... 59 4 AS CONSTRUÇÕES RELIGIOSAS ................................................................................................. 61 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 63 RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 65 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 66 TÓPICO 2 - A OPULÊNCIA DO BARROCO .................................................................................... 67 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 67 2 O BARROCO NO BRASIL ................................................................................................................ 68 2.1 IGREJAS BARROCAS .................................................................................................................... 69 2.2 ALEIJADINHO ............................................................................................................................... 72 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 76 RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 80 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 81 TÓPICO 3 - OS HOLANDESES NO BRASIL ................................................................................... 83 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 83 2 OS HOLANDESES NO NORDESTE ............................................................................................... 83 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 88 RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 92 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 93 TÓPICO 4: O LEGADO DA CULTURA AFRICANA PARA O BRASIL ..................................... 95 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 95 2 A CULTURA AFRICANA ................................................................................................................... 95 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 103 RESUMO DO TÓPICO 4 ....................................................................................................................... 104 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 105 TÓPICO 5 - REFLEXÕES ACERCA DO MULTICULTURALISMO E O ENSINO DA ARTE ............................................................................................................................ 107 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 107 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 110 RESUMO DO TÓPICO 5 ....................................................................................................................... 113 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 114 UNIDADE 3 - RUMO À CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE NACIONAL .................... 115 TÓPICO 1 - A FAMÍLIA REAL NO BRASIL ..................................................................................... 117 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 117 2 A CHEGADA DA CORTE ................................................................................................................. 117 3 A MISSÃO ARTÍSTICA FRANCESA .............................................................................................. 1183.1 OUTROS ARTISTAS ESTRANGEIROS NO BRASIL ................................................................ 122 3.2 NEOCLASSICISMO ....................................................................................................................... 126 3.3 ARTISTAS BRASILEIROS ............................................................................................................. 128 3.3.1 Augusto Müller ......................................................................................................................... 128 3.3.2 Pedro Américo de Figueiredo e Melo .................................................................................... 129 3.3.3 Victor Meirelles ......................................................................................................................... 132 3.3.4 José Ferraz de Almeida Júnior ................................................................................................ 133 3.3.5 Antônio Diogo da Silva Parreiras ........................................................................................... 135 3.3.6 Eliseu D’Angelo Visconti ......................................................................................................... 136 IX 4 ECLETISMO ......................................................................................................................................... 139 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 143 RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 145 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 146 TÓPICO 2 - MODERNISMO NO BRASIL ........................................................................................ 147 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 147 2 SEMANA DE ARTE MODERNA ..................................................................................................... 148 3 NACIONALISTAS: PAU-BRASIL, VERDE-AMARELISMO E ANTROPOFAGISMO ........ 156 3.1 O MOVIMENTO PAU-BRASIL .................................................................................................... 157 3.2 VERDE- AMARELISMO ............................................................................................................... 158 3.3 ANTROPOFAGISMO .................................................................................................................... 159 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 160 RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 162 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 163 TÓPICO 3 - FORMAÇÃO DE GRUPOS ARTÍSTICOS PÓS DÉCADA DE 1930 ..................... 165 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 165 2 FORMAÇÃO DE SOCIEDADES, CLUBES E GRUPOS .............................................................. 165 2.1 NÚCLEO BERNARDELLI ............................................................................................................ 166 2.2 CLUBE DOS ARTISTAS MODERNOS ........................................................................................ 168 2.3 GRUPO SANTA HELENA ............................................................................................................ 170 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 172 RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 176 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 177 TÓPICO 4 - MOVIMENTOS ARTÍSTICOS: MODERNISMO E PÓS-MODERNISMO ....... 179 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 179 2 MODERNISMO ................................................................................................................................... 180 2.1 ABSTRACIONISMO ...................................................................................................................... 180 2.2 CONCRETISMO ............................................................................................................................. 182 2.3 NEOCONCRETISMO .................................................................................................................... 183 2.4 TACHISTAS ..................................................................................................................................... 184 2.5 NOVO REALISMO ........................................................................................................................ 186 2.6 O SURREALISMO .......................................................................................................................... 187 2.7 PINTURA INGÊNUA E PRIMITIVA .......................................................................................... 189 2.8 POP ART .......................................................................................................................................... 