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Breve História do Urbanismo

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FERNANDO CHUECA GOITIA 
BREVE HIST6RIA 
DO URBANISMO 
EOOORIAL &j2) I PRESENCA 
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···, 
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----
FICHA TECNICA 
Titulo original: Breve Historia del Urbanismo 
Autor: Fernarulo Chueca Goitia 
©Copyright by Fernando Chueca Goitia e Editorial Presen~a,'Lisboa, 1982 
iradu~ao: ©Editorial Presen~a. Lisboa, 1982 
iradu~ao: Emflio Campos Lima 
Capa: Sector grajico de Editorial Presenfa 
lmpressao: Empresa Grdfica Feirense, Lda.- Sta. Maria da feira 
Acabamento: lmprensa Portuguesa- Porto 
t." edi~ao, Lisboa, 1982 
2. • edi~ao, Lisboa, 1989 
3." edi~!o, Lis boa, I ~2 
4." ediriio, Lisboa, 1 ~6 
Dep6sitoLegal n.0 51264/91 
Reservados todos os diicitos 
para a lingua ponuguesa i 
EDITORIAL PRESEN!;A, LOA. 
Rua Augusto Gil,.35-A- 1000 LISBOA 
1."• 
LIQA.O 1 
Jntrodu~. Tipos funda.menta.is de cidade 
0 estudo c1a cidade e um tema tao sugestivo como amplo 
e difuso; a sua abordagem por um s6 homem e impossivel 
se tivennos em conta a massa de conhecimentos que ele 
, teria de acumular. Pode-se estudar uma cidade sob urn nu-
mero de Angulos infinito. 0 da hist6ria: «a hist6ria universal 
e hist6ria de cidades)), disse Spengler; o da geografia: «a na-
tureza prepara o local e o homem organiza-o de maneira 
a satisfazer as suas necessidades e desejos», afirma Vidal 
de la Blache; o da economia: «em nenhuma civiliza98.0 a vida 
das ciclades se deserivolveu irtdependentemente do comercio 
e dil. indUstria>> (Pirenne); o da politics: a cidade, segundo 
Alist6teles, e urn certo nlimero de cidadaos; o da sociologia: 
«a cidade e a forma e o simbolo de. uma relac;ao social inte-
grada>> (Mumford); o da arte e arquitectura: «a grandeza 
da arquitectura esta ligada a da cidade, e a solidez das ins-
. tituic;oes costuma avaliar-se pela dos muros que as prate-
gem)) (Alberti). E nao sao estas as Unicas perspectivas pos-
siveis, porque a cidade, a mais compreensfvel das obras do 
homem, como disse Walt Whitman, engloba tudo, e nada do· 
que se ref ere ao hom em lhe e estranho. Nao devemos es- : 
quecer que a pr6pria vida se alberga no seu seio, ate ao •· 
ponto de nos. confundir e nos fazer crer que sao as cidades : 
que vivem e respiram. Tudo 0 que afecta 0 homem afecta: 
a cidade, e e por isso que, muitas vezes, o que ha de mais; 
recOndito e significativo numa cidade, ser-nos-a dito pelos; 
· poetas e novelistas. A grande novelfstica do seculo passado: 
teve quase sempre uma cidade como pano de fundo, e da 
7 
" 
~/ 
/ 
~ 
...... 
mesma maneira que as melhores descri96es do corpo e da 
alma de Paris sao devidas a Balzac, as de Madrid sao obra 
de Gald6s. Ao estudar as cidades, portanto, nao devem per-
der-se de vista as valiosas fontes que a literatura nos oferece. 
Assim, nao e possfvel obter colheita tao copiosa como 
a que o estudo das cidades oferece ao homem de cultura 
diligente. Poderemos, quando muito, apontar ideias, desbra-
var caminhos, colocar questoes, obter dados, etc., que tudo 
tera, fatalmente, muito de fragmentario, e por vezes de des-
conexo. 
A primeira dificuldade que encontramos consiste em 
definir o que e uma cidade. Ao querermos, a maneira clas-
sics, come9Qr por explicar qual eo projecto do nosso estudo, 
a d'livida espreita-nos por tras da primeira porta. Ja foi dado 
urn grande nUm.ero de defini96es, algumas das quais, mesmo 
que nao sejam contradit6rias, pelo menos nao tern nada que 
ver com outras igualmente respeitaveis. Nao se trata ·de erro, 
mas sim do facto de estas defini9()es· se referirem a conceitos 
de cidade inteiramente opostos ou a cidades que sao cons-
titutivamente diferentes. A polis grega nio tern nada que 
ver com a cidade medieval; uma vila . crista e uma medina 
mu9ulmana sao distintas uma da outra, -da mesma maneira 
que uma cidade-templo como Pequim e uma metr6pole co-
mercia! como Nova Iorque. 
Arist6teles disse que «uma cidade e urn certo n'limero 
de cidadios, pelo que devemos considerar a quem M que 
chamar cidada.os e quem e o cidadio ... » «Chamamos pois 
cidadio de uma cidade aquele que possui a faculdade de 
intervir nas fun96es deliberativa e judicial da mesma, e ci-
dade em geral. ao n'limero total destes cidada.os, bastante 
para as necessidades da vida»1 • Esta e uma defini98,o que 
corresponde a urn conceito politico da cidade, e que se adapta 
ao tipo de cidade-estado da Grecia. 0 Estado e a cidade, e 
a cidade e o Estado. 0 problema da cidade como tal trans-
lada-se para o problema .da situaQio ou estado politico dos 
seus habitantes, os cidadaos. 
Afonso o Sabio2 define a cidade como todo o lugar en-
cerrado por muralhas, com os arrabaldes e ediffcios que 
aquelas defendem. Trata-se da cidade medieval, que nao se 
concebe sem muros que a defendam da amea9Q exterior. 
1 Arist6teles, Polftica, Livro III, Cap. I. 
Lei 6.•, Titulo XXXIII, Partida 7.•. 
8 
Cantillon, no seculo XVIII, imagina a origem de uma 
cidade da seguinte maneira:· «Se urn principe ou urn senhor 
fixa a sua residencia num Iugar agradavel, e se outros se-
nhores af acorrem para se verem e conviverem em agrad8vel 
sociedade, este Iugar converter-se-a numa cidade8 >>. Temos 
aqui o conceito da cidade barroca, de caracter senhorial 
( Residenzstadt) e eminentemente consumidora, onde reina o 
luxo que, segundo Werner Sombart, esteve na origem das 
grandes Cidades do Ocidente, antes do come90 da era in-
dustrial. 
Para Ortega y Gasset4 , «a cidade e uma tentativa de 
secessio feita pelo homem para viver fora e frente ao cos-
mos, do qual aproveita porQoes escolhidas e delimitadas». 
Ortega y Gasset baseia a sua defini9io numa diferenciaQio 
radical entre cidade e natureza, considerando aquela como 
uma cria9ao abstracts e artificial do homem. Esta e apenas 
uma parte da verdade, ou pelo meno~ uma verdade aplicavel 
a determinado tipo de cidades. Para Ortega, a cidade por 
excelencia e a cidade cl8.ssica e mediterrwca, onde o ele-
mento fundamental e a praQB. «A urbe- diz ele- e, antes 
de mais, o seguinte: praceta, agora, local para conversa, dis-
cussao, eloquencia, polftica. Em rigor, a urbe classics nao 
devia ter casas, mas apenas as fachadas necessapas para 
delimitar uma praQa, cena artificial que o animal politico 
retira ao espa90 agrfcola)>6 • «A cidade classics nasce de urn 
instinto oposto ao domestico. Edifica-se a casa para se estar 
nela; funda-se a cidade para se sair de casa e reunir-se com 
outros que tambem sairam de suas casas>>6 • 
Ortega, portanto, move-se dentro da 6rbita da cidade 
classica, isto e, da cidade politics. A cidade onde se conversa 
e onde os contactos primarios pred.ominam sobre os secun-
dSrios. A agorae a grande sala de reuniao e sede da tert'lilia 
da cidade que, em sentido lato, e a tert'lilia polftica. Nao 
podem restar d11vidas sobre o facto de este tipo de cidade 
loquaz, conversadora, ter .tido muito a ver com o desenvol-
vimento da vida citadina, e com o facto de, na medida em 
• Cantillon, Essai sur la nature du commerce. Apud Werner 
Sombart, Lujo 11 capttalismo, Rev. de Ocidente, Madrid, 1928, p. 65. 
• Obra.s completas, II, p. 408. 
:~ 0. C., II, p. 537. 
e 0. C., II, p. 323. 
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que diminui esta loquacidade, declinar o exercfcio da cida-
dania. E por isso que as cidades da civiliza98,o· anglo-sax6nica, 
cidades caladas ou reservadas, ~m em vida domestica o que 
lhes falta em vida civil. Esta distinc:;8.o entre cidades domes-
ticas ·e cidades publicas e mais profunda do que parece e nao 
foi suficientemente desenvolvida pelos que se tern dedicado 
ao estudo da cidade. Uma e cidade de dentro de portas e 
outra e cidade de fora de portas. Ainda que parec;a paradoxa! 
a primeira vista, a cidade exteriorizada esta muito mais em 
oposic;ao que a cidade interiorizada. A questao e 6bvia: para 
os vizinhos da primeira, o verdadeiro habitat e o exterior, 
a rua e a prac;a, que, embora nao tenha tecto, tern paredes 
(fachanas) que a segregam do campo circundante. Nao obs-
tante, a cidade intima tern o seu habitat na casa, defendidapor tectos e paredes. Nao tern necessidade de segregar-se 
do campo, ja que este, no fundo, e isolador e contribui po-
derosamente para a intimidade. Por conseguinte, a cidade 
das fachadas e muito mais urbana, se entendermos assim 
urna entidade 6posta ao campo, do que a cidade de interiores. 
Compreende-se perfeitamente, portanto, que, para o homem 
latinizado e mediterra.nico, o essencial e definitive da cidade 
seja a prac;a e o que esta significa, a tal ponto que, quando 
esta falta, nao entende que se possa chamar cidade a uma tal 
aglomerac;ao urbana. 
Foi o que a mim proprio sucedeu quando me .encontrei 
com a civilizac;ao e a vida americanas. Tornado por urn certo 
espanto, escrevi o seguinte: «Entao, nurn esforc;o para des-
prender-me de tudo o que conhecia, e ja sem vacilar ao en-
frentar os factos em todo o seu radicalismo, atrevi-me a pro-
par a mim proprio urna verdade que pode ser subjectiva 
- tambem ha verdades subjectivas- mas que, para mim, 
continua a ser valida. A verdade e simplesmente a seguinte: 
encontrava-me perante uma civilizac;ao sem cidades» 7 • Encon-
trando-se na America as aglomerac;oes hurnanas mais gigan-
tescas, isto podia parecer uma boutade; mas nao 0 sera sem-
pre que identifiquemos o conceito de cidade com o de vida 
exteriorizada e civil. 
Sera dificil, para os anglo-saxoes, aceitarem a ideia de 
que lhes faltam cidades no sentido da civitas latina ou da 
polis grega. Pode dizer-se, quando muito, que possuem towns, 
\ ,__.:'._. 
