Buscar

O texto narrativo completo

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 20 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 20 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 20 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

O texto narrativo 
Contar histórias é uma atividade praticada por muita gente: pais, filhos, 
professores, amigos, namorados, avós... enfim, todos contam-escrevem ou 
ouvem-leem toda espécie de narrativa: histórias de fadas casos, piadas, 
mentiras, romances, contos, novelas. 
Assim, a maioria das pessoas é capaz de perceber que toda narrativa tem 
elementos fundamentais, sem os quais não pode existir; tais elementos de certa 
forma responderiam às seguintes questões: O que aconteceu? Quem viveu os 
fatos? Como? Onde? Por quê? Em outras palavras, a narrativa é estruturada 
sobre cinco elementos principais. 
Elementos da narrativa 
Toda narrativa se estrutura sobre cinco elementos, sem os quais ela não existe. 
Sem os fatos não há história, e quem vive os fatos são os personagens, num 
determinado tempo e lugar. Mas para ser prosa de ficção é necessária a 
presença do narrador, pois é ele fundamentalmente que caracteriza a narrativa. 
Os fatos, os personagens, o tempo e o espaço existem por exemplo num texto 
teatral, para o qual não é fundamental a presença do narrador. Já no conto, no 
romance ou na novela, o narrador é o elemento organizador de todos os outros 
componentes. Passemos então ao estudo de cada um deles. 
 Enredo – o conjunto dos fatos de uma história é conhecido por muitos 
nomes: intriga, ação, trama, história. O termo mais largamente difundido 
é enredo. Duas são as questões fundamentais a se observar: a 
verossimilhança e as partes do enredo. 
 Verossimilhança 
 É a lógica do enredo, que o torna verdadeiro para o leitor. Os fatos 
de uma história não precisam ser verdadeiros, no sentido de 
corresponderem exatamente a fatos ocorridos no universo exterior, 
mas devem ser verossímeis, ou seja, mesmo sendo inventados, o 
leitor deve acreditar no que lê. 
 Partes de enredo 
Para se entender a organização dos fatos no enredo não basta 
perceber que toda história tem começo, meio e fim; é preciso 
compreender o elemento estruturador: o conflito. Tomemos como 
exemplo as histórias infantis; imaginemos Chapeuzinho Vermelho 
sem Lobo Mau, o Patinho Feio sem a feiura, a Cinderela sem a 
meia-noite. O conflito possibilita ao leitor criar expectativas frente 
aos fatos do enredo. 
Conflito é qualquer componente da história que se opõe a outro, 
criando uma tensão que organiza os fatos da história e prende a 
atenção do leitor. 
O conflito determina as partes do enredo, que são: 
1. Exposição: (ou introdução ou apresentação) é o começo da 
história, no qual são apresentados os fatos iniciais, os 
personagens, às vezes o tempo e o espaço. Enfim, é a parte 
na qual se situa o leitor diante da história que irá ler. 
2. Complicação: (ou desenvolvimento) é a parte do enredo na 
qual se desenvolve o conflito (ou conflitos). 
3. Clímax: é o momento culminante da história, é o momento 
de maior tensão, no qual o conflito chega a seu ponto 
máximo. 
4. Desfecho: (desenlace ou conclusão) é a solução dos 
conflitos, boa ou má, podendo ser um final feliz ou não. Há 
muitos tipos de desfecho: surpreendente, feliz, trágico, 
cômico etc. 
Leia o conto a seguir e observe as partes de seu enredo: 
Um homem de consciência, de Monteiro Lobato 
Chamava-se João Teodoro, só. O mais pacato e modesto dos homens. 
Honestíssimo e lealíssimo, com um defeito apenas: não dar o mínimo valor a si 
próprio. Para João Teodoro, a coisa de menos importância no mundo era João 
Teodoro. 
 Nunca fora nada na vida, nem admitia a hipótese de vir a ser alguma coisa. 
E por muito tempo não quis nem sequer o que todos ali queriam: mudar-se para 
terra melhor. 
 Mas João Teodoro acompanhava com aperto do coração o 
desaparecimento visível de sua Itaoca. 
 "Isto já foi muito melhor", dizia consigo. "Já teve três médicos bem bons -- 
agora um e bem ruinzote. Já teve seis advogados e hoje mal dá serviço para um 
rábula ordinário como o Tenório. Nem circo de cavalinhos bate mais por aqui. A 
gente que presta se muda. Fica o restolho. Decididamente, a minha Itaoca está 
se acabando ..." 
 João Teodoro entrou a incubar a ideia de também mudar-se, mas para isso 
necessitava dum fato qualquer que o convencesse de maneira absoluta de que 
Itaoca não tinha mesmo conserto ou arranjo possível. 
 "É isso", deliberou lá por dentro. "Quando eu verificar que tudo está perdido, 
que Itaoca não vale mais nada de nada, então ARRUMO A TROUXA e boto-me 
fora daqui." 
 Um dia aconteceu a grande novidade: a nomeação de João Teodoro para 
delegado. Nosso homem recebeu a notícia como se fosse uma porretada no 
crânio. Delegado ele! Ele que não era nada, nunca fora nada, não queria ser 
nada, se julgava capaz de nada... 
 Ser delegado numa cidadezinha daquelas é coisa seriíssima. Não há cargo 
mais importante. É o homem que prende os outros, que solta, que manda dar 
sovas, que cai à capital falar com o governo. Uma coisa colossal ser delegado -
- e estava ele, João Teodoro, de-le-ga-do de Itaoca!... 
João Teodoro caiu em meditação profunda. Passou a noite em claro, pensando 
e arrumando as malas. Pela madrugada botou-as num burro, montou seu cavalo 
magro e partiu. 
 -- Que é isso, João? Para onde se atira tão cedo, assim de armas e 
bagagens? 
 -- Vou-me embora -- respondeu o retirante. -- Verifiquei que Itaoca chegou 
mesmo ao fim. 
 -- Mas, como? Agora que você está delegado? 
 -- Justamente por isso. Terra em que João Teodoro chega a delegado eu 
não moro. Adeus. 
 E sumiu. 
 