190 3 PÓS-MODERNISMO ......................................................................................................................... 193 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 196 RESUMO DO TÓPICO 4 ....................................................................................................................... 202 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 203 TÓPICO 5 - O ENSINO DA ARTE MODERNA E CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA ......... 205 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 205 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 211 RESUMO DO TÓPICO 5 ....................................................................................................................... 215 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 216 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................ 217 X 1 UNIDADE 1 OS PRIMÓRDIOS DA ARTE NO BRASIL OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você estará apto(a) a: • compreender a Pré-História brasileira; • conhecer as culturas Marajoara e Santarém como antigas civilizações bra- sileiras; • perceber a influência indígena na Arte Brasileira. • sistematizar reflexões acerca do ensino da Arte Brasileira numa perspecti- va histórica. Esta unidade está dividida em quatro tópicos. No final de cada um deles, você encontrará atividades que o(a) levarão a exercitar os conhecimentos adquiridos. TÓPICO 1 – A PRÉ-HISTÓRIATÓPICO 2 – AS CULTURAS MARAJOARA E SANTARÉM TÓPICO 3 – INFLUÊNCIAS INDÍGENAS NA ARTE TÓPICO 4 – RELAÇÕES COM O ENSINO DA ARTE Assista ao vídeo desta unidade. 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 A PRÉ-HISTÓRIA 1 INTRODUÇÃO Olá! Seja bem-vindo(a) à disciplina de Arte Brasileira. Nosso foco de discussão desse Caderno de Estudos será a Arte Brasileira, compreendendo-a como elemento da cultura, articulada a um momento histórico com características próprias que a identificam e a diferenciam de outras produções humanas. Você já se perguntou por que o ser humano, em determinado momento, começou a desenhar nas paredes? Por que em determinado momento o ser humano começou a fazer arte? Bem, é na relação do ser humano com os outros homens e com o local em que vive que o homem percebe sua existência e constitui o que chamamos de cultura. A arte é parte da cultura e resultado da relação do sujeito com o contexto cultural e histórico em que vive, com a relação com as outras pessoas e com ele mesmo. Partindo desse indicador, podemos compreender que, seja qual for a produção artística à qual nos referimos nesse caderno, ela é produto das condições sociais, culturais e tecnológicas de seu tempo. Assim, num processo dialético é que o ser humano se constitui, à medida que compreende o mundo, os outros homens e a si mesmo. Bem, lá nos primórdios, os pioneiros da arte eram pessoas que não compreendiam e explicavam o que viviam como explicamos hoje, pois a ciência e a religião não haviam sido constituídas. Assim, toda e qualquer relação do ser humano com a natureza era inexplicável e, por isso, complexa. Para Peixoto (2003, p. 53), a arte é um “produto humano complexo e completo”, que envolve “a elaboração de uma certa compreensão do mundo e a abstração para tomá-la como conteúdo da obra”. Afinal, por que estou iniciando nosso texto falando sobre isso? Podemos identificar registros da arte no Brasil antes mesmo de Pedro Álvares Cabral aportar em terras brasileiras, em 1500. Quando ele aqui chegou, percebeu que nosso território já tinha sido desbravado por grupos nômades e seminômades, tempos atrás. UNIDADE 1 | OS PRIMÓRDIOS DA ARTE NO BRASIL 4 Os fósseis e as inscrições rupestres são os testemunhos da existência de nossos antecessores, pois eles deixaram impressos nas paredes das cavernas, grutas, pedras, registros simbólicos com motivos naturalistas e geométricos, muitos retratando seu cotidiano. Philip Baxter Meggs (1942-2002) em seu livro A History of Graphic Design afirma que a Pré-História serviu de palco para o nascimento da comunicação visual, pois os desenhos primitivos, num sentido mais amplo, eram desenvolvidos como forma utilitária e ritualística. Ele aponta que o foco do desenho, neste período, era a comunicação e não o começo das belas artes, como a concebemos. Este período da História da Humanidade não foi documentado por nenhum registro escrito, por isso denominou-se Pré-História, pois antecede a escrita. O que conhecemos destas antigas civilizações origina-se das pesquisas e estudos realizados por arqueólogos, paleantólogos, antropólogos e pesquisadores. Eles reconstituiem essas culturas através da análise de seus vestígios que o tempo não apagou como as inscrições rupestres, fragmentos de objetos e utensílios, fósseis etc. O fim do período Pré-Histórico acontece com a descoberta da escrita, originando a era denominada de História. Esta passagem da Pré-História à História não ocorre abruptamente e equivalente nos vários continentes e, sim, de forma inconstante e desigual. Foram as grandes navegações que propiciaram a propagação da escrita além fronteiras. Tomando como exemplo o Brasil, em relação a outros países, pode-se dizer que o período Pré-Histórico se prolongou até sua colonização, em 1531. 2 PERÍODO PRÉ-HISTÓRICO Percebendo a história da humanidade, verifica-se que, já em tempos remotos, os povos da pré-história, mesmo sem conhecer a escrita, retratavam os acontecimentos através de inscrições rupestres. Analisando a trajetória humana no Brasil, observamos que há indícios da existência de povos acerca de 11,5 mil anos, considerado período Pré-Histórico até a colonização pelos portugueses, em 1500. Prova desta presença são as manifestações que o tempo não apagou como as inscrições rupestres, fósseis e pedaços de artefatos. As pinturas desenvolvidas pelo homem na Pré-História, mesmo sendo impossível aos arqueólogos interpretá-las de forma exata, são consideradas representações simbólicas que retratam cenas da vida cotidiana e eventos cerimoniais. UNI TÓPICO 1 | A PRÉ-HISTÓRIA 5 Também deduz-se que, muitos dos ágrafos desenvolvidos pelos primitivos eram meios utilizados para se comunicarem com entidades superiores e também elaborarem reproduções idealizadas da natureza, muitas vezes para garantir uma boa caça e, consequentemente, a sua sobrevivência. Sabemos que não foi com a intenção de “fazer obra de arte” que o homem da idade da pedra pintou ou modelou com as próprias mãos, formas naturais, mas, sim, para assegurar a reprodução da caça, atraí-la às armadilhas, ou ainda para se apoderar da força dos animais ferozes; o artista primitivo era um feiticeiro cujos desenhos tinham um valor encantatório, e se ele dedicava tanta atenção à verdade viva era para dar às formas o maior valor de reprodução possível, transmitindo-lhes a virtude da própria criatura. (BAZIM, 1976, p. 9). Para ele, considerado “primitivo” nestas manifestações, a imagem já não era um simulacro; provida das mesmas qualidades vivas que o ser reproduzido, a imagem é uma operação mágica através da qual o homem manifesta o seu poder na ordem cósmica. Essas manifestações artísticas, conforme pintura rupestre (Figura 1) encontrada no sítio Boqueirão da Pedra Furada, no Parque Nacional da Serra da Capivari, no Piauí (Figura 2), atualmente, são consideradas verdadeiras obras de arte devido ao seu valor cultural para a humanidade. FONTE: TIRAPELI, Percival. Arte Brasileira: arte indígena do pré- colonial à contemporânea. São Paulo: Nacional, 2007. p. 12. FONTE: TIRAPELI, Percival. Arte Brasileira: arte indígena do pré-colonial à contemporânea. São Paulo: Nacional, 2007. p. 13. FIGURA 1 – PINTURA RUPESTRE (PI) FIGURA 2 – SÍTIO BOQUEIRÃO (PI) UNIDADE 1 | OS PRIMÓRDIOS DA ARTE NO BRASIL 6 As pesquisas científicas de antigas culturas que existiram no Brasil, a partir das descobertas realizadas no sudeste do Piauí, abrem uma perspectiva nova