" F. Chueca, Nueva York, Forma y Sociedad, Madrid, 1953, p. 12. 
" 
•' 
I ',o,!j 
~~· \'t~~ ... ,~. \« ·~; " ·~ ~~. -
palavra que provem do ingles antigo tun e do antigo teu-
t6nico tunoz, que significa recinto fechado, parte do campo 
que corresponde a uma casa ou a uma granja. Nao se trata 
portanto de urn conceito politico, mas sim de urn conceito 
agrario. 
Os Estados Unidos nao tern cidades como n6s as enten-
demos, embora existam aglomerac;oes humanas, concentra-
<,;oes industriais, regioes suburbanas, conurbac;oes, etc. 
A este respeito, e sintomatica a formac;ao dos povoados 
na Nova Inglaterra. No meio do campo, as casas. isoladas 
comec;am a apinhar-se, nunca demasiado, e desde o inicio 
sem se tocarem nem perderem a sua autonomia; contudo, 
quando chegam ao centro, deixam urn grande espac;o vazio, 
chamado common. Este common nao e, nem pouco mais 
ou menos, uma prac;a, urna agora, mas sim uma parte do cam-
po especialmente preservada. Como seas casas, ao unirem-se, 
sentissem a nostalgia do campo deixado para tras e voltassem 
a recupera-lo na parte de maior importimcia valorizando-o, 
exaltando-o. Em vez de uma secessao do cosmos, trata-se de 
uma valorizac;ao da paisagem, enquadrando-a conveniente-
mente. Na pradaria do common pastam os rebanhos e ru-
minam os bovinos por baixo de olmos gigantescos e muito 
belos. A cidade domestica e calada e uma cidade eminente-
mente urbana. 
Entre a cidade domestica e a cidade civil fica flutuando 
a cidade islamica, dificilmente referenchi.vel a esta polaridade. 
Em nosso en tender, a chave esta nos versiculos 4 e 5 do ca-
pitulo XLIX do Corao, chamado «0 Santuario»: «0 interior 
da tua casa - disse Maome - e urn santuario: os que o vio-
lem chamando-te quando estas la dentro, faltam ao respeito 
que devem ao interprete do ceu. Devem esperar que saias 
dali: exige-o a decencia.» 
0 muc;ulmano leva ate ao extrema a defesa da sua vida 
privada, mas nao esta na sua natureza permanecer muito 
tempo no carcere que preparou para si pr6prio, e a sua vida 
reparte-se entre o harem e a vida de relac;ao. Nao se pode 
falar, portanto, de uma plena vida domestica, ja que esta se 
acha constitutivamente dividida. Tao pouco se pode dizer que 
a vida publica domine, como na cidade classica, visto que 
existe a vida de harem. Este facto, acrescentado a importan-
cia que o factor religioso tern no Islao, acaba por dar a cidade 
uma fisionomia especial. 
11 
._/: 
A vida de harem condiciona a organizac;ao da casa mu-
c;ulmana, concebida como urn recinto hermeticamente fechado 
ao exterior e, o que e mais,. completamente disfarc;ado. Va-
gueando pelas tortuosas ruelas arabes, cheias de cotovelos 
e corredores, nunca se sabe se bordejamos os muros de urn 
grande palacio ou a casa miseravel onde se amontoam os 
deserdados. Tudo esta de tal maneira imbricado, revolvido 
e confuso que a camuflagem e perfeita. Uma vida totalmente 
reclusa, sem qualquer aspecto exterior, da Iugar a uma dificil 
cidade sem fachadas, qualquer coisa completamente oposta 
a cidade classica, onde o cenario e a fachada erarn o prin-
cipal. Uma tal situac;ao tinha de levar fatalmente a organizar 
a vida domestica a volta do patio. Os arabes tomaram este 
elemento do mundo helenistico, mas transformaram-no, adap-
tando-o as suas exigencia vitais. Com o peristilo dos helenos 
e o jardim encerrado entre taipais, de tradic;ao iraniana, 
constituiram a casa que desejavam, dentro da qual podiam 
gozar as delicias da vida ao ar livre dentro de urn espac;o 
estritamente privado. Pode dizer-se que a rua nao existe na 
cidade muc;ulmana, vist9 que se trata de apagar a exterioriza-
c;ao da vivenda - fachada - que e aquila em que consiste a 
razao de ser da rua. 0 povoado de Nova Inglaterra nao tinha 
ruas porque estas, alem do mais, eram caminhos pelo meio 
do campo e das casas dispersas. As medinas muc;ulmanas 
tambem nao as tern porque se convertem em inverosimeis 
corredores entre muros que dificilmente abrem caminho 
atraves de uma complexa e compacta edificac;ao imbricada. 
0 patio, como desafogo, tern muito mais importancia que 
a rua. 
Na cidade islamica tao pouco existe a prac;a como ele-
mento de relac;ao publica. A func;ao da prac;a e exercida tam-
bern por urn patio, neste caso pelo patio da mesquita. Mas 
como nao se trata agora de politica, mas sim de religiao, 
a sua func;ao na vida social e muito diferente. Nao estamos 
perante uma agora para a discussao e exercicio da dia-
Iectica, mas sim perante urn espac;o para meditac;ao reli-
giosa, e para uma passiva deleitac;ao do tempo que flui. Por 
isso, em vez da prac;a como entidade urbana aberta, os mu-
c;ulmanos, inclusivamente para a vida em comum, continuam 
a preferir o patio, onde voltam a encontrar-se fechados, «pri-
vados», numa atitude a que poderfamos chamar extatico-re-
ligiosa. 0 tinico elemento da cidade que adquire vida e que 
esta dominado pelo bulicio humano e o mercado, alcac;aria 
12 
ou bazar. Mas is to obedece ja a uma necessidade puramente 
funcional, insofismavel. 
A cidade muc;ulmana esta baseada na vida privada e no 
sentido religiose da existencia, e daqui nasce a sua fisionomia. 
Nao pode por isso confundir-se com a cidade publica nem 
tao pouco com a cidade domestics. 
Segundo Ernst Egli, os elementos estruturais que cons-
tituem a cidade sao: a casa, a rua, a prac;a, os ediffcios pti.-
blicos e os limites que a definem dentro da sua Iocalizac;ao 
no espac;o. De tal modo que, numa cidade, todos estes ele-
mentos obedecem a necessidades profundas da comunidade, 
a circunstancias espirituais de toda a ordem, e a condic;oes 
surgidas do meio fisico, clima e paisagem. Todos estes ele-
mentos (casa, rua, prac;a, monumentos, limites) obedecem a 
uma concepc;ao unitaria e, assim, nao pode existir uma rua 
muc;ulmana com casas g6ticas, nero uma catedral junto a 
uma agora classica, nem qualquer outra combinac;ao de ele-
mentos heterogeneos. Cada estrutura urbana e essencialmente 
unitaria. Diz Egli que a ideia fundamental de uma cidade 
esta implicita na ideia da casa individual dessa cidade8 • Obser-
vac;ao bastante aguda que se manifests de imediato, com 
clara evidencia, na cidade muc;ulmana. 
Isto nao quer dizer que uma cidade seja apenas urn 
conjunto de casas, o que seria uma visao excessivamente 
simplista do fen6meno urbana.- Existem casas no campo, 
dispersas ou em grupo, como nas granja.s e hortos, sem, no 
entanto, constituirem cidades. A cidade, por conseguinte, e 
outra coisa; uma determinada organizac;ao funcional que cris-taliza em estruturas materiais. Mas isto nao exclui f.!Ue urn 
dos elementos determinantes dessa cristalizac;ao seja a casa, 
em relacionamento com os outros factores determinantes. 
A formula da cidade muc;ulmana e a organizac;ao de 
dentro para fora ( da casa para a rua, por assim dizer), 
quando na cidade ocidental o que se generalizou foi o con· 
trario: a partir da rua previamente trac;ada, com ou sem 
plano, as casas foram ocupando o seu Iugar e conformando-se 
com a lei distributiva. Na cidade muc;ulmana foi a casa que 
prevaleceu e que obrigou a rua a acomodar-se, urn pouco 
sub-repticiarnente, por entre os c6ncavos que as casas lhe 
8 Ernst Egli, Climate and Two Districts, Consequences and De-
mands, Zurique, 1951, p. 18. 
13 
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1 
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deixavam. Daqui que as ruas se tenham tornado tortuosas, 
labirinticas e inverosimeis. 
Esta e uma atitude mais imediata e biol6gica do que a 
da cidade europeia, classica ou moderna. A casa significa 
o primado da necessidade individual, e a rua pressupoe que 
urn imperativo superior, que e a exigencia da coisa publica, 
prevalec;a sobre a casa. A rua representa a ordem ou lei geral 
a que se submete o capricho ou a vontade individual. Este 
imperativo superior faltou nas cidades isHimicas, por per· 
tencerem a uma sociedade primitiva e imperfeita, onde a 
noc;ao abstracta do bern comum nao esta desenvolvida. 0 in-
dividuo nao tern deveres para com a sociedade, e so se sente 
ligado aos poderes ultraterrenos. Sociedade e politica estao 
asfixiadas pela religiao. ·. 
Em grande medida, na cidade espanhola transparece 
uma intei1Qa·o de conciliar a urbe latina, loquaz e dialectica, 
como hermetismo, como harem da sociedade islamica. A vida 
do espanhol, sob este aspecto, e, no entanto, mais dividida 
que a do mus;;ulmano. A mulher fica em casa, com uma re-
duzidissima vida de relac;ao, e o homem vai para a rua e 
para a prac;a, participar numa vida publica mais intensa que 
a do muc;ulmano. A mulher conforma-se com olhar para a 
rua, das paredes espessas com grandes gradeamentos fecha-
dos e gelosias. E a replica crista qo aximez muc;ulmano. Para 
alargar o horizonte destes furtivos· miradouros, veem-se ainda, 
em muitas povoac;oes da Andaluzia, frestas abertas nos muros 
das fachadas, por onde o olhar pode espraiar-se ate mais 
longe. 
Durante a epoca barroca, a Espanha deu forma a uma 
cidade tipica, a que noutro trabalho chamamos cidade-con-
vento. Naturalmente que outras cidades europeias tiveram 
muitos conventos dentro das suas muralhas enos arrabaldes, 
mas nao passaram de cidades com conventos, enquanto as 
nossas acabaram por ser, em alguns casos, conventos que se 
tornaram cidades. Esta estrutura peculiar, representativa da 
Espanha cat61ica sob a Casa de Austria, e, por paradoxa! que 
parec;a, resultado directo e certamente bern evidente da mor-
fologia peculiar da cidade muc;ulmana. Este e mais urn exem-
plo que encontramos de como a nossa religiosidade adoptou 
muitas vezes moldes islamicos. 
