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55 FUNDAMENTOS DE AÇÕES PREVENTIVAS EM SAÚDE Unidade II 5 PROCESSO EPIDÊMICO E PREVENÇÃO DAS DOENÇAS TRANSMISSÍVEIS 5.1 Processo epidêmico Uma das premissas básicas da epidemiologia é que as doenças não se distribuem aleatoriamente, mas seguem padrões que refletem a atuação de processos de determinação subjacentes. Esses padrões não apenas permitem projetar ocorrências futuras, mas também desempenham papel preponderante na compreensão dos processos de produção das doenças e eventos de saúde e na formulação de estratégias de prevenção e controle. O padrão de distribuição das doenças e eventos de saúde na população é descrito pelas respostas combinadas a três perguntas básicas: Quem é afetado? Quando a doença ocorre? Onde a doença ocorre? Neste capítulo, observaremos um panorama das diversas abordagens, clássicas e contemporâneas, utilizadas em estudos interessados em abordar como e por que fenômenos epidemiológicos variam de acordo com tempo, espaço e grupos populacionais, buscando enfatizar também problemas e desafios enfrentados no processo de construção do conhecimento epidemiológico. 5.2 Variações temporais dos fenômenos epidemiológicos O monitoramento dos padrões de variação temporal de doenças e outros agravos à saúde é um dos elementos mais importantes da vigilância epidemiológica. Três principais tipos de flutuações de acordo com período ou tempo calendário (isto é, passagem de horas, dias, meses, anos etc.) são normalmente identificados. O primeiro tipo consiste em variações que ocorrem em períodos relativamente curtos (dias, horas ou meses), como as observadas em situações epidêmicas. O segundo diz respeito a variações que ocorrem em um longo período de tempo (tendência secular ou histórica). Por fim, existem as variações cíclicas (sazonais ou não). 5.3 Variações temporais que ocorrem em intervalos curtos de tempo Mudanças bruscas na incidência de doenças que ocorrem no curso de dias ou mesmo horas são frequentemente observadas em doenças infecciosas, mas podem, eventualmente, ocorrer devido a exposições ambientais restritas temporalmente e que abrangem grandes contingentes populacionais, como é o caso de desastres naturais e os aumentos súbitos na poluição atmosférica e na temperatura. Um exemplo em doenças não transmissíveis é a onda de calor (heatwave) de 40 °C que atingiu Paris de 17 a 29 de julho de 2003, que esteve associada a um aumento de 190% das mortes quando comparado com a média de óbitos observados nos três anos anteriores. No caso das doenças infecciosas, esses fenômenos são mais tipicamente estudados sob o tópico de surtos e epidemias. 56 Unidade II 5.3.1 Endemias e epidemias A definição mais tradicional dos termos endemia e epidemia é aquela que predominou desde os escritos hipocráticos, na Antiguidade, até a emergência da estatística e sua influência na epidemiologia, já no século XIX, e que se baseia em uma diferença de qualidade entre doenças endêmicas e epidêmicas. Tradicionalmente, foram classificadas como doenças endêmicas aquelas que apresentavam entre suas características epidemiológicas a variação espacial, isto é, uma distribuição espacial peculiar associada a determinados processos sociais ou ambientais específicos. Do mesmo modo eram classificadas como epidêmicas as doenças que apresentavam variações no tempo, isto é, denotavam concentração de casos em períodos determinados, sugerindo mudanças mais ou menos abruptas na estrutura epidemiológica. A concepção quantitativa passou a considerar ocorrência endêmica aquela que corresponde ao comportamento usual da enfermidade em uma população específica em um determinado momento histórico, e ocorrência epidêmica uma alteração significante, brusca e temporária no número de casos de uma doença em uma determinada população em certo período histórico. As epidemias sempre fizeram parte da história da humanidade, intensificando-se nas épocas de transição entre os modos de produção e nos momentos de crise social. Inúmeros são os relatos de epidemias durante a Antiguidade e a Idade Média, entretanto, é no período de transição entre o modo de produção feudal e o modo de produção capitalista (mercantilismo) que as “pestes” assumem proporções devastadoras. A peste negra, pandemia de peste bubônica do século XIV, por exemplo, provocou grande impacto na população dos países europeus, dizimando em torno de 20 milhões de vidas. O termo “epidemia” tem sua origem nas palavras gregas epi (sobre, perto de) e demos (povo, pessoas) e indicaria algo como “uma ameaça que paira sobre as pessoas”. No entanto, é somente no século XVII que o termo passa a ser mais frequentemente utilizado da forma com que hoje em dia em geral se define epidemia: a ocorrência de uma determinada doença ou evento relacionado com a saúde claramente em excesso em relação ao que seria esperado para uma determinada população. Nesse sentido, uma epidemia não representaria necessariamente a ocorrência de grande número de casos, mas sim um número acima do usual, tendo em vista a frequência esperada (ou habitual) para um certo local e tempo. Como efeito, a ocorrência de um único caso autóctone em uma região onde nunca tenha ocorrido ou que esteja há muitos anos livre de uma determinada doença já seria suficiente para caracterizar uma epidemia. Uma variedade de termos relacionados é utilizada para definir aspectos peculiares da ocorrência espaçotemporal de doenças. O termo “endemia” é usado, em geral, em contraposição à epidemia, indicando a presença constante de doença, agente infeccioso ou agravo em uma população específica, ou, em termos mais quantitativos, à prevalência usual da doença em um determinado local ou grupo. Em situações ou doenças específicas, como no caso da malária, há diferentes termos mais quantitativos para a prevalência usual da doença em um determinado local ou grupos. Em situações ou doenças específicas, como no caso da malária, diferentes termos são utilizados para indicar variações nos níveis endêmicos da doença. A expressão “holoendêmico” é usada para situações em que a transmissão é contínua e intensa, afetando proporcionalmente mais crianças do que adultos. O termo “hiperendêmico” 57 FUNDAMENTOS DE AÇÕES PREVENTIVAS EM SAÚDE é usado para situações de alta transmissão, mas com flutuações sazonais, afetando de forma similar todas as faixas etárias. Já os termos “mesoendêmico” e “hipoendêmico” são reservados para caracterizar regiões com grande variabilidade nos níveis de transmissão da doença ou com níveis de transmissão baixos ou irregulares, respectivamente. Em relação à abrangência geográfica, utiliza-se o termo “pandemia” para caracterizar epidemias que afetam todo o mundo ou grandes áreas geográficas, atravessando fronteiras internacionais e, em geral, atingindo um grande número de pessoas. “Surto”, por outro lado, é frequentemente utilizado para se referir a um tipo de epidemia em que os casos se restringem a uma área geográfica pequena e bem delimitada ou a uma população institucionalizada (creches, quartéis, escolas etc.). Por fim, a palavra “epizootia” é usada para definir epidemias em populações de animais e, no âmbito epidemiológico em particular, usada para as zoonoses, infecções de animais vertebrados que eventualmente podem ser transmitidas para provocar doenças em humanos (por exemplo, peste bubônica, leptospirose, leishmaniose visceral e raiva). Existem dois principais modelos ou tipos de epidemias, as de fonte comum e as propagadas ou progressivas. As epidemias de fonte comum são provocadas pela exposição de grupos de pessoas a uma única fonte de contaminação, enquanto as propagadas resultam de transmissão direta ou indireta do agente infeccioso entre hospedeiros suscetíveis. Epidemia por fonte comum A principal característicadas epidemias desse tipo é a veiculação do agente infeccioso, físico ou químico por meio de uma única fonte de contaminação, sendo a transmissão de uma pessoa a outra, em geral, inexistente ou pouco importante para a geração de casos de doença. A epidemia é caracterizada por um aumento rápido no número de casos, daí ser também denominada epidemia maciça ou explosiva. Dois padrões de duração são comumente descritos na dependência da persistência do veículo ou fonte da epidemia por um tempo mais ou menos longo. Quando a fonte é restrita no espaço e no tempo, basicamente toda a população é exposta simultaneamente (fonte pontual), levando a que todos os casos apareçam dentro de um intervalo compatível com um período de incubação da doença. Nesse tipo de epidemia, após o período mínimo de incubação da doença, os casos começam a aparecer rapidamente até aproximadamente o tempo mediano de incubação da doença, quando o número de casos deverá decrescer. Pode-se apreender retrospectivamente o tempo mediano de incubação observando-se o tempo necessário para se acumular cerca de 50% dos casos. Essa informação é importante, pois permite restringir um período de tempo no qual mais provavelmente se deu a exposição e pode auxiliar na identificação do agente etiológico, na medida em que diferentes microrganismos têm associados a eles distintos períodos de incubação. Por outro lado, se o veículo ou a fonte da epidemia (por exemplo, alimentos, água) permanecer no ambiente por um tempo mais longo (fonte persistente), então a curva epidêmica deverá refletir as múltiplas exposições que ocorrem enquanto a fonte de contaminação permanecer ativa. O resultado é que a duração da epidemia será maior e o declínio dos casos, mais lento. 