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PRINCIPIOS_CONSTITUCIONAIS

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CAPA
ORELHA CAPA FRONTAL E ORELHA CAPA TRASEIRA
Sérgio Resende de Barros é bacharel, mestre, doutor e livre-docente em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - USP. Bacharel em Administração pela Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas da Universidade Mackenzie.
Assessor Técnico-Legislativo Procurador (aposentado) da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo; Coordenador Científico de Cursos na Escola Paulista de Direito - EPD (atual).
Professor de Direito Constitucional aposentado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - USP e Professor do Curso de Mestrado em Direito da Universidade Metodista de Piracicaba.
Rubens Beçak é Mestre e Doutor em Direito Constitucional e Livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Universidade de São Paulo-USP. Especialista em Gestão Pública pela UFSCAR. Professor Associado da Universidade de São Paulo-USP na Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (Graduação e Pós-graduação). Secretário Geral da Universidade de São Paulo (2010-2014). Professor visitante da Universidade de Salamanca no curso Master en Estudios Brasileños. Coordenador do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Constitucional e Eleitoral da Faculdade de Direito da USP (Ribeirão Preto). Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da USP (Ribeirão Preto).
(CONTRACAPA)
COORDENAÇÃO
RUBENS BEÇAK 
(Coordenação Geral)
Mestre e Doutor em Direito Constitucional e Livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Universidade de São Paulo-USP. Especialista em Gestão Pública pela UFSCAR. Professor Associado da Universidade de São Paulo-USP na Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (Graduação e Pós-graduação). Secretário Geral da Universidade de São Paulo (2010-2014). Professor visitante da Universidade de Salamanca no curso Master en Estudios Brasileños. Coordenador do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Constitucional e Eleitoral da Faculdade de Direito da USP (Ribeirão Preto). Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da USP (Ribeirão Preto).
LEONARDO DAVID QUINTILIANO
Doutor em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Mestrando em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Diretor-executivo do Instituto do Legislativo Paulista. Professor titular de Direito Constitucional, Administrativo e Teoria Geral do Estado da Universidade Ibirapuera. Professor de Direito Constitucional e Administrativo da Escola Paulista de Direito.
BEATRIZ LAMEIRA CARRICO NIMER
Doutoranda e mestre em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Secretária-Geral da comissão Especial de Estudos para o Combate à Corrupção e à Improbidade Administrativa da OAB/SP.
SYLVIO ALARCON
Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo . Bacharel em Direito pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP).
COORDENAÇÃO:
RUBENS BEÇAK
LEONARDO DAVID QUINTILIANO
BEATRIZ LAMEIRA CARRICO NIMER 
SYLVIO ALARCON
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Contribuições à luz da obra de Sérgio Resende de Barros
AUTORES
André Guilherme Bello Teixeira Alves - ok
Alexandre Peres Rodrigues - ok
Beatriz Lameira Carrico Nimer - ok
Denis Fernando Balsamo - FALTA
Érica de Angelis Kawahala - ok
Fabio Franco Pereira - ok
Irineia Maria Braz Pereira Senise - FALTA
João Carlos Navarro de Almeida Prado -ok
Leonardo David Quintiliano - ok
Luís Felipe Ramos Cirino - ok
Luiz Eduardo de Almeida -ok
Pedro Casquel de Azevedo -ok
Pedro Henrique Arcain Riccetto - ok
Rodrigo Rage Ferro - ok
Rubens Beçak - FALTA
Valdir Vieira Rezende - ok
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Contribuições à luz da obra de Sérgio Resende de Barros
COORDENAÇÃO:
RUBENS BEÇAK
LEONARDO DAVID QUINTILIANO
BEATRIZ LAMEIRA CARRICO NIMER
SYLVIO ALARCON
AUTORES:
André Guilherme Bello Teixeira Alves 
Alexandre Peres Rodrigues 
Beatriz Lameira Carrico Nimer 
Denis Fernando Balsamo 
Érica de Angelis Kawahala 
Fabio Franco Pereira 
Irineia Maria Braz Pereira Senise
João Carlos Navarro de Almeida Prado
Leonardo David Quintiliano
Luís Felipe Ramos Cirino 
Luiz Eduardo de Almeida
Pedro Casquel de Azevedo 
Pedro Henrique Arcain Riccetto 
Rodrigo Rage Ferro 
Rubens Beçak
Valdir Vieira Rezende
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Contribuições à luz da obra de Sérgio Resende de Barros
DEDICATÓRIA
A Sergião - o homem por trás do pensador*
Era um menino magrinho de olhos verdes. O filho do meio. Gostava de correr descalço, com o peito nu, pelas ruas sem calçamento da pequena Miraí. Jogava futebol com bola de meia e brincava de caverna no mato. Passava as férias na fazenda do tio João, montando a cavalo, fugindo dos fantasmas e bois brabos, tomando leite fresco das vacas. E já rabiscava os primeiros poemas nos cadernos escolares.
O garoto vivia sujo de terra e Dona Lourdes ralhava com o filho, mandando-o lavar as orelhas para que nelas não nascesse um pé de couve. Quando Seu José decidiu mudar o consultório de dentista para Uberaba, os olhos do menino se estreitaram. O que seria dele na cidade grande? Dona Lourdes, costureira de mão cheia, passou a vestir o filho com coletes de cor escura, que ela mesma confeccionava. Suspensórios e cabelo bem penteado faziam parte do novo visual. 
O menino foi estudar no colégio marista, tornou-se excelente aluno em português, história e latim. Encheu cadernos e mais cadernos de poemas. Foi coroinha, campeão de natação, cronista do jornal local e fez aulas de canto clássico e ópera. Já não era mais menino: deixou crescer o bigode e veio estudar em São Paulo, onde passou em segundo lugar no vestibular para Direito no Largo de São Francisco (reza a lenda que o primeiro colocado nunca apareceu para reivindicar a vaga e até hoje não se sabe quem é). Era o início de uma longa história de amor com a velha e sempre nova Academia, de onde ele só sairia compulsoriamente, cinquenta e dois anos depois, aposentado como Professor Livre-Docente. 
Comprou uma máquina de escrever Remington verde e passou a datilografar seus poemas. A bola de meia ficou em Uberaba e na capital paulista Sérgio virou corintiano. O dom natural para a oratória e as ideias marxistas dialéticas chamaram a atenção da ditadura nos idos de 1964. O jovem orador do Centro Acadêmico XI de Agosto foi perseguido pelos militares e escapou da prisão por um triz, salvo pelo pai de uma bela professora de olhos azuis, seu futuro sogro. 
Sérgio e Ivone casaram-se na catedral de São Carlos, no interior de São Paulo. Vieram uma menina de olhos azuis e um menino de olhos verdes. Durante o dia, Sérgio fundou uma concessionária de veículos, uma empresa de material de construção, uma lavanderia; ocupou cargos públicos e deu aulas em inúmeras faculdades. Durante a noite, o professor Sérgio lia e escrevia, enquanto ouvia as transmissões da rádio BBC de Londres. Imitando o locutor e repetindo as frases em inglês, ele logo aprendeu o idioma. Autodidata e craque em latim, aprendeu sozinho também o francês, o espanhol e o italiano. Foi candidato a vereador, não conseguindo carrear para a política o reconhecimento que veio na academia.
Naquela época, as paredes de sua casa eram forradas de livros e as pilhas de papéis (e livros!) se acumulavam pelo chão. Foram noites e mais noites em claro datilografando teses, livros, artigos, conferências e – sempre – poemas, na companhia de sua fiel escudeira Remington. Era durante a noite, também, que ele contava histórias para a menina de olhos azuis e para o menino de olhos verdes, como aquela do Periquito e Coelhinho, incansáveis heróis que viajavam o mundo sobre uma bicicleta, cujas rodas eram feitas de tampa de Nescau. 
Levou para a sala de aula o hábito de narrar histórias e sua simpatia contagiante fez com que o professor Sérgio fosse apelidado de Sergião pelos alunos.Sergião guarda até hoje o talento para cantar, principalmente quando está entre amigos e a conversa é regada por um bom vinho. Com sua voz de barítono, adora entoar cantigas napolitanas e também não se faz de rogado quando o assunto é cantarolar as tradicionais trovas acadêmicas da SanFran. 
A natação infelizmente teve de abandonar, devido a uma lesão no ombro, herança das épocas de escrita feroz no teclado duro de sua Remington. Mas a paixão pelo futebol não arrefeceu e todos os domingos ele pode ser encontrado diante de sua TV, assistindo aos jogos do campeonato europeu e, claro, do Corinthians. Ela, a Remington, foi presenteada à neta adolescente, que se recusa a escrever em computadores. 
Hoje, vovô Sergião acompanha as braçadas da neta na piscina do clube e não perde um jogo de futebol do neto (que para seu desespero é torcedor do Santos). Atrás dos óculos, os olhos verdes continuam atentos e curiosos, como se desvendassem o mundo pela primeira vez. O menino de Miraí ainda corre descalço e sem camisa pelas ruas e... escreve poemas. 
* Texto de Ana Marta Cattani de Barros Zilveti, filha de Sérgio Resende de Barros. Advogada, bacharel e mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP. 