tanto para a historiografia como para a Arte Brasileira. Esses fatos nos permitem ver mais claramente que a história de nosso país está ligada à história do mundo todo, e que as nossas raízes são muito mais profundas do que o limite inicial de uma data, no tão próximo século XV. (PROENÇA, 1999, p. 189). O homem da Pré-História deixou impresso nas paredes das cavernas, grutas, rochedos, pedra, leitos dos rios os mais variados temas que se tornaram registros simbólicos de pessoas, animais, plantas e objetos, podendo ser classificados em motivos naturalistas (figurativos) e geométricos. É importante compreendermos o que aconteceu e como aconteceu essa história, pois somos resultado desse processo, está em nós marcada a história da humanidade. De alguma maneira, nossa história se entrelaça a histórias desses homens e mulheres que naquela época elaboraram os primeiros registros artísticos no Brasil. É no decurso do esforço de várias ciências, unindo seus conhecimentos através de pesquisas científicas, que temos o conhecimento do modo de vida das civilizações Pré- Históricas. Uma delas é a Arqueologia, que é a ciência que estuda os vestígios materiais deixados pelo homem como objetos, armas, moradias, adornos e as próprias inscrições rupestres, como veremos a seguir, nos registros naturalistas e geométricos!2.1 REGISTROS NATURALISTAS Nos registros naturalistas há predominância de formas humanas isoladas ou em grupos bem como representações de animais e plantas. Estas imagens aparecem em cenas de guerra, luta, caça, coito e trabalhos coletivos. As pessoas, em algumas situações, são retratadas usando armas como lanças e bastões, cestas e outros utensílios. Os animais e as plantas, conjuntamente com o homem, muitas vezes, fazem parte das mesmas composições. Nessas representações, ora são retratados sozinhos ora em combates com outros animais ou com o próprio homem. Os animais cuja representação é mais frequente são os veados, as onças, os peixes e os pássaros. Nas Figuras 3 e 4, podem ser vistas as inscrições rupestres encontradas em sítios arqueológicos dentro do Parque Nacional Serra da Capivara (PI). UNI IMPORTANT E TÓPICO 1 | A PRÉ-HISTÓRIA 7 FONTE: Disponível em: <http://autogestnacabeca.blogspot.com/2007/09/so- raimundo-nonato-piaubrasil.html>. Acesso em: 15 maio 2008. FIGURA 3 – CAPIVARA PIAUÍ FONTE: Disponível em: <http://autogestnacabeca.blogspot.com/2007/09/so- raimundo-nonato-piaubrasil.html>. Acesso em: 15 maio 2008. FIGURA 4 – CERIMONIAL. PIAUÍ 2.2 REGISTROS GEOMÉTRICOS As inscrições rupestres sinalizadas com motivos geométricos destacam-se pela diversidade de elementos e formas geométricas. Alguns grupos utilizavam, por exemplo, desenhos trabalhando com modelos não figurativos representando pontos, linhas, traços espirais, cruzes, círculos e outros elementos geométricos em diferentes tamanhos e combinações. A Figura 5 mostra elementos geométricos, em forma de círculos concêntricos em variadas modalidades pintadas nas paredes de um sítio arqueológico na Bahia. UNIDADE 1 | OS PRIMÓRDIOS DA ARTE NO BRASIL 8 FONTE: PROENÇA, Graça. Descobrindo a História da Arte. São Paulo: Ática, 2006. p. 12. FIGURA 5 – PINTURAS RUPESTRES COM MOTIVOS GEOMÉTRICOS (GOIÁS) “O estudo da arte de um povo tem a finalidade de enriquecer o conhecimento individual de cada um, através do aprimoramento do gosto e da sensibilidade, estabelece “uma ponte entre o espiritual e o material”. É importante conhecer os períodos da arte em que aconteceram fatos novos, o porquê e qual a sua contribuição para a vida moderna.” (HARRES, 1979, p. 11). 2.3 TÉCNICAS UTILIZADAS NAS INSCRIÇÕES RUPESTRES Muitos sítios arqueológicos apresentam as duas técnicas de representação gráfica mais utilizada pelo homem primitivo: a pintura e a gravura. A gravura se dá pelo processo de abrasão, ou seja, pela raspagem das pedras deixando as formas das figuras em baixo relevo. Para pintar, o homem pré-histórico se valia de elementos naturais, nos quais imprimia, como nas paredes das rochas e cavernas, imagens que eram decalcadas. Estas se fixam quando os elementos eram retirados. Segundo a obra de Calabria e Martins (1997, p.16), para pintar, o homem pré- histórico “produzia suas tintas misturando terra (geralmente avermelhada por ser rica em minérios) com carvão, sangue e gorduras de animais.” Também utilizava as mãos e, possivelmente, outros artefatos como pincéis rudimentares (como tocos de madeira, osso), “conforme alguns objetos encontrados por arqueólogos.” UNI TÓPICO 1 | A PRÉ-HISTÓRIA 9 As Figuras 6 e 7 são dois exemplos distintos de técnicas utilizadas pelo homem pré-histórico. Na primeira, localizada no sítio Caldeirão do Deolindo – que é um depósito natural de água, um caldeirão – dentro do Parque Nacional Serra da Capivara (PI), encontramos a utilização da técnica por abrasão. Já na Figura 7, outro sítio arqueológico dentro do Parque Nacional Serra da Capivara (PI), pode- se observar a utilização de tintas produzidas por elementos naturais. FONTE: Disponível em: <http://www.fumdham.org.br/pinturas.asp>. Acesso em: 15 maio 2008. FONTE: Disponível em: <http://www.fumdham.org.br/pinturas.asp>. Acesso em: 15 maio 2008. FIGURA 6 – TÉCNICA POR ABRASÃO FIGURA 7 – TÉCNICA POR PINTURA UNIDADE 1 | OS PRIMÓRDIOS DA ARTE NO BRASIL 10 O parque Nacional Serra da Capivara, situado no estado do Piauí, foi declarado como sendo Patrimônio Natural da Humanidade devido ao seu valor natural e cultural. Nele encontra-se uma importante diversidade biológica situada numa das últimas áreas do semiárido. Também concentram-se, aproximadamente, 912 sítios arqueológicos, quase que, na sua totalidade, de pinturas e gravuras rupestres. 3 VESTÍGIOS DE OCUPAÇÕES HUMANAS NA PRÉ-HISTÓRIA No Brasil, encontram-se importantes sítios arqueológicos que denotam a presença humana há aproximadamente 11,5 mil anos a.C. Um desses importantes sítios arqueológicos está localizado no município de São Raimundo Nonato, João Costa, Brejo do Piauí e Coronel José Dias, numa região situada no sudeste do Estado do Piauí, denominada Parque Nacional Serra da Capivara. Lá, encontram-se vestígios de pinturas e gravuras rupestres. Estes registros, provavelmente, são de autoria de povos que se valiam das cavernas das regiões pelas quais passavam para se protegerem. Anterior à descoberta de um fóssil humano com traços negroides na Lapa Vermelha – entre Lagoa Santa e Pedro Leopoldo, na região metropolitana de Belo Horizonte – pela equipe franco-brasileira coordenada pelos arqueólogos franceses Anette Laming e André Prous, pensava-se que aqui todos os antigos habitantes descendiam da raça mongol, característica dos índios atuais. A ilustração do mapa mostra a entrada do homem pré-histórico nas Américas, que se deu pelo Estreito de Bering, há poucos milhares de anos. FONTE: Disponível em: <www1.folha.uol.com.br/folha/sinapse/ult1063u219.shtml>. Acesso em: 23 maio. 2008. FIGURA 8 – ENTRADA DO HOMEM UNI TÓPICO 1 | A PRÉ-HISTÓRIA 11 FONTE: PROENÇA, Graça. A História da Arte. São Paulo: Ática, 2006. p. 10. FIGURA 9 – LUZIA 1 – Sibéria. Ela ocupa 58% da área da Federação Russa. E é lá, na aldeia de Oymyakon, que é considerado o lugar habitado mais frio do planeta. 2 – Estreito de Bering. É um estreito entre o Cabo Dezhnev, o ponto extremo oriental do continente asiático e o Cabo Prince of Wales, o extremo ocidental do continente americano, com cerca de 85 km de largura e uma profundidade de 30-50 m. 3 – Novo México. O modelo “Clóvis first” (Clóvis primeiro) diz que tribos com características mongoloides atravessaram o estreito de Bering há, no máximo, 12 mil anos. A primeira cultura identificada nessa leva é a do sítio arqueológico de Clóvis, no Novo México, que produziu pontas de lança características. 4 – Sítio arqueológico no Pará. Monte Alegre, Pará. Nessa região, foram encontrados, em 1996, os mais antigos artefatos e pinturas já vistos na Amazônia. 