Muitos conventos espanhois foram fundados na senda 
da Reconquista, em cidades hispano-muc;ulmanas, e se e ver-
dade que as igrejas foram geralmente (nem sempre) cons-
14 
truidas a partir de novas plantas, os edificios da vida mo-
nastica resultaram do acto de encerrar, dentro de altos muros, 
casas, palacios, ruelas e passagens estreitas, formando assim 
blocos enormes e irregulares que tudo absorviam0 • Deste mo-
do se preservavam e protegiam, com os novos conventos, 
sectores importantes das antigas cidades islamicas, que se 
mantinham fixados para sempre no tempo im6vel, suspenso 
para alem dos muros. 0 «privado» caracteristico do modo 
de vida mu<;ulmano tinha-se refugiado na mais privada das 
sociedades cristas: a clausura. Toledo, no entanto, esta cheia 
de conventos cujas rec6nditas clausuras, patios escondidos 
e estancias refrescadas por repuxos dizem muitas coisas 
acerca da vida intima do mouro. 
Nas civilizac;oes que nos dizem respeito mais de perto 
vemos, portanto, constituidos tres tipos de cidades: a) a 
cidade publica do mundo classico, a civitas romana, a cidade 
por antonomasia; b) a cidade domestica e campesina da ci-
vilizac;ao nordica, e c) a cidade privada e religiosa do Islao. 
E muito dificil, portanto, resumir numa linica definic;ao coi-
sas tao diferentes, e nao e de estranhar que varios autores · 
pare<;am contradizer-se quando o que acontece, na realidade, 
e que predomina, em cada urn deles, uma determinada pers-· 
pectiva. 
Se nao e o caracter da vida publica que pode definir 
uma cidade, visto haver algumas que o nao tern, temos que 
pensar num conceito mais amplo que engloba estas especies 
diferentes. 
Segundo Spengler, «o que distingue a cidade da aldeia 
nao e a extensao, nem o tamanho, mas a presen<;a de uma 
alma da cidade ... » «0 verdadeiro milagre acontece quando 
nasce a alma de uma cidade. Subitamente, sobre a espiritua-
lidade geral da cultura, destaca-se a alma da cidade como 
uma alma colectiva de nova especie cujos fundamentos ul-
timos permanecerao para nos envoltos em eterno misterio. 
E, uma vez desperta, forma-se urn corpo visivel. A colec<;ao 
de casas aldea, cada uma com a sua propria historia, con-
verte-se num todo conjugado. E este conjunto vive, respira, 
cresce, adquire urn rosto peculiar, uma forma e uma his to ria 
internas. A partir deste momento, alem da casa particular, 
v L. Torres Balbas, «Las ciudades musulmanas y su organi-
zacionn, Revista del Instituto de Estudios de Administraci6n Local, 
n.• 6, 1942. 
15 
/ 
do templo, da catedral e do palacio, a imagem urbana na 
sua unidade constitui o objecto de um idioma de formas e 
de uma hist6ria estilistica que acompanha no seu curso todo 
o ciclo vital de uma cultura»10 • 
Na realidade, para uma mente germanica como a de 
Spengler, a alma, ou, se se quiser, o espirito, substitui a dia-
Iectica da cidade classica. 0 Geist em vez do Logos, como 
urna categoria mais ampla, mais compreensiva, que o possa 
abarcar. 
«Ha aglomera~oes humanas muito consideraveis - con-
tinua Spengler - que nao constituem uma cidade; elas exis-
tem nao s6 em regioes priniitivas como as do interior da 
Africa actual, mas tambem na China posterior, na india e 
em todas as regioes industrials da Europa e da America 
modernas.. -sao centros de uma regiao, mas nao formam, in-
teriormente, mundos completos. Nao tern alma. Toda a po-
pula~ao primitiva vive na aldeia e no campo. Nao existe para 
ela a essencia denominada 'cidade'. Exteriormente havera, 
sem dllvida, agrupamentos que se distinguem da aldeia; po-
rem, tais agrupamentos nao sao cidades, mas sim mercados, 
pontos de reuniao para os interesses rurais, centros onde nao 
se pode dizer que se vive uma vida peculiar e pr6pria. Os habi-
tantes de urn mercado, mesmo que sejam artesaos ou mer-
cadores, continuam vivendo e pensando como aldeaos. :E: ne-
cessaria compenetrarmo-nos bern do sentimento especial que 
denota o facto de uma aldeia egipcia primitiva- pequeno 
ponto no meio do campo imenso - se converter em cidade. 
Esta cidade pode nao ter nada, talvez, que a distinga e:x;te-
riormente; mas espiritualmente e o local de onde o homem 
contempla agora o campo como um arredor, como algo dis-
tante e subordinado. A partir deste instante, ha duas vidas: 
a vida dentro e a vida fora da cidade, e o aldeao sente-o com 
a mesma clareza que o cidadao. 0 ferreiro da aldeia e o da 
cidade, o alcaide da aldeia eo burgomestre da cidade, vivem 
em mundos diferentes. 0 aldeao e o cidadao sao seres dis-
tintos. Come~am por sentir a diferen~a que os separa, em 
seguida sao dominados por ela, e acabam por n·ao se com-
preender urn ao outro. Urn aldeao do Noroeste da Alemanha 
e outro da Sicilia estao hoje mais pr6ximos urn do outro 
10 Spengler, La decadencia de Occidente, Vol. III, p. 131 da tra· 
duQao espanhola. 
16 
que o aldeao do Noroeste e um berlinense. Sob este ponto de 
vista existem verdadeiras cidades. E e este ponto de vista 
que, com a maior evidencia, serve de fundamento a cons-ciencia esclarecida de todas as culturas»11 • 
Ficamos, assim, com o problema das cidades sem alma, 
que, na verdade, e urn problema grave. Ja o tinhamos assi-
nalado ao falarmos da nossa surpresa quando vimos certas 
aglomera~oes norte-americanas as quais resistimos a dar a 
categoria de cidades, nao obstante o seu enorme volume e 
a sua popula~ao. De facto, continua a representar para n6s 
um esfor~o dificil outorgar-lhes este titulo honroso, o que, 
no <.ntanto, nao nos exime de termos que as enfrentar pois 
constituem um dos fen6menos-chave da nossa civiliza~ao 
actual. 
Salvo casos especiais, ou que provem de outras culturas 
distintas da ocidental, a cidade sem alma coincide com a· 
cidade a que a revolu~ao industrial deu origem. 0 novo com-
plexo urbano consta, segundo Lewis Mumford, de dois ele-
mentos fundamentals: a fabrica e o slum. Sao eles que, por 
si, constituem o que, impropriamente, se tern chamado ci-
dade. Uma palavra que, neste caso, nao significa mais do que 
urn amontoamento de gente num Iugar que pode ser desig-
nado por um nome pr6prio para efeitos de correspondencia. 
Estas aglomera~oes urbanas, como tern acontecido, podem 
aurnentar ~ais de cern vezes sem adquirir a mais 'Ieve das 
institui~oes que caracterizam uma cidade no sentido socio-
16gico. Isto e, segundo Mumford, um lugar onde se condensa 
a tradigao social e onde as possibilidades de constante inter· 
cambio de interaccao elevam as actividades humanas a urn 
alto potenciaP2 • 
Em Espanha, dado o nosso atraso industrial, nao co-
nhecemos, nem a conheceremos ja, a tipica cidade «paleo-
tecnica». 0 nosso atraso tera pelo menos essa vantagem. 
Com este vocabulo expressivo de «paleotecnica», designa 
Mumford a primeira era tecnica, com todo o seu ca6tico e 
brutal desenvolvimento, que nao teve outra lei nem outro 
controlo alem da livre concorrencia e do laissez faire dos 
utilitaristas. Esta era paleotecnica deu Iugar as cidades mais 
u Spengler, op. cit. III, 131 e 132. 
12 I.ewis Mumford, The Insensate Industrial Town. Apud. Paul 
K. Halle Albert J. Reiss, Reader in <<Urban Sociology,, The Free Press, 
Glencoe, Ilin6is, 1951, p. 82. 
17 
I: 
L. 
insensatas e sem alma que os homens puseram de pe, e, o 
que e mais grave, reputadas como simbolo do progresso. 
Bern disse o escritor americana que a fabrica e o slum eram 
as suas duas componentes essenciais e, por assim dizer, lini-
cas. Ja nao temos nem a praca, nem o common, nem a ca-
tedral, nem o castelo, nem o palacio barroco, nem sequer o 
mercado, como elementos significativos e que elevam o papel 
da cidade a urn plano espiritual. Tudo e dominado pela lei 
aspera da producao e do beneficia econ6mico. 
Quanta a morfologia, a cidade da era tecnica adopta a 
arida quadricula. 0 que representou na G:-ecia urn triunfo 
do racionalismo, em Roma do espirito pratico e militar, e 
na America do Sui de urna colonizacao hierarquica, conver-
teu-se, no seculo XIX, no instrumento dos especuladores de 
terrenos. Gracas a quadricula, o aproveitamento dos terrenos 
era maximo, . e a importancia igual das ruas fazia com que 
todos fossem igualmente valiosos. Todas as operacoes de 
cal~ulo de rendimentos, de compra-venda, etc. ficavam ex-
traordinariament~ facilitadas. Nao era ja a quadricula dos 
ide6logos nem dos colonizadores, mas sim a dos traficantes 
de solos. 
A fabrica, alem do rnais, implantava-se nos lugares mais 
amenos e com maiores recursos naturais, como o curso dos 
rios e as costas maritimas para facilitarem as comunicacoes .. 
As belas ribeiras novaiorquinas e o esplendor natural da sua 
bafa sao precisamente as faixas espoliadas pelas exigencias 
da tecnica, com o seu corolario de fumos e detritos que s6 
por rnilagre nao atingiram zonas como o Riverside Drive. 
Se Paris tivesse sido fundada em. plena era paleotecnica, nao 
terfamos agora os famosos quais, orgulho e prazer desta 
cidade. 
0 outro componente da cidade paleotecnica e o slum. 
Esta palavra nao tern traducao em portugues, ainda que pu-
dessemos obte-la equiparando-a a suburbia industrial. 0 slum 
e a horrfvel colmeia arregimentada onde o instrurnento· 
homem e conservado durante a noite, para voltar a ser uti-
lizado no dia seguinte, na fabrica. A cidade nao existe, par-
tanto, em nenhum dos seus aspectos espirituais, sociais ou 
domesticos, mas e simplesmente uma maquina de producao. 
A cidade paljaotecnica pura nao existe, embora Bir-
mingham, Bradford, Pittsburg ou Detroit estejam muito pr6-
ximas disso. 0 que existe, em contrapartida, e a cidade mista 
onde as estruturas industriais substituem cada vez mais a 
18 
area espiritual e fisica. Estas estruturas sao a fabrica, com 
a sua rede de comunicacc5es maritimas, fluviais, ferroviarias, 
que ocupam urn espaco imenso, eo slum, com as suas casas 
iguais e mon6tonas, estritamente calculadas com base no 
rendimento econ6mico do trabalhador; e ainda o arranha-
-ceus, produto tipico da economia capitalista. 
