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0 0 0 3 4 6 6 4 6 2 0 1 9 4 0 1 3 5 0 0 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE GOIÁS ________________________________________________________________________________________________________________________ Documento assinado digitalmente pelo(a) JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO JOÃO MOREIRA PESSOA DE AZAMBUJA em 29/01/2020, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006. A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 32100303500221. Pág. 1/13 Processo N° 0003466-46.2019.4.01.3500 - 11ª VARA - GOIÂNIA Nº de registro e-CVD 00003.2020.00113500.2.00724/00128 SENTENÇA TIPO : D PROCESSO Nº : 3466-46.2019.4.01.3500 AUTOR : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL RÉU : O Ministério Público Federal denunciou (...) pela conduta descrita no art. 20, caput e § 2º, da Lei 7.716/89. Narra que o acusado, no dia 19/07/2018, praticou e incitou a discriminação de raça ou cor, por intermédio do meio de comunicação social (Facebook), tendo feito reiteradas declarações pregando, com incitação ao ódio, a separação de raças, inclusive citando mulheres negras que se relacionam com homens brancos (caucasianos). A denúncia foi recebida em 11/02/2019 (fl. 25 e verso). Processo N° 0003466-46.2019.4.01.3500 - 11ª VARA - GOIÂNIA 0 0 0 3 4 6 6 4 6 2 0 1 9 4 0 1 3 5 0 0 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE GOIÁS ________________________________________________________________________________________________________________________ Documento assinado digitalmente pelo(a) JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO JOÃO MOREIRA PESSOA DE AZAMBUJA em 29/01/2020, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006. A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 32100303500221. Pág. 2/13 Nº de registro e-CVD 00003.2020.00113500.2.00724/00128 Citado, o réu apresentou resposta escrita à acusação à fl. 37. A absolvição sumária foi rejeitada (fls. 39/40). Na instrução processual, foram ouvidas as testemunhas (...), (...) e (...), elas, arroladas pela acusação e pela defesa, e ele, apenas pela defesa. Ao fim, o interrogou-se o acusado (fls. 53-54 e mídia de fl. 60). Na fase do art. 402 do CPP, as partes nada requereram (fl. 488). O Ministério Público Federal apresentou alegações finais às fls. 62/70, requerendo a condenação do réu. A defesa, em suas alegações finais, requereu a absolvição, sob o fundamento da atipicidade da conduta, por ausência do elemento ontológico formador do tipo, eis que racismo reverso não existe, e também pela ausência do elemento subjetivo do tipo (fls. 72/84). É o relatório. Decido. Processo N° 0003466-46.2019.4.01.3500 - 11ª VARA - GOIÂNIA Nº de registro e-CVD 00003.2020.00113500.2.00724/00128 0 0 0 3 4 6 6 4 6 2 0 1 9 4 0 1 3 5 0 0 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE GOIÁS ________________________________________________________________________________________________________________________ Documento assinado digitalmente pelo(a) JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO JOÃO MOREIRA PESSOA DE AZAMBUJA em 29/01/2020, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006. A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 32100303500221. Pág. 3/13 O art. 20, caput, da Lei 7.716/89 tipifica a seguinte conduta: Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena – reclusão, de um a três anos, e multa. Por sua vez, o § 2º desse mesmo artigo prevê causa de aumento de pena nas hipóteses que especifica: § 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza: Pena – reclusão de dois a cinco anos e multa. Recentemente o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ação direta de inconstitucionalidade por omissão n. 26, fixou a seguinte tese acerca do racismo: O conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social, projeta-se para além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos, pois resulta, enquanto manifestação de poder, de uma construção de índole histórico-cultural motivada pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à dominação política, à subjugação social e à negação da alteridade, da dignidade e da humanidade daqueles Processo N° 0003466-46.2019.4.01.3500 - 11ª VARA - GOIÂNIA Nº de registro e-CVD 00003.2020.00113500.2.00724/00128 que, por integrarem grupo vulnerável (LGBT+) e por não pertencerem ao estamento que detém posição de hegemonia em uma 0 0 0 3 4 6 6 4 6 2 0 1 9 4 0 1 3 5 0 0 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE GOIÁS ________________________________________________________________________________________________________________________ Documento assinado digitalmente pelo(a) JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO JOÃO MOREIRA PESSOA DE AZAMBUJA em 29/01/2020, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006. A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 32100303500221. Pág. 4/13 dada estrutura social, são considerados estranhos e diferentes, degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico, expostos, em consequência de odiosa inferiorização e de perversa estigmatização, a uma injusta e lesiva situação de exclusão do sistema geral de proteção do direito. É evidente, que embora não restrito aos aspectos biológicos ou fenotípicos, a tipificação do racismo tem o claro objetivo de proteger grupos sociais historicamente vulneráveis de manifestações de poder que objetivam subjugá-los socialmente, ideologicamente, politicamente e negar a dignidade humana dos seus integrantes. O racismo no Brasil é fato histórico – pretérito e presente - social, decorrente, principalmente, da adoção do regime escravocrata como modo econômico de produção. A escravidão formal no Brasil ocorreu entre os séculos XVI e XIX, perdurando cerca de trezentos anos, e se caracterizou como forma de exploração da força de trabalho de homens e mulheres negros, oriundos da África, sustentada pelo tráfico negreiro. Durante esse longo período, o homem negro, por não ser titular de direitos, não era tratado como ser humano, mas como coisa. Processo N° 0003466-46.2019.4.01.3500 - 11ª VARA - GOIÂNIA Nº de registro e-CVD 00003.2020.00113500.2.00724/00128 O estudo “O Brasil e o preconceito: uma análise teórica 0 0 0 3 4 6 6 4 6 2 0 1 9 4 0 1 3 5 0 0 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE GOIÁS ________________________________________________________________________________________________________________________ Documento assinado digitalmente pelo(a) JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO JOÃO MOREIRA PESSOA DE AZAMBUJA em 29/01/2020, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006. A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 32100303500221. Pág. 5/13 e crítica da Lei 7.716/89 frente à realidade brasileira”, de autoria da advogada paulista Aline Albuquerque Ferreira, ao apontar que a desvalorização do negro no Brasil tem origem na escravidão, apresenta os seguintes dados1: “Embora a lei 7.716 de 1989 não tenha sido criada especificamente para proteger determinada “raça”, é certo que até hoje os negros são os que mais sofrem com práticas racistas e preconceituosasrazão pela qual se fez necessário a inclusão deste tópico no presente estudo a fim de que pudéssemos compreender melhor algumas questões legislativas que serão abordadas mais adiante. Em 2010, o Brasil contava com uma população de aproximadamente 190.755.799 habitantes, dos quais 50,7% (cerca de 97 milhões de pessoas) se declaravam negros ou pardos. Não obstante a superioridade numérica dos negros no Brasil e o fato do preconceito ser algo velado e subjetivo, as consequências dele são evidenciadas em diversas pesquisas. Apenas para se ter uma idéia, o Mapa da Violência de 2012 constatou que 75% dos jovens vítimas de homicídios no Brasil em 2010 eram negros, ou seja 34.983 pessoas. O censo de 2010 verificou ainda que das 13,1 milhões de pessoas que possuem ensino superior completo no Brasil, somente 3,3 milhões são negros (menos de 26%). Já em relação às pessoas sem instrução ou com ensino fundamental incompleto, os números se invertem, pois são 40 milhões de negros contra 26,3 milhões de brancos. Atualmente, negros e pardos representam mais de 70% dos 10% mais pobres de nossa população. No mercado de trabalho, com a mesma qualificação e escolaridade, eles recebem em média quase a metade do salário pago aos brancos, e as mulheres negras, até metade da Processo N° 0003466-46.2019.4.01.3500 - 11ª VARA - GOIÂNIA Nº de registro e-CVD 00003.2020.00113500.2.00724/00128 remuneração dos trabalhadores negros. 1 - O texto completo pode ser acessado no seguinte link: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-penal/o-brasile- o-preconceito-uma-analise-teorica-e-critica-da-lei-7-716-89-frente-a-realidade-brasileira/ 0 0 0 3 4 6 6 4 6 2 0 1 9 4 0 1 3 5 0 0 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE GOIÁS ________________________________________________________________________________________________________________________ Documento assinado digitalmente pelo(a) JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO JOÃO MOREIRA PESSOA DE AZAMBUJA em 29/01/2020, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006. A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 32100303500221. Pág. 6/13 Na Universidade de