5 – Lapa Vermelha (MG). O modelo dos dois componentes biológicos, proposto por Walter Neves, diz que um povo mais antigo, com traços semelhantes aos dos atuais africanos e australianos, chegou à América há cerca de quinze mil anos. É a essa população que pertenceria Luzia, a mulher de 11,5 mil anos encontrada no sítio arqueológico de Lapa Vermelha, perto de Lagoa Santa (MG). Milênios depois, talvez há 10 mil anos, os ancestrais dos atuais indígenas teriam chegado ao continente. FONTE: Adaptado de: LOPES, José Reinaldo. O antropólogo em busca do inesperado. Disponível em: <http:// www1.folha.uol.com.br/folha/sinapse/ult1063u219.shtml>. Acesso em: 23 maio 2008. UNIDADE 1 | OS PRIMÓRDIOS DA ARTE NO BRASIL 12 Paleontólogos, arqueólogos e antropólogos afirmam que a ossada mais antiga de um ser humano já encontrado na América é o crânio de Luzia, atualmente exposto no Museu Nacional do Rio de Janeiro (Figura 8). Ao reconstituírem seu crânio, embasados em estudos e testes e com o auxílio de aparelhos sofisticados como a tomografia computadorizada, a datação a partir do carbono, esses pesquisadores observaram que Luzia morreuentre 20 e 25 anos. Possuía características negroides: sua face era alongada com queixo saliente, as maçãs do rosto destacadas, nariz largo e achatado e o seus olhos arredondados, muito parecidos com os aborígines africanos e australianos. No mapa exposto na Figura 10, há vários registros de seres humanos que viveram aqui há pelo menos 11,5 mil anos. Veja abaixo os principais sítios arqueológicos no Brasil: FONTE: VEJA. São Paulo: Abril, n. 1612, ago. 1999. p. 23. FIGURA 10 – SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS UNI TÓPICO 1 | A PRÉ-HISTÓRIA 13 FONTE: Disponível em: <http://www.geocities.com/latrinchera2000/ articulos/America.html>. Acesso em: 15 maio 2008. FIGURAS 11 E 12 – PINTURAS RUPESTRES E RASPADOR 1 – Lapa Vermelha, Minas Gerais. Luzia foi identificada nesse sítio arqueológico em 1975. É o mais antigo crânio humano conhecido em todo o continente americano. 2 – Santana do Riacho, Minas Gerais. Há apenas 60 quilômetros de Lapa Vermelha, concentram-se vários esqueletos humanos contemporâneos e também pinturas rupestres e ferramentas pré-históricas. 3 – Vale do Peruaçu, Minas Gerais. Conta com pinturas rupestres datadas entre 11 mil e 12 mil anos, algumas com três cores e desenhos elaborados. 4 – Monte Alegre, Pará. Nessa região, foram encontrados em 1996 os mais antigos artefatos e pinturas já vistos na Amazônia. 5 – Abrigo do Sol, Mato Grosso. Sítio arqueológico localizado em 1987 na beira do Rio Guaporé, composto principalmente de ferramentas de pedra lascada. 6 – Serra da Capivara, Piauí. Um dos mais importantes sítios arqueológicos do mundo, que tem mais de 25.000 pinturas rupestres e vestígios de ocupação humana. Para saber mais sobre este museu a céu aberto acesse: http://www. fumdham.org.br/parque.asp. UNIDADE 1 | OS PRIMÓRDIOS DA ARTE NO BRASIL 14 7 – Rio Uruguai, Rio Grande do Sul. Sítio arqueológico localizado nos anos 80 com restos de ferramentas de pedra e animais já extintos. FONTE: VEJA. São Paulo: Abril, n. 1612, ago. 1999. p. 24. Caro(a) acadêmico(a), para aprofundar seus conhecimentos sobre o tema, sugerimos a leitura de TIRAPELI (2007), ou a consulta dos sites: www.museu-goeldi.br/ - Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém do Pará, PA. www.mae.usp.br/ - Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, SP. www.fundaj.gov.br/docs/indoc/muhne-p.html - Museu do Homem do Nordeste, Recife, PE. www.fundaj.gov.br/docs/iesam/muhno-p.html - Museu do Homem do Norte, Manaus, AM. www.iphan.gov.br – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Iphan. http://www.fumdham.org.br – Fundação Museu do Homem Americano www.lagoasanta.com.br/homem - Site sobre o Homem de Lagoa Santa LEITURA COMPLEMENTAR A ARTE DA PRÉ-HISTÓRIA BRASILEIRA Graça Proença O Brasil possui valiosos sítios arqueológicos em seu território, embora nem sempre tenha sabido preservá-los. Em Minas Gerais, por exemplo, na região que abrange os municípios de Lagoa Santa, Vespasiano, Pedro Leopoldo, Matosinhos e Prudente de Moraes, existiram grutas que traziam, em suas pedras, sinais de uma cultura pré-histórica no Brasil. Algumas dessas grutas, como a chamada Lapa Vermelha, foram destruídas por fábricas de cimento que se abasteceram do calcário existente em suas entranhas. Além dessas cavernas já destruídas, muitas outras encontram-se seriamente ameaçadas. Das grutas da região, a única protegida por tombamento do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) é a gruta chamada Cerca Grande. Ela é considerada importante monumento arqueológico por causa de suas pinturas rupestres e de fósseis descobertos em seu interior, indicadores de antigas culturas existentes em nosso país. Naturalismo e Geometrismo: as duas faces da arte rupestre no Brasil No sudeste do Estado do Piauí, município de São Raimundo Nonato, há um importante sítio arqueológico onde, desde 1970, diversos pesquisadores vêm trabalhando. ESTUDOS FU TUROS TÓPICO 1 | A PRÉ-HISTÓRIA 15 Em 1978, uma missão franco-brasileira coletou uma grande quantidade de dados e vestígios arqueológicos. Esses cientistas chegaram conclusões esclarecedoras a respeito de grupos humanos que habitaram a região por volta do ano 6000 a.C., ou talvez numa época mais remota ainda. Segundo as pesquisas, os primeiros habitantes da área de São Raimundo Nonato – provavelmente caçadores-coletores, nômades e seminômades – utilizavam as grutas da região como abrigos ocasionais. A hipótese mais aceita, portanto, é a de que esses homens foram os autores das obras pintadas e gravadas nas grutas da região. Os pesquisadores classificaram essas pinturas e gravuras em dois grandes grupos: obras com motivos naturalistas e obras com motivos geométricos. Entre as primeiras predominam as representações de figuras humanas que aparecem ora isoladas, ora participando de um grupo, em movimentadas cenas de caça, guerra e trabalhos coletivos. No grupo dos motivos naturalistas, encontram-se também figuras de animais, cujas representações mais frequentes são de veados, onças, pássaros diversos, peixes e insetos As figuras com motivos geométricos são muito variadas: apresentam linhas paralelas, grupos de pontos, círculos, círculos concêntricos, cruzes, espirais e triângulos. A partir do estudo dos vestígios arqueológicos encontrados em São Raimundo Nonato, os estudiosos levantaram a hipótese da existência de um estilo artístico denominado Várzea Grande. Esse estilo tem como característica a utilização preferencial da cor vermelha, o predomínio dos motivos naturalistas, a representação de figuras antropomorfas e zoomorfas (com corpo totalmente preenchido e os membros desenhados com traços) e a abundância de representações animais e humanas de perfil. Nota-se também a frequente presença de cenas em que participam numerosas personagens, com temas variados e que expressam grande dinamismo. As pesquisas científicas de antigas culturas que existiram no Brasil, a partir das descobertas realizadas no sudeste do Piauí, abrem uma perspectiva nova tanto para a historiografia como para a Arte Brasileira. Esses fatos nos permitem ver mais claramente que a história de nosso país está ligada à história do mundo todo, e que as nossas raízes são muito mais profundas do que o limite inicial de uma data, no tão próximo século XV FONTE: PROENÇA, Graça. História da Arte. São Paulo: Ática, 1999. p. 187. 