58 Unidade II Um surto de gastrenterite cuja fonte de contaminação é restrita a um local (como alimentos contaminados pela bactéria Staphylococcus aureus servidos em uma festa) é um exemplo típico de epidemia por fonte comum pontual. Por outro lado, na epidemia persistente, a fonte comum tem existência duradoura, como no caso de um lote de hambúrgueres contaminado pela bactéria toxigênica Escherichia coli O157: H7 distribuído a várias filiais de uma rede de lanchonetes. A epidemia progressiva (ou propagada) é mais lenta, indicando que o mecanismo principal de transmissão é entre indivíduos, e não a partir da exposição simultânea a um determinado agente. Nesse caso, a transmissão pode dar-se de forma direta entre indivíduos da mesma espécie (por exemplo, contato sexual na sífilis, por meio de secreções oronasais no sarampo) ou de espécies diferentes (mordida de animais na raiva), ou, ainda, de forma indireta também entre indivíduos da mesma espécie (por meio de vetores do gênero Anopheles na malária), entre indivíduos de espécies diferentes (transmissão da leishmaniose visceral do cão para humanos por meio de vetores do gênero Lutzomyia) ou por meio de veículos (água contaminada com Vibrio cholerae na cólera). A maior parte das doenças envolvidas em epidemias propagadas costuma provocar epidemias lentas e progressivas, mas em situações específicas, em particular quando o número de suscetíveis é muito grande e o potencial de transmissão da infecção é muito alto, epidemias explosivas podem ocorrer. Esse é o caso da malária, por exemplo, em que a introdução de um único indivíduo infectante em áreas propícias à transmissão (população suscetível e vetores competentes e capazes de transmitir o microrganismo) pode gerar de oitenta a cem novos casos e estes irão, por sua vez, dar continuidade à cadeia de transmissão, levando a epidemias de grande magnitude. 5.4 Detecção de epidemias Uma das funções primordiais da vigilância epidemiológica é a detecção precoce de epidemias e a implementação oportuna de medidas de controle. Intervenções em situações de epidemia de doenças infecciosas podem envolver imunização em massa, remoção de lotes de alimentos contaminados do mercado, vacinação ou profilaxia de contactantes, isolamento e tratamento de infectantes, entre outras. O fundamental é que essas intervenções sejam implementadas rapidamente, tão logo a epidemia seja detectada. Para isso, é importante haver um sistema de detecção de epidemias que consiga identificá-las logo no início, quando o número de casos ainda é pequeno. Na maioria das vezes, sistemas de detecção de epidemias se baseiam na identificação de um “evento aberrante”, isto é, quando o número de casos notificados supera os níveis esperados. Esses eventos são denominados “aberrantes” porque indicam apenas a existência potencial de uma epidemia, devendo-se considerar também que esse alarme pode ser falso, devido ao acaso (variações aleatórias na incidência da doença) ou a artefatos produzidos pelo sistema de notificação. Considerando essas questões, o problema crítico passa a ser a caracterização de qual seria o nível esperado de incidência de uma doença em uma região e o estabelecimento de um mecanismo de decisão para julgar quando o número de casos notificados supera significativamente esse nível. Assim, a maior parte dos sistemas de detecção de epidemias envolve o cálculo de limites para as taxas de incidência ou contagem de casos com base em dados históricos. Quando o número de casos notificados (ou as taxas de incidência) supera esse limite, então ações de investigação epidemiológica são desencadeadas com vistas a confirmar (ou descartar) a epidemia e implementar medidas de controle. 59 FUNDAMENTOS DE AÇÕES PREVENTIVAS EM SAÚDE Lembrete Surtos alimentados por transmissão de pessoa para pessoa são chamados de surtos propagados. 5.5 Prevenção das doenças transmissíveis Para iniciar o assunto, serão destacadas algumas definições importantes. • Controle: redução da incidência, prevalência, mortalidade ou morbidade de determinada doença a um patamar aceitável como resultado de ação ou ações deliberadas. Geralmente ações continuadas são necessárias para a manutenção do controle. • Eliminação da doença: redução da incidência de uma doença a zero em determinada área geográfica, como resultado de ações deliberadas. Geralmente ações continuadas são necessárias para a manutenção do controle. • Eliminação da infecção: redução da incidência de uma infecção a zero em determinada área geográfica, como resultado de ações deliberadas. Geralmente ações continuadas são necessárias para a manutenção do controle. • Erradicação: redução permanente a zero da incidência mundial de determinada infecção como resultado de ações deliberadas. Ações continuadas de controle não são necessárias. • Extinção: significa que o agente etiológico não existe mais, nem mesmo em laboratório. Essa situação ainda não ocorreu. O conceito clássico da prevenção e do controle das doencas, consagrado por Leavell e Clarke na década de 1950, subdivide as medidas de prevenção e controle em três níveis: primário, secundário e terciário. O nível primário refere-se às medidas gerais, visando mais à promoção da saúde do que propriamente à prevenção ou ao controle de doenças. Exemplos disso são as medidas de saneamento ambiental, em que o fornecimento de água potável e o esgotamento sanitário criam condições que levam, por decorrência, ao controle das doenças de transmissão hídrica, como a febre tifoide. De nível secundário seriam as medidas de proteção específicas contra determinada doença. Um exemplo clássico é a vacinação. No nível terciário, temos as ações dirigidas ao indivíduo doente, transmissor em potencial da doença. Nessa categoria estão as medidas de controle da tuberculose, da hanseníase e da aids, doenças para as quais o diagnóstico precoce e o tratamento eficaz são medidas importantes para o controle. 60 Unidade II 5.5.1 Medidasde proteção individual Desde o desenvolvimento da microbiologia, com a compreensão dos mecanismos de transmissão das doenças infecciosas, as medidas de proteção individual, ou medidas de intervenção sobre o indivíduo, foram se tornando cada vez mais populares. Estas podem ser subdivididas didaticamente, como apresentado a seguir. 5.5.2 Imunização ativa (vacinação) É sem dúvida a grande história de sucesso da saúde pública brasileira. O marco simbólico do sucesso desse programa foi o declínio e a subsequente erradicação da poliomielite no país, a partir de 1981, pela implantação de um programa de campanhas nacionais de vacinação, bianuais, em junho e em agosto. Não causa espanto o fato de que a base de dados de vacinação é uma das melhores e mais atualizadas das existentes. Saiba mais As informações sobre a incidência das doenças preveníveis por imunização e sobre doses aplicadas de cada uma das vacinas, assim como da cobertura vacinal, podem ser facilmente visualizadas. Para saber mais, acesse: http://www.datasus.gov.br A vacinação é, de fato, uma das medidas de saúde pública com a melhor relação custo-benefício e que tem apresentado resultados mais significativos. A experiência brasileira nas últimas duas décadas mostra muito bem esse fato. 5.5.3 Imunização passiva A imunização passiva é hoje apenas uma medida excepcional, aplicada em circunstâncias específicas, geralmente quando a imunização ativa não pode ser empregada. Um exemplo é o uso de imunoglobulina específica contra a varicela em gestantes ou em pessoas imunossuprimidas. 5.5.4 Quimioprofilaxia Muitas vezes eficaz, apresenta problemas quando utilizada em larga escala: indução de resistência no microrganismo, ocorrência de efeitos colaterais aos medicamentos, custo muitas vezes elevado e dificuldades logísticas. A tentativa de empregar a quimioprofilaxia em massa para o controle da malária com cloroquina na Amazônia brasileira na década de 1950 acabou levando à resistência do Plasmodium falciparum. A 61 FUNDAMENTOS DE AÇÕES PREVENTIVAS EM SAÚDE quimioprofilaxia, no entanto, é de elevado valor em situações restritas, como nos casos da quimioprofilaxia para o controle da transmissão intradomiciliar ou intrainstitucional da Neisseria meningitidis. 5.5.5 Medidas de barreira química ou física Essas medidas, não obstante sua grande eficácia em muitas situações, são, com exceção da vacinação, de difícil implementação em saúde pública, dado que exigem, na maioria das vezes, intervenção individual continuada, frequentemente dependente de iniciativa do indivíduo. Exemplo disso é o uso de preservativos nas relações sexuais para proteção contra as DSTs. Essa medida, ainda que antiga, ganhou importância nas últimas décadas devido à pandemia de aids. Considerada altamente eficaz, quando usada como medida de saúde pública, encontra sérias barreiras. 5.5.6 Diagnóstico precoce e tratamento Meios de intervenção bastante empregados, principalmente quando inexiste vacina ou outra medida de intervenção mais eficaz. Tuberculose, hanseníase e aids são doenças cujo controle depende de diagnóstico precoce e tratamento dos pacientes, de modo não só a curá-los, ou pelo menos melhorar suas condições, mas também a torná-los não infectantes. O que transforma o diagnóstico e o tratamento de uma doença em medida de controle é a existência de ações programáticas bem definidas, diagnóstico e tratamento padronizados, avaliações frequentes e fácil acesso dos pacientes aos meios de diagnóstico e tratamento. 5.5.7 Medidas de intervenção no ambiente Essas medidas ainda podem ser subdivididas em duas categorias, as específicas e as gerais. As primeiras visam interromper a transmissão de determinada doença, como o uso de inseticidas com o intuito de controlar anofelinos, reduzindo ou interrompendo a transmissão da malária. As medidas de ordem geral podem ser tomadas com determinado objetivo em mente, mas acabam tendo impacto sobre a transmissão de uma série de doenças. As medidas de saneamento, água potável e esgotamento sanitário são provavelmente as mais importantes desse grupo. 