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O brilho eterno de uma mente sem lembranças sob a perspectiva de Descartes

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Universidade de Fortaleza - UNIFOR 
 
 
 
 
 
Curso: Psicologia 
 
 
 
Disciplina: Filosofia e psicologia I 
 
 
 
Nomes e matrículas: 
 
Victoria Diniz dos Santos – 2118201 
 
Maria Clara da Silva Almeida – 2114457 
 
Laís Vidal Pessoa Araujo Fontes – 2114448 
 
Cibele Gomes Henrique - 21144789 
 
 
 
Atividadade – Av2 
Data de entrega: 08/05/2021 
René Descartes foi o principal nome do racionalismo moderno, desenvolveu sua obra 
filosófica em um contexto de muitas mudanças, rupturas e surgimentos de sistemas econômicos, 
políticos e sociais que foram pontos chaves para o avanço de teorias científicas, como as de 
Copérnico, Galilei e Kepler, que fortaleceram a corrente racionalista valorizada em detrimento 
das verdades de fé antes vigentes. 
O cartesianismo surge sob diversas influências nesse período de incertezas e reajustes 
de conceitos, e uma delas é o ceticismo, sendo seu refutador. Descartes conclui que há razão, 
mas que esta deve ser descoberta através do método cartesiano, utiliza um modelo geométrico 
unido a dúvida cética, divide-se em evidência, análise, síntese e revisão para atingir a verdade 
indubitável, que é o ponto de partida para o conhecimento. Essa técnica consiste em utilizar a 
incredulidade cética, duvidando de conceitos já existentes até chegar a um ponto realmente 
comprovado em um processo separado em partes mais fáceis para as mais difíceis, analisado 
com cautela e examinado mais uma vez à procura de contras. (MARCONDES, 1997) 
Baseado nesse esquema, Descartes constata que as experiências sensíveis são 
falseadoras da realidade e da verdade que é procurada, portanto, tudo aquilo que é tocado e 
enxergado com os sentidos é duvidoso, pois é inconsistente em um pensamento lógico, como, 
por exemplo, a memória. O filósofo conclui em sua célebre frase que completa o seu argumento 
do cogito: “Penso, logo existo”, afirmando a certeza da existência individual humana a partir 
do ato de pensar, o âmago do conhecimento (MARCONDES, 1997). Tal concepção gerou 
espanto pela diferenciada óptica do intelecto humano, antes interpretado como incapaz de 
chegar à razão por si próprio. 
Surge então, o dualismo cartesiano, que apresenta a afirmativa de que o ser humano é 
composto por corpo e mente, ou seja, uma substância material e uma pensante, são distintas e 
possuem percepções independentes, mas interagem entre si, unidas não como uma redução uma 
da outra, mas correlacionadas substancialmente. Esse conceito torna possível compreender a 
relação que os sentidos tem com os pensamentos, pois estão constantemente sob influência um 
do outro, porém, Descartes reconhece a mente sendo a substância essencial do indivíduo, pois 
é ela quem o torna racional, é nela que se desenvolve o pensamento crítico e a comprovação da 
existência humana, entendida como acessível, de fácil compreensão e livre (já que não é 
limitada por uma forma material), diferentemente do corpo físico. (SOUZA, 2020) 
O filme “brilho eterno de uma mente sem lembranças”, foi lançado em 2004 e dirigido 
por Michel Gondry, este nos conta uma história de amor e lembranças. Joel Barrish e 
Clementine Krzucinski se conhecem em uma festa de amigos em comum, numa praia em 
Mountauk, ali eles conversam e trocam experiências. O que ambos não esperavam era que em 
um futuro iriam se apaixonar perdidamente. Joel é um homem mais sério e reservado, 
Clementina, por sua vez, é uma mulher espontânea e com espírito livre dentro de si. Estes 
formam um casal conturbado e cheio de brigas, após vários desentendimentos que estavam 
deixando o relacionamento desgastado, o romance tem seu fim. 
A partir disso, Clementine, impulsivamente, decide esquecê-lo de uma maneira um 
pouco diferente da qual se conhece. A jovem procura uma empresa denominada Lacuna Inc, 
comandada pelo Dr. Howard Mierzwiak, cujo serviço oferecido é o apagamento de memórias 
indesejadas dos pacientes, mediante um processo de mapeamento das lembranças que estejam, 
de alguma maneira, ligadas ao objeto amado. Depois de identificadas e de narradas pelo 
paciente, essas lembranças são apagadas para sempre, deixando uma lacuna no conjunto da 
memória. Em seguida, Joel descobre o acontecimento por meio de amigos em comum. 