 
O enredo psicológico 
É uma narrativa cujo fato principal sempre está relacionado às lembranças e 
sentimentos dos personagens, o que acarreta a predominância do tempo 
psicológico (não há uma ordem exata), que flui de acordo com as emoções. 
Geralmente, a narrativa é escrita em 1ª pessoa, com um narrador personagem. 
A apresentação do enredo pode não seguir a ordem natural dos acontecimentos, 
já que o tempo das emoções não é linear; o espaço físico também é marcado do 
ponto de vista de como são sentidas as experiências. No Brasil a representante 
mais importante do conto psicológico é Clarice Lispector. Em seus textos, 
geralmente, um fato do cotidiano ou uma lembrança aparentemente banal 
(comum) desencadeia no personagem uma viagem ao próprio interior, para 
questionar a própria existência ou ressuscitar (despertar) dramas existenciais. 
Exposição – 1º parágrafo 
Complicação – do 2º ao 13º parágrafo 
Clímax – 9º parágrafo 
Desfecho – 14º parágrafo 
 
 
Leia atentamente o conto a seguir. Há nele um enredo psicológico. 
Tentação, de Clarice Lispector 
Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela 
era ruiva. 
Na rua vazia as pedras vibravam de calor – a cabeça da menina flamejava. 
Sentava nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma 
pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu 
olhar submisso e paciente, o soluço interrompia de momento a momento, 
abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma 
menina ruiva com soluço? Olhamo-nos sem palavra, desalento contra desalento. 
Na rua deserta nenhum sinal de bonde. Numa terra de morenos, ser ruivo era 
uma revolta involuntária. Que importava se no futuro sua marca ia fazê-la erguer 
insolente uma cabeça de mulher? Por enquanto ela estava sentada num degrau 
faiscante da porta, às duas horas. O que a salvava era uma bolsa velha de 
senhora, com alça partida. Segurava-a com um amor conjugal já habituado, 
apertando-a contra os joelhos. 
Foi quando se aproximou sua outra metade neste mundo, um irmão em Grajaú. 
A possibilidade de comunicação surgiu num ângulo quente da esquina, 
acompanhando uma senhora, e encarnada na figura de um cão. Era um basset 
lindo e miserável, doce sob a sua fatalidade. Era um basset ruivo. 
Lá vinha ele trotando, à frenteda sua dona, arrastando seu comprimento. 
Desprevenido, acostumado, cachorro. 
A menina abriu os olhos pasmada. Suavemente avisado, o cachorro estacou 
diante dela. Sua língua vibrava. Ambos se olhavam. 
Entre tantos seres que estão prontos para se tornarem donos de outros seres, lá 
estava a menina que viera ao mundo para ter aquele cachorro. Ele fremia, 
suavemente, sem latir. Ela olhava-o sob os cabelos, fascinada, séria. Quanto 
tempo se passava? Um grande soluço sacudiu-a desafinado. Ele nem sequer 
tremeu. Também ela passou por cima do soluço e continuou a fita-lo. 
Os pelos de ambos eram curtos, vermelhos. 
 