16 Neste tópico, você teve oportunidade de estudar importantes conteúdos acerca dos primórdios da Arte Brasileira. Veja, a seguir, alguns itens: O período da Pré-História no Brasil tem seu início com os primeiros indícios de vida humana, como as inscrições rupestres, espalhadas por muitos sítios arqueológicos e os fósseis encontrados como o de Luzia, o mais antigo que foi datado em 11,5 mil anos a.C. Tem seu final com o descobrimento do Brasil pelos portugueses, em 1500. As pinturas desenvolvidas pelo homem na Pré-História, mesmo sendo impossível aos arqueólogos interpretá-las de forma exata. São consideradas representações simbólicas que retratam cenas da vida cotidiana e eventos cerimoniais. O homem da Pré-História deixou impresso nas paredes das cavernas grutas, rochedos, pedra, leitos dos rios os mais variados temas que se tornaram registros simbólicos de pessoas, animais, plantas e objetos, podendo ser classificados em motivos naturalistas (figurativos) e geométricos. Nos registros naturalistas, há predominância de formas humanas isoladas ou em grupos bem como representações de animais e plantas. As inscrições rupestres sinalizadas com motivos geométricos se destacam pela diversidade de elementos e formas geométricas. Muitos sítios arqueológicos apresentam as duas técnicas de representação gráfica mais utilizada pelo homem primitivo: a pintura e a gravura. Para a pintura, eram usados elementosnaturais nos quais o homem primitivo imprimia, nas paredes das rochas e cavernas, imagens que eram decalcadas. A gravura se dava pelo processo de abrasão, ou seja, pela raspagem das pedras deixando as formas das figuras em baixo relevo. RESUMO DO TÓPICO 1 17 O período da Pré-História no Brasil tem seu início com os primeiros indícios de vida humana, como as inscrições rupestres, espalhadas por muitos sítios arqueológicos, e os fósseis encontrados como o de Luzia, o mais antigo, que foi datado em 11,5 mil anos a.C. Este período tem seu final com o descobrimento do Brasil pelos portugueses, em 1500. Para melhor fixar esta fase da história da humanidade, desenvolva um painel com imagens, com registros desta fase, identificando local, data e assunto. Também comente sobre o papel desempenhado pela Arte durante o período Pré-Histórico. Bom Trabalho! AUTOATIVIDADE Assista ao vídeo de resolução desta questão 18 19 TÓPICO 2 AS CULTURAS MARAJOARA E SANTARÉM UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Antes mesmo de Cabral descobrir o Brasil, em 1500, aqui, já havia arte. Estas manifestações artísticas foram habilmente desenvolvidas pelos povos que aqui viveram no considerado período pré-histórico brasileiro. “Sabemos da existência deles por meio de vestígios arqueológicos: fragmentos de ossos e de objetos, desenhos e pinturas gravados em rochas.” (PROENÇA, 2006, p. 10). Muito dos seus legados estão espalhados pelo Brasil e no mundo, em museus, entidades que desenvolvem pesquisas e nas mãos de colecionadores privados. São peças que chamam a atenção pela complexidade de manufatura e beleza. Estas antigas civilizações deixaram suas marcas impressas no tempo através de suas produções artísticas. É através do estudo iconográfico dessas manifestações que podemos perceber seu modus vivendi. Embora os ameríndios desenvolvessem coisas em comum, sabe-se que cada cultura possuía talentos distintos materializados em artefatos de arte segundo suas necessidades cotidianas e ritualísticas. Abordaremos duas das diversas culturas indígenas que existiram em tempos remotos: a Marajoara e a Santarém. Foram encontrados restos arqueológicos indicando a existência de outros povos mais adiantados, como a cultura Marajoara e Tapajônica, anteriores aos indígenas que habitavam o Brasil na época de seu descobrimento, em 1500. Os que aqui habitavam, neste período, foram considerados muito atrasados e de cultura rudimentar comparados aos que os antecederam. UNI UNIDADE 1 | OS PRIMÓRDIOS DA ARTE NO BRASIL 20 2 A CULTURA MARAJOARA No período pré-cabralino, entre os séculos V e XIV, na ilha de Marajó, ao redor do delta do Rio Amazonas, nasceu a cultura marajoara. Esta cultura se deu através de várias tribos indígenas que ali se estabeleceram. Não se sabe ao certo a origem destes povos, porém muitos pesquisadores apontam como sendo a junção de grupos nômades que saíram de outros pontos das Américas, como a Central, e que aqui se instalaram. Há muitas suposições sobre a verdadeira origem da cerâmica marajoara. Muitos pesquisadores apontam que, na ilha de Marajó – ocupação que se deu por volta do século I ao século XIV, conforme pesquisas arqueológicas – sucederam cinco fases de apropriação por tribos distintas umas das outras, a nível cultural e organizacional. Em ordem cronológica de tomada, as fases que se sucederam foram: Ananatuba, Mangueiras, Formiga, Marajoara e Aruã. A fase marajoara é considerada a quarta segundo ordem de ocupação da ilha de Marajó e também a mais avançada. Este período, a quarta fase marajoara, denominou-se também como policrônico, pois ele se caracteriza pela ação dos índios de realizarem muitas atividades conjuntamente, todos fazem parte de um sistema. A cultura marajoara, além da cultura Santarém, é considerada como uma das mais avançadas, ricas e interessantes. Deve-se isto, principalmente, por causa da criação e produção de cerâmica de vários tipos, como os vasos, estatuetas, pratos, tangas, urnas funerárias, bancos, potes, brinquedos e outros artefatos, conforme Figuras 13, 14 e 15. FONTE: Disponível em: <http://www.marajoara.com/iconografia.html>. Acesso em: 15 maio 2008. FIGURA 13 – VASO (1), ESTATUETA (2) E PRATO (3) MARAJOARA TÓPICO 2 | AS CULTURAS MARAJOARA E SANTARÉM 21 FONTE: ZANINI, Walter, org. História Geral da Arte no Brasil. São Paulo: Instituto Walther Moreira Salles, 1983. 2 v., il. p. 36. FONTE: ZANINI, Walter, org. História Geral da Arte no Brasil. São Paulo: Instituto Walther Moreira Salles, 1983. 2 v., il. p. 37. FIGURA 14 – TANGA E URNA FUNERÁRIA FIGURA 15 – BANCO Mas as peças que são mais conhecidas, devido a sua diversidade de formas e texturas, são os vasos. Estes atendiam a vários propósitos, como uso doméstico (de porte mais simples) e os cerimoniais e funerários (com decorações mais apuradas). Na confecção das peças, para obterem resistência na liga da argila, os índios realizavam combinações como outros elementos acrescentando cinzas, ossos, cascalhos e conchas. Após a modelagem os artefatos eram pintados manualmente, e utilizados pigmentos de várias tonalidades, principalmente o vermelho, encontrado em muitas peças. Em seguida, eram cozidas a céu aberto. Muitos objetos, na sua finalização, eram envernizados, deixando-os com um aspecto brilhante. Nos exemplares encontrados, do conjunto de obras das cerâmicas marajoaras, foram catalogadas uma variedade de técnicas, aproximadamente quinze, denunciando um dos mais intrincados e refinados estilos ceramistas da América Latina do período pré-colonial. UNIDADE 1 | OS PRIMÓRDIOS DA ARTE NO BRASIL 22 No século passado e neste, arqueólogos descobriram uma miríade de cacos das peças cerâmicas produzidas por este povo. Dentre eles, peças inteiras de raríssima beleza e durabilidade. Transformadas em verdadeiras obras de arte pela cultura contemporânea, essas peças encontram-se em museus, instituição de pesquisa e com colecionadores particulares, no Brasil e no exterior. Elas são o principal elemento de comunicação e informação desse povo, ao expressarem através de suas formas icônicas seus valores e modos de vida. (JESUS, 2008). Segundo Graça Proença (2006, p. 90), “a cultura dessa fase sofreu um lento, mas constante declínio, até desaparecer completamente por volta de 1350, talvez absorvida por outros povos que chegaram à ilha. Porém, deixaram um rico legado que conta a sua história.” A arqueóloga brasileira Cristiana Barreto, que levou uma exposição para o museu Britânico, no ano de 2001, intitulada Unknown Amazon ou “Amazônia Desconhecida” desejava, com esta manifestação, derrubar mitos. Ela pretendia mostrar pesquisas recentes que relatavam sobre a ocupação na Amazônia por civilizações sofisticadas distribuídas em cidades avançadas como as tribos que ocuparam a ilha de Marajó e as tribos dos índios Tapajós. Em uma das perguntas elaboradas pela BBC de Londres, em que Cristiane Barreto é questionada sobre o passado indígena e a crença de que nossos índios atuais pertenciam a antigas culturas que viviam em condições muito “primitivas”, ela responde: Nossa história