Justamente para evitar o Estado legalista, é que se deve promover o estudo crítico do Estado de legalidade em cotejo com o Estado de direito. (...) Mas, sobretudo, deve-se interpretar o princípio da legalidade em correlação com os direitos humanos fundamentais, de cuja efetivação decorre a realização do direito como justiça e da justiça como justiça social, pois na verdade – apesar da ampla divulgação de ideologias em contrário – não há direito sem justiça e não há justiça que não seja social: direito injusto e justiça antissocial são contradições em si. Se essas contradições afligirem direitos declarados na Constituição, o Estado de direito não se realizará democraticamente. Não haverá Estado de direito, nem muito menos Estado democrático de direito. A Constituição não passará de folha de papel.
(BARROS, Sérgio Resende de. Aula ministrada na Disciplina "Negação do Estado de direito pelo Estado de Mera Legalidade" oferecida no Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - 2011).
SUMÁRIO
PREFÁCIO	12
INTRODUÇÃO	13
1 - ESSÊNCIA E APARÊNCIA	18
2 - CONCEITO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS	Erro! Indicador não definido.
APÊNDICE - Atualidade Hermenêutica	32
3 - ESTADO DE DIREITO	45
APÊNDICE - O Estado de direito	58
4 - PRINCÍPIO DA SOBERANIA	65
APÊNDICE - A Constitucionalização da União Europeia	75
5 - PRINCÍPIO FEDERATIVO	80
APÊNDICE - Estado Unitário, Estado Regional, Estado Federal	92
6 - SIMETRIA DE PRINCÍPIOS	94
APÊNDICE - A iniciativa das leis tributárias	109
7 - SEPARAÇÃO DE PODERES	115
APÊNDICE - A separação de poderes clássica	129
8 - A DEMOCRACIA	131
APÊNDICE – O voto distrital	141
9 - DIREITOS HUMANOS	147
APÊNDICE - A evolução até os direitos (humanos)	160
10 - DIREITOS SOCIAIS	163
APÊNDICE - Noções sobre gerações de direitos	181
11 - A SEGURANÇA JURÍDICA	188
APÊNDICE - Irretrotatividade de leis	205
12 - DIREITO ADQUIRIDO	Erro! Indicador não definido.
APÊNDICE - A reforma da previdência e os direitos adquiridos dos servidores	213
13 - MORALIDADE ADMINISTRATIVA	230
APÊNDICE – Contribuição dialética para o constitucionalismo	242
14 - OS PRINCÍPIOS DA MOTIVAÇÃO E DA FINALIDADE E O DESVIO DE PODER	244
APÊNDICE - O Poder Judiciário e as políticas públicas: alguns parâmetros de atuação	256
15 - DEVIDO PROCESSO LEGAL	261
APÊNDICE - A cpi como instrumento de apuração da corrupção	261
16 - PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NAS LICITAÇÕES E CONTRATOS	289
APÊNDICE - A solução criativa	306
17 - A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR	309
APÊNDICE - Direito do consumidor e gerações de direitos	324
18 - A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA FAMÍLIA	328
APÊNDICE - Direitos humanos da família: principiais e operacionais	342
19 - O DIREITO AO AFETO	349
PREFÁCIO
Rubens Beçak[footnoteRef:2] [2: Mestre e Doutor em Direito Constitucional e Livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Universidade de São Paulo – USP. Professor Associado da Universidade de São Paulo – USP - Secretário Geral da Universidade de São Paulo (2010-14). Professor Visitante na Universidad d Salamanca no Centro de Estudios Brasileños.] 
Tarefa das mais difíceis escrever sobre o amigo e Professor Sérgio Resende de Barros.
Parceiro de tantos anos, Sérgio Resende de Barros figura-se muito fácil porque é pessoa conhecida, lhana, extrovertida, com larguíssima expertise nas suas áreas de atuação, notadamente a científico-acadêmica. Professor que descobriu sua vocação muito cedo, já no famoso e antigo curso Castelões no qual ministrava aulas de latim e gramática do português, passou por uma série de instituições de renome, culminando em importante carreira na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (a FD-USP), formando uma legião de alunos nos cursos de graduação, especialização e pós-graduação (lato e strictu senso).
Por que então a dificuldade no desiderato proposto? Porque certamente é uma grande responsabilidade! Possuindo as raras qualidades de um didatismo nato, claro e raro, sendo humanista daqueles que dispensa especificação, pensador, professor e jurista dos mais completos, transcendendo a erudição jurídica, pôde mostrar ao longo de suas décadas de vida e atuação que é pessoa diferenciada a gerar saudades e mais saudades em tantos que passaram por suas obras, aulas, palestras e bancas.
Aqui, nesta obra, vinda a lume em caprichada edição da Editora, parte significativa de seus inúmeros ex-orientandos, hoje mestres e doutores nas mais diversas áreas das carreiras jurídicas, bem como colegas e admiradores como este signatário, somam-se em justa e devida homenagem, traduzida na elaboração conjunta desta obra, buscando estabelecer diálogo da mais alta importância com a obra do Mestre de sempre.
Boa leitura!
						São Paulo, inverno de 2017.
INTRODUÇÃO
Leonardo David Quintiliano[footnoteRef:3] [3: Especialista em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Mestrando em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Doutor em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Professor de Direito Constitucional e Administrativo da Universidade Ibirapuera e da Escola Paulista de Direito. ] 
Rubens Beçak
A presente obra objetiva a promoção de um diálogo contemporâneo entre os autores e o pensamento de Sérgio Resende de Barros, aplicado à temática dos princípios constitucionais.
O Direito Constitucional, nas palavras desse professor e pensador, é o lugar onde a política e o direito se encontram. Consistindo a política na arte de escolhas, segundo valores éticos e morais que devem pautar a sociedade e, em sendo a Constituição o local onde as primeiras e essenciais escolhas encontram-se depositadas, entender os princípios constitucionais leva – em síntese – à própria compreensão dos arquétipos valorativo-normativos que conformam a estrutura estatal.
O estudo dos princípios constitucionais – porquanto permeados de forte carga axiológica – exige não apenas um domínio de técnicas de interpretação de raiz dogmática, de uma lógica formal indutiva ou dedutiva, mas também uma predisposição ao estudo e certo domínio da própria história da humanidade, especialmente do surgimento e da evolução dos diversos ordenamentos éticos, morais e jurídicos, que darão forma a valores e institutos consagrados no ideário dos direitos humanos, cujo conteúdo vai preencher o sentido de expressões incorporadas aos textos constitucionais, sem qualquer definição jurídica delimitada.
É justamente aí, na busca das razões históricas que determinam e explicam escolhas políticas, que os ensinamentos de Sérgio Resende de Barros oferecem grande contribuição para o estudo do tema, como será a seguir demonstrado.
Nascido na cidade de Miraí, no Estado brasileiro de Minas Gerais, em 5 de março de1941, mudou-se para a cidade de São Paulo em 1960.
Sua excelente formação básica, tendo estudado no Colégio Marista de São Carlos, e seu domínio do Latim e da História da literatura portuguesa e latina influenciaram não apenas seu ingresso na Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade de São Paulo – USP, mas especialmente seu método de investigação científica, buscando na origem etimológica dos termos a causa semântica dos inúmeros institutos jurídicos cuja evolução de sentido se perdeu ao longo dos tempos. Daí também deriva sua oratória e didática, características que o conduziram a orador de sua turma e grande expoente do Centro Acadêmico XI de Agosto nos anos de regime autoritário no Brasil.
Foi ali, no pátio da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, que sua preocupação com a justiça social ganhou um norte a seguir, passando a se interessar pela literatura marxista, que igualmente influenciou seu pensamento e sua produção científica.
Em seu primeiro trabalho, não publicado, para obtenção do título de mestre em Direito, escreveu sobre o veto, suas origens e importância para a nova República como freio ao Poder Legislativo. Em sua conclusão, prenunciava sua característica acadêmico-política, mediante a qual o conhecimento científico pode e deve ser instrumento de colaboração para o aperfeiçoamento dos institutos políticos e consequentemente desenvolvimento da sociedade:
Por isso, com o propósito de contribuir para a Constituição da Nova República, a CONCLUSÃO GERAL deste estudo jurídico é uma PROPOSTA DE APERFEIÇOAMENTO DO SISTEMA CONSTITUCIONAL DE FREIOS E CONTRAPESOS, na fase de colaboração do Presidente da República com o Congresso Nacional, no processo legislativo brasileiro:
- REDUZIR AO MÁXIMO O PODER DE INICIATIVA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA PARA GARANTIR-LHE NO MÁXIMO O PODER-DEVER DE SANÇÃO OU VETO.
Assim é na Constituição dos Estados Unidos da América. Para o Brasil, não será pura imitação. Nem mero modismo. O que o ESTUDO propõe a HISTÓRIA aprovou. (Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo: 1987, p. 171).
Já em sua primeira obra completa publicada, "Liberdade e Contrato: a crise da licitação" (Piracicaba, SP: Unimep, 1995), Barros analisa criticamente a licitação e os contratos administrativos. A despeito de se tratar de um tema com abordagem eminentemente dogmática, o autor o aborda numa perspectiva crítico-dialética, já podendo ali se notar a metodologia histórico-conceitual que viria a marcar seu pensamento. No capítulo dedicado às críticas à licitação, expõe a contradição que existe entre a restrição da liberdade de contratar e a utilidade dessa limitação, rompendo já há quase vinte anos com o mito, ainda hoje presente, de que as duras regras impostas pela legislação para licitar e contratar constituem o melhor meio para se evitar o desvio de finalidade e a corrupção. E na busca dos fundamentos mais mediatos, recorre à história:
Esse fechamento do mercado dentro do campo licitatório – contradição a que o liberalismo não pôde escapar quando montou o mecanismo da licitação para defender a liberdade individual contra a ingerência estatal – é o pecado mortal da licitação clássica, que a condenou ao inferno de contradições em que ela vive até hoje. 