 
Que foi que se disseram? Não se sabe. Sabe-se apenas que se comunicaram 
rapidamente, pois não havia tempo. Sabe-se também que sem falar eles se 
pediam. Pediam-se com urgência, com encabulamento, surpreendidos. 
No meio de tanta vaga impossibilidade e de tanto sol, ali estava a solução para 
a criança vermelha. E no meio de tantas ruas a serem trotadas, de tantos cães 
maiores, de tantos esgotos secos – lá estava uma menina, como se fosse carne 
de sua ruiva carne. Eles se fitavam profundos, entregues, ausentes de Grajaú. 
Mais um instante e o suspenso sonho se quebraria, cedendo talvez à gravidade 
com que se pediam. 
Mas ambos eram comprometidos. 
Ela com sua infância impossível, o centro da inocência que só se abriria quando 
ela fosse uma mulher. Ele, com sua natureza aprisionada. 
A dona esperava impaciente sob o guarda-sol. O basset ruivo, afinal, despregou-
se da menina e saiu sonâmbulo. Ela ficou espantada, com o acontecimento nas 
mãos, numa mudez que nem pai nem mão compreenderiam. Acompanhou-o 
com olhos pretos que mal acreditavam, debruçada sobre a bolsa e os joelhos, 
até vê-la dobrar a outra esquina. 
Mas ele foi mais forte que ela. Nem uma só vez olhou para trás. 
 
Personagens 
A personagem ou o personagem é um ser fictício que é responsável pelo 
desempenho do enredo; em outras palavras, é quem faz a ação. Por mais real 
que pareça, o personagem é sempre invenção, mesmo quando se constata que 
determinados personagens são baseados em pessoas reais. 
O personagem é um ser que pertence à história e que, portanto, só existe como 
tal se participa efetivamente do enredo, isto é, se age ou fala. Se um determinado 
ser é mencionado na história por outros personagens, mas nada faz direta ou 
indiretamente, ou não interfere de modo algum no enredo, pode-se não o 
considerar personagem. 
 
 
Passemos agora à classificação dos personagens, que podem ser analisados, 
de acordo com o que vem a seguir. 
1. Quanto ao papel desempenhado no enredo: 
a) Protagonista: é o personagem principal 
- Herói é o protagonista com características superiores às de seu 
grupo. 
- Anti-herói é o protagonista que tem características iguais ou 
inferiores às de seu grupo, mas que por algum motivo está na 
posição de herói, só que sem competência para tanto. 
b) Antagonista: é o personagem que se opõe ao protagonista. É o 
vilão da história. 
c) Personagens secundários: são menos importantes na história. 
Tem uma participação menor ou menos frequente no enredo. São 
figurantes. 
d) Personagens planos: são caracterizados com um número 
pequeno de atributos que os identifica facilmente perante o leitor; 
de um modo gera, são personagens pouco complexos. 
e) Personagens redondos: são mais complexos que os planos, isto 
é, apresentam uma variedade maior de características, que podem 
ser físicas, psicológicas, sociais, ideológicas, morais. 
Vejamos agora uma descrição de personagem; observe as características 
físicas, psicológicas, morais, ideológicas e sociais. 
Botelho 
Era um pobre-diabo caminhando para os setenta anos, antipático, cabelo 
branco, curto e duro, como uma escova, barba e bigode do mesmo teor; muito 
macilento, com uns óculos que lhe aumentavam o tamanho da pupila e davam-
lhe à cara uma expressão de abutre, perfeitamente de acordo com seu nariz 
adunco e com sua boca sem lábios; viam-se-lhe ainda todos os seus dentes, 
mas tão gastos, que pareciam limados ao meio. Andava sempre de preto, com 
um guarda-chuva debaixo do braço e com um chapéu de Braga enterrado nas 
orelhas. Fora em seu tempo empregado do comércio, depois corretor de 
escravos; contava mesmo que estivera mais de uma vez na África negociando 
 