5.5.8 Vigilância Entre as medidas recomendadas para controle ou mesmo erradicação das doenças infecciosas, destaca-se a vigilância epidemiológica. Ela é hoje a ferramenta metodológica mais importante para prevenção e controle de doenças em saúde pública. É consensual no discurso de todas as entidades de saúde pública em todo o mundo, desde as de âmbito internacional até as de abrangência local. Destaca-se que não existem ações de prevenção e controle de doenças com base científica que não estejam estruturadas sobre sistemas de vigilância epidemiológica. 62 Unidade II Vigilância e investigação de doenças infecciosas, assim como de seu controle, sejam casos isolados, sejam surtos, são inseparáveis em conceito e em ação, uma inexiste na ausência da outra. Constituem, sem dúvida, as ações imprescindíveis de qualquer conjunto de medidas de controle de doenças infecciosas e hoje possuem grande valor. Antes do início da discussão, cabe lembrar que serão consideradas doenças de notificação compulsória como um conceito, e não como uma listagem de doenças. Isso ocorre porque, para alcançar o status de notificação compulsória, é vital que exista uma política pública de controle ou de ações com relação à doença, sob o risco de se incorrer em erro grave. É totalmente desprovida de senso lógico a notificação de uma doença sem que isso deflagre ou pelo menos subsidie um conjunto de medidas de saúde pública. Decorrência inevitável da definição citada é a afirmação inicial de que vigilância e investigação são uma só. Não cabe aqui discorrer sobre a história da vigilância epidemiológica. Os motivos para a vigilância epidemiológica variaram ao longo dos séculos, mas sempre tiveram como objetivo proteger a saúde pública, ainda que muitas vezes de maneira inadequada, porém sempre bem-intencionada. Na primeira metade da década de 1960, consolidou-se, internacionalmente, uma conceituação mais abrangente de vigilância epidemiológica, em que eram explicitados seus propósitos, funções, atividades, sistemas e modalidades operacionais. Vigilância epidemiológica foi, então, definida como: O conjunto de atividades que permite reunir a informação indispensável para conhecer, a qualquer momento, o comportamento ou a história natural das doenças, bem como detectar ou prever alterações de seus fatores condicionantes, com o fim de recomendar oportunamente, sobre bases firmes, as medidas indicadas e eficientes que levem à prevenção e ao controle de determinadas doenças (ROUQUAYROL; SILVA, 2013, p. 47). No Brasil, esse conceito foi utilizado inicialmente em alguns programas de controle de doenças transmissíveis coordenados pelo Ministério da Saúde, como a Campanha de Erradicação da Varíola (CEV), de 1966 a 1973. A experiência da CEV motivou a aplicação dos princípios de vigilância epidemiológica a outras doenças evitáveis por imunização, de modo que, em 1969, foi organizado um sistema de notificação semanal de doenças, baseado na rede de unidades permanentes de saúde e sob a coordenação das secretarias estaduais de saúde. As informações de interesse desse sistema passaram a ser divulgadas regularmente pelo Ministério da Saúde, por meio de um boletim epidemiológico. Esse processo propiciou o fortalecimento de bases técnicas que serviram, mais tarde, para a execução de programas nacionais de grande sucesso na área de imunizações, com destaque para a erradicação da transmissão autóctone do poliovírus selvagem na região das Américas. Em 1975, por recomendação da 5a Conferência Nacional de Saúde, foi instituído o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SNVE). Esse sistema, formalizado por meio da Lein. 6.259, do mesmo ano, e do Decreto n. 78.231, que a regulamentou em 1976, incorporou o conjunto de doenças 63 FUNDAMENTOS DE AÇÕES PREVENTIVAS EM SAÚDE transmissíveis consideradas de maior relevância sanitária no país. Buscava-se, na ocasião, compatibilizar a operacionalização de estratégias de intervenção desenvolvidas para controlar doenças específicas, mediante programas nacionais que eram escassamente interativos. A promulgação da Lei n. 8.080, que instituiu em 1990 o SUS, teve importantes desdobramentos na área de vigilância epidemiológica (BRASIL, 1990). Lembrete Quando está disponível tratamento antimicrobiano efetivo, a infecção pode ser tratada para prevenir doença, e o tratamento, completo ou parcial, pode modificar o risco de doença. 6 FONTES DE DADOS DEMOGRÁFICOS E DE MORBIDADE: INDICADORES DE SAÚDE 6.1 Dados de registro contínuo Agências e órgãos governamentais são responsáveis pela geração de estatísticas oficiais sobre nascimentos e óbitos, cujos dados provêm de atestados e certidões emitidas pelos cartórios de registro civil. O uso desses dados para fins epidemiológicos é limitado ao tipo de informação disponível relacionada com os eventos, em geral, restritas às variáveis: sexo, idade, local de residência e de ocorrência do evento. No caso dos nascimentos, dada a frequência importante de registros feitos em anos posteriores ao evento, é preciso considerar o registro tardio. As estatísticas vitais baseadas em registros de nascimentos e óbitos são de responsabilidade nacional do IBGE. Essa instituição, que realiza os censos populacionais, responde também por todos os dados demográficos oficiais brasileiros e por outras informações socioeconômicas e ambientais de interesse, sendo responsável pela coordenação do Sistema Estatístico Nacional de acordo com a Lei n. 6.183, de 1974. Entretanto, com a ampliação dos sistemas de informação do Ministério da Saúde e a realização de inquéritos, há dados de interesse em saúde obtidos pelo IBGE e por outros órgãos governamentais, não se constituindo ainda no país um sistema nacional de informações em saúde que possibilite uma visão abrangente e integrada de todos os dados do setor. O registro contínuo de dados sobre doenças ou agravos de notificação compulsória, no Brasil e na maioria dos países, é de responsabilidade do Ministério da Saúde. Contudo, a seleção das doenças e agravos que são considerados de notificação obrigatória varia de país para país. No caso brasileiro, fazem parte dessa seleção quase quarenta tipos de doenças transmissíveis que são objeto das atividades de vigilância epidemiológica. Do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica participam órgãos do Ministério da Saúde (Secretaria de Vigilância em Saúde) e das secretarias de saúde de todos os estados e municípios. O registro é feito pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) a partir de dois documentos com uma variável identificadora única: • Ficha Individual de Notificação (FIN), que contém um conjunto padronizado de dados para cada doença (identificação do caso, dados sobre a unidade assistencial notificadora, informações 64 Unidade II mínimas sobre o agravo de notificação etc.) e que é encaminhada pelas unidades de saúde a partir da suspeita clínica da ocorrência de algum dos agravos notificáveis. • Ficha Individual de Investigação (FII), que se configura, na maior parte das vezes, como um roteiro de investigação epidemiológica, distinto por tipo de agravo. Informações valiosas para os epidemiologistas, como a causa básica dos óbitos ou as circunstâncias em que ocorreram os nascimentos, podem ser obtidas, no Brasil, a partir de consultas aos dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), ambos sob responsabilidade do Ministério da Saúde e que também são de registro contínuo. No SIM, os dados provêm de cópia das declarações de óbito (DO) emitidas por médicos e captadas nos cartórios de registro civil e pelas secretarias de saúde em grande parte dos municípios (há municípios com outros fluxos de dados). Além da especificação da causa básica e das causas associadas do óbito, e das características de óbitos fetais, é possível encontrar dados sobre idade, sexo, raça/cor da pele, ocupação, local de ocorrência e de residência dos indivíduos que faleceram e, mais recentemente, informações sobre sua escolaridade. No Sinasc, os dados originais constam da declaração de nascido vivo (DN), feita na grande maioria dos casos pelas maternidades e encaminhadas às secretarias de saúde. Entre as informações coletadas na DN constam dados da mãe (idade, raça/cor da pele, estado civil, escolaridade, ocupação, município de residência, número de filhos vivos e mortos); dados da gestação (semanas de gestação, tipo de gravidez, número de consultas de pré-natal; data do nascimento); e dados da criança (peso, raça/cor da pele e presença de malformação congênita). Além disso, são coletados dados do estabelecimento de saúde onde foi realizado o parto, incluindo o endereço completo e o código do local, bem como sobre o responsável pelo preenchimento da declaração (nome, função, identidade, órgão emissor e data de emissão). Além dos dados citados, são de registro contínuo dados sobre outros agravos e doenças como: neoplasias, acidentes de trabalho e benefícios da previdência social por motivos de saúde, acidentes de trânsito e intoxicações e envenenamentos, entre outros. Em cada um desses existem registros mantidos por órgãos governamentais com graus diferenciados de cobertura nacional, disponibilização e acesso. No caso das neoplasias, há duas bases importantes: o Registro de Câncer de Base Populacional e o Registro Hospitalar de Câncer, sob a coordenação do Instituto Nacional do Câncer (Inca), do Ministério da Saúde. Enquanto o primeiro é orientado para uma abordagem epidemiológica considerando os casos existentes em determinada área geográfica, o registro hospitalar contém informações relacionadas com a qualidade da atenção hospitalar. 