Nesta cidade paleotecnica, e igualmente na neotecnica, 
segundo urn processo ecol6gico natural, as classes privilt'l· 
giadas fogem das. zonas invadidas pela industria e pelo co-
mercia, e vao fixar-se numa periferia cada vez mais afastada, 
no meio de urn ambiente campestre, onde o ceu esta limpo 
e o furno das fabricas e substituido por urn fumo poetico 
de nuvens. Corn o objectivo de compensar esta desagregacao 
e de vitalizar espiritualmente o centro das cidades, absorvido 
pelos escrit6rios e que nos repele quando estes fecham, ten-
ta-se a formacao de centros civicos que renovem a antiga 
funcao da agora: com edificios representativos, culturais, de 
espairecirnento, num ambiente harm6nico, dignificado pela 
arquitectura; tudo com o objective de galvanizar uma vida 
citadiria que se dissolva insensivelmente. 
Observa-se nesta tendencia uma evolucao crescente. 
0 ultimo congresso do C.I.A.M. (Congresso Internacional de 
Arquitectura Moderna) foi dedicadQ. ao estudo do centro 
civico das cidades, e deu Iugar a uma' publicacao com o ti-
tulo The core (centro, coracao) of the city, traduzido em 
espanhol par El coraz6n de la ciudad (o coracao da cidade). 
Diz-se, no trabalho que lhe serve de introdugao e e da autoria 
de Jose Luis Sert: «0 estudo do coracao da cidade, e em 
geral dos centros de vida comunitaria, aparece-nos actual-
mente como oportuno e necessaria. As nossas investigacoes 
analiticas demonstram que as zonas centrais das cidades sao 
regueiros estereis, e aquila que urn dia constituiu o coracao, 
o nucleo das velhas cidades, esta hoje desintegrado ... » «Sern 
deixar de reconhecer as enormes vantagens e possibilidades 
dos novas meios de telecomunicoes (radio, cinema, televisao, 
imprensa, etc.) continuamos pensando que os Iocais de reu-
niao publica, como pracas, passeios, cafes, casinos populares, 
etc., onde as pessoas podem encontrar-se livremente, apertar 
as maos e escolher o tema de conversa que lhes agrade, nao 
sao coisas do passado e, ainda que devidamente adaptadas 
19 
\ '• 
as exig6ncias de hoje, devem ter o seu lugar nas nossas 
cidadeS»13 • 
Esta tendencia evidencia a existencia de uma vigorosa 
campanha para reconstruir os 6rgaos publicos de uma cidade 
- numa palavra, a agora- que foram, durante urn certo 
tempo, menosprezados por uma civiliza<;ao orgulhosamente 
utilitaria, mas que a experiencia reclama agora como essen-
ciais para a vida humana, sobretudo para a vida de comuni-
dade que a cidade representa. Se essa campanha desse os 
seus frutos e se materializasse em estruturas fisicas, poderia 
considerar-se a cidade «paleotecnica», sem alma nem «co-
ra<;ao», como urn fen6meno transit6rio, resultante de urn 
estado de provisoriedade, impossivel portanto de fixar-se 
como forma duradoura. Continuariam a prevalecer, como 
tipos. hist.oricamente consagrados, a polis grega e a sua 
herdeira ·civitas romana, a town anglo-germanica e a medina 
mu<;ulrnana; mas a cidade ocidental moderna, filha do desen-
volvimel)to tecnol6gico, seria considerada ate este momenta 
como qualquer coisa abortivae frustrada. A nossa epoca 
come<;a a reclamar a agora imediatamente. Conseguira incor-
pora-la dentro de uma estrutura original e dara origem a urn 
novo tipo de cidade que represente o mundo ocidental 
moderno? 
Para ja, digamos apenas que a cidade moderna e urn 
conglomerado em que perduram velhas estrutras hist6ricas 
e antigas formas de vida juntamente com as novas, do ca-
pitalismo e da tecnica. Depende do que tenha sido mais forte 
em cada cidade, segundo a sua evolu<;ao peculiar, que o ca-
racter respectivo varie de uma para outra. Que duvidas podem 
restar de que Paris seja urn centro industrial? A tradi<;ao, 
no entanto, e tao forte neste caso que a «celoma» da cidade 
tern muitas possibilidades de perdurar muito tempo em vir-
tude da sua grande capacidade de resistencia. Outras cidades 
mais debeis resistem pior aos impulsos da novidade e de-
sintegram-se mais facilmente. 
0 que caracteriza a cidade contemporanea e precisa-
mente isso, a sua desintegra<;ao. Nao e uma cidade publica 
a rnaneira classica, nao e uma cidade camponesa e domes-
tica, nao e uma cidade integrada por uma for<;~ espiritual. 
1a C.I.A.M., El coraz6n de la ciudad. Hoepli, S.L., Barcelona, 
1955, pp. 4 e 5. 
20 
E uma cidade fragmentaria, ca6tica, dispersa, a que ~ta 
uma figura propria. :E constituida por areas indescritiv.el·, 
mente congestionadas, com zonas diluidas pelo campo clr-: 
cundante. A vida de rela<;Ao nao pode existir, numas por 
asfixia e noutras por dispersao. 
0 homem, na sua vida diaria, sofre estimulos tao con-
- traditorios que ele proprio, a semelhan<;a da cidade ·que habi· 
ta, acaba por se encontrar totalmente desintegrado. 
21 
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LIQAO 2 
A cidade, arquivo da histOria 
Na introduc;ao a este pequeno livro, ao mesmo tempo 
que se caracterizavam alguns tipos fundamentals de cidade, 
articulavam-se esses tipos dentro de urn processo hist6rico 
que e essencial estudar para compreender o que a cidade foi, 
e e pode chegar a ser. Tomemos urn exemplo: a cidade me-
dieval aparece-nos a todos como uma cidade murada. Isto 
pode parecer urn facto fisico acidental, mas a verdade pro- .. 
funda e que se trata de urn fen6meno condicionante do maior 
alcance. A cidade, na Idade Media, surge como uma orga-
nizac;ao comunal. Uma das muitas causas que influiram, 
precisamente, no nascimento das cQmunidades foi a neces-
sidade de organizar urn sistema de contribuic;oes voluntarias 
para fazer face as obras prementes de construc;ao e conser-
vac;ao das muralhas. Max Weber1 estudou a repercussao das 
muralhas, ou, num sentido mais amplo, da cidade entendida 
como fortaleza e sua guarnic;ao, na regulamentac;ao adminis-
trativa da propriedade imobiliaria, nitidamente burguesa. 
0 estatuto juridico da casa e da terra que os burgueses pos-
suiam era determinado pela obrigac;ao de vigiar e defender 
a fortaleza. A cidade defendia nao s6 os seus pr6prios habi; 
tantes, mas constituia tambem, geralmente, refugio para aS 
gentes e gados dos campos circunvizinhos. Era frequente, 
por isso, as cercas terem uma extensao muito maior do que 
a necessaria para proteger a superficie edificada. Estas zonas 
1 Max Weber, Economia y sociedad, III, pp. 226·227, Fundo de 
CUltura Econ6mica, Mexico, 1963. 
23 
! 
vazias costumavam servir para guardar os gados e apetre-
chos quando a guerra assolava a regiao ou quando a insegu-
ranc;a o aconselhava. Ao inves, muitos senhores e concelhos 
proibiam repetidamente que as propriedades im6veis situadas 
dentro das cercas passassem para as maos das igrejas, ordens 
monasticas ou das gentes isentas de tributac;ao, para nao 
diminuir as receitas dos concelhos nem os direitos reais. 
Encontram-se disposic;oes neste sentido, num grande mlmero 
de foros espanh6is2 • Em resumo, como dizia Max Weber, 
a propriedade imobiliaria burguesa era regida por urna regu-
lamentac;ao especial que caracteriza a comuna medieval. 
No ano de 1465, Henrique IV de Castela concedeu de-
terminadas franquias aos moradores de Madrid, quer fossem 
mouros, cristaos ou judeus, obrigando-os porem a nao sairem 
para fora das suas muralhas, «nao saiam para beber nem 
morar fora dos arrabaldes», e a que, se saissem, fossem mul-
tados cada. urn com dais mil maravedis para reparac;ao dos 
muros e da cerca da dita cidade. Os madrilenos tinham obri-
gac;ao de velar e guardar o Alcacer, e como parece que havia 
muitos que se escapavam de faze-lo, os poucos que cum-
priam queixaram-se ao rei, em 1473, dizendo que a sobre-
carga era muito fatigante, e que, se as coisas continuassem 
assim, a cidade se despovoarias. 
A necessidade destas muralhas, que caracterizavam a 
cidade medieval, foi em muitos casas origem das financ;as 
municipais. 0 que comec;ou por ser urna contribuic;§.o vo-
luntaria, adquiriu rapidamente caracter obrigat6rio, tornan-
do-se extensiva nao s6 a fortificac;ao mas tambem a outras 
obras comuns, como a manutenc;ao das vias publicas. Quem 
nao se submetia a esta contribuic;ao era expulso da cidade 
e perdia os seus direitos. A cidade, por conseguinte, acabou 
por adquirir uma personalidade legal que estava acima dos 
seus membros. Era uma comuna com personalidade juridica 
pr6pria e independente. Esta personalidade juridica outorga 
a cidade urn clima de isenc;ao de direitos e de privilegio; 
de liberdade, no meio do mundo rural circundante, muito 
mais submetido. Diz urn proverbio alemao que o ar das ci-
2 Veja-se: Resumen hist6rico del urbanismo en Espana, Madrid, 
1954, p. 78. 
a Timoteo Domingo Palacio, Documentos del Archtvo General 
de la Villa de Madrid, t. III, Madrid, 1907, pp. 166-208. 
24 
dades e livre e torna OS homens livres: Die Stadtl'ijjt macht 
trei. Desde entao, a cidade conservou sempre esse clima livre· 
e independente que constitui urn dos aliciantes que atraii"am 
o homem para ela. Hoje, ja nao e porque existam estatutos 
juridicos diferentes para o burgues e para o campones, mas 
sim por outras razoes que tern a ver com a variedade, re-
cursos, possibilidades que a cidade oferece. A liberdade, ao 
fim e ao cabo, aumenta na razao directa destas possibili-
dades. Na cidade de hoje nao existe uma diferen<;a de status 
juridico, mas sim de status social. 
Estas e outras circunsta.ncias, sobretudo de origem eco-
n6mica, fizeram com que Henri Pirenne definisse a cidade 
medieval como «wna comuna comercial e industrial que habi-
tava dentro de urn recinto fortificado, gozando de uma lei, 
de uma administrac;ao e de uma jurisprudencia excepcionais 
que a tomavam uma personalidade colectiva privilegiada»•. 
Hoje em dia nao existem muralhas, e isto parece ja 
hist6ria passada; a realidade, porem, e outra, pais a exis-
tencia daquelas preteritas defesas plana sabre as cidades de 
hoje, nao s6 no que diz respeito a uma estrutura fisica que 
continua a existir, mas tambem pelo papel que desempenha-
ram na constituic;ao da comunidade municipal que preva-
leceu, e continua a prevalecer nos nossos dias em' largos 
aspectos. A cidade, tal como a realidade hist6rica, riunca e 
independente das etapas par que passou na sua evoluc;ao: 
e uma actualizac;ao dessas eta pas e , a sua projecc;ao em 
direcc;ao ao futuro. · 
Nao obstante, ainda na Idade Media, as cidades que 
gozavam de urn corpo legislativo especial para os burgueses 
eram uma minoria, localizada quase exclusivamente no Oci-
dente c.:istao. Quer dizer, o municipio urbana, tal como o 
conhecemos, era desconhecido na Asia, no Pr6ximo Oriente 
e no mundo islamico. Muitas cidades orientais eram forta-
lezas, e tinham mercados como as ocidentais, mas nao ti-
nhani urn estatuto juridico pr6prio. Trata-se, portanto, de 
categorias de cidade completamente diferentes, que nao po-
dem englobar-se numa definic;ao comum. 