negros por sua conta. Atirou-se muito às especulações; durante a guerra do 
Paraguai, ainda ganhara forte, chegando a ser bem rico; mas a roda da fortuna 
desandou e, de malogro em malogro, foi-lhe escapando tudo por entre as suas 
garras de ave de rapina. E, agora, coitado, já velho, comido de desilusões, cheio 
de hemorroidas, via-se totalmente sem recursos e vegetava à sombra do 
Miranda, com que muitos anos trabalhou em rapaz, sob as ordens do mesmo 
patrão, e de quem se conservava amigo, a princípio por acaso e mais tarde por 
necessidade. 
Devorava-o, noite e dia, uma implacável amargura, uma surda tristeza de 
vencido, um desespero impotente, contra tudo e contra todos, por não lhe ter 
sido possível empolgar o mundo com suas mãos hoje inúteis e trêmulas. E, como 
o seu atual estado de miséria não lhe permitia abrir contra ninguém o bico, 
desabafava vituperando as ideias de época. 
Assim, eram às vezes muito quentes as sobremesas do Miranda, quando, entre 
outros assuntos palpitantes, vinha à discussão o movimento abolicionista que 
principiava a formar-se em torno da Lei do Rio Branco. Então Botelho ficava 
possesso e vomitava frases terríveis, para a direita e para a esquerda, como 
quem dispara tiros sem fazer alvo, e vociferava imprecações, aproveitando 
aquela válvula para desafogar o velho ódio acumulado dentro dele. 
(Azevedo, Aluísio. O cortiço. Rio de Janeiro, Ed. Ouro, p. 40) 
 
Tempo 
Aqui abordaremos o tempo fictício, isto é, interno ao texto. Os fatos de um enredo 
estão ligados ao tempo em vários níveis: 
Época em que se passa a história 
Constitui o pano de fundo para o enredo. A época da história nem sempre 
coincide com o tempo real em que foi publicada ou escrita. Um exemplo disso é 
o romance de Umberto Eco, O nome da Rosa, que retrata a Idade Média, embora 
tenha sido escrito e publicado recentemente. 
 
 
Duração da história 
Muitas histórias se passam em curto período de tempo, já outras têm um enredo 
que se estende ao longo de muitos anos. 
Tempo cronológico 
É o nome que se dá ao tempo que transcorre na ordem natural dos fatos no 
enredo, isto é, do começo para o final. Está, portanto, ligado ao enredo linear; 
chama-se cronológico porque é mensurável em horas, dias, meses, anos, 
séculos. 
Tempo psicológico 
É o nome que se dá ao tempo que transcorre numa ordem determinada pelo 
desejo ou pela imaginação do narrador ou dos personagens, isto é, altera a 
ordem natural dos acontecimentos. Está, portanto, ligado ao enredo não linear. 
 
Espaço 
Espaço, é, por definição, o lugar onde se passa a ação numa narrativa. Tem 
como funções principais situar as ações dos personagens e estabelecer com 
eles uma interação. Assim como os personagens, o espaço pode ser 
caracterizado mais detalhadamente em trechos descritivos, ou as referências 
espaciais podem estar diluídas na narração. De qualquer maneira, é possível 
identificar-lhe as características, por exemplo, espaço fechado ou aberto, espaço 
urbano ou rural e assim por diante. 
Narrador 
Não existe narrativa sem narrador, pois ele é o elemento estruturador da história. 
Dois são os termos mais usados para designar a função do narrador na história: 
foco narrativo e ponto de vista (do narrador ou da narração). Ambos se referem 
à posição do narrador frente aos fatos narrados. Assim, teríamos dois tipos de 
narrador, identificados pelo pronome pessoal usado na narração: primeira 
pessoa ou terceira pessoa. 
 
 
 
Tipos de narrador 
 Terceira pessoa: é o narrador que está fora dos fatos narrados, portanto, 
seu pontode vista tende a ser mais imparcial. O narrador em terceira 
pessoa é também conhecido pelo nome de narrador observador e suas 
características principais são: 
 Onisciência: ele sabe tudo sobre a história. 
 Onipresença: ele está presente em todos os lugares da história. 
 