6.2 Censo populacional e sua evolução no Brasil Desde a Antiguidade, a contagem populacional é considerada essencial, tendo em vista o planejamento das políticas públicas e as respectivas ações. Para tanto, com o uso da estatística, iniciou-se a realização de censos populacionais, a fim de identificar o perfil das populações. Os censos populacionais produzem informações importantes para a definição de políticas públicas e a tomada de decisões. Os dados podem ser provenientes dos diversos níveis de governo ou da iniciativa privada, e constituem fonte de referência sobre a situação de vida da população, segundo 65 FUNDAMENTOS DE AÇÕES PREVENTIVAS EM SAÚDE espaço geográfico e divisão administrativa de cada município, como distritos, bairros e localidades, rurais ou urbanas. O diagnóstico de cada realidade depende da atualização dos dados, portanto, dos resultados do censo. A realização de um levantamento como o censo demográfico representa um desafio importante para um instituto de estatística, sobretudo em um país de dimensões continentais como o Brasil, com 8.514.215,3 km2, composto de 27 Unidades da Federação e 5.507 municípios. 6.3 Sistemas de informação em saúde 6.3.1 Dados Para pensar e realizar a atenção à saúde, as informações são imprescindíveis, tanto para o atendimento aos indivíduos como ao coletivo; também é importante para refletir quais os programas necessários e as políticas que devem ser desenvolvidas para melhorar a saúde da população. Os sistemas de informação ajudam a construir o conhecimento em saúde. Os registros feitos na rotina dos serviços são inseridos em sistemas de informação, que geram informação quanto à mortalidade(do que as pessoas morrem) e à morbidade (do que as pessoas adoecem). Os censos e os inquéritos (levantamentos de informações) também são valiosas fontes de informação. Após realizar a ação, é necessário avaliar se ela foi efetiva. Veja a matriz a seguir, que aponta o fluxo para análise e ação em saúde. Conhecimento Avaliação Situação da saúde Informação DecisãoDados Ação Figura 3 – Fluxo para análise e ação em saúde O dado é o componente básico do processo de produção de informação. É o elemento quantitativo ou qualitativo, em forma bruta, que por si só não conduz à compreensão de determinado fato ou situação. Dado é a matéria-prima sobre a qual trabalhamos juntando-os, contrapondo-os, para produzir informações que traduzam um conhecimento. Quando processamos os dados, relacionando os fatos por eles descritos, e encontramos significado naquilo que se observa, geramos a informação, que é o produto obtido a partir de determinada combinação e interpretação de dados. Informação é o dado útil – produto da análise dos dados obtidos, registrados, classificados, organizados e relacionados dentro de um contexto. É um importante 66 Unidade II recurso para subsidiar o processo de tomada de decisão, de planejamento, de execução e de avaliação das ações desencadeadas. O conhecimento é construído a partir da acumulação de informações, consolidando-se por meio de permanente atualização, confrontando antigas e novas informações, adquiridas a todo momento. O valor da informação está relacionado à capacidade que ela tem de alterar o estado do conhecimento. Um grande conjunto de indicadores pode ser calculado a partir desses dados, e pode ser aplicado em estudos e pesquisas que ampliam o conhecimento em epidemiologia. Um sistema de informação em saúde é um conjunto de componentes que permite o armazenamento e a seleção dos dados para transformá-los em informações úteis, que permitam monitorar as condições de saúde da população. 6.4 Definição de indicador É a representação numérica de determinados eventos, que nos permite produzir informações com o objetivo de elaborar um conhecimento sobre determinada situação, com o propósito de tomar decisões e agir para transformar a realidade compreendida no espaço e no tempo determinados. 6.5 Morbidade: importância no diagnóstico de saúde da coletividade Para assegurar as condições para tomada de decisões (por exemplo, eficácia de vacinas, exames preventivos para a redução da ocorrência do câncer de colo de útero) ou apoiar ações específicas necessárias ao controle de um agravo ou doença (redução dos acidentes de trânsito, tratamento da hanseníase etc.), consultam-se os indicadores de morbidade, discriminados em coeficientes ou taxas de incidência e de prevalência, considerados como a expressão quantitativa do adoecimento na população. Esses registros interessam, no campo da saúde, ao planejador, ao administrador, ao pesquisador, ao epidemiologista e a toda a comunidade da área da saúde. Sua aplicação inclui também a clínica, a prevenção de agravos à integridade física, o planejamento de seguros de vida e todos os campos em que a variável saúde seja o foco de interesse. Em síntese, quando o objetivo for o controle de riscos, doenças e agravos, as estatísticas de morbidade se constituirão nas informações basilares. Além do seu potencial descritivo, essas são essenciais às análises epidemiológicas para saber se há uma associação de causa e efeito. Denomina-se morbidade a ocorrência de doenças e agravos à saúde em uma dada população. Assim, para compreendê-la como fenômeno, é necessário apreender alguns conceitos essenciais. Em primeiro lugar, morbidade sempre será referida a uma população predefinida tomada como grupo exposto ao risco de adoecer. Assim, na morbidade por acidentes de trabalho, por exemplo, entende-se como população o conjunto dos trabalhadores que exercem determinada atividade profissional, em um espaço e tempo determinados. Em segundo lugar, ao se nomear a doença cuja morbidade se pretende estudar, devem ficar bastante claras a sua conceituação e também os meios que levaram ao seu diagnóstico, considerando que não há uniformidade de termos e conceitos. A OMS recomenda a uniformização na denominação das doenças e causas de morte e propõe a adoção, em nível internacional, da Classificação 67 FUNDAMENTOS DE AÇÕES PREVENTIVAS EM SAÚDE Internacional de Doenças (CID), atualmente em sua décima revisão. Serão estudados em seguida o cálculo e a interpretação dos coeficientes de morbidade. A morbidade identifica as causas que determinam o adoecimento da população. Os estudos de dados de morbidade são essenciais para as análises de causa/efeito. Os coeficientes de morbidade permitem realizar diagnóstico em saúde, e a prevalência e a incidência das doenças demonstram o seu comportamento, se há aumento ou diminuição dos casos. Os coeficientes de morbidade auxiliam na tomada de decisão em saúde pública e em diversas áreas. Os gestores do sistema de saúde, os pesquisadores e os epidemiologistas utilizam esses indicadores para analisar a situação de saúde e tomar as respectivas decisões. Desde a medicina clínica até a indústria de seguros de saúde ou de veículos utilizam os indicadores de morbidade para análise de risco. 6.6 Obtenção de dados de morbidade Existem várias formas utilizadas para obter dados de morbidade, desde os registros de rotina até levantamentos ocasionais. Observe algumas delas: • Registro de atendimento a doentes: esses registros são realizados em todos os serviços de saúde, tanto públicos como privados. O registro de internações hospitalares, colhido por meio da Autorização de Internação Hospitalar (AIH), referente a internações da rede pública e conveniada, é um exemplo. • Inquérito: apesar de ser um tipo de levantamento caro e que apresenta dificuldades para ser desenvolvido, os inquéritos são realizados quando os dados existentes não são de boa qualidade ou quando há dúvida da qualidade desses dados. Esse tipo de estudo pode ser realizado por amostra da população por meio de entrevista ou por registro sistemático de informações pelas instituições. Alguns exemplos de inquérito são as próprias pesquisas de mercado, feitas na rua ou por telefone. • Vigilância epidemiológica: para realizar a vigilância, são utilizados os sistemas de informação apresentados, nos quais são armazenados dados que permitem gerar informações. A vigilância ainda realiza a programação e a avaliação das medidas de controle de doenças e situações de agravos à saúde, prioritariamente das doenças de notificação compulsória, a fim de permitir a tomada de medidas de controle e de planejamento de saúde nos diferentes níveis de atuação. O SUS define a vigilância epidemiológica como um conjunto de ações que proporcionam o conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes de saúde individual e coletiva com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças e agravos (BRASIL, 1990). • Registros policiais: as estatísticas sobre mortes violentas, acidentes de trabalho e homicídios podem ser colhidas nos serviços de medicina legal, vinculados às secretarias de segurança pública dos estados. 