Passemos da Idade Media para o chamado mundo mo-
derno, em que os melhores espiritos passaram a basear a 
• Henri Pirenne, Medieval Cities: Their Origin and the Revival 
of Trade. PrincetonUniversity Press, 1925. Apud, Reader in «Urban So-
ciology», p. 82. 
25 
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sua especulacao no criterio da evid~ncia. 0 homem nao atin-
ge esta evid~ncia atraves dos sentidos, mas sim por meio 
da razao. Tudo 0 que nao e ·racional torna-se objecto de 
suspeita. As cidades antigas, como produto da hist6ria, nao 
podiam considerar-se exemplos de construcoes racionais. Os 
homens de entao s6 viram nelas desarrumacoes e caos. A ati-
tude de Descartes e a seguinte: 
«Assim, aquelas cidades antigas, que ao principio foram 
apenas vi16rias, e que se converteram, atraves dos tempos, 
em grandes cidades, estao em geral tao mal arrumadas que, 
ao ver as suas ruas curvas e desiguais, dir-se-ia que o acaso, 
mais do que a vontade dos homens usando a razao, as fez 
desta maneira»11 • 
No seculo XVII, no entanto, a hist6ria nada tern a ver 
com a razao, e inclusivamente opoe-se a ela; o que a razao 
faz- por exemplo, uma cidade construida segundo urn plano 
unita:r;:io - e o contrario do que a hist6ria vai acumulando 
no seu curso e que parece obra do acaso6 • 
Os homens dos seculos XVII e XVIII trataram, por-
tanto, de racionalizar a cidade, de pensa-la more geometrico, 
por considerarem que tudo o que estava para tras era apenas 
obra do acaso. Negando, portanto, a razao hist6rica, enchiam 
a hist6ria de razij.o, acrescentando urn novo ingrediente ao· 
ser hist6rico da cidade. A hist6ria da cidade enriquecia-se 
com urn novo capitulo, e cada uma das cidades -natural-
mente nao aconteceu com todas - que foi afectada pelo im-
pacto do racionalismo continuou vivendo a sua pr6pria vida 
hist6rica, matizada de uma maneira ou de outra, conforme 
as circunstancias complexas em que se produziu o fen6meno 
e conforme o alcance do mesmo. 
Do racionalismo nasceu a cidade como facto artistico 
como artefacto. Anteriormente, as cidades tinham sido belas 
pelo seu crescimento natural e orgiinico, como e bela uma 
arvore. Nada, no seu desenvolvimento, tinha obedecido a 
vontade dos homens usando a razao, embora fossem filhas 
da vontade hist6rica usando a razao vital. Posto isto, teria 
a cidade, por outro lado, deixado de ser filha da hist6ria 
se nao tivesse absorvido, na sua evolucao, as concepcoes do 
mundo mais importantes, aquila a que os alemaes chamam 
·' Descartes, Discurso do metodo, 2.• parte. 
0 Julian Marias, Introduccwn a la Filosotia, 4.' edic;ao, p. 190. 
26 
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Weltanschauung? Ao fim e ao cabo, o facto qe a..~,~~ 
se fazer na cidade obriga a que a cidade se faca.. ~'~~tl 
As primeiras pegadas deixadas pelo racia~o 
corpo fisico da cidade foram timidas, e as vezes 
toscas. Relacionadas com os edificios importantes, constr 
ram-se pracas pensadas com simetria e artistican: 
quadas; outras vezes, estas pracas regu.lares consti~ 
por si entidades completas, como aconteceu com. 
pracas priilcipais espanholas do tempo em que retnava,:,~ll' 
Casa de Austria. Quando as circunsta.ncias o permitiamo, :. 
construiam-se cidades de tracado regular, como as da col~·;::~}. 
nizacao espanhola da America. 0 sistema en tao seguido f,~~ ·' 
o da quadricula, muito geometrico e cartesiano, mas, n:o · 
geral, carecente de subtileza artistica. A quadricula tambem 
tinha sido utilizada pelos gregos numa epoca de racionalis-
mo, ou se se preferir, de idealismo, em que o pensamento im· 
perava. Foi tambem utilizada pelos romanos, levados pelo 
seu sentido pratico. 
Com a chegada do mundo barroco, a cidade sofreu uma 
transformacao maior e mais transcendente. Para esse mundo, 
e sobre a base inicial do racionalismo cartesiano, que ja 
havia afirmado a necessidade da cidade como facto artfstico, 
como tarefa da. vontade humana iluminada pela razao, foi 
necessaria que se produzissem dois fen6menos, urn de ca-
racter estetico e outro de caractef politico-econ6mico. 0 pri-
meiro foi o desenvolvimento cia perspectiva, do perspecti-
vismo, como concepcao do espaco artistico, e o segundo e 
o auge do poder absoluto do principe, ligado a economia de 
consumo da corte. ) 
Ambas estas caracteristicas aparecem de uma maneira 
extremamente evidente nas chamada.s Residenzstiidte ou ci-
dades principescas. Se nao tivesse existido o poder omni-
modo e convE>rgente do principe, e se nao tivesse existido 
uma corte consumidora capaz de fazer prosperar o luxo, o 
novo estilo perspectivista, que nao se baseia em nenhuma 
necessidade funcional ou utilitaria, mas sim no puro deleite 
que atinge, em certas ocasioes, o prazer orgulhoso de mudar 
a propria natureza, nao teria podido materializar-se como 
aconteceu. Do mesmo modo, se a arte nao tivesse alcancado·, 
com· a utilizacao da perspectiva, os cumes que alcancou no 
barroco, o poder dos principes eo luxo das cortes nao teriam 
atingido a expressao esplendorosa que alcancaram nesse tem-
po e que permanece hoje como recordacao da sua grandeza. 
27 
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0 secuio XIX provocou na cidade altera~oes de uma 
natureza muito diferente das que trouxe o periodo barroco. 
A revolu~ao industrial, baseada nos postulados do utilita-
rismo e na polftica do laissez faire, originou o convencimento 
de que o mais importante era aumentar por todos os meios 
possiveis a riqueza dos individuos e das na~oes. Com este 
criterio, todos os valores hurnanos, sociais, esteticos se su. 
bordinaram ao despotismo da produ~ao, o que teve conse-
quencias materiais certamente nao muito agradaveis no que 
se refere a forma e ao desenvolvimento das cidades. 0 que 
ja apontamos na introdu~ao, ao falarmos da urbe paleo-
tecnica, sera estudado mais pormenorizadamente na lic;ao 
intitulada «A cidade industrial». 
Com efeito, a cidade foi-se edificando e ganhando forma, 
paulatinamente, no decorrer da hist6ria. Da-se urn importante 
acontecimento politico e o rosto da cidade ganhara novas 
rugas, diz Spengler•, ou entao: os gestos da cidade quase 
repreS,entam a hist6ria psiquica da cultura~. Uma vez im-
plantada a cidade num terreno propicio, implanta~ao ou fun-
da~ao que na antiguidade tinha urn caracter littirgico e equi-
valia a transformar o novo solo em terra patrum, patria~ 
a natureza humana vai tra~ando as linhas da nova estrutura, 
atraves de urn processo vital de que faz parte uma acumu-
la~ao de costumes, tradi~oes, sentimentos, atitudes, tudo ca-
racteristico de uma determinada colectividade. Ainda mais: 
estas estruturas, que foram ganhando forma~ao atraves deste 
processo, acabam por construir, elas pr6prias, urna segunda 
natureza; quer dizer, estas estruturas voltam a agir, par sua 
vez, sabre os habitantes, "que sao confrontados com uma 
realidade exterior com a qual terao de contar. 
Numa palavra, sempre que procurarmos o ser tiltimo, 
a realidade radical de uma cidade, depararemos, por urn lado, 
com uma organiza~ao fisica, instituic;oes, uma serie de ruas, 
edificios, ilurnina~ao, caminhos de ferro, telefones, tribunais, 
hospitais, escolas, universidades, etc., mas tambem, par outro 
Iado, com urn conjunto de costumes, tradi~oes e sentimentos 
que definem aquila a que muitos, entre os quais Spengler, 
chamaram a alma da cidade. Nao se pode dizer que aquela 
realidade radical corresponde apenas a uma destas naturezas, 
28 
1 Op. cit., III, p. 136. 
s Op. cit., III, p. 135. 
a fisica ou a moral, mas sim a algo que as resume ~" 
conjuntamente. Embora os contetidos desta 
sica e moral da cidade se estejam, como dissemos~ 
lando e modificando urn ao outro atraves da sua 
interacc;ao, este fen6meno tern de produzir-se num a.m~i:td 
que nao pode ser senao o da vida da pr6pria cidade quel" 
neste caso, nao e mais do que a sua hiSt6ria. Da mesma maL 
neira que a filosofia orteguiana definiu o homem como ~ 
realidade vital, se transferirmos este conceito para a are'S. 
mais vasta do colectivo em que evolui a cidade, definiriamc:Js 
esta como uma realidade hist6rica; quer dizer, para nos, 
essa ultima instancia nao e nem pede ser outra senao a · 
hist6ria. A cidade, em ultima e radical instancia, e urn ser 
hist6rico. A cidade nao consiste emser estrutura, nem em 
ser alma colectiva; consiste noutra coisa cujo sere hist6rico. 
Em nosso entender, uma vez isto aceite, todos os as-
pectos diversos, inquietantes e par vezes contradit6rios da 
cidade, impossiveis, a primeira vista, de reduzir a uma uni-
dade, aclaram-se e conjugam-se numa ordena~ao hierarquica. 
Mas isto exige que retomemos a questao sob uma perspectiva 
diferente. 
Acontece com a cidade o mesmo que, de certo modo, 
acontece com a pessoa humana, que e sempre a mesma e 
nunca e a mesma. Londres, Paris, Sevilha ou Moscovo mu-
daram e continu .... _·ao mudando consid~ravelmente atraves do 
tempo, mas em nenhum momenta estas alterac;oes puderam 
leva-las a perder a sua identidade a tal ponte que uma tenha 
podido confundir-se com outra, ja nao digo num periodo 
simultaneo, mas mesmo em periodos diferentes da sua evo-
luc;ao. Quando uma cidade perdeu a sua propria identidade, 
ou quando, numa dada situac;ao, se desvaneceu qualquer re-
ferencia ao seu passado, e porque essa cidade morreu e deu 
lugar a outra diferente. 