Veja o exemplo abaixo de narrador observador. 
(...) Pedro sentou-se, cruzou as pernas, tirou algumas notas da flauta, como para 
experimentá-la e depois, franzindo a testa, entrecerrando os olhos, alçando 
muito as sobrancelhas, começou a tocar. Era uma melodia lenta e meio fúnebre. 
(...) 
Tirou as mãos de dentro da água da gamela, enxugou-as num pano e aproximou-
se da mesa. Foi então que deu com os olhos de Pedro e daí por diante, por mais 
esforços que fizesse, não conseguiu desviar-se deles. 
(O continente. In: ... O tempo e o vento) 
Podemos perceber a onisciência do narrador observador, pois ele não apenas 
narra o que se passa com os personagens, mas também o que sentem; em 
outras palavras, ele sabe mais que os personagens. 
 Primeira pessoa ou narrador personagem: é aquele que participa 
diretamente do enredo como qualquer personagem, portanto, tem seu 
campo de visão limitada, isto é, não é onipresente, nem onisciente. No 
entanto, dependendo do personagem que narra a história, de quando o 
faz e de que relação estabelece com o leitor, podemos ter algumas 
variantes de narrador personagem. 
Variantes de narrador personagem 
 Narrador testemunha: geralmente não é o personagem principal, 
mas narra acontecimentos dos quais participou, ainda que sem 
grande destaque. 
 
 
 Narrador protagonista: é o narrador que é também o personagem 
central. Podem-se citar inúmeros exemplos deste tipo de narrador, 
como, por exemplo, Bentinho, de Dom Casmurro. 
Veja abaixo um exemplo de narrador em primeira pessoa. 
“ Eu tinha uns quatro anos no dia em que minha mãe morreu. Dormia no meu 
quarto, quando pela manhã me acordei com um enorme barulho na casa toda. 
Eram gritos e gente correndo para todos os cantos. O quarto de dormir de meu 
pai estava cheio de pessoas que eu não conhecia. Cori para lá, e vi minha mãe 
estendida no chão e meu pai caído em cima dela como um louco. 
A gente toda que estava ali olhava para o quadro como se estivesse em um 
espetáculo. Vi então que minha mãe estava toda banhada em sangue, e corri 
 
para beijá-la, quando me pegaram pelo braço com força. Chorei, fiz o possível 
para livrar-me. Mas não me deixaram fazer nada. Um homem que chegou com 
uns soldados mandou então que todos saíssem, que só podia ficar ali a polícia 
e mais ninguém. ” 
Menino de Engenho, de José Lins do Rego 
 
Atenção: 
Narrador não é autor 
As variantes de narrador em primeira pessoa ou em terceira pessoa podem ser 
inúmeras, uma vez que cada autor cria um narrador diferente para cada obra. 
Por isso, é bom que se esclareça que o narrador não é o autor, mas uma 
entidade de ficção, isto é, uma criação linguística do autor, e, portanto, só existe 
no texto. 
Modos de narrar 
Os textos dos gêneros narrativos têm em comum o objetivo de contar algum 
acontecimento, real ou fictício. Objetivos e características podem variar, mas a 
narração permanece como um traço de identidade entre relatos, crônicas, 
contos, novelas, romances. 
 
Muitas vezes, no interior de uma narrativa, é importante atribuir uma fala ou um 
comentário a uma personagem. Nessas situações, pode-se recorrer a diferentes 
modos de organização da linguagem para informar o que foi dito por alguém: o 
discurso direto, o discurso indireto e o discurso indireto livre. 
O discurso direto 
É o registro integral da fala do personagem, do modo como ele a diz. Isso 
equivale a afirmar que o personagem fala diretamente, sem a interferência do 
narrador, que se limita a introduzi-la. Há duas maneiras de registrar o discurso 
direto: 
1. A mais convencional: 
a) Verbo de elocução (falar, dizer, perguntar, etc) + dois-pontos + 
travessão (na outra linha) 
Estirado por sobre a mesa, o administrador gritava: 
— Você já esteve no Alentejo? 
Variantes da forma convencional 
a) O personagem fala diretamente, isto é, sem ser introduzido, e o narrador 
se encarrega de esclarecer quem falou, como e por que falou. 
— Sente-se — ordena a professora irritada. 
b) Em vez dos travessões para isolar a fala do personagem, encontramos 
outra pontuação: vírgula, ponto etc. Só permanece o travessão inicial. 
 