68 Unidade II 6.6.1 Análise dos indicadores de morbidade: fontes de dados Mensurar doenças e agravos à saúde exige análise apurada e instrumentos mais sofisticados que os utilizados para a mortalidade. Enquanto o óbito é um evento único e diferenciado do ponto de vista legal, moral e social, com um único registro em todo o mundo, o registro de doenças e agravos à saúde depende de muitos fatores. Uma pessoa pode apresentar várias doenças e agravos ao longo da vida, que serão registrados na dependênciada valorização que o indivíduo dá aos seus sintomas, da sua procura por assistência médica e das possibilidades existentes de diagnóstico. As informações sobre morbidade podem ser provenientes de dados primários ou secundários. Dados primários são os coletados por pesquisadores em investigação específica, em que a padronização, a coleta e a análise estão sob controle dos autores. Os dados primários são muito utilizados na prática clínica em nosso meio. No entanto, em razão do alto custo material e humano, esse procedimento é realizado esporadicamente, para uma questão bem delimitada, em geral para um grupo populacional específico, e condicionada, geralmente, a apoio financeiro. Os dados secundários são aqueles obtidos em grandes bases de dados, elaboradas para atender a diversos tipos de interesses e produzidas na rotina dos serviços por um grande contingente de profissionais. Pela sua abrangência e validade, as bases de dados secundários têm sido cada vez mais utilizadas, nas literaturas internacional e nacional, para análise da situação de saúde das populações e avaliação do impacto das ações de saúde. Existem, no Brasil, vários tipos de bases de dados secundárias, e as mais usadas para análises clínicas e epidemiológicas são as informações do Sistema de Vigilância Epidemiológica de Doenças de Notificação Compulsória e os dados produzidos pelos Registros de Câncer, de base populacional e hospitalar. O Sistema de Vigilância Epidemiológica de Doenças de Notificação Compulsória é um sistema rotineiro de informação e está centrado em uma lista nacional publicada pelo Ministério da Saúde, que é revisada anualmente. Para a elaboração dessa lista, existe um sistema de informação, decisão e controle, que tem como objetivo identificar, notificar e investigar todos os casos dessas afecções e de agravos inusitados. Esse sistema registra os casos identificados de doenças de notificação compulsória. O grau de cobertura dessas informações varia segundo as regiões, sendo mais consistente para os quadros mais graves e agudos. Assim, o grau de cobertura chega a um índice que varia de 85% a 90% dos casos nas doenças de notificação com evolução crônica, como a aids e a tuberculose, e mais de 95% nos casos de meningites e tétano (JAMAL; MOHERDAUI, 2007, p. 107). Os registros de câncer de base populacional, localizados em dezesseis capitais brasileiras, consolidam os dados sobre os casos novos com diagnóstico firmado de câncer (neoplasia maligna de qualquer localização) nos indivíduos que residem no município. Fornecem, portanto, dados de incidência de câncer para esses municípios. Com base nesses registros, o Inca estima o número de casos novos e o coeficiente de incidência no Brasil dos principais tipos de câncer em cada sexo e publica essas informações em relatórios rotineiros, disponíveis na internet. 69 FUNDAMENTOS DE AÇÕES PREVENTIVAS EM SAÚDE Saiba mais Para aprofundar seus conhecimentos sobre o tema, acesse o site do Inca: www.inca.gov.br Os inquéritos de morbidade podem ser de morbidade diagnosticada ou referida. No primeiro caso, a partir de uma definição clínica precisa e por meio de instrumentos calibrados, determina-se o coeficiente de prevalência da afecção estudada no grupo populacional, seja por pesquisa em todos os indivíduos, seja em uma amostra. Nos inquéritos de morbidade referida, são realizadas entrevistas em amostras representativas da população de estudo, com o propósito de coletar informações sobre a prevalência de doenças em um espaço de tempo definido. Saiba mais Alguns inquéritos populacionais, como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, realizada com periodicidade anual, inclui em alguns anos perguntas sobre morbidade. O estudo de 2003 pesquisou fatores de risco e doenças crônicas e está disponível na internet: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2003. v. 24. IBGE, 2003. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/ periodicos/59/pnad_2003_v24_br.pdf. Acesso em: 7 jan. 2020. As unidades hospitalares e ambulatoriais, públicas e privadas, vinculadas ao SUS possuem vários tipos de registros sobre os atendimentos prestados. Esses registros são consolidados pelos sistemas de controle dos pagamentos efetuados com os recursos do SUS para os serviços de saúde: Sistema de Informações Hospitalares (SIH/SUS) e Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA/SUS). Nos hospitais vinculados ao SUS, existem, ainda, os registros hospitalares de câncer, que consolidam as informações sobre os casos de câncer que foram diagnosticados e/ou atendidos nos hospitais. Os dados desses sistemas fornecem apenas frequências das doenças registradas nos atendimentos. Não é possível avaliar a morbidade com base nesses dados, entre outros motivos pelo fato de as informações hospitalares, por exemplo, referirem-se ao evento “internação”, e não a pessoas internadas. Outro importante fator é que a morbidade registrada nos atendimentos hospitalares e ambulatoriais encontra-se fortemente influenciada pela forma em que as atividades são organizadas nos serviços e os tipos de classificação adotados no registro dos casos, tornando-se mais ou menos sensíveis a problemas e patologias especificadas. Em relação ao câncer, também não é possível construir coeficientes de incidência ou prevalência com base em registros hospitalares. É possível apenas conhecer a frequência dos tipos de câncer e respectivos estadiamentos identificados nos pacientes atendidos nos serviços. 70 Unidade II 6.7 Acesso e qualidade das estatísticas de saúde O Ministério da Saúde é o principal responsável pelas estatísticas de saúde do Brasil. A qualidade dessas estatísticas depende fundamentalmente da qualidade dos registros primários dos dados, e o papel mais importante é o dos profissionais de saúde e, sobretudo, do médico. Os principais registros primários do Ministério da Saúde que alimentam os sistemas de informação de mortalidade são a declaração de óbito (DO) e a declaração de nascido vivo (DN), padronizados nacionalmente. Todos os profissionais de saúde são responsáveis pelo completo e correto preenchimento desses registros, cabendo exclusivamente ao médico o dever de preencher a parte médica de ambas as declarações. Os dados desses registros são consolidados e trabalhados pelo Departamento de Informática do SUS (Datasus), por meio do SIM e do Sinasc. O médico também é responsável pelas informações dos casos de doenças de notificação compulsória e pelos registros de diagnósticos das pessoas atendidas no SUS. Em que pese a grande evolução na qualidade e na melhoria do acesso às informações que esses sistemas vêm propiciando, muitos problemas ainda persistem. Particularmente importantes são os relacionados às estatísticas de mortalidade, uma vez que a mortalidade é o único dos indicadores epidemiológicos anteriormente discutidos que é universal e contínuo. Os indicadores de saúde correspondem às formas de medir as condições de saúde. O indicador, como o próprio nome diz, aponta quais as causas de morte, de doença ou de agravo. Valores absolutos Os dados colhidos diretamente de sistemas de informação ou gerados por observações controladas são dados absolutos, não trabalhados. Esse tipo de dado é muito utilizado por administradores de saúde para estimar vagas a serem oferecidas, leitos necessários e previsão de medicamentos. Para comparar os dados de mortalidade e de morbidade, é necessário transformá-los em valores relativos; as variáveis dependentes não são mais frequências absolutas e passam a ser coeficientes e índices. Os indicadores medem o risco, a probabilidade de se adoecer por determinada doença. Os indicadores mais usados em saúde pública são os de mortalidade geral, prevalência, incidência, mortalidadeinfantil, mortalidade materna e o percentual de casos de óbitos no total dessas ocorrências por variáveis específicas como idade, lugar, entre outras. Os indicadores de morbidade mais usados são incidência – relacionados a casos novos – e prevalência – relacionados ao total de casos. 6.8 Indicadores de morbidade 6.8.1 Incidência A incidência corresponde ao número de casos novos de determinado agravo ou doença. Pode-se dizer que corresponde à intensidade com que acontece a morbidade, com que se desenvolvem os casos 71 FUNDAMENTOS DE AÇÕES PREVENTIVAS EM SAÚDE da doença. A frequência absoluta de novos casos corresponde à incidência simples, ou seja, o número de casos novos correspondentes a um período de tempo. O coeficiente de incidência corresponde à relação entre o número de casos novos e o total da população exposta, o que permite realizar estudos comparativos de diferentes épocas e de diferentes populações, cidades ou países. O coeficiente de incidência mede a velocidade com que novos casos são agregados àqueles existentes. A variação é gerada pelos novos casos diagnosticados, imigrantes doentes e recidivas. O cálculo é feito dividindo-se o número de casos novos de uma doença – em um intervalo de tempo, período e área determinada – pela população exposta ao risco de adquiri-la e multiplicando o resultado por 100.000. Olhe a fórmula a seguir: CI = Número de casos novos na população residente em determinado período e área considerada x 100.000 População residente na área e no mesmo período Em doenças como a gripe, a incidência aponta a velocidade com que os casos se propagam. Nesse caso, é importante a diferenciação entre o número de gripes e de pessoas acometidas, pois cada pessoa pode apresentar a doença mais de uma vez ao ano. Quando o coeficiente de incidência aumenta muito, pode apontar para uma epidemia. Para análise epidemiológica, a utilização do número de indivíduos acometidos por certa doença, como numerador, indica a probabilidade de as pessoas adquirirem a doença. Quanto ao denominador, deve ser restrito à população que está em risco de contrair a doença ou de sofrer o agravo. Por exemplo, para a incidência de tétano neonatal, a população de risco são os nascidos vivos. Veja a diferença: • Endemia: casos dentro do limite esperado, não sendo influenciada por variantes como épocas do ano e temperatura. • Epidemia: elevação brusca, temporária e significativamente acima do esperado para a incidência de uma determinada doença. • Pandemia: aumento de número de casos que atinge dimensões continentais, com vários países ao mesmo tempo. 