Dir-nos-ao, e e verdade, que em virtude da sua loca-
liza~ao invariavel, da sua forte ligac;ao a terra, e impassive! 
trocar as cidades, fazer com que percam a sua individua-
lidade, e que, mesmo que uma cidade desapare~a par com-
plete, arrasada ate que nao fique nem a cinza dos seus lares, 
outra que se construisse no mesmo Iugar teria sempre al-
guma coisa a ver com ela. Mas isto nao exclui a nossa tese 
vista que, quando dizemos que a cidade .como tal tern perso-
nalidade e se mantem atraves da hist6ria, nao fazemos dis-
tinc;ao quanta a natureza das causas dessa identidade, estando 
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de acordo em que uma delas - embora nao a Unica - e, evi-
dentemente, a sua localizac;ao fisica, a sua ligac;ao a terra. 
Tao pouco a consistencia individual, o ser biol6gico, sao 
estranhos a pessoa humana. 
0 facto de uma cidade teras suas raizes na terra mae, 
e de nela se implantar de determinada maneira, diferencia-a 
e diferencia-la-a sempre da maquina ou do instrumento, e 
impedira que possa ser produzida em serie. Se assim se qui-
ser, pode fabricar-se a casa em serie, a casa pre-fabricada, 
mas quando muitas dessas casas forem implantadas no solo, 
formando urn conjunto, ser-se-a obrigado a faze-lo de maneira 
unica, intransferivel. 
Possivelmente, a singular implantac;ao da cidade na 
terra, geologia e paisagem, permitir-nos-ia descobrir dife-
renc;as radicais com outros conjuntos de construc;oes, de tipo 
industrial_,QU tecnico. Referindo-nos a cidade dissemos im-
plantac;ao, e nao o fizemos por capricho mas por considerar-
mos q1.1e este termo exprime melhor que qualquer outro a 
relac;ao entre natureza e cidade. Implantar significa fundar, 
estabelecer, instituir, comec;ar a por em pratica algo de novo. 
A cidade nao esta unica e simplesmente situada no terreno; 
funda-se sobre a terra propicia que os deuses assinalaram. 
Quando os romanos fundavam uma cidade, cavavam urn 
pequeno fosso, chamado mundus, e os chefes das tribos que 
iam construir a nova cidade depositavam nesse fosso urn 
punhado de terra do solo sagrado onde jaziam os seus ante-
passados. A partir desse momento, a nova cidade era tambem 
terra patrum, patria. 
A terra onde se implanta a cidade e sempre patria. Tito 
Livio dizia, a respeito de Roma: «Nao ha nenhuma prac;a 
desta cidade que nao esteja impregnada de religiao e ocupada 
por alguma divindade ... e habitada pelos deuses>>11 • Em maior 
ou menor grau, toda a cidade participa deste caracter sagrado 
e e urn santuario, se nao da religiao, pelo menos da hist6ria. 
0 solo convertido em patria tern que ter, deste modo, uma 
significac;ao especial. A cidade implanta-se nesse solo, quer 
dizer, enraiza-se como o vegetal. Uma fabrica, pelo contrario, 
faz mais do que implantar-se, impoe-se sobre a terra, utili-
za-a em seu proveito, violenta-a se for preciso. :E urn acto 
de imposic;ao em vez de implantac;ao, posturas . antiteticas 
o Apud Fustel de Coulanges: La cite antique, p. 160. 
30 
sob todos os aspectos. Enquanto a cidade se adapta a forma 
da natureza, a industria, em geral, deforma-a; nisto consis.te 
a diferenc;a entre ve-la como patria ou como instrumentp,£~~-­
Nunca pensei que uma cidade digna deste nome possa sal' ··•. 
qualquer coisa total e absolutamente oposta ao campo, em · 
hostilidade aberta ao meio natural. Nao obstante, houve mui::; 
tos que consideraram que assim e, e definiram a cidad:Ef 
pela negativa, como aquilo que nao e campo, o que me parece 
err6neo, primeiro porque tal definic;ao, por nao menciomir, 
aspectos positivos, e notoriamente incompleta, e segundo. 
porque a cidade, a seu modo, tambem e campo, embora campo 
com forma especial, campo feito patria. Ortega parece cair · 
na postura negativista ao dizer: «A cidade e uma tentativa 
de secessao feita pelo homem para viver fora e frente ao 
cosmos, do qual aproveita porc;oes escolhidas e delimitadas»10 • 
Na definic;ao orteguiana, no entanto, existe uma contradic;ao 
latente. 0 homem pretende viver fora e /rente ao cosmos, 
quer dizer, Ortega define o caracter da cidade como oposto 
ao campo. Mas - e esta aqui a contradic;ao - o que faz para 
o conseguir e retirar, separar porc;oes seleccionadas desse 
cosmos, no qual, ao fim e ao cabo, continua a viver. Por 
nosso lado diriamos, fugindo a contradic;ao, que o homem 
separa e delimita essas porc;oes para viver, nao frente ao 
cosmos, mas numa nova relac;ao com ele, numa relac;ao de 
patria. . . 
As cidades, com efeito, tern ocupado' espac;os significa-
tivos deste planeta, mas neles a natureza, amoldada e poten-
ciada, continua· existindo como fundamento fisico e espiritual 
da obra humana. Nesses espac;os delimitados ficaram, por 
exemplo, os rios, divindades miticas e arterias vitais, e em-
bora tenham sido, no seu curso atraves da cidade, canali-
zados ou submetidos a outras exigencias urbanas, nem por 
isso o Sena, o Arno ou o Danubio deixam de ser o que sao. 
A cidade, portanto, implanta-se no cosmos, nao se lhe impoe. 
Ao fazermos estas considerac;oes sobre a implantac;ao 
das cidades na natureza, tinhamos chegado a afirmar a sua 
individualidade, a sua indesmentivel identidade atraves da 
hist6ria. :E pois este o momento de voltarmos ao ponto de 
partida. Esta individualidade, este ser iinico de uma cidade 
e~ relac;ao a outras, tern nitidas raizes materiais, originadas 
10 0. C., II, p, 408. 
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nao s6 pelo sitio, pela localiz~ao (embora possa haver se-
melhan~as, nao pode haver dois locais identicos), mas tam-
bern pela propria estrutura da cidade, que, como tempo, vai 
dando lugar a uma segunda natureza. A propria cidade re-
siste a perecer, e uma das mais imorredouras cria~oes huma-
nas. Daqui o seu valor particular como testemunho hist6rico. 
Os urbanistas estudaram aquilo a que chamaram lei da 
permanencia do plano. A a.mi.lise da evolu~ao das cidades 
atraves do tempo levou a constata~ao de que, embora a edi-
ficaQao se tra.nsforme e seja substituida no decorrer dos anos, 
geralmente o plano permanece ou sofre muito poucas recti-
fica~oes. Cordova, Toledo ou Granada conservam bairros onde 
o traQado muQulmano se mantem incolume. 0 plano de 
Madrid, esbo~ado por Teixeira em 1651, permanece nas suas 
grandes linhas, isto e, com modificaQ6es insignificantes, a 
planta actual do centro da capital. As cidades, como os ofi-
dios, mudam de pele, mas o seu ser permanece inalteravel. 
Mas ha mais: nao sao so as raizes materiais que asse-
guram a permanencia das cidades como seres individuais. 
Existem outras raizes, de indole espiritual; existe a alma da 
cidade. E esta a tese de Spengler a que atras nos referimos11 • 
«A cidade- diz o sociologo americana Robert E. Park-
e algo mais do que urn conjunto de individuos e de vantagens 
sociais; mais do que uma serie de ruas, edificios, luzes, 
electricos, telefones, etc., algo mais,tambem, do que uma 
mera constela~ao de institui~oes e corpos administrativos: 
tribunais, hospitais, escolas, policia e funcionarios civis de 
toda a especie. A cidade e principalmente urn estado de es-
pfrito (a state ot mind), urn conjunto de costumes e tradiQ6es, 
com os sentimentos e atitudes inerentes a"~s costumes, e que 
se transmitem pela tradiQao. A cidade, por outras palavras, 
nao e apenas urn mecanisme fisico ou uma construQao arti-
ficial. Esta implicada no processo vital da popula~ao que a 
compoe; e urn produto da natureza, e em especial da natu-
reza humana»12 • 
Mais adiante Park continua dizendo que a cidade mer-
gulha as suas raizes nos costumes e habitos dos seus habi-
tantes, que possui tanto uma organizaQao fisica como moral, 
n Vide supra, p. 16. 
12 The 9tty, University of Chicago Press, 1925. Apud, Reader in 
ccUrban Sociology~>, p. 2. 
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que se modelam e modificam uma a outra atray;es -~ · stm: 
mutua interac~ao. A estrutura da cidade, que impressi'G>Jm;· 
primeiro pela sua complexidade, tern por base a ~tma 
humana, da qual e a expressao. Porem, esta estru*a ·~ti­
formada actua, por sua vez, sobre os seus habitant~§,, c:lflie ! 
ficam colocados frente a uma realidade exterior com· a qual 
tern de contar. «Estrutura e tradiQao nao sao mais· de <:)_ue· 
aspectos diferentes de urn 11nico complexq cultural que de-
termina o que ha de caracteristico e peculiar na cidade, e 
que a distingue da aldeia e da vida no camp0»18 • 
Estes conceitos de Park vern na senda da tese ·de Spen-
gler, a que poderiamos chamar animista, e ultrapassam-na 
a partir do momento em que tern em conta, pelo seu justo· 
valor, a importancia das estruturas materiais no seio dessa 
realidade total que e uma cidade. Park postula acertada-
mente a articula~ao dinamica dos diversos aspectos mate-
riais e espirituais que contribuem para determinar o que e 
caracteristico e peculiar na cidade, mas detem-se quando 
chega a formul~ao de qual e a natureza desse complexo 
cultural que determina precisamente o que e caracteristico 
e peculiar. Nessa formula~ao tern de estar, portanto, a rea-
lidade radical de uma cidade, cujos mwtiplos aspectos· sao 
realidades radicantes. E seguindo esse caminho que n6s aca-
bamos por afirmar que essa realidade radi.cal nao e outra, 
nem pode ser outra, senao a hist6ria, que a cidade nao e 
nem s6 estrutura, nem so espirito, mas sim uma realidade 
que abarca ambos os componentes, o ser fisico e o ser moral, 
conjugados numa realidade superior: o ser hist6rico. 
Se as cidades, alem de ligadas a hist6ria, sao elas pr6-
prias hist6ria, isso explicara muito da sua realidade. Abor-
demos urn ponto concreto a luz desta nossa evidencia de 
que a cidade e, em ultima instancia, hist6rica. Seja o aspecto 
da cidade como obra de arte. E ou nao a cidade uma obra de. 
arte? Ja vimos cQmo, nos seculos XVII e XVIII, se procurou, 
racionalizar a cidade, converte-la num facto artfstico, em algo 
pensado racionalmente, e disposto pela vontade humana. 
Com base nesta afirmru;ao, e apenas com base nela, pode 
considerar-se a cidade como verdadeira obra de arte, pois 
s6 se · pode considerar criac;ao artistica aquela que provem 
1a Park, op. cit., p. 4. 
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da vontade humana, claramente definida. Nao se entende uma 
obra de arte sem o artista. 