— O meu projeto é curioso, insistiu o sardento, mas parece que este povo 
não me compreende. 
c) Vária falas se sucedem sem a presença do narrador; apenas se sabe o 
que fala cada personagem, por que há mudança de linha e novo 
travessão. 
 
— O que é, meu rapaz? 
— Eu queria conhecer a grande máquina. 
— Não conhece ainda? 
— Não. 
— É novo na cidade? 
— Nasci aqui. 
— E como não conhece a máquina? 
— Nunca me deixaram. 
 
2. Usando aspas no lugar dos travessões: 
Verbo de elocução + dois-pontos + aspas 
Ao me despedir de Palor, no Aldebaran vazio, eu disse: 
“ Vamos nos ver novamente? ” 
 
 
O discurso indireto 
 
É o registro indireto da fala do personagem por meio do narrador, isto 
é, o narrador é o intermediário entre o instante da fala do personagem e 
o leitor, de modo que a linguagem do discurso indireto é a do narrador. 
 
(...) O outro objetou-lhe que por aqui havia febres e mosquitos; o major 
contestou-lhe com estatísticas e até provou exuberantemente que o 
Amazonas tinha um dos melhores climas da terra. Era um clima caluniado 
pelos viciosos que de lá vinham doentes... 
 
Perceba que nesse exemplo o narrador disse com suas palavras o que 
disseram os personagens. 
O discurso direto ficaria assim: 
O outro objetou-lhe: 
— Por aqui só há febres e mosquitos. 
O major contestou-lhe com estatísticas e até provou exuberantemente: 
— O Amazonas tem um dos melhores climas da terra. E um clima 
caluniado pelos viciosos que de lá vêm doentes... 
 
O discurso indireto livre 
É um registro de fala ou de pensamento de personagem que consiste num 
meio-termo entre o discurso direto e o indireto, porque apresenta 
expressões típicas do personagem mas também a mediação do narrador. 
Veja as diferenças entre o discurso direto, o indireto e o indireto livre 
abaixo. 
 
Discurso direto Discurso indireto Discurso indireto livre 
Ela andava e pensava: 
— Droga! Estou tão 
cansada! 
Ela andava e pensava 
que (a vida) era uma 
droga e que estava 
cansada. 
Ela andava (e pensava). 
Droga! Estava tão 
cansada. 
 
Era bruto, sim Senhor, nunca havia aprendido, não sabia explicar-se. 
Estava preso por isso? Então mete-se um homem na cadeia porque ele 
 
não sabe falar direito? Que mal fazia a brutalidade dele? Vivia trabalhando 
com um escravo. Desentupia bebedouro, consertava as cercas, curava os 
animais — aproveitava um casco de fazenda sem valor. Tudo em ordem, 
podiam ver. Tinha culpa de ser bruto? Quem tinha culpa? 
RAMOS, Graciliano Vidas Secas. 
 
Tipos narrativos 
A narrativa de ficção 
A narrativa de ficção é construída, elaborada de modo a emocionar, impressionar 
as pessoas como se fossem reais. Quando você lê um romance, novela ou 
conto, por exemplo, sabe que aquela história foi inventada por alguém e está 
sendo vivida de mentira por personagens fictícios. No entanto, você chora ou ri, 
torce pelo herói, prende a respiração no momento de suspense, fica satisfeito 
quando tudo acaba bem. A história foi narrada de modo a ser vivida por você. 
Suas emoções não deixam de existir só porque aquilo é ficção, é invenção. 
No "mundo da ficção" a realidade interna é mais ampla que a realidade externa, 
concreta, que conhecemos. Através da ficção podemos, por exemplo, nos 
transportar para um mundo futuro, no qual certas situações que hoje podem nos 
parecer absurdas, são perfeitamente aceitas como verdadeiras. 
Os contos de fadas, as fábulas, os desenhos animados, asnarrativas fantásticas, 
em que tudo pode acontecer, também, nos remetem a outra realidade, bem mais 
ampla da que vivemos. Nestes casos, os textos narrativos, apresentam 
uma lógica interna que acabamos aceitando como verdade. 
 