São Paulo, a maior universidade da América Latina, os alunos negros não ultrapassam 2%, e, dos 5.400 professores, menos de dez são negros. Não há dúvidas de que o preconceito no Brasil existe e os números supramencionados evidenciam isto. Podemos asseverar que a desvalorização do negro no Brasil tem origem na escravidão, que em que pese tenha sido abolida há mais de 125 anos, ainda gera consequências devastadoras.” A perversidade do sistema escravocrata no Brasil não escapou à observação de nosso maior escritor. Extrai-se do Capítulo XI (O Menino é Pai do Homem) do livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, o excerto abaixo: Desde os cinco anos merecera eu a alcunha de “menino diabo”; e verdadeiramente não era outra coisa; fui dos mais malignos do meu tempo, arguto, indiscreto, traquinas e voluntarioso. Por exemplo, um dia quebrei a cabeça de uma escrava, porque me negara uma colher do doce de coco que estava fazendo, e, não contente com o malefício, deitei um punhado de cinza ao tacho, e, não satisfeito da travessura, fui dizer à minha mãe que a escrava é que estragara o doce “por pirraça”; e eu tinha apenas seis anos. Prudêncio, um moleque de casa, era o meu cavalo de todos os dias; punha as mãos no chão, recebia um cordel nos queixos, à guisa de freio, eu trepava-lhe ao dorso, com uma varinha na mão, fustigava-o, dava mil voltas a um e outro lado, e ele obedecia , – algumas vezes gemendo , – mas obedecia sem dizer palavra, ou, quando muito, um – “ai, nhonhô!” – ao que eu retorquia : – “Cala a boca, besta! ” O racismo também teve como vítima preferencial no Brasil os povos indígenas. A partir da colonização portuguesa, Processo N° 0003466-46.2019.4.01.3500 - 11ª VARA - GOIÂNIA Nº de registro e-CVD 00003.2020.00113500.2.00724/00128 0 0 0 3 4 6 6 4 6 2 0 1 9 4 0 1 3 5 0 0 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE GOIÁS ________________________________________________________________________________________________________________________ Documento assinado digitalmente pelo(a) JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO JOÃO MOREIRA PESSOA DE AZAMBUJA em 29/01/2020, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006. A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 32100303500221. Pág. 7/13 eles foram praticamente dizimados. Seus homens assassinados, suas mulheres estupradas e violadas, seus valores culturais e religiosos usurpados. Por se tratar de fato histórico e social, a discriminação e o preconceito racial não escaparam ao controle social, por meio do Direito, mediante a elaboração de diversas leis. Esse aspecto foi bem observado nas alegações finais da defesa, das quais destaco os trechos abaixo: “No ordenamento jurídico pátrio, o primeiro diploma a cuidar especificamente do preconceito e da discriminação racial foi a Lei nº 1.390, de 3 de julho de 1951, denominada Lei Afonso Arinos, de autoria do então deputado federal pelo Estado de Minas Gerais, Afonso Arinos de Melo Franco. Até então, o racismo era punido no Brasil como contravenção. Em 20 de dezembro de 1985 foi sancionada a Lei nº 7.437, que deu nova redação à Lei Afonso Arinos e ampliou o leque de repressão aos preconceitos, reprimindo, ainda como contravenção, a prática de atos resultantes de preconceito de raça, de cor, de sexo ou de estado civil. Em seguida, aprovou-se a Lei nº 7.716/89, até hoje em vigor, modificada pela Lei nº 9.459 de 13 de maio de 1997, que expandiu significativamente o alcance da norma, já que nela está apontada, expressamente, a discriminação, acrescentando- se os crimes resultantes de preconceito ou discriminação de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. A lei em questão ficou conhecida como Caó em homenagem ao seu autor, o deputado Carlos Alberto de Oliveira. Segundo as justificativas apresentadas pelo parlamentar no projeto de Processo N° 0003466-46.2019.4.01.3500 - 11ª VARA - GOIÂNIA Nº de registro e-CVD 00003.2020.00113500.2.00724/00128 lei, o Brasil seria um país racista e, sendo assim, o negro, apesar de ter conquistado sua liberdade, ainda não teria conseguido integrar-se na sociedade cidadão. Acreditava o autor 0 0 0 3 4 6 6 4 6 2 0 1 9 4 0 1 3 5 0 0 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE GOIÁS ________________________________________________________________________________________________________________________ Documento assinado digitalmente pelo(a) JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO JOÃO MOREIRA PESSOA DE AZAMBUJA em 29/01/2020, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006. A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 32100303500221. Pág. 8/13 da proposta de lei que ao se