vai ser reescrita e já está sendo reescrita. Já existem manuais escolares onde se colocam esses achados e essas teorias, que começam a ser comprovadas, de verdadeiras civilizações amazônicas. Ao longo da história do Brasil, sempre houve mitos das cidades perdidas da Amazônia, muitas lendas, e o fato de isso nunca ter sido comprovado acabou criando uma decepção e até um complexo de inferioridade nos brasileiros. Porque os países andinos têm os Incas, até a Bolívia tem culturas mais avançadas, o México, com as culturas Astecas e pré-Astecas. Nós não. Sempre tivemos aqueles indiozinhos, com uma cultura material muito pobre, vivendo em pequenas aldeiasisoladas no meio da floresta. Com certeza, essa história vai ter de ser reescrita agora. Vamos ter de entender que essa visão do índio pobre brasileiro é decorrência do contato com o europeu. Os índios tinham uma população muito maior e eram muito mais sofisticados em termos de cultura material, antes do europeu chegar. O efeito do contato foi brutal. (BARRETO, 2001). Os vestígios da diversificada cultura dos povos que, há muito, habitaram a ilha de Marajó, e sua expressiva arte ceramista que nos foi deixada como legado, são provas contundentes de uma civilização avançada que existiu no passado e que ainda não foi totalmente compreendida pelo homem. TÓPICO 2 | AS CULTURAS MARAJOARA E SANTARÉM 23 Para ler a entrevista na íntegra da arqueóloga brasileira Cristiana Barreto, concedida a BBC de Londres, sobre as avançadas civilizações que habitaram a Amazônia acesse o site: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2001/011005_amazonia.shtml>. Ou para saber mais sobre a cultura marajoara acesse: <http://www.marajoara.com/>. 3 CULTURA SANTARÉM Denominou-se cultura Santarém todos os fragmentos culturais deixados próximos à junção do Rio Tapajós com o Amazonas séculos atrás. Cabe dizer que os tapajós produziram artefatos utilizando diversos materiais como: sementes, madeiras, algodão, cipós, folhas, etc., porém foram os materiais não orgânicos como a cerâmica que resistiram, em maior quantidade, à ação do tempo. Alguns historiadores nomeiam a cultura santanense de tapajônica, em virtude de sua localização próxima às margens do rio de mesmo nome. É considerada por muitos pesquisadores uma das maiores culturas das Américas. Seus objetos, confeccionados em cerâmica, possuem características marcantes e muitos nos fazem lembrar, a arte chinesa antiga e o estilo barroco devido a sua característica rebuscada e cheia de formas simbólicas. Muitas peças possuem formas zoomórficas, outras mesclam imagens humanas ou a junção das duas em complexas combinações em que são misturadas técnicas de pintura, desenho e ornamentos em relevo. Também podemos encontrar, em seu legado, as cariátides (Figuras 16 e17), que são formas humanoides que se fixam na parte superior de vasos e outras peças. Os vasos de cariátides foram assim denominados por Frederico Barata (1950) em função de um dos seus componentes – as pequenas figuras modeladas que sustentam uma vasilha sobre suas cabeças relembrando os elementos clássicos da arquitetura grega. Eles são compostos por três partes distintas superpostas (Figura X e Y). A primeira é um recipiente semiesférico, com boca circular, borda direta e base arredondada, apresentando incisões contornando a parte externa, localizadas próximas à borda, e apêndices zoomorfos e antropozoomorfos [...]. A segunda parte do recipiente é formada por três figuras antropomorfas modeladas – as “cariátides” – que fazem a ligação entre o recipiente e a base [...]. A terceira parte do vaso é a base, que possui forma anelar. São decoradas com tratamento plástico, algumas vezes representando rostos, figuras zoomorfas ou elementos não reconhecíveis. (GUAPINDAIA, 2004). NOTA UNIDADE 1 | OS PRIMÓRDIOS DA ARTE NO BRASIL 24 FONTE: ZANINI, Walter, org. História Geral da Arte no Brasil. São Paulo: Instituto Walther Moreira Salles, 1983. 2 v., il. p. 38. FONTE: Disponível em: <http://www.historiaehistoria.com.br/ materia.cfm?tb=historiadores&id=16>. Acesso em: 23 maio 2008. FIGURA 16 – VASO DE CARIÁTIDES FIGURA 17 – VASOS DE CARIÁTIDES 1 A estátua, Figura 18, e os vasos de gargalo, Figura 19, também compõem esta coleção de obras, nas quais, destacam-se formas muito variadas antropomorfas e zoomorfas. TÓPICO 2 | AS CULTURAS MARAJOARA E SANTARÉM 25 FONTE: TIRAPELI, Percival. Arte Brasileira – Arte Indígena do Pré-colonial à Contemporaneidade. São Paulo: Nacional, 2007. p. 40. FIGURA 18 – ESTÁTUA ANTROPOMORFA FONTE: ZANINI, Walter, org. História Geral da Arte no Brasil. São Paulo: Instituto Walther Moreira Salles, 1983. 2 v., p. 38. A decoração das estatuetas na cerâmica Santarém inclui pinturas corporais, cabelos trançados e arrumados com faixas, adornos auriculares, pulseiras e tornozeleiras, mostrando uma pessoa ornamentada para uma ocasião especial. Elas são na maioria femininas e, possivelmente, estão relacionadas ao papel social de algumas mulheres importante entre os Tapajó. De fato, as informações históricas relatam a existência de um grupo de pessoas de status diferenciado entre os Tapajós e dentro deste grupo, mulheres que exerciam papéis destacados nessa sociedade, como a “princeza” (sic) Maria Moaçara. (Apud GUAPINDAIA, 2004). À procura por vestígios de civilizações que há muito habitaram a Amazônia, os arqueólogos começam suas buscas no início no século XVIII e continuam até os dias de hoje. FIGURA 19 – VASO DE GARGALO UNIDADE 1 | OS PRIMÓRDIOS DA ARTE NO BRASIL 26 Nos estudos e escavações, realizados próximos à junção do Rio Tapajós com o Amazonas, foram encontrados fragmentos de um povo que se denominou Santarense e ou Tapajônico. Os segredos de sua expressiva cultura, hoje expostos em museus brasileiros e estrangeiros, e que aos poucos surgem das escavações, incluindo a arte ceramista, atestam que ali viveu uma civilização extremamente avançada para a época. “Ignoramos como a arte começou, tanto como desconhecemos como teve início a linguagem. Se aceitamos que a arte significa o exercício de atividades tais como a edificação de templos e casas, a realização de pinturas e esculturas, nenhum povo existe no mundo sem arte”. (GOMBRICH, 1950, p. 39). LEITURA COMPLEMENTAR LINGUAGEM VISUAL Denise Schaan Antropólogos acreditam que a arte pré-histórica era usada para comunicar ideias, crenças, filiação social, mitologias e cosmologias. A decoração dos objetos teria tido um papel social importante, veiculando informação. Nestes contextos, a arte pré-histórica pode ser vista como um tipo de linguagem. Em vez de ser verbalizada ou escrita, a arte pré-histórica é essencialmente uma linguagem visual. A arte Marajoara é conhecida por sua cerâmica, apesar do fato de que as populações amazônicas devem ter usado outros materiais, tais como madeira, ossos e fibras para expressar suas ideias artisticamente. Estas ideias se tornam visuais através de desenhos geométricos que lembram a fauna local. Animais como serpentes, lagartos, jacarés, escorpiões, e tartarugas são representados através de espirais, triângulos, retângulos, círculos concêntricos e ondas, entre outros signos, utilizando-se de técnicas variadas. O estudo destes ícones e o seu lugar no conjunto da representação permite a identificação dos temas zoomórficos, possivelmente seres sobrenaturais ou mitológicos. Denise Schaan caracteriza esses desenhos como uma linguagem iconográfica. Iconografia e Rituais Por volta do ano de 400 depois de Cristo, sociedades hierárquicas e regionais emergiram na Ilha de Marajó. Sob o domínio dos caciques, a nova forma de organização social passou a ser legitimada por rituais, durante os quais os pajés faziam a ponte entre o mundo terreno e aquele dos espíritos e dos antepassados. UNI TÓPICO 2 | AS CULTURAS MARAJOARA E SANTARÉM 27 Por essa ponte transitavam símbolos e imagens frequentemente concebidos durante transes alucinógenos. Nascia a arte Marajoara. O imaginário coletivo tornava-se