Mas isto, esta pretensao de vera cidade como obra de 
arte, nao se adapta senao a determinadas fases do devir 
humano. Poucas vezes uma cidade, na sua integridade, e 
obra de uma vontade previamente estabelecida, e quando 
esta vontade chega a impor urn deterininado cunho, Ia-lo 
geralmente de maneira fragmentaria e episodica. Mal come-
c;aram a materializar-se estruturas que reflectiam os ideais 
de al~s homens ou de uma sociedade, esses homens e 
essa cidade ja pertenciam ao passado, e aos seus ideais ti-
nham-se ido com eles, substituidos por outros novos. Existe 
quase sempre urn desfasamento entre os ideais de qualquer 
ordem (religiosos, sociais, politicos, etc.) e a sua expressao 
artistica. Numa palavra: a cidade e sempre antiga. Isto mesmo 
foi ja sagazmente observado por Julian Marias que, por a 
cidade ser artistica, a considera expressiva de urn estilo, de 
uma, estrutura de alma, mas fazendo uma ressalva que e o 
que nos interessa acima de tudo: «Mas ha que acrescentar 
urn aspecto importante: a cidade, que demora a fazer-se 
- e por isso nao e caprichosa- dura muito tempo; excepto 
na fase da sua fundac;ao, quando ainda nao e cidade, e sempre 
antiga. 0 individuo vive normalmente numa cidade que nao 
foi feita pelos seus contempori3.neos, mas sim pelos ante-
passados; e verdade que a transforma e modifica, e que so-
bretudb a usa a sua maneira, descobrindo em si proprio a 
sua vocac;ao peculiar; mas e, de imediato, uma realidade 
recebida, herdada, hist6rica. (Este ultimo sublinhado e nosso). 
Quer dizer, acontece exactamente o mesmo que com a pro-
pria sociedade. Por isso e dificil de entender; por isso e 
profunda e radicalmente reveladora»14 • 
Numa palavra, a forma de uma cidade permanece i:nes-
mo depois de a substancia social que lhe deu vida ter desa-
parecido. Por isso, formalmente, a cidade e tambem hist6-
ria em si propria. A cidade em que vivemos tern sempre 
urn caracter de reliquia. A cidade mais profana e, em certa 
medida, o Iugar sagrado onde se presta culto aos antepas-
sados. Sob o ponto de vista artistico, no entanto, este -cons-
tante devir que e a propria cidade nao permite que a matu-
rac;ao da obra plastica se produza com a devida tranquilidade. 
14 Julian Marias, La estructura social, Madrid, 1956, p. 281. 
34 
6-----
A cidade sempre foi e sera, pela natureza da sua essen~il 
artisticamente fragmentaria, tumultuosa e inacabada. · 
encontramos nela essa forma definitiva e redonda poi' 
anseia o sentimento estetico. :E por isso que toda a cidade,, 
esteticamente falando, e urna frustrac;ao. 0 homem que, 
campo da beleza, conseguiu realizac;oes tao perfeitas, 
conseguiu criar a cidade bela, apesar de tantos e tao ingente$; .. 
esforc;os. Qualquer espirito sensivel, qualquer temperamento 
estetico que viaje e percorra as cidades do globo entende 
isto. Umas mais do que outras, todas as cidades deixam na . 
alma do homem, ao fim e ao cabo, uma penosa insatisfac;ao .. , , 
Esta insatisfac;ao aparece porque, embora se trate de · 
urn fen6nreno artistico, esta submetido a pulsac;ao historica. 
:If: urn fenomeno artistico enquanto expressao, em cada mo-
inento, de uma realidade social. As constantes modificac;oes 
desta Ultima, quer por evoluc;ao quer por saltos, no entanto, 
nao permitem que se realize o equilibria exigido por toda 
a criac;ao estetica. As estruturas urbanas, e note-se que, ao 
falarmos de estruturas, referimo-nos tanto as externas com 
as internas, sao constantemente objecto de- intervenc;oes, _,,.. 
quase seleccionadas pela pulsac;ao historica, atras da qual ,~~ 
vao sendo arrastadas com maior ou menor atraso. Poderia E~ 
dizer-se, em sintese, que a cidade faz parte do espirito ar- -~~ 
tistico, sem chegar a ser, no entanto, uma obra de arte. Se o ~t 
fosse em sentido pleno, deixaria de ser. o que radicalmente ~J~ 
e: historia. «Quando contemplamos qualquer coisa sob o :*~ 
ponto de vista estetico - disse Simmel - desejamos que as ':" 
forc;as opostas da realidade cheguem a urn qualquer equi-
libria, que se fac;a urn armisticio entre o alto e o baixo. Contra 
este desejo de urna forma permanente, porem, rebela-se o 
processo moral da alma, como seu incessante subir e baixar, 
com o constante prolongar dos seus limites, com a inesgo-
tabilidade das forc;as contrarias que se movem no seu seio»15 • 
A cidade esta mais proxima do processo moral que do 
processo artistico. A sua extrema dependencia do homem, 
como dissemos no principia, da sua inquietac;ao que nao 
admite repouso, impedem-na de permaneccr nas margens 
tranquilas onde floresce a arte. 
Numa cidade podem existir edificiosque sejam magni-
ficas obras de arte; ate bairros completes que tenham con- • ;: 
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u Jorge_ Simmel, Cultura femenina y otros ensayos, Madrid,_ _ __ . ·-~ 
1934, p. 218. ~-':c~ 
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seguido a permanencia e estabilidade de uma cidade estilis-
tica completa; porem, a cidade no seu conjunto, expressao 
da instabilidade e fluencia da alma colectiva, nunca alcanQara 
o nivel da obra de arte. Os raros casas em que isto nao su-
cede assim, sao as de cidades mortas, preservadas artificial-
mente. So quando morrem, as cidades alcanQam a condiQao 
de obras de arte. Acontece-lhes o mesmo que as pessoas q\).e 
tivera.m uma vida agitada, martirizada pelo sofrimento, cujas 
feigoes se embelezam com a serenidade da morte. 
A medida que a ciencia historica foi renovando os seus 
conceitos, que os seus metodos se foram aperfeiQoando, e o 
seu campo de acQao se alargou e aprofundou, surgiu, para-
lelamente, uma nova percepgao da cidade como facto histo-
rico porque se se trata, por essencia, de urn organismo 
hist6rico, e tambem urn documento, o deposito mais for-
midavel que o devir humano vai deixando sabre ela, numa 
lenta e continua sedimentagao. Ate ha pouco viam-se, das 
cidad,es, os monumentos solitaries e veneraveis, os cumes da 
orografia urbana, as catedrais, os palacios, os monumentos 
comemorativos. Isto correspondia perfeitamente a uma con-
cepgao de historia como contenda e tarefa de algumas gran-
des personalidades dominantes, que decidiam entre si sabre 
O· destino humano. A mentalidade actual, porem, ja nao se 
satisfaz com uma visao tao simplista e, quando procuramos 
determinar as caracteristicas de uma civiliza.Qao, nao pode-
mos limitar a nossa atenQao ao estudo dos poderosos. De-
vemos conhecer a situaQao do povo, as suas formas de vida 
e as suas crenQas, a indole das instituiQ6es criadas pela so-
ciedade, o desenvolvimento da cultura e o seu sentido, isto 
e, o panorama· completo da vida e nao apenas os aspectos 
mais salientes. 
Ao estado simples da historia correspondem, na cidade, 
as casas vulgares, que se juntam umas as outras em formas 
expressivas, do mesmo modo que, por outro lado, os monu-
mentos especiais · representam as personalidades dirigentes. 
Por conseguinte, separar o palacio das casas burguesas ou 
populares, e como retirar uma frase do seu contexto. 0 que 
e necessaria e interpretar a cidade no seu conjunto. 
Foi o estudo das estruturas materiais que compoem 
a face ou rosto da cidade feito sob urn criteria puramente 
artistico, que levou a essa separaQao artifical que pos em 
- ..... destaque os edificios monumentais, ou, no maximo, os bair-
t;. ..\ros antigos mais caracteristicos, esquecendo a grande massa . ~ 
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de edifica(_;(aO de acompanhamento, COmO qualquer COisa fmer~ ~(' 
te, sem expressao. Talvez falta de expressao artistica, .ma:t~p~· 
em nenhum caso falta de expressao historica. Pelo contrario, · 
perspectivar o estudo da cidade segundo a sua essencia 
historica, operaQaO que pode ser muito mais fecur;tda erp 
resultados, evitar-nos-a amputaQ6es injustificadas, e dar-nos~a 
urrta percepgao integral do fenomeno urbana, cada vez mais 
estirhulante em virtude do desenvolvimento que o urbanismo 
vai tendo nos nossos dias. 
Se partirmos da base firme da realidade historica da 
cidade, nada do que a ela se refere, por muito insignificante. 
que seja, deixa de ser revelador; tudo constitui parte de uma 
to tali dade impassive! de dissociar. Aquila que pode ser mudo 
artisticamente, talvez seja eloquentissimo historicamente. Nao 
devemos esquecer que a cidade e, em si propria, urn formi-
davel arquivo de recorda.Q6es. Condensam-se na cidade, nao 
so no espaQo mas tambem no tempo, os factos e as vidas 
mais significativos. Este grau de condensac;ao preserva a 
sua mem6ria, do mesmo modo que urn arquivo, ao reunir 
papeis provenientes das mais diversas origens, garante a 
sua conservaQao. :E indubitavel que, se todos aqueles acon-
tecimentos e aquelas vidas nao tivessem existido na cidade, 
nao lhe estivessem referidos, a sua memoria desvanecer-
-se-ia muito mais facilmente. A cidade e a condensaQao da 
sua propria salvaguarda. 
Ao deambularmos por Paris, podemos achar o Iugar 
onde Henrique IV foi assassinado; a elegante praQa onde 
vi via Richelieu, num ambiente do Paris dos Mosqueteiros; 
o corrimao onde Voltaire pousava a mao; a ala do Louvre 
onde a ConvenQao se reuniu. Podemos seguir o itinerario 
de Bonaparte, quase menino, desde a diligencia que o trouxe 
a Paris ate a Escola Militar; o pequeno laboratorio onde 
os esposos Curie comeQaram a trabalhar, etc. 
Uma praQa de Madrid evoca a sombra de Cisneros; na 
Calle Mayor, embora transformada, cada paralelipipedo Ie-
vanta o eco dos passos de Lope, de Tirso, de Calderon, de 
Villamediana; na Casa de Panaderia, Gaia sofreu, aos dezas-
sete anos, os primeiros reveses academicos; urn arco ladri-
lhad,o, privado de ambiente mas conservado como reliquia, 
e testemunho mudo de faQanhas patrioticas; ao passar par 
determinada rua do centro, parece-nos ouvir o estampido 
dos arcabuzes criminosos; num certo palacio, uma impera-
triz deixava o mundo ha poucos anos ... As cidades sao isso; 
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cenario da hist6ria, da grande, da pequena, da local, da na-
cional, da universal; os homens vern de partes muito di-
versas, de aldeias, de vil6rias distantes; os acontecimentos 
forjam-se em todo o mundo, mas a cidade e sempre o ponto 
de convergencia, o lugar da acc;ao, onde todos os processos 
se comprimem, se esquematizam e aceleram, forno de com-
bustao social. Desde logo fica a mem6ria, a cidade conver-
te-se em arquivo. 