Ao colocar o Estado-lei no lugar do Estado-rei, a fim de proteger o indivíduo contra a opressão real, os liberais lançaram mão do Estado protetor contra o Estado opressor. Dessa forma, ainda que tenha sido contra o Estado, não deixaram de valer-se do Estado, o que os levou a dificuldades na formulação do Estado mínimo e a contradições com os postulados de liberdade e auto-regulação.[footnoteRef:4] [4: BARROS, Sérgio Resende de. Liberdade e Contrato: A Crise da Licitação. 2. ed. Piracicaba: UNIMEP, 1999. p. 160.] 
Em outra passagem, conclui que o "princípio da licitação", expresso pelo dever de licitar, segundo as regras postas, sempre que possível, ainda remonta à concepção liberal clássica que forjou um conceito-princípio de licitação baseado na preservação da liberdade individual como fim do próprio Estado.[footnoteRef:5] [5: Ibid. p. 161.] 
O emprego de neologismos, característica presente em suas obras (fruto de seu domínio do latim), também aparece com uma precisão conclusiva no uso da expressão dialicitação (licitação-diálogo): o diálogo e a livre e intensa negociação deveriam substituir, no futuro, o princípio da licitação. Essa seria a única forma de resolver a contradição liberal da autorregulação social pelo mercado e a necessidade de proteção estatal. Finalmente, traço distintivo das genialidades, a predição aparece em sua conclusão: 
Em futuro próximo, o próprio dinamismo e imprevisibilidade do mercado, assim como a pluralidade e intercomplementaridade das soluções que a tecnologia já oferece para os problemas vividos pela administração pública, exigirão a dialicitação, irrecusavelmente. [footnoteRef:6] [6: BARROS, Sérgio Resende de. Liberdade e contrato...op. cit., p. 191.] 
Publicado em 1995, ou seja, dois anos depois da edição da Lei federal n. 8.666/1993, que instituiu normas gerais de licitação e contratos, o trecho acima prenuncia uma nova modalidade que viria a permitir maior diálogo na escolha do contratado pela Administração Pública – o pregão –, criada pela Lei federal n. 10.520/2002.
Em 2003, foi publicada uma de suas obras mais importantes: "Direitos Humanos: paradoxo da civilização"(Belo Horizonte: Del Rey). Discorrendo sobre a evolução da relação entre os sujeitos governados e os governantes, dos deveres impostos pelos governos aos direitos opostos pelos sujeitos, Barros desvela um capítulo anterior à origem dos direitos humanos: a luta pela transformação na relação de poder entre o indivíduo e o Estado, da qual resultam os fundamentos para a construção do Estado moderno e das declarações de direitos.
E no tema dos direitos humanos, mais uma vez a visão dialética do fenômeno se encontra presente nas lentes de Barros, que observa, com rara acuidade, a existência de mais uma contradição nesse processo: a evolução do reconhecimento dos direitos humanos pelas sociedades modernas não se fez acompanhar de uma diminuição da agressão aos mesmos direitos. Pelo contrário, como explica o autor:
De fato, ao término do vigésimo século da era cristã, a humanidade vive o aguçamento de uma contradição histórica, que pode ser chamada o paradoxo da civilização: a agressão aos direitos humanos não arrefeceu, mas cresceu com o progresso da civilização humana, ao contrário do que seria de esperar. Mas, não obstante seja uma contradição da civilização com a própria civilização, a negação dos direitos humanos pelos seres humanos se expande. Pela atividade individual (homicídios, assaltos, estupros, atentados, torturas, etc.) e coletiva (genocídios, holocaustos, extermínios, guerras, etc.), assim como pela passividade (endemias, epidemias, miséria, fome, etc.), os direitos da pessoa humana são violentados, tanto os fundamentais quantos os operacionais, em todos os países, tanto os desenvolvidos como os subdesenvolvidos. No globo terrestre, condições e estágios de cultura divergentes apontam para uma convergência de processo e resultado: a civilização humana progride, mas o desrespeito aos direitos humanos não regride.[footnoteRef:7] [7: BARROS, Sérgio Resende de. Direitos humanos: paradoxo da civilização. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 445-6.] 
A influência marxista, porém, atingiu seu ápice na obra "Contribuição dialética para o constitucionalismo", apresentada ao concurso para Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e publicada em 2007 (Campinas: Millenium Editora). Mediante o emprego da metodologia dialética, que transparece inclusive na linguagem empregada, o trabalho remete o leitor à ideia de dinamismo e relativismo que caracteriza o constitucionalismo, oferecendo uma visão complementar à dogmática tradicional do direito do Estado e ao seu formalismo. 
Dentre as diversas teses apresentadas em sua última obra publicada, destaca-sea ideia de que só é possível falar em Estado a partir do mercantilismo. Embora outros autores também adiram a essa corrente, a fundamentação pode ser considerada original. O Estado, segundo Barros, é caracterizado por uma "relação de sujeição institucionalizada" da sociedade civil. Embora por ela criado e determinado, o Estado se volta contra a mesma sociedade que o institui, implicando uma relação de antagonismo entre ambos, que se observa tanto na forma (relações jurídicas de oposição entre Administração e administrados), quanto no conteúdo (tensões políticas entre cidadãos e seus representantes e interesses divergentes do Estado e dos agentes econômicos). Essa tensão criada pela existência de uma sociedade civil (cidadãos e suas diversas formas de associação, inclusive empresariais) com interesses próprios e não coincidentes com os interesses da sociedade política (agentes estatais) explica em grande parte o papel do Direito na sociedade moderna e sua inefetividade em certas áreas, como se dá no caso dos direitos fundamentais. Antes da dicotomia entre sociedade civil e sociedade política, o poder político se assentava no poder econômico e a relação de sujeição dos indivíduos aos governantes fundava-se nas ideologias da religião e da propriedade, como bem explica o seguinte excerto:
Quem “mandava” na economia “comandava” na política. Os donos das terras governavam os que habitavam as terras de que eram donos. O direito de governo decorria diretamente do direito de propriedade. Essa antiga situação é verificável ainda no feudalismo, mas vem desde o escravismo mais remoto, quando o domínio material das terras e coisas sociais ainda se fazia formalmente em nome das famílias tribais – clãs – pelos seus patriarcas. Mas, na superação final do feudalismo pelo capitalismo, a industrialização necessitou em plenitude da liberdade de ação e contratação. Por reflexo cultural, a sociedade civil exigiu a Constituição para garantir plenamente a liberdade individual contra o poder político que se tornara absoluto no processo de consolidação do Estado nacional. O que converteu em antagonismo a contradição do rei com a sua base, a sociedade burguesa, da qual pretendeu ideologicamente se desligar para basear-se no direito divino. Nesse instante, a ideologia foi tão vital, que o constitucionalismo nasceu como ideologia, afeita ao liberalismo, predicando como ideia-força escrever a Constituição, mas não contra a monarquia: contra o absolutismo da monarquia.[footnoteRef:8] [8: BARROS, Sérgio Resende de. Contribuição dialética para o constitucionalismo. Campinas, SP: Millennium, 2007. p. 251-2.] 
Em torno da concepção de ideologia como desvio inconsciente da realidade (que absolutiza a compreensão de seu objeto e, ao fazê-lo, cria distorções, uma vez que todo fenômeno envolve uma cognição relativa), Barros dedica seus últimos escritos à crítica da ideologização do Estado de direito como Estado de mera legalidade, e não como um Estado de valores de justiça social e reconhecimento dos direitos humanos pelo poder estatal. O primeiro capítulo da presente obra traz seu artigo ainda não publicado sobre essência e aparência, em que esse aspecto é mais bem desenvolvido.
O fenômeno da constitucionalização dos demais ramos do Direito, em especial o Direito Civil, também passa a ser seu objeto de estudo, notadamente a constitucionalização do Direito de Família. Sobre esse tema foram escritos pelo autor doze artigos, destacando-se "Matrimônio e Patrimônio" (BARROS, Sérgio Resende de. In Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, IBDFam, v. 1, n. 1, abr./jun., 1999) e "O direito ao afeto", que compõe a presente obra.
Além dos pontos já destacados, seu trabalho aborda inúmeros outros temas concernentes aos princípios constitucionais, resgatando, com originalidade, precisão e profundidade o conceito histórico de valores políticos, como a separação dos poderes, o federalismo, o poder constituinte, o controle de constitucionalidade, a democracia e os próprios direitos humanos.
O presente trabalho constitui, assim, não apenas um desafio aos colaboradores no estabelecimento de um diálogo com sua rica obra em cada temática, mas um inquestionável legado de referência metodológica e de conteúdo histórico, filosófico e dogmático do Direito Constitucional para todo estudante de Direito. Em tempos de superficialidade da leitura e do estudo, o conhecimento da obra de Sérgio Resende de Barros é indispensável a qualquer jurista que se debruce sobre o tema do constitucionalismo.
1 - ESSÊNCIA E APARÊNCIA
Sérgio Resende de Barros
Primeira aula escrita preparada para a disciplina “A negação do Estado de Direito pelo Estado de mera legalidade”, ministrada no programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, no segundo semestre de 2009.