 
Em a Metamorfose, o tcheco Franz Kafka inicia a narrativa com o 
personagem Gregor Samsa transformado em um inseto (metáfora da condição 
humana em um mundo adverso, desumano): 
“Certa manhã, ao despertar de sonhos intranquilos, Gregor Samsa viu-se em 
sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. Estava deitado sobre suas 
costas duras como couraça, e ao erguer um pouco sua cabeça viu o seu ventre 
marrom, abaulado divididos em saliências arqueadas (...).” 
Já Machado de Assis, em Memórias Póstumas de Brás Cubas, dá voz a um 
defunto que narra logo no primeiro capítulo o seu óbito: 
 
"Algum tempo hesitei se deveria começar estas memórias pelo princípio ou pelo 
fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. 
Suposto o uso vulgar começar pelo nascimento, duas considerações me levaram 
a adotar diferente método: a primeira é que não sou propriamente um autor 
defunto, mas um defunto autor [...]." 
Para o leitor prosseguir na leitura dessas narrativas, é necessário que ele 
suspenda temporária e voluntariamente a sua descrença e aceite, como um fato 
da realidade, uma personagem transformada em um inseto horroroso e um 
defunto que resolve contar suas memórias. 
 
O relato 
A todo instante contamos alguma coisa a alguém. Como foi o show de nosso 
artista preferido, o último filme a que assistimos, um evento importante 
presenciado por nós. São inúmeras as circunstâncias em que relatamos, para 
alguém, o que ocorreu em uma ocasião específica. 
O relato é um gênero discursivo no qual são apresentadas as informações 
básicas referentes a um acontecimento específico. O principal objetivo do relato, 
oral ou escrito, é narrar para o leitor/ouvinte uma sequência de acontecimentos. 
Por esse motivo, os relatos focam ações. 
 
 
Ao contrário da maioria dos gêneros discursivos, os relatos ocorrem em muitos 
contextos diferentes. Isso acontece porque recorremos a esse gênero todas a 
vezes que temos a necessidade de apresentar uma sequência específica de 
fatos, associados a uma determinada situação. 
Há um contexto, porém, que as pessoas se reúnem para ouvir e fazer relatos: 
as rodas de “ causos”. Ainda frequentes em pequenas cidades do interior, essas 
situações se caracterizam pela presença de alguns “ contadores de causos”, 
pessoas que têm uma grande habilidade em apresentar de modo envolvente as 
histórias que contam. 
 
Estrutura de um relato 
Na organização dos relatos, o primeiro fator a ser considerado é a situação de 
interlocução, porque ele estabelecerá importantes diferenças entre um relato oral 
e um relato escrito. 
Em um relato oral, costumamos estar em contato direto com nossos 
interlocutores que, a qualquer momento, podem nos interromper e pedir 
informações ou esclarecimento. Isso dá, a quem relata oralmente um fato, maior 
liberdade em termos estruturais. 
Quando fazemos um relato escrito, devemos lembrar que os leitores não terão 
como solicitar mais informações ou esclarecimentos. O texto precisa, portanto, 
conter todas as informações necessárias para ser compreendido por quem o lê. 
 