 Após isso o personagem fica bastante intrigado e decide fazer o mesmo, vai até a 
empresa, faz todo o trajeto para que o processo ocorra, mas no meio do procedimento, ele 
descobre o quanto Clementine é importante em sua vida. Por mais dolorosa que tenha sido a 
relação, isso serviu como uma lição e aprendizado para os dois, nada deve ser apagado, pois faz 
parte das vivências do personagem. Dessa forma, ele decide resistir ao procedimento, tentando 
a todo custo não esquecer de sua amada e salvar a inscrição de Clementine em si próprio. A 
maior parte do enredo se passa na mente de Joel, é ali que conhecemos a história do casal 
protagonista. 
O filme ainda conta com uma reviravolta comandada por Marry Svevo, secretária da 
empresa Lacuna Inc, que descobre ter realizado o procedimento para esquecer o Dr Howard e 
o caso que tiveram. A assistente envia todas as fitas para os pacientes destinatários, para reparar 
o estrago que ela acredita que a empresa causou, nessas fitas os clientes possuem acesso a 
narração de suas memórias apagadas. Com esse filme chegamos ao entendimento de que a 
subjetividade de cada indivíduo deve ser preservada, tudo faz parte da nossa história, assim 
como foram as memórias de Joel, pois mesmo que doam, também ensinam. 
Como apontado, o filme “brilho eterno de uma mente sem lembranças” nos traz a 
angústia dos personagens para com suas lembranças específicas de algo ou alguém, que ficam 
localizadas na memória, e a tentativa destes de apagá-las definitivamente, tendo em vista que 
elas não os agradam. O filme nos traz, então, a perspectiva do esvaziamento do eu e da 
subjetividade, que foi trazido na modernidade, reduzindo essas experiências ao funcionamento 
computadorizado do cérebro quando a empresa Lacuna Inc informa ser possível uma nova vida, 
sem as lembranças que incomodam, as mapeando e as apagando de maneira tecnológica como 
apagam-se palavras do papel (FERRAZ, 2008). Descartes, considerado o precursor da filosofia 
moderna, traz o conceito de interioridade, quando em seu argumento do cogito, o mesmo afirma 
“penso, logo existo”. O filósofo, então, nos traz a afirmação de que o conhecimento é inato, 
está dentro do homem, tudo parte do indivíduo, basta buscar esse saber interior de forma 
racional. Descartes nos mostra a valorização do homem. Valorização essa, que no contexto do 
filme, se perde e toma o lugar de computadores, idealizando a mente como uma máquina. Para 
Descartes, a mente é a alma do ser com suas complexidades. Diferentemente do corpo, a mente 
é a razão pela qual existimos no mundo, mente e corpo são substâncias diferentes, mas que se 
encontram. O dualismo cartesiano nos traz essa separação mente-corpo, e todo homem racional, 
é um homem livre. 
Outra concepção que Descartes nos traz quando chega ao argumento do cogito, é a 
seguinte: “quando eu penso que eu sou agora e me lembro de ter sido outrora, adquiro em mim 
a ideia de duração, que depois, posso transferir todas as coisas que eu queira” (Descartes 1973, 
p. 115). Esta ideia é de extrema importância para o problema de temporalidade do pensamento, 
por revelar que a ideia de duração se forma em nós graças a um retorno ao nosso passado, que 
se dá através da memória. (MENEZES, 2017) 
No entanto, Descartes não colocava a memória como sendo algo confiável, por conta 
desta fazer parte da experiência e do sensível, logo dos sentidos, e para o filósofo racionalista 
os sentidos nos enganam. Porém, o mesmo, reconhecia a existência da memória como algo 
fisiológico dividindo-a em duas, a memória material, que os animais também são dotados, e a 
memória intelectual nos homens. A memória material consiste na ideia que um objetoao excitar 
um corpo deixa vestígios na superfície do cérebro, dessa forma são traçadas figuras que se 
relacionam com os objetos, com intensidade variável, já a memória intelectual se volta para os 
conceitos. (DONATELLI, 2003) 
Descartes afirmava que esta era uma mera faculdade, função da mente/espírito no 
campo das ciências modernas. Para o filósofo, na separação res cogitans (substância pensante; 
aspecto racional) e res extensa (substância extensa; aspecto físico), que consiste em explicar 
que a substância pensante encontra obstáculos na substância física, a memória fica limitada a 
um caráter retentivo, sendo assim, um sentido enganoso quanto as impressões do homem, 