tipificar a discriminação racial como crime, e não mais como contravenção penal, atribuindo-se ao transgressor da norma “penas que possam ser sentidas no seu cumprimento”, o país sairia do rol dos países discriminadores. Assim, a partir de sua publicação, em 05 de janeiro de 1989, quem, por exemplo, impedisse o acesso de pessoas devidamente habilitadas para cargos no serviço público ou recusasse a contratar trabalhadores em empresas privadas por discriminação, incorreria no tipo lá previsto. Ainda, passou a ser prevista pena para quem, de modo discriminatório, recusasse o acesso a estabelecimentos comerciais (um a três anos), impedisseque crianças se matriculem em escolas (três a cinco anos), e que cidadãos negros entrem em restaurantes, bares ou edifícios públicos ou utilizem transporte público (um a três anos). Os funcionários públicos, tratado na lei, que cometerem racismo, podem perder o cargo. Ainda que a norma não tivesse nominado os grupos identitários minoritários por ela tutelados, é evidente, em razão do contexto histórico e político à época existente, que pretendia o legislador garantir especial proteção àqueles que estavam à margem, que eram inferiorizados e subjugados em razão de sua raça ou cor, por exemplo.” Evidentemente que a proteção constitucional, instituída ao longo do tempo, visa essencialmente a proteger minorias discriminadas em função de sua raça, etnia, orientação sexual ou identidade de gênero, mas especialmente negros e índios. Na sociedade brasileira, a pessoa branca nunca foi discriminada em razão da cor de sua pele. É dizer, jamais existiu, como fato histórico, a situação de uma pessoa branca ter sido Processo N° 0003466-46.2019.4.01.3500 - 11ª VARA - GOIÂNIA Nº de registro e-CVD 00003.2020.00113500.2.00724/00128 0 0 0 3 4 6 6 4 6 2 0 1 9 4 0 1 3 5 0 0 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE GOIÁS ________________________________________________________________________________________________________________________ Documento assinado digitalmente pelo(a) JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO JOÃO MOREIRA PESSOA DE AZAMBUJA em 29/01/2020, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006. A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 32100303500221. Pág. 9/13 impedida de ingressar em restaurantes, clubes, igrejas, ônibus, elevadores etc. Nenhuma religião de matriz europeia sofreu discriminação no Brasil, a ponto de seus praticantes serem perseguidos e presos pela Polícia, ou terem seus locais de culto depredados e destruídos por pessoas de crenças compartilhadas pela maioria da população, tal como se deu com as religiões de matriz africanas. Foram as crenças europeias que subjugaram não somente as religiões de matriz africanas, como também os valores culturais e religiosos dos povos indígenas. Nunca se fez necessária a adoção de políticas de ações afirmativas para as pessoas brancas, por não existir quadro de discriminação histórica reversa deste grupo social nem necessidade de superação de desigualdades históricas sofridas por pessoas brancas (ADPF 186). Diante de tal cenário histórico e social, o conceito de racismo reverso constitui evidente equívoco interpretativo. Não existe racismo reverso, dentre outras razões, pelo fato de que nunca houve escravidão reversa, nem imposição de valores culturais e religiosos dos povos africanos e indígenas ao 0 0 0 3 4 6 6 4 6 2 0 1 9 4 0 1 3 5 0 0 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE GOIÁS ________________________________________________________________________________________________________________________ Documento assinado digitalmente pelo(a) JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO JOÃO MOREIRA PESSOA DE AZAMBUJA em 29/01/2020, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006. A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 32100303500221. Pág. 10/13 Processo N° 0003466-46.2019.4.01.3500 - 11ª VARA - GOIÂNIA Nº de registro e-CVD 00003.2020.00113500.2.00724/00128 homem branco, tampouco o genocídio da população branca, como ocorre até hoje o genocídio do jovem negro brasileiro. O dominado nada pode impor ao dominante. Destarte, é insofismável que o fim último da proteção instituída pela Lei 7.716/89, com a criação de tipos penais como o do art. 20, é o de proteger as minorias, especialmente negros e índios, contra a discriminação proveniente dos grupos sociais dominantes. Não faz sentido postular que a lei 7.716/89 teria a finalidade de proteger os grupos majoritariamente brancos contra discriminação, até porque, contra esse grupo, a discriminação que existe no Brasil sempre foi positiva, ou seja, a esse grupo foram reservados os