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Comentário - O futuro de uma Ilusão

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Publicado em 1927, O futuro de uma Ilusão é um dos textos canônicos de Sigmund Freud sobre a civilização. Nesta obra, o psicanalista buscou analisar e compreender a origem e a necessidade do homem ter em sua vida uma crença religiosa. Assim, o texto, de maneira geral, percorre caminhos sob a tese de que a religião nasce como forma de proteger o homem contra o mundo, isto é, contra a fragilidade do corpo, contra o enigma da morte, e como apaziguadora da relação do homem com o seu semelhante. 
Inúmeras ideias são apresentadas nesse texto. Dentre elas, selecionei duas para serem apresentadas nesse comentário: a caracterização e a origem da religião. 
Então, como Freud caracteriza a religião? Antes de responder a pergunta, o estudioso julgou necessário fazer algumas alusões. Pois bem, no momento em que a civilização impõe renúncias aos desejos humanos, ela obtém, como efeito colateral, uma hostilidade do indivíduo para com ela – portanto, um efeito rebote. Imaginemos como seria a vida se tudo fosse permitido e o quão esplêndido ela seria se tudo que ansiamos se tornasse real. Imaginou? Seria bom, né? Mas convenhamos: tal estado seria insuportável, pois o que eu desejo e penso sobre o outro é provável que seja recíproco e por isso as renúncias são essenciais. Além delas, nos unimos como uma sociedade para que possamos nos defender dos perigos oriundos da natureza. Então, resumidamente, Freud apresenta dois fatores que caracterizam a civilização: as renúncias para aliviar a tensão do convívio e a união para sobreviver. Em relação a natureza, sabemos que ela nos destrói friamente, cruelmente e incansavelmente através de terremotos, tempestades, tsunamis e etc. Portanto, é verdadeiro dizer que a civilização não consegue dar conta desse medo perante o universo e logo nós nos sentimos desamparados. Houve resolução para esse medo dos elementos naturais? Sim. A civilização os humanizou. Tratando a morte como uma Vontade maligna (ou como um “castigo”), tudo que nos cerca como seres e as catástrofes como um comportamento enfurecido dos deuses. Com isso, podemos ver o “bracinho” da religião.
Vamos agora para a perspectiva psicológica. É percebido que o desamparo não desaparece completamente; mesmo com a humanização proporcionando um alívio imediato, o medo ainda se faz presente na vida das pessoas. E para resolver isso, o homem atribuiu a esse fenômeno (a religião) o caráter paterno. Vamos entender o que isso quer dizer, mas, para isso, vamos pensar como uma criança, pode ser? Então, a mãe mata a fome do filho, o protege e o cuida. A partir desses atos, ela é escolhida libidinalmente como o objeto de amor. Em relação a proteção e o cuidado, a figura materna é substituída pela figura paterna (se fazendo presente até o fim da infância). A imagem do pai é marcada por uma ambiguidade: o pai é amado na mesma medida que é temido, ou seja, da mesma forma que protege, pode destruir. Quando percebemos que esse sentimento infantil - o desamparo - continuará até o fim de nossas vidas, isto é, não tememos mais o pai, mas o mundo em que vivemos, colocamos as características paternais na natureza, porque sentimo-nos desprotegidos, indefesos e inseguros. É dessa reação psicológica – reação marcada pelo desamparo análogo ao desamparo infantil – que surge a religião.
*Freud reconhece os benefícios da religião na vida do homem, mas tais benefícios não superam a infantilização que ela provoca, na medida em que desvaloriza o mundo real em busca de um mundo ideal.

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