confundindo mais do que auxiliando o pensamento. A perspectiva cartesiana atribui à faculdade 
apenas a capacidade de armazenar os dados sem, no entanto, modificá-los. Trata-se, então, de 
uma aptidão passiva da mente (LEONARDELLI, 2008). Esse argumento se faz presente na 
carta a Mesland (2 de maio de 1644), onde Descartes debate com um padre jesuíta sobre 
algumas ideias de liberdade e mente. O filósofo afirma: 
Pois é certo, parece-me, que de uma grande luz no intelecto segue-se uma grande 
propensão na vontade; de sorte que, ao vermos muito claramente que uma coisa nos é 
conveniente, é muito difícil, e até mesmo, como creio, impossível, enquanto permanecemos 
nesse pensamento, deter o curso de nosso desejo. Mas, porque a natureza da alma é a de estar 
quase que apenas por um momento atenta a uma mesma coisa, tão logo nossa atenção se desvie 
das razões que nos fazem saber que essa coisa nos é conveniente e nós retenhamos em nossa 
memória somente que ela nos pareceu desejável, podemos representar para o nosso intelecto 
alguma outra razão que nos faça duvidar disso e, assim, suspender nosso julgamento, e até 
mesmo formar também, talvez, um contrário. (p. 216) 
Em um de seus ‘Oeuvres”, publicado em 1974, Descartes faz outra afirmação sobre a 
falibilidade da memória humana: 
Seguramente, o espírito não me engana, pois reto me foi dado por Deus, porém, a 
memória me engana, porque parece me lembrar uma coisa que, na verdade, não lembro, pois, a 
memória, por si mesma, é fraca. (p. 148) 
Levando essa perspectiva para o filme, podemos dizer que Descartes vai de encontro 
a ideia desta obra cinematográfica quanto a memória, mesmo que na construção do filme o 
conceito dessas duas memórias se fazem muito presentes, por exemplo, quando Joel precisa 
reagir aos objetos que lembram Clementine, para que o mapeamento seja construído e por fim, 
apagado, porém, o personagem segue preso aos conceitos, e por isso, decide que não quer 
esquecê-la. Joel, ao se arrepender de ter solicitado o procedimento no meio deste, decide negar-
se ao tratamento e começa a esconder Clementine, sua amada, em lugares preservados da sua 
memória onde a empresa não tinha acesso, pois estas não foram mapeadas. Esta fuga se dá em 
direção aos recônditos da memória da infância, nos levando a experiências traumáticas desta 
época da vida do personagem. Essas memórias estão inscritas profundamente em Joel e não 
podem ser ditas como processos computacionais. No filme, a defesa contra o rastreamento da 
memória se apresenta sob o modo do recuo em direção a uma outra concepção de memória, 
apoiada em um modo de subjetivação. Descartes atribuía a memória como algo enganoso, como 
escrito acima, e também que nos enganaremos prestando atenção em algo, mas só por um 
momento, pois a atenção se desviaria e o objeto de observação perderia o sentido. 
 No entanto, conseguimos perceber a racionalidade de Joel e o retorno de memórias 
necessárias, trazendo a ideia de uma memória fluida, no processo de resistência ao apagamento 
de suas lembranças, que para ele eram tão preciosas. Mostrou-se, então, o conhecimento e a 
razão nas memórias de Joel. Esse aspecto também se faz presente em Clementine, que apagou 
Joel primeiramente, Clem (como Joel a chamava) têm suas memórias ativadas, mesmo que estas 
estejam inconscientes, quando repete situações em que esteve com Joel. Marry, a secretária do 
Dr. Mierzwiak também demonstra a ineficácia deste procedimento, ao se apaixonar novamente 
pelo Doutor, mesmo que também tenha realizado o tratamento para esquecê-lo. Nesse conceito 
podemos abordar a permanência da interioridade do ser, que Descartes defendia, mas também 
conseguimos discordar das afirmações do filósofo sobre a memória. (FERRAZ, 2008) 
Dessa forma podemos perceber que o filme, em sua construção, traz elementos nos 
quais podemos debater, juntamente aos conceitos do filósofo René Descartes, como a ideia da 
valorização da interioridade aclamada pelo filósofo, porém, reduzida por parte da empresa que 
deleta memórias. O próprio conceito de memória presente no filme e para Descartes, que 
convergem entre si, mas se encontram em determinados momentos na teoria, e gera um debate 
interessante quanto ao conceito da existência dessas lembranças abordadas no decorrer do filme 
e de como o filósofo as veria em sua concepção racionalista. 
 