melhores empregos, hospitais, escolas, cargos públicos etc. Com base em tais premissas, passo a analisar a imputação denúncia, tendo em vista a prova produzida nos autos. Observa-se da mídia de fl. 60 que o acusado (...) é um jovem negro, que se autodeclara indígena, da etnia Guarani-Kaiowá, que mora sozinho, na periferia de Goiânia, com uma renda mensal inferior a R$500,00 (quinhentos reais), tendo tido, por essas razões, poucas oportunidade de estudo e de inserção no mercado de trabalho. Processo N° 0003466-46.2019.4.01.3500 - 11ª VARA - GOIÂNIA 0 0 0 3 4 6 6 4 6 2 0 1 9 4 0 1 3 5 0 0 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE GOIÁS ________________________________________________________________________________________________________________________ Documento assinado digitalmente pelo(a) JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO JOÃO MOREIRA PESSOA DE AZAMBUJA em 29/01/2020, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006. A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 32100303500221. Pág. 11/13 Nº de registro e-CVD 00003.2020.00113500.2.00724/00128 O próprio Ministério Público Federal reconheceu em suas alegações finais que o acusado “no decorrer de sua vida, desde a infância, sofre de discriminação em razão de ser negro, com traços indígenas (...)” (fl. 69 – último parágrafo). Esse aspecto particular da vida do acusado, isto é, de que sofre discriminação desde a infância, em razão de ser negro, com traços indígenas, foi confirmado em Juízo por meio do depoimento da testemunha (...) (mídia de fl. 60). Anote-se que as próprias interlocutoras das mensagens publicadas no Facebook pelo acusado, testemunhas (...) e (...), ambas pertencentes ao grupo majoritariamente branco, esclareceram que não se sentiram ofendidas pelas postagens (mídia de fl. 60). Ainda que elas tivessem se sentido ofendidas, o que não restou demonstrado, também não seria o caso de configuração do delito do art. 20 da Lei 7.716/89. Importa salientar que, embora não haja materialidade delitiva, há possibilidade de reparação cível por eventuais vítimas das ofensas proferidas pelo réu. Isso não quer dizer, todavia, que houve a prática de qualquer delito descrito na Lei Processo N° 0003466-46.2019.4.01.3500 - 11ª VARA - GOIÂNIA Nº de registro e-CVD 00003.2020.00113500.2.00724/00128 0 0 0 3 4 6 6 4 6 2 0 1 9 4 0 1 3 5 0 0 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE GOIÁS ________________________________________________________________________________________________________________________ Documento assinado digitalmente pelo(a) JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO JOÃO MOREIRA PESSOA DE AZAMBUJA em 29/01/2020, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006. A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 32100303500221. Pág. 12/13 7.716/1989. Isso, por duas razões: a) não existe prova de que o acusado tenha agido motivado pela intenção de ofender, o que inclusive afasta a eventual possibilidade de capitulação dos fatos no art. 140, § 3º, do Código Penal; b) as postagens feitas pelo acusado não têm o condão de subtrair direitos ou privilégios sociais do grupo majoritário branco, dominante, que eventualmente tenha tido acesso às publicações transcritas na denúncia. Em face de tais considerações, e tendo em vista a impossibilidadeontológica de uma pessoa branca, situação da vítima, figurar como sujeito passivo da conduta tipificada no art. 20 da Lei 7.716/89, imperioso concluir que o fato narrado na denúncia não se reveste de tipicidade material. Ante o exposto, julgo improcedente a denúncia para absolver (...) da prática do delito descrito no art. 20, caput e § 2º, da Lei 7.716/89, com fundamento no art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal. Transitada em julgado, inclua-se essa informação no SINIC – Sistema Nacional de Informações Criminais. Sem custas. Processo N° 0003466-46.2019.4.01.3500 - 11ª VARA - GOIÂNIA Nº de registro e-CVD 00003.2020.00113500.2.00724/00128 0 0 0 3 4 6 6 4 6 2 0 1 9 4 0 1 3 5 0 0 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE GOIÁS ________________________________________________________________________________________________________________________ Documento assinado digitalmente pelo(a) JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO JOÃO MOREIRA PESSOA DE AZAMBUJA em 29/01/2020, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006. A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 32100303500221. Pág. 13/13 P.R.I. Goiânia-GO, 27 de janeiro de 2020. JOÃO MOREIRA PESSOA DE AZAMBUJA Juiz Federal Substituto da 11ª Vara da SJGO
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