A medida que a consciencia de que isto e assim se vai 
impondo cada vez com mais forc;a, a cidade vai rejuvenes-
cendo as suas recorda~;oes e, em alguns casos, assinalando-as 
aos viajantes por mefo de Iapides. A lapide parece revelar 
a intenc;ao, em primeiro Iugar, de honrar a mem6ria de al-
gum her6i ou personalidade de relevo. Mas este movimento 
de ida pressupoe outro de volta: ao honrar fa~;anhas, her6is 
ou simples acontecimentos, o que estamos fazendo e come-
mora-los, isto e, recorda-los em comum, torna-los material de 
autoconsciencia colectiva. A lapide destina-se tanto a exaltar 
a fa~;anha ou /o her6i, como a dar satisfa~;ao aos que a pro-
movem e colocam. ·A · cidade que vai enchendo de Iapides os 
seus muros com mais entusiasmo e a que tern mais prazer 
em acordar a sua consciencia adormecida. Este tema mere-
cia ser desenvolvidO, mas nao pode Se-lo aqui dadOS OS li-
mites a que temos de nos cingir. Digamos apenas que o afa 
lapidistico coincide com o despertar da consciencia hist6rica, 
no seculo XIX, atraves do vago pressentimento de que a 
cidade e urn arquivo, e que, de certo modo, e necessaria 
classificar e p6r etiquetas, as quais, neste caso, seriam as 
Iapides. · 
As Iapides revelam portanto que esta consciencia existe, 
que algo de interior, a alma, vern a superficie sob. a forma 
de placas bran cas, expressao cristalizada de uma misteriosa 
quimica social. Poderiamos conceber a cidade, agora, sem 
essa consciencia hist6rica? Ou, dito de maneira mais directa, 
poderiamos viver sem cidades que sejam simultaneamente 
laborat6rio e arquivo? Com certeza que nao. :E dificil, quase 
impossivel, conceber a civilizac;ao sem cidades, e as cidades 
sem aqueles atributos. :E certo que existem e tern existido 
aglomera~;oes humanas onde eles faltam, mas, como ja in-
sistimos antes, essas aglomerac;oes nao sao o que parecem 
a primeira vista e, embora grandes, podem nao ser mais do 
que formas de ruralismo disfarc;adas, ou simples conurba-
~;5es industriais. A aldeia, todavia, pertence ao mundo na-
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tural; e natureza sem mais nada, assim 
hist6ria. As instalac;oes industriaissao prolongal!le 
fabrica e, como ela, simples instrumento da 
-nos-ao tambem que, na sua ·rase de funda~;ao, a 
rece, naturalmente, de hist6ria; e que, entao, nao ' 
cidade no sentido pleno da palavra, nao chegou 
idade adulta. S6 nas cidades antigas e que o pr6prid . 
sagrado da fundac;ao lhes conferia virtudes que outras 
de ir ganhando pouco a pouco, atraves de urn Iento 
cesso de maturac;ao. Quando dizemos portanto que nao concebemos a ciVifi-,. 
liza~;ao sem cidades, referimo-nos as que, por si s6s, cons~\1 
tituem urn mundo completo e gozam de todos os atributos~·.c 
inerentes a sua condic;ao. Entre elas e tudo que nao e cidade' · 
estabeleceram-se delicadas relac;oes mutuas. Esta e outra ques~ 
tao que nao interessa agora ao nosso objectivo e que nao 
contradiz o papel decisivo - embora nao exclusivo - das ci-
dades na construc;ao da sociedade humana. 
«A razao pela qual as cidades sao decisivas em toda a. 
sociedade, mesmo nas de predominio. rural - disse Julian 
Marias16 - e que elas sao o 6rgao da socializac;ao ou, se assinl 
se preferir, da sociabilidade. Uma sociedade e sociedade e, 
sobretudo, e uma, grac;as as suas cidades.» As cidades como 
tais, portanto, na plenitude dos seus atributos, sao insubsti-
tuiveis na nossa sociedade. Pode viver-se fora delas, mas 
sempre contando com elas, com apoio e referenda especial 
a elas. Inclusivamente ao homem da aldeia mais remota, e 
sem que ele de claramente conta disso, chega o consolo de 
que existem Roma, Paris, Pequim ou Filadelfia, e que nelas 
se guarda urn deposito sagrado da humanidade. Porque 
a cidade e uma aglomeragao humana tundada num solo con-
vertido em pcitria, cujas estruturas internas e externas se 
constituem e desenvolvem por obra da hist6ria, para satis-
jazer e exprimir as aspiragoes da vida colectiva, nao s6 a . , 
que nelas decorre, mas tambem a da humanidade em geral. ··;:, :~~ .~" 
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1s La estructura social. p. 283. 
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A cidade antiga 
As primeiras civilizac;oes da era hist6rica, passadas as 
fases obscuras da pre-hist6ria e da proto-hist6ria, aparecem 
nos vales ferteis do Nilo, do Tigre, do Eufrates e do Indo. 
Ergue-se uma serie de grandes imperios, que lutam entre si 
para alcanc;ar a supremacia politica, e decaem quando surgem 
outros que os substituem, mas deixando todos alguma con-
tribuic;ao no curso evolutivo do mundo civilizado. Destas 
culturas- egipcia, mesopotamica, indostanica- conhecemos 
poucos restos de cidades, visto queo quepermaneceu foram 
os gigantescos monumentos religiosos e funebres ou, quando 
muito, alguns palacios de monarcas divinizados .. 
No Egipto encontram-se restos interessantes de urn 
grupo de habitac;oes construido para alojar os trabalhadores 
que haviam de erguer a piramide de Ses6stris II ( 1897-1879 
a.C.). E a cidade de Illahun (actual Kahun), talvez o exemplo 
mais antigo que conhecemos de organizac;ao habitacional. 
Tinha caracteristicas bastante regulares, segundo urn trac;ado 
geometrico que reunia as pequenas habitac;oes em blocos 
rectangulares, separados por ruas muito estreitas para facili-
tar o acesso as diversas celulas e que serviam ao mesmo 
tempo de canais para escoamento das aguas da chuva e dos 
despejos. As pequenas casas, ou celulas, eram constituidas 
por habitac;oes minusculas a volta de urn patio fechado. 
Havia-as de varios tamanhos, certamente de acordo com a 
hierarquia dos ocupantes. 0 conjunto da cidade formava 
urn rectangulo fechado, rodeado por taipais e protegido por 
urn fosso. A vida devia decorrer nestes mimisculos patios 
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e terrac;os, aos quais se subia por escadas que foi possfvel 
localizar. A construc;ao nao podia ser mais pobre: adobe e 
terrac;os feitos de madeira e cana, amassados com barro. 
A cidade de Tell-Amarna, fundada por Amen6fis IV ( 1369-
·1354), o famoso fara6 que impos o culto solar, e mais 
importante. 0 trac;ado tambem e rectilfneo, mas as casas, 
bern ordenadas, eram construfdas com pedra. De qualquer 
modo, as cidades com trac;ado regular deviam ser uma ex-
cepgao circunscrita as que eram construidas ex novo. 
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Fig. 1. Kahun. Plano (Egli, Die neue Stadt ... ) 
Em contrapartida, sao numerosos os restos de grandes 
construgoes religiosas, que acabavam por constituir verda-
deiras cidades-templos, com avenidas monumentais, pragas 
colossais e salas hip6stilas imensas, testemunho da vida dos 
reis, nobres e sacerdotes, em Menfis, Tebas e Tell-el-Amama. 
Nestes grandes santuarios foi adoptada uma estrita coorde-
nac;ao das partes, com rigoroso criteria geometrico, mas 
tambem com o desejo de adaptagao ao terrene e de produzir 
urn efeito cenografico, que preludia, no alvorecer da hist6ria, 
o que serao, no decorrer dos tempos, as grandes composi-
goes urbanas. 
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Fig. 2. Kahun. Duas plantas de casas importantes (Egli, op. cit.> 
Na Mesopotamia tambem aparece uma serie de cidades, 
nas margens dos rios Tigre e Eufrates, que geralmente adqui-
riam urn grande esplendor quando eram escolhidas pelos 
reis para corte ou residencia. Uma das caracteristicas destas· 
cidades da Mesopotamia, sao as suas fortificagoes, muito 
mais importantes que as egipcias, uma vez que o imperio 
fara6nico, em virtu de do seu poder e da sua situac;ao geo-
grafica isolada, nao estava a merce do inimigo como os im-
perios da Mesopotamia. 
Urn dos exemplos mais claros de urbanizagao assiria 
que nos restam e a cidade de Korsabad, elevada por Sargao II 
a cidade imperial quando abandonou a velha capital, Ninive. 
Na realidade, mais do que restos de uma cidade, trata-se 
das rufnas do palacio do imperador, que era urn complexo 
palacio-templo, caracteristico destes imperios divinizados. 0 
palacio esta situado, como era corrente nestas cidades assf-
rias, num extrema da cidade e assente sabre os muros da 
mesma, numa grande e elevada plataforma, com o objective 
de melhorar as condigoes de defesa militar, e tambem para; 
assim se proteger das inundagoes peri6dicas. Note-se a ten-
dencia para criar acr6poles religioso-palatinas, as quais, 
num terrene plano como o da Mesopotamia, tern que cons-
truir-se sabre plataformas artificiais, vista nao poder utili-
zar-se o relevo natural, como viriam a fazer os greges~ 
A sombra das construc;oes gigantescas do templo-palaoio 
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amontoava-se a cidade, em condigoes fisicas. e morais de 
subordinagao evidente. A habitac;;ao nao seria muito dife-
rente da que vimos em Kahun, pois as condic;;oes de clima 
tambem eram semelhantes. A construc;ao, na Mesopotamia, 
nao so da cidade mas tambem dos temples, era feita de ele-
mentos de latoaria, adobe e ladrilho cozido, e se ficaram 
restos dos palacios que nos permitem reconstrui-los, foi por 
a construc;ao ser mais salida e rica, embora nao houvesse 
uma diferenc;a substancial de materiais, como sucedia no 
Egipto. Segundo Bemis e Buchard1 , urn artesao especializado 
da Sumeria podia obter a sua casa com 5 a 6% dos seus 
rendimentos, mas as casitas dos trabalhadores nao especia-
Iizados custavam-lhes 30 a 40% do que recebiam. S6 conhec_;o 
estes dados atraves de uma citac;ao, e nao posso, por conse-
guinte, saber em que se basearam os autores para chegar 
a uma determinac;ao tao concreta de uma coisa que e muito 
dificil saber, mesmo quando se trata de urn passado historico 
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Fig. 3. Babil6nia. Plano da cidade (Gallion, The Urban Pattern). 
1 The Evolving House, vol. I, A History of the Home, 1933-36, 
Apud Arthur B. Gallion, The Urban Pattern, New York, 1951, p. 16. 
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recente. Parece-me, em suma, tratar-se de uma ingenuidade 
do pensamento americana, ao procurar «actualizar» a hist6ria 1, 
remota, assimilando-a, perigosamente, aos problemas de hoje. ! 
No seculo VI a.C., Babil6nia era uma grande cidade, 
atravessada pelo rio Eufrates

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