Não é raro o fato de que o Estado de direito não exista na essência onde ele existe na aparência. Ocorre aí o Estado legal, ou seja, um Estado de mera legalidade, que não passa de aparência ilusória do Estado de direito. A experiência diária mostra que, no mais das vezes, a aparência não revela, mas vela a essência das coisas. Vale dizer: a essência de um fenômeno não se manifesta imediatamente em sua aparência. É necessária a interpretação. Se a aparência sempre revelasse de imediato a essência das coisas do mundo, toda a ciência seria desnecessária. No fundo, ciência é interpretação. Inclusive o Direito. O conhecimento – e sobretudo o conhecimento científico – não é mera fotografia do objeto pelo sujeito. O sujeito ao mesmo tempo conhece e interpreta o objeto. Conhece interpretando e interpretando conhece. Na medida em que se avança nesse processo, as essências descobertas tornam-se aparências de essências mais profundas. As essências interpretadas revelam-se como aparência de novas essências. Aparência e essência são, portanto, contrários que se tornam um no outro.[footnoteRef:9] Por isso, a interpretação sucessiva e consecutiva da interação dialética entre aparência e essência pode levar até a substância mais essencial, a realidade mais substancial. Chegar a um conhecimento progressivo e progressista: sempre mais profundo e efetivo da realidade que jaz sob as formas das coisas do mundo. Entrementes, vezes há em que o próprio sujeito trunca o progresso: interpreta superficialmente a aparência do objeto, o que gera conhecimento defeituoso ou deficitário. O processo cognitivo não chega ao mais verdadeiro. Não age pela ciência, mas reage a ela – é reacionário – quase sempre encantado pelas inversões ideológicas.[footnoteRef:10] [9: Os contrários se combatem, embora no processo de sua contradição sejam inseparáveis mas superáveis. Tudo é o que não é. Mas não absolutamente, porém relativamente: dentro do processo do movimento. Pois, como tudo está em movimento, o que não é vem já sendo no processo em que o que é vai já deixando de ser. O futuro vem da luta contra o presente: é a luta pela transformação do presente no seu contrário: o passado. Movimento é continuamente embate e superação entre contrários, os quais, satisfeitas certas condições, se transformam um no outro. A contradição do novo com o velho se resolve na passagem em que o novo supera definitivamente o velho e, ficando no lugar dele, já vai se tornando velho em face do novo que já está chegando. Assim tudo se movimenta e evolui. É do velho que nasce o novo que se converte nele. É do adulto que nasce o adolescente que se converte nele. O movimento enreda continuamente contrários em um processo dialético de contraste mas de unidade, de implicação mas de superação, de negação mas de continuação, entre eles. Um está em função do outro, embora estejam em sentido contrário: um passando a ser o que o outro vai deixando de ser. No fim, realizadas as condições necessárias (por exemplo, que o novo não morra precocemente ou não desapareça por acidente, interrompendo o processo), aquele se transforma neste, ou seja, converte-se no seu contrário. Por conseguinte, a contradição assume particular relevância quando,em certo instante do movimento, em determinadas condições, os contrários se convertem um no outro. O que pode suceder em continuidade. Por exemplo, no processo do estudo, a ignorância se converte em sabedoria, mas, na medida em que o sábio, pela ciência que adquiriu, toma consciência do quanto ainda ignora, converte-se no ainda ignorante que torna a lutar para ser mais sábio – e assim o processo do estudo avança pela continuada luta dos contrários em superação entre si, um se convertendo constantemente no outro, cujo sentido lhe é oposto seguidamente. Essa contrariedade de sentido é que faz com que essa conversão nunca seja mera repetição. A ignorância é continuamente superada pela ciência, o que gera em cada momento da contradição entre ambas uma sabedoria mais essencial. O novo nunca vem a ser exatamente o que o velho foi. Nos sucessivos graus de avanço do estudo, um maior reconhecimento da ignorância se opõe constantemente a um maior conhecimento das coisas. Nasce da luta contínua contra a ignorância uma sabedoria cada vez maior e melhor. Há crescimento quantitativo, mas também mudança qualitativa, que às vezes é salto qualitativo. Superação dialética não é mera substituição. É evolução quantitativa e qualitativa. Constitui uma passagem do inferior para o superior. Mesmo quando pareça gerar algo pior. Mas a aparência pode enganar. É preciso interpretar profundamente a aparência do novo, pois o progresso pode estar recôndito bem no fundo dela. Por exemplo, a escravidão é um mal. Contraditoriamente, porém, no fundo de sua aparência, em sua razão histórica, como fundante da civilização, esse mal contra a humanidade foi necessário ao progresso da humanidade no momento inicial do processo civilizador, quando somente a sua essência (a exploração radical do trabalho humano), atuando na infraestrutura econômica, pôde ensejar na superestrutura cultural o salto qualitativo então necessário ao avanço das ciências e das artes, sobretudo da Política e do Direito como ciências e artes de ordenar e governar a sociedade humana. De fato – é fato histórico – a escravidão foi a contrapartida da democracia grega e do direito romano, sem a qual filósofos e juristas, se obrigados aos trabalhos braçais, não teriam tido condições de pensar e escrever. Entretanto, fora desse momento em que foi historicamente necessária, a escravidão converte-se em seu contrário: deixa de ser um fator de construção, para ser um fator de destruição da civilização humana. Note-se, pois, que não se devem interpretar as passagens da história senão por sua razão histórica inerente, à luz da qual se pode entender que, no desate essencial das contradições históricas aparentes, o contrário se converte no seu contrário, evoluindo em progresso. Em suma, a lei da contradição se completa pela lei da conversão dos contrários e ambas são princípios fundantes – fundamentos principiais – da dialética.] [10: Em virtude da própria lei da conversão dos contrários, a falsa consciência ideológica não raro inverte a concepção da existência. Converte criaturas em criadores de quem na realidade as criou. Funciona como as caixas fotográficas dos antigos fotógrafos lambe-lambes, dentro das quais a realidade se enxergava de cabeça para baixo, criando sobre o natural um espectro que não o refletia naturalmente, mas invertidamente.] 
Tome-se um exemplo: o sistema solar. A ideologia sobrenatural inverteu a realidade natural: estacionou a Terra no centro do universo. De fato, como objeto do conhecimento, o sistema solar revela em sua aparência imediata que todos os astros giram em torno de um centro de fixação, o qual para isso só pode estar fixo, a Terra, sobre a qual se firmam para não cair de suas órbitas. Daí, o nome firmamento dado a essa realidade, à luz de cuja aparência a Terra foi interpretada como núcleo fixo: o ponto de fixação – algo parecido com um caroço – do universo. As aparências enganam até grosseiramente por força das analogias vulgares. Mas foi dessa interpretação imediatista e vulgar da aparência que nasceu o geocentrismo, passando do senso comum para o senso científico da era medieval. Mas foi o próprio evoluir da ciência no fim da Idade Média que demonstrou o erro dessa interpretação simploriamente presa à aparência. A realidade é o heliocentrismo: os planetas com seus satélites giram em torno do sol, constituindo o sistema solar. A evolução da ciência revelou mais ainda: na realidade mais ampla e profunda do universo, também o sol gira em torno de outros astros que também giram entre si: tudo se movimenta. Incontáveis estrelas e galáxias se movem de per si, pelo seu movimento inerente, assim em si como entre si, acomodando-se ou entrechocando-se por gravitação e inércia, sem cessar. O universo é movimento contínuo e perene, em que nada nunca está parado, mesmo quando pareça estar.
Matéria é movimento. Mesmo onde não pareça ser. A aparência nem sempre traz – mas às vezes trai – a verdade. Porém, mesmo enganosa, a aparência não é um simples fantasma criado pela mente. A Terra parecer parada como centro do universo não é mera ilusão fantasmagórica. Essa aparência é um fato da realidade do mundo, ainda que seja um fato que ilude.[footnoteRef:11] Por isso mesmo, bem afirma o povo que nem tudo que reluz é ouro. Acrescente-se: embora reluza. De mais a mais, não só no campo das ciências físicas as aparências reluzem enganosamente. Também no campo das ciências sociais. Pelo que, parafraseando o senso popular, pode-se dizer que nem tudo que parece ser direito é direito, ainda que reluza como sendo. No mesmo sentido, nem tudo que parece ser Estado de direito é Estado de direito, mesmo reluzindo como se fosse. [11: Sobre a relação entre aparência e essência da realidade, ver as exatas e proveitosas noções expostas em: ALVES, Alaôr Caffé. Estado e ideologia: aparência e realidade. Apresentação de Dalmo de Abreu Dallari. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 23 s.] 