6.8.2 Prevalência A prevalência aponta o total de casos de determinada doença; já o coeficiente de prevalência estabelece relação entre o total de casos e a população que tem risco de ter essa doença. Portanto, o coeficiente permite comparação ao longo do tempo de uma mesma cidade ou país e, também, de diferentes espaços, ou seja, diferentes cidades e países. Esse indicador permite comparar grupos etários, sexo, ocupação e etnia, pois as doenças podem se manifestar de forma diferente nos distintos grupos. 72 Unidade II O coeficiente de prevalência é calculado dividindo-se o número de casos conhecidos de uma dada doença pela população, em um intervalo de tempo e área determinados, e multiplicando o resultado por 100.000. Veja a fórmula: Número de casos existentes (novos + antigos) na população residente em determinado período e área considerada População residente na área e no mesmo período CP = x 100.000 O número total de casos de uma determinada doença mede a sobrevivência dessa doença e representa a soma dos casos antigos e novos. Esse número pode variar para cada doença, dependendo de quantos sobrevivem, quantos morrem, quantos emigram e quantos casos novos são diagnosticados. Por exemplo, quanto melhor e mais rápido for o diagnóstico, maior será a prevalência. O coeficiente de prevalência sofre influência do tempo de duração de uma doença, portanto, as doenças crônicas (que duram muito tempo, até a vida toda) provavelmente acumularam mais casos que as doenças agudas (que se instalam repentinamente e apresentam cura mais rápida). A prevalência pode variar de acordo com a instituição de novos tratamentos: as drogas que aumentam a sobrevida determinam aumento da prevalência, e as drogas que diminuem a duração das doenças, daquelas que têm cura, subtraem os coeficientes de prevalência. O aperfeiçoamento de exames diagnósticos influencia a prevalência, pois eles podem detectar mais casos. A prevalência aumenta em caso de doenças epidêmicas de baixa letalidade ou de baixo índice de cura, como aids, tuberculose, hanseníase, hipertensão arterial e diabetes. 6.8.3 Expectativa de vida A expectativa de vida, ou esperança de vida, se refere ao número médio de anos que um indivíduo viverá a partir de seu nascimento. Essa média tem influência da mortalidade por idade de cada população, que por sua vez é determinada pelas condições de vida a que se expõe essa população. A expectativa de vida varia de acordo com as influências do meio, da tecnologia desenvolvida para os cuidados com a saúde e da melhora das condições de vida. Há grandes diferenças de expectativa de vida para os diferentes continentes, países, regiões e cidades relacionadas ao acesso aos serviços essenciais (educação, saúde, habitação, saneamento básico etc.), à renda per capita, à desigualdade social, enfim, às condições e à qualidade de vida de cada população. Observação Renda per capita mostra a renda média da população. Normalmente, os países desenvolvidos têm PIB e renda per capita maiores que os dos países em desenvolvimento. Para o cálculo da esperança de vida ao nascer, leva-se em consideração o risco de mortalidade infantil de um país ou região e todo o histórico de mortalidade de crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos. 73 FUNDAMENTOS DE AÇÕES PREVENTIVAS EM SAÚDE A esperança de vida ao nascer é um indicador que mede o grau de desenvolvimento humano. Considera-se mais desenvolvida a população com maior expectativa de vida, pois representa o direito a uma vida longa e saudável, que foi possível devido às boas condições de vida disponíveis. Em cada um dos grupos etários, os indivíduos estão sujeitos a diferentes riscos de mortalidade, estabelecendo distintas causas principais de mortalidade. A evolução desse indicador representa ganhos em anos de vida, o que evidencia um comportamento contínuo e positivo. O aumento da expectativa de vida nas últimas décadas é, sem dúvida, uma demonstração da melhora da qualidade de vida do brasileiro. “Em 1980, a esperança de vida ao nascer era de 62,6 anos, passando para 70,5 anos em 2000 – aumento de oito anos em duas décadas; em 2005, a esperança de vida passou para 71,9 anos” (GALLEGUILLOS, 2014, p. 51). Apesar de todos os avanços, persistem as diferenças regionais, determinadas pelas diferenças de condições de vida de cada região. As esperanças de vida em “2005 variaram de 66 anos em Alagoas a 74,9 anos no Distrito Federal, determinando um diferencial de praticamente nove anos. O indicador ainda apresentou aumento e chegou a 73,1 em 2009” (GALLEGUILLOS, 2014, p. 51). Os países desenvolvidos apresentam melhores índices determinados pelas condições de vida, pelo acesso a serviços essenciais, pela distribuição de renda mais equitativa, entre outros fatores. 6.8.4 Taxa de fecundidade O índice de fecundidade corresponde ao número médio de filhos por mulher em idade fértil, que, por convenção, é considerada entre 15 e 49 anos. Há algumas mulheres que têm filhos fora dessa idade, mas a maioria é considerada mulher em idade fértil (MIF) na idade apontada. O cálculo é feito segundo a fórmula a seguir: Número de filhos vivos de mães de determinada faixa etáriaresidentes em uma área e ano considerados População de mulheres de referida faixa etária residentes nessa área e ano CF = x 1.000 A redução da fecundidade é um fenômeno presente no Brasil nas últimas décadas. Isso representa um número menor de crianças na população, o que geralmente propicia melhores condições de vida para a sociedade, pois diminui o número de dependentes. Contudo, se persistir esse panorama, a população com capacidade para o trabalho também vai diminuir, e, com o envelhecimento da população, o grau de dependência aumentará, mas pelos idosos dependentes. A razão de dependência e os custos sociais serão tanto maiores quanto mais rápida e acentuada for a queda do nível da fecundidade e quanto mais tempo ela se mantiver em níveis baixos. 74 Unidade II Segundo o IBGE, as taxas de fecundidade e de natalidade apresentam relação direta com as transformações socioeconômicas e culturais, associadas ao processo de urbanização, inclusive ao novo papel desempenhado pela mulher. Os contraceptivos, o melhor nível de educação e as melhores condições de acesso à saúde são determinantes no número de filhos que cada mulher tem no Brasil e que, consequentemente, difere nas diversas regiões do país. Como exemplo, a probabilidade de o grupo etário mais jovem (15-19) ter um filho oscilou entre 70 e 95 para cada mil jovens, entre 1977 e 2006. Em geral, as maiores mudanças em termos absolutos deram-se no grupo etário de 20-24 anos. A taxa que se manteve em torno de 160 por mil, até aproximadamente antes de 2000, diminuiu para 130 por mil, no quinquênio de 1997 a 2001, e para 108 por mil, no último período (BRASIL, 2009, p. 78). Conforme a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS) de 2006, isso significou uma redução superior a 30% na fecundidade de mulheres de 20 a 24 anos, em um intervalo de dez anos, e nos grupos de 30-39 anos foi ainda mais acentuada, semelhante ao estimado para a França em 2005, e inferior ao esperado para a média dos países da Europa Ocidental para 2010 (BRASIL, 2009, p. 78). Em resumo, constataram-se níveis de fecundidade extremamente baixos para as idades acima de 30 anos e uma taxa alta e estável entre mulheres menores de 24 anos. Pode-se afirmar que as mulheres têm menos filhos no Brasil nos dias de hoje e que na faixa etária de 20 a 24 anos a chance de ter filhos é maior. Vale ressaltar que o número de filhos está relacionado ao grau de educação das mulheres e às condições socioeconômicas, portanto, ainda há grandes diferenças no número de filhos que cada mulher possui segundo suas condições de vida e grau de educação. 6.9 Indicadores de mortalidade Medidas de mortalidade têm como utilização preferencial a avaliação do nível de saúde e indicação de medidas preventivas e de controle de caráter abrangente (saneamento básico, detecção precoce do câncer de mama, redução do tabagismo, por exemplo) que objetivem melhorar o estado sanitário da comunidade. Essa aplicação visa, por uma parte, sugerir ações que reduzam o risco de morrer por uma determinada causa evitável e, por outra parte, indicar a necessidade de ações de controle sobre fatores de risco de adoecer ou de sofrer agravos que se associem à alta letalidade. A avaliação da efetividade dessas ações poderá ser feita pelo acompanhamento da evolução das medidas de mortalidade. Nesse sentido, as atividades de vigilância do óbito, como no caso do óbito por causas obstétricas (óbito materno ou mortes maternas) e dos óbitos infantis por causas evitáveis são exemplos do uso dessas medidas pelos serviços de saúde. O cálculo dos coeficientes de mortalidade e os elementos aplicados à interpretação dos seus resultados serão estudados em seguida. 