 
Referências 
DESCARTES, René. Carta de Descartes a Mesland: leida, 2 de maio de 1644.. 
Modernos & Contemporâneos - International Journal Of Philosophy, [s. l], v. 1, n. 2, p. 
215-218, jul/dez, 2017. Disponível em: 
https://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/modernoscontemporaneos/article/view/3273/2512. 
Acesso em: 8 maio 2021. 
 
DESCARTES, R. Entrevista com Burman, 16 de abril de 1648. In: Oeuvres de 
Descartes (Tome V). Publicado por C. Adam & P. Tannery. Paris: Vrin, 1974. 
 
FERRAZ, Maria Cristina Franco. Corpo, Cérebro e Memória na Era da Tecla Save: 
brilho eterno de uma mente sem lembranças.. Educação e Realidade, [s. l], v. 33, n. 1, p. 
181-192, jan/jun, 2008. Disponível em: 
https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/download/6694/4007. Acesso em: 08 maio 
2021. 
 
MARCONDES, Danilo. Descartes e a filosofia do cogito. In: MARCONDES, Danilo. 
Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a wittgenstein. 5. ed. Rio de Janeiro: Jorge 
Zahar, 1997. p. 162-165 
 
MENEZES, Edmilson. Memória, História e Erudição: ângulos seiscentistas. Revista 
Interdisciplinar em Cultura e Sociedade, São Luiz, v. 3, n. , p. 1-20, jul/dez, 2017. Disponível 
em: 
http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/ricultsociedade/article/download/7753/48
04. Acesso em: 08 maio 2021. 
 
LEONARDELLI, Patrícia. A memória como recriação do vivido: um estudo da história 
do conceito de memória aplicado às artes performativas na perspectiva do depoimento 
pessoal. 2008. 228 f. Tese (Doutorado) - Curso de Artes Cênicas, Universidade de São Paulo, 
São Paulo, 2008. 
 
SOUZA, F. de. Dualismo cartesiano: a relação entre a Res Cogitans e Res Extensa 
em René Descartes. Profanações, [S. l.], v. 7, p. 207–220, 2020. DOI: 
10.24302/prof.v7i0.2737. Disponível em: 
http://www.periodicos.unc.br/index.php/prof/article/view/2737. Acesso em: 8 maio. 2021.

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