Ademais, outro condicionante: no processo do conhecimento, o sujeito está condicionado não só pela aparência objetiva, mas também por sua realidade subjetiva. Além das condições objetivas, também condições subjetivas afetam o pensamento. Veja-se: Aristóteles admitiu existir escravidão natural – um fato natural, derivado da natureza das coisas – não só porque viveu o auge do escravismo antigo, mas também porque o viveu como membro da classe dominante, convivendo entre os escravocratas. Certamente, ele jamais teria admitido a escravidão, se houvesse vivido como escravo. Ao contrário: é bem provável que, como Espártaco, teria usado de seu gênio não para justificar naturalmente a escravidão, mas para rebelar os escravos. O pensamento é condicionado pela vivência do sujeito. Os seres humanos pensam como vivem e, sobretudo, como trabalham. Todo modo de produção – o escravista, o feudal, o capitalista, o socialista – é também um modo de produção de homens. Consequentemente, de ideias e ideologias. Se a mera divisão funcional ou profissional do trabalho tende a gerar a divisão das ideias em concepções e ideologias diferentes e até contraditórias, muito mais essa divisão se dá em decorrência da divisão social do trabalho nos diversos modos de produção.[footnoteRef:12] [12: Essas noções, inclusive sobre a ideologia em Aristóteles, são explicadas mais amplamente em meu livro Contribuição dialética para o constitucionalismo. Campinas: Editora Millennium, 2007. p. 90 e segs.] 
Em suma, as concepções e os hábitos intelectuais, a situação social e o nível cultural, os interesses da pessoa ou da família, ou de um grupo corporativo ou da classe social, enfim, inúmeros fatores que afetam o sujeito condicionam o pensamento. O processo do conhecimento é condicionado por elementos que são próprios do sujeito: são subjetivos. No entanto, mesmo nessa qualidade subjetiva, fazem parte da realidade objetiva em que o conhecimento se processa. Afloram de suas cavas subjetivas e, escavados, podem ser captados como realidade objetiva. Assim o subjetivo se torna no seu contrário. O sujeito torna-se objeto do próprio sujeitona concretização do processo do conhecimento. Sem o que o pensamento fica alienado no abstrato: no puro objeto pensado, abstraído o sujeito pensante, o que falseia o conhecimento e resvala para a ideologia. O abstrato é extraído do concreto, mas não pode ser subtraído ao concreto, pois o concreto nega o abstrato que o nega. Sem essa negação da negação, o intelecto fica no abstrato alienado – na generalidade ensimesmada, na teoria pura – e daí recai para a ideologia. No fundo, no desate do processo do conhecimento, a dialética é sempre dialética do concreto.[footnoteRef:13] Sob pena de ser ilusão. Atente-se aqui de novo para o elemento ideológico, que sempre sobressai pelos aspectos particularmente contraditórios, que lhe são inerentes. Veja-se. A seguir. [13: Por oportuno, ler: KOSÍK, Karel. Dialética do concreto. Trad. Célia Neves e Alderico Toríbio. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969. passim.] 
Uma vez que condicionamento dialético não é determinismo físico, a ideologia pode até levar o sujeito a pensar e atuar em movimentos culturais e partidos políticos que contradigam os interesses de sua classe social. Mas, via de regra, a ideologia reforça o equívoco na percepção e interpretação da aparência. Já se mostrou como na Idade Média a ideologia religiosa reforçou o geocentrismo. A percepção meramente sensorial de que a Terra é o centro do universo robusteceu-se na medida em que se tornou concepção aparentemente científica, embora essencialmente ideológica, fundamentada na Bíblia, na qual está dito que Deus fez o homem à sua imagem e semelhança[footnoteRef:14] e, por isso, não o colocaria em astro secundário, mas tão-somente no astro central do universo. Sendo essa a única dedução possível, assim se provava “biblicamente” que a Terra é o centro do universo. Quem pusesse em dúvida essa verdade digna de fé sofreria as torturas e as penas da Inquisição. [14: Cf. livro do Gênesis, capítulo 1, versículo 26. In: Bíblia Sagrada. 2. ed. São Paulo: Ave Maria, 1960. p. 53. ] 
Na atualidade, já agora no campo do Direito do Estado, acha-se na doutrina do mérito administrativo outro exemplo expressivo da relação dialética em que essência e aparência se implicam mutuamente, embora se negando reciprocamente. Essa doutrina surgiu por influência do direito administrativo clássico, preso ao Estado liberal não intervencionista. Assim fundada, fez radical separação entre aspectos discricionários e aspectos vinculados dos atos administrativos, exatamente para evitar em boa parte deles a intervenção do Estado na ordem econômica pela ação do Poder Judiciário. No entanto, essa doutrina persiste. Resiste, apesar de hoje a evolução do constitucionalismo de abstencionista liberal para intervencionista social e o próprio texto de Constituições recentes, como a brasileira de 1988, apontarem para a necessidade de o Estado fiscalizar, incentivar e planejar a ordem econômica. 
Com efeito, o artigo 174 da Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, erige o Estado em agente normativo e regulador da atividade econômica e, nesse sentido, determina-lhe três funções básicas, a de fiscalizar, a de incentivar e a de planejar, sendo o planejamento determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. O Estado tem, pois, a função-dever de planejar para si próprio e para a sociedade civil que o sustenta. Como parte dessa função-dever, o Estado submete a condições políticas e institucionais os cálculos econômicos e financeiros relativos a seus atos políticos e administrativos, endereçando-os para uma possibilidade de execução decorrente de uma adequação razoável e proporcional entre meios e fins. O planejamento fica, assim, submetido à razoabilidade e à proporcionalidade, além de outros princípios jurídicos ordenadores da administração pública, entre os quais a legalidade e a legitimidade, a impessoalidade e a moralidade, a motivação e a publicidade, a eficiência e a eficácia, e outros.[footnoteRef:15] [15: São princípios afirmados pela doutrina e pela jurisprudência. Muitos, expressos nos textos constitucionais brasileiros, o federal e os estaduais. Cf. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, art. 37, caput. Cf. tb. Constituição do Estado de São Paulo, de 5 de outubro de 1989, art. 111, caput.] 
Com esse endereçamento, o plano racionaliza e coordena, unifica e sistematiza a atuação do Estado, em função de uma política geral. “O plano é a expressão da política geral do Estado.”[footnoteRef:16] Mas a política e o plano gerais se desdobram em subdivisões específicas, por setorização, e em subdivisões especiais, por valoração. Dentre esses desdobramentos, hoje se destacam as políticas públicas. São desdobres específicos e especiais, inseridos no processo do planejamento geral.[footnoteRef:17] São específicos, porque se dirigem a um setor de atuação. São especiais, porque o dirigem em função de um valor superlativo.[footnoteRef:18] Exatamente por dirigirem assim a vontade estatal, as políticas públicas devem estar de acordo com o ideário axiológico ou – como prefere Bercovici[footnoteRef:19] – com a ideologia constante ou dedutível da Constituição do Estado. Também é por isso que se demanda que a Constituição estabeleça as matérias fundamentais – as premissas materiais – das políticas públicas. [16: BERCOVICI, Gilberto. Planejamento e políticas públicas: por uma nova compreensão do papel do Estado. In BUCCI, Maria Paula Dallari (org.). Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 143.] [17: Não se deve confundir planejamento com plano. Planejamento é a série de atos coordenados para produzir o plano. É o processo de produção do qual o plano é o produto.] [18: Chamo valores superlativos os valores notórios, cuja importância para o ser humano independe de comprovação, tais como a saúde, a educação, a cultura, o meio ambiente, a moradia, a família, etc.] [19: Cf. BERCOVICI, Gilberto. Planejamento e políticas públicas... op. cit., p. 145.] 
Essa demanda é reproduzida por muitos autores. Vale destacar José Joaquim Gomes Canotilho, cuja tese de doutoramento na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra versou sobre a ideia de uma “constituição dirigente” correlacionada com a “vinculação do legislador”, prestando um “contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas”. Em boa parte, consoa com essa tese o normativismo revolucionário implantado em 1976 na versão original da atual Constituição portuguesa, consubstanciado na possibilidade de construir um Estado socialista mediante um dirigismo constitucional radical, ou seja, dirigindo-se nesse sentido as normas da Constituição.[footnoteRef:20] [20: Um estudo histórico-dialético explica o fracasso prático do dirigismo constitucional teorizado por Canotilho. Falhou porque ultrapassou o limite de possibilidade da Constituição. Cf. BARROS, Sérgio Resende de. Contribuição dialética para o constitucionalismo... op. cit., p. 58 s. ] 
Publicada, a tese teve ampla repercussão, inclusive no Brasil. Sobreveio a segunda edição. Mas, com surpreendente prefácio, em cuja conclusão – após declarar que “a Constituição dirigente está morta se o dirigismo constitucional for entendido como normativismo constitucional revolucionário” – Canotilho ressalvou que “alguma coisa ficou, porém, da programaticidade constitucional”, acrescentando que “os textos constitucionais devem estabelecer as premissas materiais fundantes das políticas públicas num Estado e numa sociedade que se pretendem continuar a chamar de direito, democráticos e sociais”.[footnoteRef:21] [21: Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2001. Prefácio, p. XIX s.] 
De fato, a fixação das políticas públicas não pode ser arbitrária, mas deve principiar na Constituição, sob pena de facilitar a prática do Estado de legalidade pela negação apenas deletéria – meramentedestruidora – do Estado de direito. A arbitrariedade é uma negação destrutiva – não construtiva – do Estado de direito. Contradiz apenas para destruir. Não evolve para o melhor. Não desenvolve o direito existente. Não o supera. Apenas o corrompe. O que ocorre sempre que o governo e a administração do Estado deixam de ser essencialmente para serem aparentemente democráticos, por fugirem ao que lhes impõe a Constituição como expressão do interesse público primário de realizar a justiça social como condição da democracia substancial. Foi para essa realização, com o fito de construir um Estado democrático de direito, que a Constituição brasileira de 1988 incrementou a declaração de direitos sociais, econômicos e culturais, bem como de direitos coletivos e difusos. Daí, por que nela – nesses direitos – é que se devem fixar as premissas materiais das políticas públicas, sob pena de serem negadas simploriamente – destruídas efetivamente – por politiquices tais como bolsas de teor caritativo, que nada constroem, se não por mais, ao menos porque não geram empregos nem produção. 