visual na forma de desenhos que nos lembram labirintos, espirais, triângulos, círculos, retângulos, tridentes e faces. Com temática estreitamente relacionada à fauna local, os desenhos na cerâmica se constituíam em uma linguagem iconográfica, onde seres míticos eram representados de uma maneira lógica, coerente e harmoniosa, independente de técnicas, formas e superfícies. A vivência coletiva legitimava uma arte que nascia danecessidade de se visualizar e comunicar emoções, sentimentos, verdades, tradição, posições sociais, história. Como em qualquer sociedade que não conhece a escrita, tal arte teria a função de armazenar e socializar conhecimento. A sociedade Marajoara e sua cultura desapareceram nas primeiras décadas da dominação europeia, pois aquelas populações não resistiram às doenças, guerras e missionização. No entanto, deixaram-nos como legado sua cerâmica e os antigos aterros onde moravam, realizavam suas cerimônias e enterravam seus mortos. Graças ao uso da cerâmica nos rituais funerários, sua arte sobreviveu até nossos dias. Não por acaso, sua atualidade se mantém porque veicula uma cosmologia construída sobre um tempo circular, que, assim como seus desenhos, nos ensina que o começo está sempre irremediavelmente ligado ao fim – este sim, nada além de um ponto de partida. FONTE: Adaptado de: SCHAAN, Denise. Linguagem Visual. Disponível em: <http://www. marajoara.com/iconografia.html>. Acesso em: 23 maio 2008. 28 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, acerca da Arte Brasileira, você teve oportunidade de estudar os seguintes itens: Antes mesmo de Cabral “descobrir” o Brasil, em 1500, aqui já havia presença humana, período considerado como Pré-história brasileira. Estas antigas civilizações deixaram suas marcas impressas no tempo, através de suas produções artísticas. É através do estudo iconográfico dessas manifestações que podemos perceber seu modus vivendi. Embora os ameríndios desenvolvessem coisas em comum, sabe-se que cada cultura possuía talentos distintos materializados em artefatos de arte, segundo suas necessidades cotidianas e ritualísticas. Foram abordadas duas das diversas culturas indígenas que aqui existiram em tempos remotos: a Marajoara e a Santarém. A cultura marajoara, além da cultura Santarém, é considerada como uma das mais avançadas, ricas e interessantes. Considere-se, para isto, sua criação e produção de cerâmica de vários tipos como os vasos, estatuetas, pratos, tangas, urnas funerárias, bancos, potes, brinquedos, entre outros artefatos. Alguns historiadores nomeiam a cultura Santanense de tapajônica, em virtude de sua localização, próxima às margens do rio de mesmo nome. Ela é considerada por muitos pesquisadores como sendo uma das maiores culturas das Américas. Seus objetos, confeccionados em cerâmica, possuem características marcantes e muitos fazem lembrar a arte chinesa antiga e o estilo barroco, devido à sua característica rebuscada e cheia de formas simbólicas. 29 Embora os ameríndios desenvolvessem coisas em comum, sabe-se que cada cultura possuía talentos distintos materializados em artefatos de arte segundo suas necessidades cotidianas e ritualísticas. Foram abordadas, neste caderno, duas das diversas culturas indígenas que existiram em tempos remotos: a Marajoara e a Santarém. Como forma de complementar e aprofundar seus estudos, pesquise sobre outra cultura que existiu no Brasil no período pré-histórico e desenvolva um texto sobre ela. Aproveite a oportunidade para discutir, em sala, sobre o assunto! Bom Trabalho! AUTOATIVIDADE Assista ao vídeo de resolução desta questão 30 31 TÓPICO 3 INFLUÊNCIAS INDÍGENAS NA ARTE UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Pesquisadores relatam que, anteriormente à chegada dos estrangeiros à América, estima-se que aqui havia cem milhões de índios em todo o continente. No Brasil, acredita-se que este número chegou a cinco milhões de nativos, espalhados e divididos em muitas tribos, classificadas de acordo com os distintos troncos linguísticos a que pertenciam. Enfim, entre estes havia uma grande diversidade cultural. Cada povo indígena tem uma maneira própria de expressar suas obras, por isto dizemos que não existe arte indígena e sim artes indígenas. As artes indígenas diferem-se muito das demais produzidas em diferentes localidades do globo, uma vez que manuseiam pigmentos, madeiras, fibras, plumas, vegetais e outros materiais de maneira muito singular. (DESVENDAR, 2008). Podemos considerar que a habilidade dos índios em transformar peças cerimoniosas e do seu cotidiano em artefatos cheios de significado, de valores estéticos e sociais, faz com que se dê a continuidade de sua identidade cultural. O homem, segundo o julgamento de sua civilização, costumeiramente, classifica os artefatos indígenas como sendo arte, mas, para os índios, são manifestações da vida tribal. Para eles, “[...] os mais simples objetos usados no dia a dia – redes, potes, cestos, etc. – devem ser feitos com muito capricho e perfeição. Desse modo, os objetos são belos porque são bem-feitos, e não por serem obras artísticas.” (PROENÇA, 2006, p. 90). Ao chegar nas Américas, no século XVI, o homem branco, pensando que estava avistando terras da Índia, ao aportar suas naus em território brasileiro, deparou-se com nativos ao qual nominou-os de índios. Mesmo descobrindo que não estavam na Índia, a denominação para estes que aqui se encontravam permanece até hoje. UNI 32 UNIDADE 1 | OS PRIMÓRDIOS DA ARTE NO BRASIL 2 ARTE INDÍGENA Os indígenas têm uma cultura vasta e nós absorvemos muito do seu legado – a arte, na culinária, nos utensílios decorativos e na língua. Mesmo sendo uma terra povoada por índios, a língua que prevaleceu foi a dos colonizadores lusitanos. A Arte indígena é uma manifestação da cultura do seu cotidiano. Ela é reflexo da vida e da natureza, e surge como encarnação de força e elo com o mítico, o espiritual como atributo divino e se faz presente nos rituais, nos gestos, nos adereços, nos artefatos. Os costumes das diferentes tribos brasileiras foram, aos poucos, sendo transformados pelo contato com o colonizador e com os escravos africanos. Há muitos casos de escravização de indígenas, mas sua aculturação deu-se também por meio dos casamentos com portugueses, que dispunham de poucas mulheres europeias no Brasil, e pela atuação de grupos religiosos, principalmente os jesuítas.” (KURY, 2001, p.106). Os indígenas possuiam crenças, valores, hábitos e costumes antagônicos aos dos portugueses. Devido a esta antítese, quando os lusitanos iniciaram seu processo de colonização, os ameríndios do Brasil viveram séculos de desestruturação cultural. Atualmente, restam, no Brasil, poucas comunidades indígenas que vivem restritas a um pedaço de terra. Pode-se imaginar o susto que os índios levavam quando viram um português todo vestido, malcheiroso – os banhos eram raros –, peludos e barbados. Os índios tinham o hábito de se lavar e de perfumar e colorir o corpo com unguentos e tintas, que embelezam e ainda afastavam os insetos. Além disso, os primeiros habitantes do Brasil achavam os pelos antiestéticos. Por natureza, eles têm poucos pelos, e os que aparecem são raspados. (KURY, 2001, p.109) Naquela época, para os filósofos europeus, os pelos do corpo tinham um signo de virilidade e, quando se depararam com os imberbes que aqui viviam, concluíram que era mais uma demonstração de sua inferioridade. “Homens sem pelos, segundo esses pensadores europeus, seriam incapazes de dominar a natureza e de construir cidades modernas e prósperas como as europeias.” (KURY, 2001, p.109) O primeiro contato que os portugueses tiveram, ao aportar em terras brasileiras, foi com os índios tupis-guaranis e é deles que incorporamos várias palavras ao nosso idioma como: açaí, abacaxi, ananás, caipira, carioca, catapora, jararaca, jenipapo, paca, perereca, peteca, saci, sambaqui, tapioca, urucum, etc. Além disso, exemplos são os ingredientes e pratos que são utilizados na nossa culinária, como a farinha de mandioca, canjica, pamonha, paçoca, pirão, etc. TÓPICO 3 | INFLUÊNCIAS INDÍGENAS NA ARTE 33 Abordaremos, a seguir, algumas das mais importantes e ricas manifestações indígenas,consideradas para nossa cultura como arte: a ceramista, o trançado, a tecelagem, a plumária, as máscaras e a pintura corporal. Três fatores eram usados na sua arte instintivamente: a simetria, o ritmo e a acentuação formal. A simetria era usada na decoração de seus corpos, em que, quase sempre, um lado é igual ao outro; o ritmo é o desenho regular geométrico, usado na cerâmica e trançados de palha, e a acentuação formal é o volume acentuado pela expressão da forma na escultura. (HARRES, 1979, p. 22). 