75 FUNDAMENTOS DE AÇÕES PREVENTIVAS EM SAÚDE Observação A taxa de mortalidade infantil (TMI) é considerada um bom indicador para descrever e analisar as condições de vida e saúde de uma população, porque a criança pequena é mais sensível às condições socioeconômicas que repercutem no meio ambiente onde vive. A evolução desse indicador no Brasil em décadas recentes mostra variações que revelam as condições de vida da população frente às crises econômicas. Os indicadores de mortalidade podem ser organizados de acordo com diversos critérios, como sexo, idade ou estado civil. Os óbitos ocorridos podem ser classificados segundo causa e lugar. 6.9.1 Mortalidade geral A partir da mortalidade geral, é possível analisar os níveis de saúde da população de diferentes regiões, países ou mesmo continentes, em um mesmo período, ou seja, referentes à mesma época. Os dados para calcular a mortalidade geral são retirados do sistema de informação de mortalidade, que resgata esses dados da declaração de óbito (DO), conhecida como atestado de óbito. A qualidade dos dados não é igual para todas as regiões de um país nem para os diferentes países, pois depende da organização dos serviços para notificar as mortes, assim como da qualidade do preenchimento da DO. Esse indicador dá um parecer geral das condições de vida da população, mas não revela as causas que levaram à morte, portanto, não serve para planejar ações específicas capazes de prevenir a mortalidade. Observe a seguir a fórmula para calcular a mortalidade geral: CMG = Número de óbitos na população residente em determinado período e área considerada x 1.000 População residente na área no mesmo período 6.9.2 Mortalidade por causas A mortalidade por causas permite identificar as causas que mais levam à morte, nas diferentes faixas etárias, para os distintos sexos, e inclusive permite verificar se há diferenças regionais no país. No Brasil, devido à sua diversidade cultural e de desenvolvimento, as diferentes causas de mortalidade diferem nas diversas regiões. Nas regiões mais desenvolvidas, a mortalidade por doenças não transmissíveis, como doenças cardíacas, prevalece, enquanto nas regiões menos desenvolvidas e mais pobres a mortalidade por doenças infecciosas, como diarreias, permanece mais elevada que nas demais regiões. Ter essas informações é muito importante para o planejamento das ações em saúde que precisam ser aprimoradas. Ao saber a mortalidade segundo as diferentes causas, é possível planejar ações adequadas às diferentes necessidades de cada região. 76 Unidade II O coeficiente de mortalidade por causa é calculado dividindo o número de óbitos ocorridos por determinada causa pela população exposta e multiplicando o resultado por 100.000, conforme a seguir: Número de óbitos por determinada causa ocorridos na população residente numa área e ano considerados População residente nessa área e ano CMC = x 100.000 A mortalidade infantil tem sido um dos maiores desafios da saúde, tendo em vista que, se cuidamos bem das gestantes e das crianças, espera-se que a maioria delas possam nascer saudáveis. Infelizmente, não é isso o que ocorre, e só é possível identificar essa situação com o uso do coeficiente de mortalidade infantil. 6.9.3 Mortalidade infantil O coeficiente de mortalidade infantil mede o risco de morte para crianças menores de 1 ano. Calcula-se dividindo o número de mortes de crianças menores de 1 ano pelos nascidos vivos naquele ano em uma determinada área. Número de óbitos por determinada causa ocorridos na população residente numa área e ano considerados População residente nessa área e ano CMC = x 100.000 6.9.4 Mortalidade materna No Brasil, a mortalidade materna ainda é alta, o que reflete ineficiência dos serviços de saúde no acompanhamento de todas as gestantes de forma adequada e o planejamento familiar não tem o alcance que deveria. A morte materna pode ser evitada em cerca de 90% a 95% dos casos, tendo em vista as tecnologias disponíveis na atualidade, mas é preciso que as gestantes tenham acessoa essa tecnologia durante o acompanhamento da gestação. O coeficiente de mortalidade materna é uma medida de risco relativa à mulher durante a gravidez. O coeficiente é calculado dividindo-se os óbitos ligados à gestação, ao parto e ao puerpério numa certa área e num certo período pelo número de nascidos vivos no mesmo local e período. Medidas como o coeficiente de mortalidade infantil e o coeficiente de mortalidade materna são fundamentais para o acompanhamento das metas nacionais e internacionais, que incluem a diminuição da mortalidade infantil e materna. Observação É importante notar que, em geral, os níveis de saúde de populações e grupos sociais são mensurados por meio de informações da “não saúde”, ou seja, concernentes a doenças e morte. 77 FUNDAMENTOS DE AÇÕES PREVENTIVAS EM SAÚDE Analisar a situação de saúde tem sido um dos objetivos primordiais da epidemiologia, a fim de contribuir para a definição de políticas públicas. Ao medir o estado de saúde das populações, realiza-se o diagnóstico, que permite analisar as intervenções a serem realizadas e avaliar o seu impacto. Os trabalhadores de saúde devem estudar as mudanças sociais, econômicas e políticas ocorridas e os respectivos impactos sobre a saúde da população. Quantificar os eventos ocorridos em saúde é essencial, pois permite conhecer as principais doenças e agravos à saúde que atingem uma determinada comunidade, os grupos mais vulneráveis, a faixa etária mais acometida, os riscos mais relevantes e, inclusive, as ações para controlar as doenças e os agravos de forma mais efetiva. Medir a saúde real da população é uma tarefa difícil, por isso a forma de verificar mais utilizada está relacionada aos dados de morte ou de doença. A obtenção de dados pode ser por intermédio de estatísticas ambulatoriais e hospitalares, assim como por inquéritos. Os sistemas de informação têm contribuído bastante para a realização dessas estatísticas, como o SIM; o Sistema de Informação Ambulatorial (SIA); o Sistema de Informação da Atenção Básica (Siab); o Sistema de Informação Hospitalar (SIH); o Sinasc etc. 7 REGISTRO DE EVENTOS VITAIS E CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE DOENÇAS 7.1 Nascimentos O Sistema de Nascidos Vivos, gerenciado pelo Centro Nacional de Epidemiologia (Cenepi), foi oficializado em 1990 e tem por objetivo registrar os nascimentos com um documento básico, padronizado nacionalmente, que deve ser gerado nos hospitais e em outras instituições de saúde onde se realizam partos e nos cartórios de registro civil (no caso de partos em domicílio). Seu formulário padrão, a declaração de nascido vivo, deve ser preenchido para todos os nascidos vivos no país. Deve-se entender por nascido vivo, segundo conceito definido pela OMS, todo produto da concepção que, independentemente do tempo de gestação, depois de expulso ou extraído do corpo da mãe, respire ou apresente outro sinal de vida, tal como batimento cardíaco, pulsação do cordão umbilical ou movimentos efetivos dos músculos de contração voluntária, estando ou não desprendida a placenta. Saiba mais Para visualizar uma certidão de nascido vivo, leia: BRASIL. Ministério da Saúde. Manual de instruções para o preenchimento da declaração de nascido vivo. Brasília: Ministério da Saúde, 2011. p. 23. Disponível em: http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2017/ junho/08/inst_dn.pdf. Acesso em: 10 jan. 2020. 78 Unidade II A referência a seguir possui um modelo de atestado de óbito: BRASIL. Ministério da Saúde. Manual de instruções para o preenchimento da declaração de óbito. Brasília: Ministério da Saúde, 2001. p. 33. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_declaracao_obitos. pdf. Acesso em: 10 jan. 2020. Sua implantação ocorreu de forma gradual no país e, até 2001, em pelo menos um estado (Piauí) não havia ocorrido de forma completa. Mesmo assim, vem apresentando um volume maior de registros do que o publicado em anuários do IBGE, que trabalha com base nos dados de cartórios de registro civil. Os formulários de declaração de nascidos vivos são pré-numerados, impressos em três vias e distribuídos às secretarias estaduais de saúde pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa), do Ministério da Saúde. Neles, existem campos para preenchimento que irão definir as condições do recém-nascido, bem como aspectos relevantes da mãe e do parto. Na figura a seguir, representa-se o fluxo das declarações de nascidos vivos, como recomendado pelo Ministério da Saúde. Embora esse fluxo possa variar de estado para estado, a recomendação é que a primeira via seja recolhida ativamente pelas secretarias estaduais ou municipais de saúde para processamento, e a segunda e a terceira vias sejam entregues aos familiares. Secretaria de saúde 2a via guarda Secretaria de saúde Unidade de saúde Cartório de registro civil Hospital Cartório de registro civil Unidade de saúde 1a via 1a via 2a via 2a via 3a via 3a via Partos hospitalares Partos domiciliares Preenche Encaminha Família Família Encaminha Família Guarda Emite Declara Família/ Declarante Devolve 3a via Figura 4 – Fluxo das declarações de nascidos vivos 79 FUNDAMENTOS DE AÇÕES PREVENTIVAS EM SAÚDE Conforme mencionado, o IBGE continua processando as informações oriundas dos cartórios de registro civil, isto é, o antigo sistema permanece ativo, apenas englobado pelo novo. Os dados de nascidos vivos podem ser obtidos nas seguintes fontes: • Publicações do IBGE, impressas ou em meio eletrônico. • Página do IBGE: www.ibge.gov.br • Página do Datasus: www.datasus.gov.br • Página do Sinasc da Funasa: www.funasa.gov.br • Cd-roms fornecidos pela Funasa ou Datasus. • Em sistemas locais, municipais ou estaduais, como a Fundação Seade, em São Paulo (www.seade.gov.br) e no site da Secretaria de Saúde do Estado (em São Paulo, www.saude.sp.gov.br). • Por solicitação direta feita a essas instituições. 