A Constituição projeta assim – construtivamente – um mínimo existencial. Pelo que a efetivação desses direitos como mínimo existencial está intimamente ligada à sua metamorfose programática em políticas públicas, bem como à metamorfose democrática das políticas públicas em políticas do povo, sob pena de se tornarem em sua essência meras políticas eleitorais com aparência de políticas públicas, atendendo não ao interesse público primário, coletivo e social, mas ao “interesse da administração enquanto sujeito jurídico”, que não é “senão um dos interesses secundários existentes no grupo social” e que “pode facilmente achar-se em conflito com o interesse público”, como discerne Renato Alessi.[footnoteRef:22] [22: Cf. ALESSI, Renato. Sistema istituzionale del diritto amministrativo italiano. Milão: Giuffrè, 1953. p. 152.] 
Fora desse enquadramento no interesse público primário, não há propriamente políticas públicas, uma vez que é vital para o correto estabelecimento delas a distinção entre interesse público primário (da sociedade enquanto governada e administrada para o bem comum essencial) e interesse público secundário (dos órgãos públicos enquanto dominados por corporações partidárias ou até por pessoas físicas), pois os órgãos públicos assim dominados facilmente deslizam para bens públicos apenas aparentes, quando não para bens particulares. As políticas, à medida que se distanciam do interesse público primário, arriscam-se a ser pseudo-públicas, no mínimo porque causam o desperdício pela dispersão dos recursos do Estado. De fato, deixam que os atos administrativos atendam a desígnios de governantes ou a reivindicações de governados de forma essencialmente dispersa, livre de fundamentos comuns e unificadores, mesmo quando revistam alguma coerência esporádica e aleatória: mais de aparência do que de essência. O que inibe todo o controle, não só o interno a cada Poder, mas também o externo entre os Poderes e, o que é pior, o da cidadania sobre o governo.
Uma tal dispersão da ação administrativa consiste e redunda em atos administrativos isolados, causando desarranjo administrativo. Essa situação difusa e confusa – a dispersão da ação por atos isolados – é o que existiu entre nós antes e mesmo depois do advento do orçamento-programa, na segunda metade do século XX, ainda que tenha sido por ele um pouco mitigada. No plano normativo, foi decisiva para a implantação do orçamento-programa a Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, assinada no final do Governo João Goulart, a qual estatuiu – como diz a sua Ementa – “Normas Gerais de Direito Financeiro, para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do distrito Federal.” Não obstante isso, os atos administrativos continuaram a ser praticados de forma essencialmente isolada, ainda que coordenados na aparência orçamentária. A Constituição de 24 de janeiro de 1967, no parágrafo único do artigo 63, nos parágrafos 4º e 6º do artigo 65, e sua Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, no parágrafo único do artigo 60, no § 3º do artigo 62, e no artigo 63, constitucionalizaram a exigência de orçamento plurianual de investimento. Mas, mesmo assim, persistiu um relativo isolamento da maioria dos atos administrativos.
O isolamento dos atos administrativos entre si foi a condição histórica que ensejou a partição e a análise do ato administrativo em si. O ato foi decomposto em “elementos” ou “requisitos” intrínsecos ou extrínsecos.[footnoteRef:23] Na verdade, por influxo do que se fez com o ato jurídico em geral no artigo 82 do Código Civil de 1916, o ato administrativo foi destrinçado em componentes, dos quais os mais decantados têm sido a competência do agente, bem como a oportunidade e a conveniência, a finalidade e a forma, o conteúdo ou objeto do ato. Mas também se fala em outros, como o motivo, a justiça, a eficiência. Basta folhear manuais e cursos de direito administrativo para verificar que não há unanimidade nem sistematização nesse arrolamento. [23: “Quanto à denominação, alguns autores empregam o termo elementos. Outros adotam o vocábulo requisitos, por vezes repartindo-os em intrínsecos e extrínsecos. Outros optam pelo termo pressupostos; outros separam requisitos de pressupostos.” MEDAUR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1996. p. 152.] 
No entanto, o que mais importa notar é que a oportunidade e a conveniência – embora não sejam considerados pela doutrina “elementos” ou “requisitos” do ato em si – são condições que, mesmo consideradas exteriores, são decisivas para a legitimidade do ato, pois exprimem a sua relação histórica com a ação administrativa que o pratica e o determina de fato, dando-lhe vida e acabamento[footnoteRef:24]. Essa “exterioridade” tem sido registrada na doutrina. Contudo, o que não se registra é que esses elementos aparentemente exteriores, porque determinam diretamente a prática e assim ingressam na substância do ato, na realidade são essenciais para a boa concreção da administração. De fato, tais condições históricas aparentemente exteriores (oportunidade e conveniência) são tão importantes quanto os elementos considerados estruturais (forma e conteúdo) ou definidores (finalidade, motivo, justiça, etc.) do ato em si. Não raramente, são até mais importantes. Mesmo assim, a teoria tradicional – desdenhando a instância histórica que requer a prática e, consentânea com ela, a teoria do ato administrativo – subestimou ou até ignorou essas condições históricas que o determinam em sua concreção. [24: Aqui o termo acabamento se emprega em seus sentidos ao mesmo tempo: conclusão e aperfeiçoamento.] 
Esse desdém é mais grave sobretudo porque recaiu sobre atos substanciais, aqueles em que o gestor público presta à sociedade os serviços de que diretamente ela precisa, tais como saúde, educação, moradia, transportes, etc. Aqui foram considerados vinculados apenas os elementos estruturais e, como não poderia deixar de ser, mediante um regramento que, por mais constringente que pretenda ser, não pode ser senão abstrato e, portanto, aberto a alternativas de concreção até mais flexíveis do que as pertinentes à oportunidade e conveniência. No final, restaram como atos administrativos totalmente vinculados, em sua maioria, meros atos de burocracia, como nomeações, licenças, etc.
Foi assim corroborada por uma burocracia aparente e crescente, mas não essencial e por isso complacente, que se firmou a doutrina da discricionariedade em negação deletéria da vinculação essencial ao direito e da realização democrática do Estado de direito. Sobreveio à pretensão de liberdade gerencial uma dicotomia anti-democracia do poder do Estado, muito conveniente ao desgoverno, na medida em que o poder de governo restou intensamente discricionário em suas definições políticas. A pretensão de gerir com liberdade se converteu no seu contrário: em pretexto para digerir “juridicamente” a liberdade nacorrupção e na opressão. Com tanto sofreguidão, que não raras vezes a vinculação – por ser pura aparência formal, sem nexo essencial com o interesse público primário – até dispensou a discricionariedade para justificar a arbitrariedade. Assim a própria vinculação à lei se tornou no seu contrário deletério: a arbitrariedade. Destruiu-se.
Essas distorções convertem, enfim, o direito no torto, a democracia na autocracia, na medida mesma em que a legalidade plenamente substancial se converte no seu oposto: legalidade meramente formal. Nessa mesma medida, por igual razão, dá-se a negação do Estado de direito pelo Estado de legalidade. Essa é a legalidade que nega o direito. Obviamente, nem toda legalidade é negativa do direito. Essa oposição meramente negativa é superada por sua própria negação positiva: é a legalidade que nega a legalidade em um sentido ou noutro. O movimento é interno – inerente – à coisa. Daí, que é a própria coisa que se nega a si mesma em seu movimento, seja deleteriamente (para destruir-se no pior), seja evolucionariamente (para reconstruir-se no melhor), seja até revolucionariamente (para dar um salto qualitativo). Daí, também, que é a legalidade – se concretamente substancial – que pode renegar e regenerar a legalidade – ainda abstratamente formal. O que necessariamente implica superará pela legitimidade, na proporção em que a lei se integrar com formas de autêntica participação do povo, comedindo a democracia substancial pela justiça social, esta sendo comedida, por sua vez, por uma equânime distribuição entre todos da riqueza produzida pelo trabalho de todos. É só nesse sentido que o Estado de legalidade pode ser um autêntico Estado de direito: convertendo-se constantemente em Estado de legitimidade. Fora daí, sobrevém a perversão.