2.1 ARTE CERAMISTA Os índios valeram-se de diversos materiais para desenvolverem seus utensílios como: sementes, madeiras, algodão, cipós, folhas, etc., porém foram os materiais não orgânicos como a argila – e alguns com outros elementos misturados em sua composição como: cinzas, cascalhos, ossos e conchas – que resistiram, em maior quantidade, à ação do tempo. Devido à alta umidade e temperatura da região amazônica, os artefatos confeccionados com matérias orgânicas raramente se conservam nos sítios arqueológicos. Os artefatos confeccionados em argila e rochas são os que melhor resistem a essas condições climáticas. Por isso, a maioria do material arqueológico em sítios amazônicos se compõe de artefatos cerâmicos e líticos. (GUAPINDAIA, 2004). Devido ao seu grau de complexidade e sofisticação, e pela diversidade de técnicas utilizadas, os artefatos de argila contam muito do cotidiano indígena, demonstrando seus costumes, valores e crenças. Há uma diversidade de tipos de objetos cerâmicos em que cada tribo imprimia um estilo, transformado-os em uma linguagem ímpar. Podemos analisar as Figuras 20, 21 e 22 respectivamente: urna funerária antropomorfa, marajoara, exposta no Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém, PA; vaso da tribo Tukuna, exposto no Museu de Arqueologia e Etnografia da Universidade de São Paulo, MAE, São Paulo, SP; Urna funerária antropomorfa – com tampa representando a cabeça (encimada por ave) – subtradição Guarita, procedente do lago de Silves, AM, col. Museu Goeldi, Belém. UNI 34 UNIDADE 1 | OS PRIMÓRDIOS DA ARTE NO BRASIL FONTE: TIRAPELI, Percival. Arte Brasileira – Arte indígena do pré- colonial à contemporaneidade. São Paulo: Nacional, 2007. p. 12. FIGURA 20 – URNA MARAJOARA FONTE: TIRAPELI, Percival. Arte Brasileira – Arte indígena do pré- colonial à contemporaneidade. São Paulo: Nacional, 2007. p. 10. FIGURA 21 – VASO TUKUNA FONTE: ZANINI, Walter, org. História Geral da Arte no Brasil. São Paulo: Instituto Walther Moreira Salles, 1983. 2 v., il. p. 39. FIGURA 22 – URNA GUARITA TÓPICO 3 | INFLUÊNCIAS INDÍGENAS NA ARTE 35 Outros exemplares também compõem este acervo, como as panelas zoomórficas desenvolvidas pelos índios Waurá (Figura 23) e as exóticas bonecas elaboradas pelos índios Karajás (Figura 24). FONTE: Disponível em: <http://raizculturablog.files.wordpress. com/2008/03/6.jpg>. Acesso em: 25 maio 2008. FONTE: ZANINI, Walter, org. História Geral da Arte no Brasil. São Paulo: Instituto Walther Moreira Salles, 1983. 2 v., il. p. 61. FIGURA 23 – PANELAS WAURÁ FIGURA 24 – BONECA DOS ÍNDIOS KARAJÁS 2.2 A ARTE DE TECER TRAMAR E TRANÇAR É através de matéria-prima encontrada em grande quantidade na natureza que os índios desenvolviam seus artefatos. Utilizavam, para tecer, tramar e trançar, muitos elementos naturais como plantas, fibras, raízes, folhas, cipós, sementes, cascas e palhas. Desta manufatura, surgiam produtos admiráveis, com formas, texturas, tamanhos, desenhos, cores múltiplas como: cestarias, peneiras, redes ou maqueiras, vestimentas, máscaras, entre outros objetos. 36 UNIDADE 1 | OS PRIMÓRDIOS DA ARTE NO BRASIL Na Figura 25, em ordem crescente, exemplos de artefatos produzidos pelas tribos indígenas como: espremedor de mandioca da tribo Tipiti Baniwa, Amazonas; rede tecida com fios de buriti e fios de algodão, da tribo Kamaiurá, Mato Grosso; Abano feito de duas maneiras de trançado, da tribo Ciuci, Amazonas. Todos estes objetos, atualmente, estão expostos no Museu Paraense Emílio Goeldi. FONTE: PROENÇA, Graça. Descobrindo a História da Arte. São Paulo: Ática, 2006. p. 92-93. 2.3 ARTE PLUMÁRIA A arte plumária é uma das formas de expressão indígena mais admirada e conhecida por todos. Ela não é desenvolvida para nenhum meio utilitário, mas única e exclusivamente como busca da beleza e adorno. Dois estilos marcantes são produzidos pelos índios brasileiros na elaboração de obras a partir das penas e plumas: das tribos dos cerrados, que desenvolvem peças majestosas e grandes; e das tribos silvícolas, que produzem artefatos delicados. São diversas as peças desenvolvidas com as penas e plumas e utilizadas na confecção de adereços como diademas, colares, pulseiras, tornozeleiras, saias, entre outras peças. Na Figura 26, diadema de penas multicolorida da tribo Mekranoti, Pará; colar de penas de tucano, sautá e anambé-azul da tribo Kaapor, Maranhão; manto de 1,2 metros de altura e trançado com fibras naturais entrelaçados com penas da ave guará. O diadema e o colar estão expostos no Museu Paraense Emílio Goeldi e o manto, datado do século XVII, está exposto no Departamento de Etnografia do Museu da Dinamarca. FIGURA 25 – ENTRE TRAMAS E TRANÇAS TÓPICO 3 | INFLUÊNCIAS INDÍGENAS NA ARTE 37 FONTE: PROENÇA, Graça. Descobrindo a História da Arte. São Paulo: Ática, 2006. p. 90-93. 2.4 ARTE DAS MÁSCARAS As máscaras estão associadas às artes do corpo como forma suprema de lhe conferir expressividade dramática. Há um tempo, elas são o artefato produzido pelo índio comum e a figura viva, visível do sobrenatural que incorporam. Simbolicamente, elas representam a personificação do sobrenatural. Pode- se vê-las sendo utilizadas pelos índios nas danças cerimoniosas e outras vezes, estáticas, inertes. Nos dois casos, é a encarnação maligna dos espíritos do mal. São sempre os homens que se mascaram, afirmando também, nesse campo, a hegemonia do seu mando e até se servindo das máscaras para reafirmá-lo. As máscaras, Figura 27, podem ser confeccionadas utilizando-se diversos materiais como palhas, cabaças, couros, troncos de árvores e também, muitas vezes, são pintadas. FIGURA 26 – ARTE PLUMÁRIA FONTE: ZANINI, Walter (org.). História Geral da Arte no Brasil. São Paulo: Instituto Walther Moreira Salles, 1983. 2 v., il. p. 79. FIGURA 27 – MÁSCARAS 38 UNIDADE 1 | OS PRIMÓRDIOS DA ARTE NO BRASIL 2.5 ARTE DA PINTURA CORPORAL Para os índios, frequentemente, o corpo humano serve de base física para as suas manifestações artísticas e ritualísticas. Eles se embelezam revestindo seus corpos de tintas no cotidiano ou para alguma cerimônia como casamentos, enterros, guerras ou caça. Na arte da pintura corporal, são utilizados vários pigmentos extraídos do urucum – que gera o vermelho – do suco de jenipapo – que origina a tintura negro esverdeada – ou ainda da tabatinga – que dá vida ao branco. Também utilizam uma base de óleo vegetal que facilita a aplicação das tintas, conferem vida mais longa, reavivam as cores e reluzem seus corpos. Os índios pintam quase todas as partes do corpo, como o rosto, os braços, as pernas, o ventre e as costas. Valem-se de formas geométricas em composições e cores diversificadas que variam de uma cultura para outra. Na Figura 28, observamos algumas dessas expressões. FONTE: TIRAPELI, Percival. Arte Brasileira – Arte indígena do pré-colonial à contemporaneidade. São Paulo: Nacional, 2007. p. 15-17. FIGURA 28 – PINTURA CORPORAL TÓPICO 3 | INFLUÊNCIAS INDÍGENAS NA ARTE 39 LEITURA COMPLEMENTAR ÍNDIOS DO BRASIL Introdução Historiadores afirmam que, antes da chegada dos europeus à América, havia, aproximadamente, 100 milhões de índios no continente. Só em território brasileiro, esse número chegava cinco milhões
Compartilhar