7.2 Óbitos O tradicional conceito de morte vem sendo revisto continuamente, sobretudo em consequência do desenvolvimento dos transplantes de órgãos. A Sociedade Brasileira de Neurologia, entre outras organizações, promoveu reuniões e debates específicos para essa discussão. A definição tradicional de morte clínica tornou-se inadequada a partir dos avanços da medicina, como a ressuscitação cardíaca, a circulação extracorpórea e os respiradores artificiais. Passou-se então a aceitar como conceito de morte o da morte encefálica (ME), inclusive com o respaldo da maior parte das autoridades civis e religiosas. Assim, em 1958, o papa Pio XII reconheceu que o pronunciamento sobre a morte é responsabilidade da medicina, e não da Igreja, declarando o seguinte: “concerne ao médico dar uma precisa e clara definição sobre morte e do momento em que ela ocorreu”. É interessante assinalar que alguns autores consideram a morte como um processo, e não como um evento, portanto, não pode ser determinada como ocorrendo em um momento definido; por isso, talvez determinada como ocorrendo em um momento definido. Assim, talvez seja mais correto definir critérios de que a morte ocorreu. O conceito vigente no Brasil, do ponto de vista legal, é o de morte encefálica, regulamentado pelo Conselho Federal de Medicina pela Resolução n. 1.346/1991. O documento básico para o SIM é a declaração de óbito. O modelo atual teve gradual evolução, desde os documentos antigos em via única, passando pelo modelo de duas vias, de 1934 – fruto do empenho do médico sanitarista Geraldo Horácio de Paula Souza –, quando uma via permanecia registrada em cartório e a outra seguia para os departamentos de estatística. Desde 1950, o Brasil adota o modelo usado internacionalmente, o que possibilita comparações entre países, além da troca de informações e críticas para o contínuo aperfeiçoamento.A partir de 1975, juntamente com a criação do SIM, o documento foi padronizado nacionalmente, substituindo os mais de quarenta tipos então em uso no país. No caso de perdas fetais, perdas fetais tardias (natimortos) e óbitos de menores de 1 ano, há um bloco específico na declaração para abrigar informações sobre a mãe, suas 80 Unidade II condições e condições do parto. Uma grande melhoria para o SIM foi a informatização ocorrida na década de 1990. Não apenas a qualidade do registro das informações foi muito beneficiada, mas, sobretudo, o registro eletrônico veio resolver outro entrave sério do sistema: a codificação da causa básica de morte. Essa codificação exige profissionais especialmente treinados, raramente disponíveis nas diversas secretarias municipais de saúde. Com o apoio contínuo do Centro Brasileiro de Classificação de Doenças (CBCD), órgão colaborador da OMS localizado na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, foi recentemente acoplado ao SIM um sistema informatizado de seleção da causa de óbito que permite o uso em todos os níveis do sistema de saúde. Todas as secretarias municipais de saúde, gradativamente, devem implantar e operar o novo sistema. O fluxo das informações obtidas com a declaração pode variar de estado para estado, mas a recomendação do Ministério da Saúde é que a primeira via do documento seja recolhida pelas secretarias de saúde (dos estados ou municípios) para processamento. As outras duas vias devem ser entregues aos familiares da pessoa falecida, para registro em cartórios de registro civil. O registro em cartório é obrigatório por lei, como visto no exame da Lei n. 6.015 de 1973, e necessário para o sepultamento (art. 77). Mesmo assim, um grande número de óbitos não é registrado, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste, podendo atingir até 20% do total de mortes nessas regiões. O processamento dos dados se dá nas secretarias estaduais, onde as causas básicas são codificadas e os dados passam por críticas de consistência. Das secretarias, as informações seguem para o Ministério da Saúde, que as reorganiza segundo o Estado de residência dos falecidos. O IBGE continua processando os dados do registro civil com base nas informações dos cartórios, e as informações sobre óbitos podem ser obtidas nas mesmas fontes citadas para as declarações de nascidos vivos. Secretaria de saúde Secretaria de saúde Cartório de registro civil Hospital Cartório de registro civil 1a via 1a via 2a via Óbitos hospitalares Óbitos domiciliares Preenche Encaminha Encaminha Família Encaminha Arquiva Emite Declara Família/ Declarante Devolve 3a via 3a via 3a via2 a via arquivada Figura 5 81 FUNDAMENTOS DE AÇÕES PREVENTIVAS EM SAÚDE Ao obter informações em sistemas locais ou municipais, deve-se estar atento a possíveis imprecisões, já que esses locais não fazem correções nos dados segundo a residência do falecido, o que é feito apenas em nível estadual ou no IBGE. 7.3 Classificação Internacional das Doenças: importância nas taxas de mortalidade 7.3.1 Mortalidade específica por causa As taxas específicas de mortalidade por causa são calculadas pela divisão do número de óbitos ocorridos por determinada causa e a população exposta, multiplicando-se o resultado por 100.000. Assim como as medidas de mortalidade geral e mortalidade infantil, as várias taxas de mortalidade por causas podem ser reveladoras das condições gerais de saúde da população. Para esse indicador, é importante que se conheça um pouco do instrumento de registro de óbitos e da causa de morte, a declaração de óbito (DO). No Brasil, a DO padronizada foi adotada em 1976 e implantada pelo Ministério da Saúde em todo o território nacional. Seus dados são coletados pelo SIM. A partir de 1996, o Brasil adotou a 10a Classificação Internacional das Doenças (CID). Então, quando se analisa a série histórica de óbitos para períodos que se iniciem antes de 1996, é necessário atentar para a comparabilidade entre a 9a e a 10a revisões da CID. Mudanças importantes foram feitas nos capítulos I, III e VIII da 9a revisão correspondentes aos capítulos I, IV e X da 10a revisão. Erros no preenchimento da causa básica do óbito na DO ainda existem e comprometem a qualidade dos dados de mortalidade por causas. Define-se como causa básica do óbito “a doença ou lesão que iniciou uma sucessão de eventos que levaram à morte ou, no caso de acidentes ou violências, as suas circunstâncias”; deve ser declarada na DO pelo médico assistente. Fontes e tipos de erros de preenchimento da DO incluem: diagnóstico clínico errado; diagnóstico erroneamente registrado; ausência de registro de causa básica. A proporção de óbitos em que a causa básica é classificada como “mal definida” é um dos indicadores da baixa qualidade do preenchimento da DO. Dados do SIM para 2005 revelam que 10,4% dos óbitos foram registrados com “causa mal definida”, que correspondem ao capítulo XVIII – Sintomas e achados anormais de exames clínicos e de laboratório não classificados em outra parte da 10a Revisão da CID e ao capítulo XVI – Sintomas, sinais e afecções mal definidas da 9a Revisão da CID. Notam-se grandes diferenças nessa proporção entre regiões brasileiras: Norte (17,7%), Nordeste (17,2%), Sudeste (8,1%), Sul (5,8%) e Centro-Oeste (5,2%). Essas diferenças revelam desigualdades nas condições de vida da população e na qualidade e disponibilidade da assistência à saúde (OPAS, 2008). 7.3.2 Coeficiente de mortalidade geral O coeficiente de mortalidade geral (CMG) diz pouco sobre a situação de saúde de uma população, uma vez que nele estão incluídos indivíduos de todas as idades e ambos os sexos e que vieram a falecer em razão de todas as causas de morte. Por isso, os coeficientes mais utilizados são os que especificam a causa da morte e/ou a idade e/ou o sexo do indivíduo e/ou outras características dos indivíduos que morreram. Esses dados são provenientes das declarações de óbito (DO), das quais a causa básica da morte é codificada a partir do declarado pelo médico atestante, o qual é obrigado por lei a fornecer o 82 Unidade II atestado seguindo determinação do Conselho Federal de Medicina. As causas declaradas nos atestados de óbito são codificadas segundo regras estabelecidas pela OMS, utilizando a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, atualmente na sua 10a Revisão (CID-10) (Tabela II). São também registradas as variáveis de tempo (ano do óbito), local (residência e ocorrência) e de características das pessoas (sexo, idade) (OPAS, 2008). Um dos coeficientes de mortalidade mais utilizados para traçar o perfil epidemiológico de uma população é o CME, segundo causa (ou grupos de causas de morte). Utilizando esse coeficiente, é possível saber, por exemplo, que as três principais causas de morte, entre as causas conhecidas da população geral no Brasil, são as doenças do aparelho circulatório, as neoplasias e as causas externas de morte. Para o aprofundamento do diagnóstico de saúde, os coeficientes de mortalidade específicos devem sempre ser analisados também segundo sua distribuição por sexo, idade e tendência temporal para a identificação de riscos diferenciados. 8 PRINCIPAIS ÍNDICES, PROPORÇÕES E COEFICIENTES RELACIONADOS AO NÍVEL DE SAÚDE DA POPULAÇÃO (GLOBAIS E ESPECÍFICOS) 8.1 Situação de saúde no mundo A OMS realiza as estatísticas mundiais de saúde anualmente com base em mais de cem indicadores de saúde relatados pelos 193 estados-membros da OMS e outras fontes confiáveis. Esses dados fornecem um quadro instantâneo da situação da saúde global e suas tendências. No entanto, informações de saúde rápidas e precisas são difíceis de serem obtidas em algumas partes do mundo, devido à precariedade
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