Ainda que seu sentido histórico não tenha sido, como não foi, o de perversão da administração pública, a doutrina da discricionariedade administrativa sofreu o influxo do liberalismo anti-intervencionista. De fato, os dois elementos históricos, a oportunidade e a conveniência, por serem eminentemente práticos, atuam diretamente na ordem econômico-social, que deve escapar ao controle estatal, como apregoa a doutrina liberal. Ou seja: laissez faire, laissez passer, que le monde va de lui même.[footnoteRef:25] Por isso é que foram ideologicamente imunizados sob a reluzente aparência de discricionários, em contraste com outros elementos postos como vinculados. Para esse fim liberal – o de arrefecer a intervenção do Estado afastando o Judiciário – construiu-se no juridicês uma dúctil diferença “técnica” (na verdade, um conveniente distanciamento) entre o discricionário (possibilidade de escolha abrigada pela lei) e o arbitrário (escolha feita ao arrepio da lei). Na sua realidade histórica, surgiu aí toda uma construção ideológica, cujos autores não tinham consciência de que, no âmago, tal doutrina era uma forma de laissez-faire restringente do controle do Estado sobre as relações e contratações travadas por seus próprios agentes com os agentes da sociedade civil no mercado de obras e serviços. [25: Traduz-se: “deixai fazer, deixai passar, que o mundo vai por si mesmo”. É o célebre lema da doutrina fisiocrática. Formulada no século XVIII com base na espontaneidade da ordem natural, essa doutrina foi referendada por liberais contra o governo absoluto da sociedade pelo Estado. Os fisiocratas apregoavam que o mundo deve ir por suas próprias leis naturais: universais e absolutas, imutáveis e inelutáveis. Que se limitem os governantes a respeitá-las e, sobretudo, a manter a propriedade e a liberdade, o que implica assegurar o livre jogo das iniciativas na ordem econômica. Fisiocracia vem do grego: physis significa natureza e kratein, governar. É o governo da natureza pela própria natureza. O fundador dessa escola econômica foi François Quesnay (1694–1774). Em torno dele se reuniu um séquito de economistas, notavelmente Victor Riqueti de Mirabeau (Marquês de Mirabeau: 1715–1789), Pierre Samuel du Pont de Nemours (1739–1817) e Le Mercier de la Rivière (1719–1992). Pouco antes da morte de Quesnay, mesmo divergindo dele em parte, Robert Jacques Turgot (1727–1781) tentou, como controlador geral do Reino, reerguer a fisiocracia que declinava como escola, embora persistisse como ideologia conveniente à burguesia. Convinha à burguesia em sua revolução contra a monarquia absoluta, a fim de reduzir o Estado a uma ordem política ensimesmada: tolher a ingerência plenipotenciária do rei na sociedade civil. Para tanto, em seu irromper revolucionário, o Estado burguês e sua Constituição escrita foram concebidos como fenômenos puramente políticos. Sempre a pureza ideológica. Não deveriam ir além da ordem política estritamente considerada como ordenação do governo, ao qual se deveria impor, do lado dos governantes, a separação de poderes e, do lado dos governados, a declaração garantidora dos direitos fundamentais dos indivíduos ante e até contra o poder.] 
De fato, a ideologia é uma forma inconsciente. Decorre das condições histórico-sociais que condicionam o pensamento. Quem a pratica não tem consciência de que a faz. Ninguém pensa fora do mundo. Sempre se pensa sobre o mundo (a respeito dele), mas também sob o mundo (por influência dele). O pensamento é induzido das situações históricas e sociais, econômicas e culturais em que e de que surge, mas também é por elas conduzido. O que faz que nem sempre o sujeito capta em toda a quantidade e qualidade o mundo em que pensa: sobre o qual mas também dentro do qual pensa. Nenhum sujeito alcança toda a realidade do mundo. Não há onisciência, nem quantitativa, nem qualitativa. Ao invés, é comum a “ciência” ficar na “aparência”.
Dessarte, o fundo mais profundo, o fundamento mais determinante, em suma, a essência mais substancial do fenômeno fica ausente da teoria presa na aparência mais superficial. Por essa forma se oculta e se mascara, se escamoteia e se falseia a realidade, cuja captação – limitada pelas condições históricas do sujeito, mas por ele ignoradas – não teve condições de revelar a essência. Foi pouco além da aparência. Mas é um processo inconsciente: subliminar. Levado inconscientemente pelo processo social que o conduz no estamento da sociedade no qual produz a sua obra, o autor não enxerga a realidade em sua integridade. Descobre-a parcializada: ocultada ou deformada em parte. O que resulta no processo de falseamento da realidade que veio a ser dito ideologia, na acepção histórico-dialética do termo. Mas falseamento ideológico não é falsificação doutrinária. Incidir em ideologia não é ser falsário.
Deveras, há uma diferença específica que distingue a ideologia do engodo ideológico: a ideologia é produto da inconsciência. É um processo que nasce da determinação da prática social pelas condições de existência material dos homens em cujo cérebro ele se desenvolve.[footnoteRef:26] Mas é um processo subliminar – inconsciente ou no mínimo subconsciente – ignorado pela consciência de quem pensa. Se não fosse assim, seria o fim de toda a ideologia.[footnoteRef:27] Haveria apenas a trapaça: o engodo ideológico, consciente do engano que impinge. Obviamente, não foi esse o caso da distinção entre discricionariedade e vinculação, opostas as duas entre si e, ambas, opostas à arbitrariedade. [26: Sobre ideologia e engodo ideológico, e outras noções pertinentes, ver mais amplamente – passim – em minha obra Contribuição dialética para o constitucionalismo, já citada.] [27: Bem o definiu Engels: “Os homens, em cujo cérebro esse processo ideológico se desenrola, ignoram forçosamente que as condições materiais da vida humana são as que determinam, em última instância, a marcha desse processo, pois, se não o ignorassem, ter-se-ia acabado toda ideologia.” (ENGELS, Friedrich. Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã. In: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Obras escolhidas. Rio de Janeiro: Vitória, 1963. vol. 3. p. 203.] 
O efeito pretendido foi assegurar a liberdade gerencial do administrador público. Mas, no fundo ideológico,a razão histórica liberal foi imunizar contra a intervenção mais radical do Estado, um controle mais efetivo e imparcial, que só se poderia fazer pelo Poder Judiciário, distante do esprit de corps administrativo em que se aninham interesses corporativos ou até pessoais secundários. Em consequência, e assiduamente, o arbítrio que discrepa do interesse público primário – e, portanto, do direito – encobre-se sob o manto da discricionariedade administrativa, formulada por uma falsa legalidade, mas cuja aparência legal está quase sempre arrimada por sofisticada argumentação tecnocrática. Em boa parte dos casos, o prejuízo é das classes sociais populares, porque assim se inibe a verdadeira realização econômica da democracia política (que fica reduzida, se tanto, à democracia eleitoral) e desnatura a justiça social (que fica reduzida à demagogia verbal ou à ineficácia social das soluções aparentes – bolsas, quotas, etc. – que no fundo mais suprem as omissões do que cumprem as suas missões do Estado, ainda quando pareçam cumpri-las).
Mais ainda: por paralelismo entre o processo administrativo e o processo jurisdicional, apesar de alegar diferença entre ambos, criou-se por analogia com o mérito processual o conceito de mérito administrativo, que chega até a escudar a ilegalidade da essência sob um teto aparente de alegalidade, negando padrões de legalidade para aferir a ação do administrador. Isso é: sob alegação de que “não há padrões de legalidade” para controlar, não se controla. E viva e sobreviva o laissez-faire. Leia-se um clássico da época:
Em tais atos (discricionários), desde que a lei confia à Administração a escolha e valoração dos motivos e do objeto, não cabe ao Judiciário rever os critérios adotados pelo administrador, porque não há padrões de legalidade para aferir essa atuação. O que convém reter é que o mérito administrativo tem sentido próprio e diverso do mérito processual e só abrange os elementos não vinculados do ato da Administração, ou seja, aqueles que admitem uma valoração da eficiência, oportunidade, conveniência e justiça.[footnoteRef:28] [28: MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 22 ed. atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo, José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 138. Hely Lopes Meirelles escreveu esse texto sob influxo inconsciente da ideologia liberal, que o levou a assumir uma postura restritamente positivista: estreitamente legalista. Pelo que, evidentemente, a crítica que aqui se faz não quer, nem de longe, tisnar o caráter desse ínclito juiz e jurista, cuja moralidade não se põe em duvida.] 
Eis como, por essa doutrina influenciada pelo liberalismo, atos administrativos foram ideologicamente esterilizados e neutralizados sob a aparência de discricionários, de forma a imunizar o administrador contra um controle mais essencial de sua atuação. Para esse fim, negou-se a liberdade institucional e jurisdicional dos juízes, a qual poderia negar a liberdade gerencial e negocial dos administradores, conveniente e oportuna para eles, mas nem sempre para os administrados. É a negação da negação – outra lei básica da dialética.
Essa lei do conhecimento – diferentemente da lei do Estado – denuncia o conceito de mérito administrativo como verdadeiro prodigium mirabile, que oculta de forma prodigiosa e miraculosa a ilegalidade essencial sob uma capa aparente de legalidade formal. Ou, mesmo, de alegalidade meramente alegada, pois sempre da Constituição emana ordem jurídica para os atos administrativos, se não por mais, ao menos pelas leis orçamentárias, quer as do orçamento corrente, quer as do orçamento-programa. Para não falar nos princípios jurídicos da administração pública, expressos em muitas Constituições.
Evidente, que Hely Lopes Meirelles escreveu sob o influxo inconsciente da ideologia liberal, que o induziu a uma postura restritamente juspositivista e estreitamente legalista. Não se quer aqui tisnar a moralidade de quantos, como ele, assumiram essa posição doutrinária. Mas o fato é que o mérito administrativo foi uma ideia – uma ideologia – que desde o início nem todos aceitaram. Essa recusa é atestada por Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “Nem todos os autores brasileiros falam em mérito para designar os aspectos discricionários do ato. Os que o fazem foram influenciados pela doutrina italiana.”[footnoteRef:29] [29: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 210. Grifo da origem.] 
