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Um dos destinos possíveis para um impulso instintual é encontrar resistências que buscam torná-lo inoperante. Em determinadas condições, ele chega ao estado da repressão. Tratando-se do efeito de um estímulo externo, a fuga seria o recurso adequado. No caso de um instinto a fuga não serve, pois o Eu não pode fugir de si mesmo. Mais tarde verá na rejeição baseada no julgamento um bom recurso contra o impulso instintual. Um estágio preliminar da condenação, um meio termo entre a fuga e a condenação, é a repressão. Não se verifica a repressão nos casos em que a tensão se torna insuportavelmente grande, devido à insatisfação de um impulso instintual. A satisfação do instinto submetido à repressão seria possível, e também prazerosa em si mesmo, mas inconciliável com outras exigências e intenções; geraria prazer em um lugar e desprazer em outro. Dessa forma, torna-se condição para a repressão que o motivo do desprazer adquira um poder maior que o prazer da satisfação. A repressão não é um mecanismo de defesa existente desde o início, que não pode surgir antes que se produza uma nítida separação entre atividade psíquica consciente e inconsciente, e que a sua essência consiste apenas em rejeitar e manter algo afastado da consciência. Anteriormente a esse estágio da organização psíquica, cabe a outras vicissitudes dos instintos, como a transformação no contrário e a reversão contra a própria pessoa, a tarefa da defesa frequente a impulsos instintivos. Tem-se fundamento para supor uma repressão primordial, uma primeira fase da repressão, que consiste no fato de ser negado, à representante psíquica do instinto, o acesso ao consciente. Com isso se produz uma fixação; a partir daí a representante em questão persiste inalterável, e o instinto permanece ligado a ela. O segundo estágio da repressão, a repressão propriamente dita, afeta os derivados psíquicos da representante reprimida ou as cadeias de pensamento que, originando-se de outra parte, entraram em vínculo associativo com ela. Graças a essa relação, tais representações sofrem o mesmo destino que o que foi reprimido primordialmente. Portanto, a repressão propriamente dita é uma “pós-repressão”. Deve-se ter em conta a atração que o primordialmente reprimido exerce sobre tudo aquilo com que pode estabelecer contato. A tendência para a repressão não alcançaria seu propósito se essas forças não atuassem juntas, se não houvesse algo reprimido anteriormente, disposto a acolher o que é repelido pelo consciente. A repressão não impede o representante do instinto de prosseguir existindo no inconsciente, de continuar se organizando, formando derivados e estabelecendo conexões. A repressão perturba apenas a relação com um sistema psíquico, o do consciente. A representante do estímulo se desenvolve de modo mais desimpedido e mais substancial quando é subtraída influência consciente mediante a repressão. Ela prolifera e acha formas de manifestação extremas, que, ao serem traduzidas e exibidas para o neurótico, não só lhe parecem inevitavelmente estranhas, mas também o assustam com a imagem de uma extraordinária e perigosa força instintual. Essa ilusória intensidade do instinto é produto de uma desinibida expansão da fantasia e de um representante derivado à satisfação frustrada. Não é correto que a repressão mantenha afastados do consciente todos os derivados do reprimido primordial. Quando estes se distanciam o suficiente da representante reprimida, o acesso ao consciente se torna livre para eles. É como se a resistência que o consciente lhes opõe fosse uma função do seu distanciamento do originalmente reprimido. Não podemos dizer até onde tem que ir o distanciamento e deformação do reprimido para que a resistência do consciente seja removida. Aí ocorre um sutil sopesamento, cuja ação nos escapa, mas cujo efeito nos permite inferir que a questão é parar antes que o investimento do inconsciente atinja uma determinada intensidade, além da qual ele procederia rumo à satisfação. Portanto, a repressão trabalha de maneira altamente individual; cada derivado do inconsciente pode ter seu destino particular. Compreende-se que os objetos favoritos dos homens provenham das mesmas percepções e vivências que os mais execrados por eles,e que originalmente eles se diferenciam uns dos outros apenas por mudanças mínimas. Aquilo que resulta de uma deformação maior ou menor pode também ser alcançado na outra ponta do aparelho através de uma modificação nas condições da produção de prazer-desprazer. Via de regra a suspensão da repressão é apenas provisória; logo é restabelecida. Além de ser individual, a repressão é extremamente móvel. Não se deve imaginar o processo de repressão como algo acontecido uma única vez e que tem resultado duradouro; a repressão exige um constante gasto de energia, cuja cessação colocaria em perigo o seu êxito, de modo que um novo ato de repressão se tornaria necessário. O reprimido