De fato, na realidade do fato histórico, o mérito administrativo foi uma construção ideológica cujos autores não tinham consciência de que sua doutrina, no âmago, era uma forma de laissez-faire, para subtrair ao controle do Estado boa parte das relações e contratações efetivadas por seus próprios agentes no mercado. Ou seja, sob aparência de correta obediência ao texto constitucional, afastando o Judiciário pelo pretexto de não haver parâmetros legais para controlar o Executivo e, assim, preservando os princípios constitucionais da legalidade e da separação de poderes, ocultou-se a essência de que a doutrina do mérito administrativo configurou uma forma de não-intervenção do Estado na ordem econômica e social, bem conforme com a liberdade de mercado, segundo os reclamos capitalistas encampados pela ideologia liberal.
Enfim, insta lembrar ainda que a aceitação dessa doutrina teve suas condições objetivas reforçadas por dois entre outros fatores que, embora subjetivos, contribuíram objetivamente para referendá-la. A saber: o elevado teor jurídico e moral de seus doutrinadores e a inapelável força autodestrutiva dos juízes que a aplicaram contra si próprios, negando-se a si mesmos na medida em que se negaram a julgar o mérito. Mas, hoje, com a evolução histórica gerando a perspectiva crítica, essa negação da negação, a despeito de sua força doutrinária e jurisprudencial, já está sendo negada pela sua própria negação: ocorre um salto para nova qualidade de doutrina e de jurisdição. Na doutrina, tome-se como exemplo desse salto qualitativo a jovem Procuradora Regional da República em São Paulo, Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, cuja obra – intitulada Políticas públicas: a responsabilidade do administrador e o Ministério Público, editada em São Paulo pela Max Limonad – é reiteradamente citada pelo Ministro Celso de Mello no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 410.715-5–SP, julgado em 22/11/2005.
Em sua obra, Luiza Cristina Frischeisen diz na página 59: 
Nesse contexto constitucional, que implica também na renovação das práticas políticas, o administrador está vinculado às políticas públicas estabelecidas na Constituição Federal; a sua omissão é passível de responsabilização e a sua margem de discricionariedade é mínima, não contemplando o não fazer.[footnoteRef:30] [30: FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas públicas: a responsabilidade do administrador e o Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 59. Grifei. ] 
Mais adiante, na mesma obra, arremata incisivamente:
Conclui-se, portanto, que o administrador não tem discricionariedade para deliberar sobre a oportunidade e conveniência de implementação de políticas públicas discriminadas na ordem social constitucional, pois tal restou deliberado pelo Constituinte e pelo legislador que elaborou as normas de integração.
As dúvidas sobre essa margem de discricionariedade devem ser dirimidas pelo Judiciário, cabendo ao Juiz dar sentido concreto à norma e controlar a legitimidade do ato administrativo (omissivo ou comissivo), verificando se o mesmo não contraria sua finalidade constitucional, no caso, a concretização da ordem social constitucional.[footnoteRef:31] [31: Ibid. p. 95 e 97.] 
Não, que haja sobrevindo uma situação antípoda: a total ausência de liberdade. A absoluta vinculação seria a negação da essência da ação de administrar. As políticas públicas não negam a liberdade gerencial, reduzindo a administração a um inútil teatro de marionetes. Apenas negam a negação do controle judicial feita sob alegaçãode não haver padrões de legalidade que autorizem a controlar. No mínimo, como já dito, as leis orçamentárias irradiam a coatividade sobre toda a atividade do Estado. Alcançam inegavelmente todas as ações administrativas, mesmo se não enquadradas em políticas públicas, mesmo se não formalizadas por leis específicas. No entanto, bem ao contrário desse desgarramento, o Brasil se filia à boa doutrina do constitucionalismo social, segundo a qual as políticas públicas têm suas premissas materiais fixadas na própria Constituição, na forma de direitos econômicos, sociais e culturais, como também coletivos e difusos, cuja implementação é imprescindível ao Estado de direito que pretenda ser democrático. Dessa maneira, entre outras, o administrador brasileiro está vinculado à Constituição, na qual se funda, como princípio de toda a administração, o interesse público primário.
Insta acrescentar que – além de fortalecer as políticas públicas – a fixação dos direitos fundamentais na Constituição também é importante porque gera prerrogativas constitucionais indisponíveis, que permitem ao Judiciário determinar aos órgãos públicos a efetivação prática de direitos como à saúde, à previdência social, à assistência social, à educação, à cultura, ao desporto, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à paz, etc., mesmo na ausência de política pública específica. É o que bem afirma o Ministro Celso de Mello, referindo-se ao artigo 208 da Constituição Federal: 
A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito do seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV).[footnoteRef:32] [32: Cf. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 410.715 – 5 de São Paulo. Julgado em 22/11/2005. Grifos do autor.] 
Auspiciosamente, esse fixar na Constituição para gerar prerrogativas constitucionais indisponíveis já vem ocorrendo cada vez mais, como recentemente sucedeu com o direito à moradia, introduzido entre os direitos sociais, no artigo 6º da Constituição Federal, pela Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000.
De todo modo, hoje “o império da lei e o seu controle, a cargo do Judiciário, autorizam que se examinem, inclusive, as razões de conveniência e oportunidade do administrador”. Essas são palavras textuais da Ementa relativa ao Acórdão que decidiu, nos termos do voto da Relatora, Ministra Eliana Calmon, o Recurso Especial nº 493.811 – SP (2002/0169619-5), julgado no Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 11/11/2003. Na mesma data e no mesmo sentido – mas acrescentando, na Ementa, que “o Poder Judiciário não mais se limita a examinar os aspectos extrínsecos da administração, pois pode analisar, ainda, as razões de conveniência e oportunidade, uma vez que essas razões devem observar critérios de moralidade e razoabilidade” – há o acórdão relativo ao Recurso Especial nº 429.570 – GO (2002/0046110-8). Outros acórdãos sobrevieram com ementas igualmente negadoras da discricionariedade. Por exemplo, o relativo ao Recurso Especial nº 510.259 – SP (2003/0017033-9), julgado em 24/8/2005. Firma-se aí um princípio geral que supera por nova tese a velha tese de que o juiz não pode apreciar a conveniência e oportunidade do ato administrativo. O que se deve, entre outros fatores talvez mais relevantes, à cultura e à coragem de juízes como Celso de Melo e Eliana Calmon. 
Do quanto foi exposto, chega-se à conclusão de que o conhecimento é revestido de objetividade e subjetividade e nessas condições é que deve ser interpretado, para ser explicado pelas diversas relações que o causam. Uma vez que essas relações, mesmo as subjetivas, revelam-se objetivamente e assim podem ser estudadas e compreendidas, é possível explicar o pensamento pelas diversas causas que o determinam. Todavia, a explicação e a compreensão da causa são diferentes da aceitação e da justificação do resultado. Explicar a causa nem sempre é justificar o efeito. Exemplo: mesmo que se consiga explicar como um povo pode dominar outro, isso não será uma justificativa para a dominação. Pode até parecer que o desfecho é inevitável: gerar a aparência de que é inútil tentar mudar o resultado, porque a dominação é inevitável ou insuperável, ou seja, a essência é imutável ou intocável. Mas, se o senso comum tende a confundir uma explicação das causas com a justificativa ou a aceitação dos resultados, não deve ser essa a tendência do senso científico, pois o uso que alguém faz de uma explicação é diferente da explicação em si.[footnoteRef:33] A práxis científica pode obter e usar a compreensão de uma cadeia de causas, não para legitimar seus resultados, mas para interrompê-la ou modificá-los. É o que se intenta fazer, neste curso, com a negação do Estado de direito pelo Estado de mera legalidade. [33: Cf. DIAMOND, Jared M. Armas, germes e aço: os destinos das sociedades humanas. Trad. Sílvia de Souza Costa, Cynthia Cortes e Paulo Soares. 9. ed. Rio de Janeiro: Record, 2007. p. 17.] 
Referências bibliográficas
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CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2001.
DIAMOND, Jared M. Armas, germes e aço: os destinos das sociedades humanas. Trad. Sílvia de Souza Costa, Cynthia Cortes e Paulo Soares. 9. ed. Rio de Janeiro: Record, 2007.
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KOSÍK, Karel. Dialética do concreto. trad. Célia Neves e Alderico Toríbio. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969.
MEDAUR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1996.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 22 ed. atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo, José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 1997.
2 - CONCEITO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Leonardo David Quintiliano
Pedro Casquel de Azevedo[footnoteRef:34] [34: Bacharel em direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Mestrando em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e Advogado em São Paulo.] 
Aplique-se aqui o mesmo que disse John Locke sobre o poder que ele chamou de federativo: ‘se a coisa for entendida assim, sou indiferente quanto ao nome’. Ou seja: desde que se entenda o que o fato é, pouco importa o nome que se lhe dê.[footnoteRef:35] [35: BARROS, Sérgio Resende de. A constitucionalização da união europeia. Disponível em <www.srbarros.com.br>. Acesso em 26 jul. 2017.] 
Sumário: Introdução. 1. Princípios e regras. 2. Conceito de princípios no direito brasileiro. Considerações finais. Referências bibliográficas.
Introdução
Muito se tem produzido sobre o tema princípios constitucionais. O surgimento de tal discussão ou a oportunidade que gerou tal surgimento é algo difícil de precisar. Considerando-se que o tema entrou no foco do mainstream do pensamento jurídico após a elaboração, em 1967, por Ronald Dworkin de sua teoria sobre princípios jurídicos (marcada profundamente por colocar

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