exerce uma contínua pressão na direção do consciente, a qual tem de ser compensada por uma ininterrupta contra-pressão. Manter uma repressão pressupõe um permanente dispêndio de energia, e a sua eliminação significa uma poupança. O impulso instintual pode, sem prejuízo da repressão, encontrar-se em estados bem diferentes, estar inativo, investindo de bem pouca energia psíquica, ou investido em grau variável, e assim capacitado para a atividade. A sua ativação não terá a consequência de suprimir diretamente a repressão, mas estimulará todos os processos que terminam por lhe consentir a penetração até a consciência por vias indiretas. No caso de derivados não reprimidos do inconsciente, a medida de ativação ou investimento decide com frequência o destino da ideia. É comum suceder que um tal derivado permaneça não reprimido enquanto representa uma energia mínima, embora o seu conteúdo seja adequado para despertar um conflito com o que é dominante no inconsciente. É justamente a ativação que traz consigo a repressão. As tendências repressoras podem encontrar, no enfraquecimento do que é desagradável, um substituto para a sua repressão. A decomposição da repressão como unidade é importante, pois nos mostra que é preciso considerar, além da ideia, uma outra coisa que representa o instinto, e o fato de que ela experimenta um destino de repressão que pode ser inteiramente diverso do da ideia. Para designar esse outro elemento da representação psíquica já se encontra estabelecido o termo de montante afetivo; corresponde ao instinto, na medida em que este se desliga da ideia e acha expressão, proporcional à sua quantidade, em processos que são percebidos como afetos. Ao descrever um caso de repressão, teremos de acompanhar separadamente aquilo em que resultou a ideia, devido à repressão, e o que veio a ser da energia instintual que a ela se ligava. O destino geral da ideia que representa o instinto dificilmente será outro senão desaparecer do consciente, se antes era consciente, ou ser mantido fora da consciência, se estava a ponto de tornar-se consciente. O destino do fator quantitativo da representante instintual pode ser triplo, como nos ensina um rápido exame das experiências reunidas na psicanálise. O instinto é inteiramente suprimido, de modo que dele nada se encontra, ou aparece como um afeto, ou é transformado em angústia. As duas últimas possibilidades nos impõem a tarefa de contemplar a conversão das energias psíquicas dos instintos e afetos, muito especialmente a angústia, como nova vicissitude do instinto. O mecanismo de uma repressão se torna acessível para nós apenas quando o deduzimos a partir dos resultados na parte ideativa da representante, descobrimos que em geral a repressão produz uma formação substitutiva. Sabemos que a repressão deixa sintomas. A probabilidade maior é de que os dois divergem bastante, de que não seja a repressão mesma que produz formações substitutivas e sintomas, mas que estes surjam como indícios de um retorno do reprimido, em virtude de processos inteiramente outros. É recomendável que se investiguem os mecanismos da formação desubstitutos e de sintomas antes daqueles da repressão. ● De fato, o mecanismo da repressão não coincide com o ou os mecanismos da formação substitutiva; ● Há mecanismos bastante diversos de formação substitutiva; ● Há pelo menos uma coisa comum aos mecanismos de repressão: a retração do investimento de energia (ou libido quando lidamos com instintos sexuais). Quando o trabalho da repressão consiste apenas em eliminar e substituir a ideia, deixando totalmente de evitar o desprazer, pode-se considerá-lo falho. Por isso o trabalho da neurose também não descansa, mas prossegue em uma segunda fase, para atingir sua meta mais próxima e mais importante. Forma-se uma tentativa de fuga, a autêntica fobia, uma série de escapatórias para evitar o desencadeamento da angústia. Pode-se julgar completamente falha a repressão da histeria (de conversão), na medida em que foi tornada possível somente por formações substitutivas extensas; mas quanto à forma de dispor do montante afetivo, a verdadeira tarefa da repressão, ela significa geralmente um completo êxito. Na histeria de conversão, o processo de repressão é concluído com a formação de sintomas e não necessita, como no caso da histeria de angústia, prolongar-se nem um outro momento. Quando recorremos a comparação com a neurose obsessiva, é muito provável que o processo inteiro seja tornado possível pela relação de ambivalência em que se inscreve o impulso sádico a ser reprimido. Mas a repressão, inicialmente boa, não se sustenta, e com a progressão das coisas o seu fracasso ressalta cada vez mais. A ideia rejeitada do consciente é tenazmente mantida dessa forma, porque envolve um impedimento da ação, um entrave motor ao impulso. Assim, o trabalho da repressão na neurose obsessiva prolonga-se em uma luta interminável e sem êxito.
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