Leia abaixo o relato de Edney Silvestre sobre os atentados de 11 de setembro. 
Lembranças de quem viveu o 11 de setembro de 2001 
Depois de cobrir os ataques de 11 de setembro, não adio nada que eu 
quero fazer. De quase três mil mortos, a maioria tinha menos de 25 anos. Porque 
foi no horário em que estagiários e recém-formados trabalham. Eram 8h20 da 
manhã. Imagina só, você acaba de se formar, vai ao trabalho, um avião bate no 
prédio e você morre… Eu morava perto, a duas estações de trem do World Trade 
Center, e por isso corri pra lá. Tinha voltado da academia, estava subindo o 
elevador. Minha rotina geralmente era: ia para a academia, voltava aí ligava a 
televisão e o computador. Quando eu liguei a televisão tinha acabado de 
acontecer. Eu não entendi nada, só vi um buraco enorme no prédio. 
 Eu e o cinegrafista Orlando Moreira fomos os primeiros jornalistas 
brasileiros a chegar ao que restava do WTC. Ou seja: escombros. Fomos a pé 
porque o sistema de transportes da cidade tinha parado de funcionar. Fora 
suspenso, por receio de novos ataques. O serviço só seria restabelecido no fim 
da tarde. Assim mesmo, parcialmente(...) 
Não havia como falar com a redação, que ficava no centro de Manhattan. 
Os telefones celulares não estavam funcionando porque, quando uma das torres 
veio abaixo, tinha no topo a antena que permitia a comunicação telefônica. Havia 
muitos brasileiros, no meio da multidão que fugia. Vários, ao verem o microfone 
que eu segurava, com o símbolo da Globo, vinham até nós, espontaneamente, 
dar seu emocionado relato do que acontecera. 
Foi difícil atravessar a barreira de policiais, as barricadas, a fumaça, 
sentindo aquele cheio de carne queimada que, mais tarde, saberíamos vir das 
milhares de vítimas carbonizadas. O prefeito de Nova York, Rudy Giuliano, nos 
viu e mandou que colocássemos máscaras contra toda aquela poeira e poluição. 
Orlando trabalhava incansavelmente. Fez as impressionantes imagens que 
abririam o Jornal Nacional daquela noite e que são utilizadas até hoje. 
 De tudo, posso dizer que o mais difícil não foi a parte jornalística, árdua 
sim, trabalhosa sim, mas a parte humana. Difícil foi saber dos quase 3 mil 
assassinatos, ver as pessoas saltando para a morte por estarem cercadas pelas 
chamas, calor e fumaça, e manter para o telespectador brasileiro um relato 
jornalístico objetivo sem me deixar tomar pela emoção e revolta. 
(...) 
 
Alegorias narrativas: a fábula e o apólogo. 
A fábula 
É um gênero ficcional bastante popular e existe há muitos anos. 
Tradicionalmente, eram narrativas orais, e não se sabe ao certo quem as criou. 
Embora muito antigas, continuam a ser contadas e lidas, porque ensinam, 
 
alertam sobre algo que pode acontecer na vida real, criticam comportamentos 
humanos, ironizam os homens. 
Na maioria das vezes, os fabulistas usam animais como personagens de suas 
histórias, tornando-os uma espécie de símbolo: a formiga, representado o 
trabalho, o cordeiro, a inocência; o burro, a estupidez; a raposa, a astúcia. 
É importante saber que o narrador de uma fábula é um observador, o tempo 
verbal predominante e o pretérito perfeito do indicativo e a linguagem utilizada é 
a variedade padrão. 
Estrutura das fábulas 
Por meio das fábulas, podemos fazer duas leituras independentes: 
a) A narrativa propriamente dita, cuja estrutura narrativa sempre se repete: 
Situação inicial; 
Obstáculo; 
Tentativa de resolução; 
Resultado final. 
b) Moral: linguagem temática, dissertativa. Ela pode ser usada e analisada 
independentemente da fábula. 
Ela nos leva a dois mundos: 
O imaginário, narrativo, fantástico; 
O real, dissertativo, temático. 
Na verdade, a fábula é “ um estudo sério sobre o comportamento 
humano”, a ética e a cidadania. 
 
A coruja e a águia, de Monteiro Lobato 
 
Coruja e águia, depois de muita briga, resolveram fazer as pazes. 
— Basta de guerra – disse a coruja. — O mundo é grande, e tolice maior 
que o mundo é andarmos a comer os filhotes uma da outra. 
— Perfeitamente – respondeu a águia. — Também eu não quero outra 
coisa. 
— Nesse caso, combinemos isto: de agora em diante, não comerá nunca 
os meus filhotes. 
 
— Muito bem. Mas como posso distinguir os teus filhotes? 
— Coisa fácil. Sempre que encontrares uns borrachos lindos bem-
feitinhos de corpo, alegres, cheios de uma graça especial que não existe 
em filhotes de nenhuma outra ave, já sabes, são os meus. 
— Está feito! – Concluiu a águia. 
Dias depois, andando à caça, a águia encontrou um ninho com três 
monstrengos dentro, que piavamde bico muito aberto. 
— Horríveis bichos! – Disse ela. — Vê-se logo que não são os filhos da 
coruja. 
E comeu-os. 
Mas eram os filhos da coruja. Ao regressar à toca, a triste mão chorou 
amargamente o desastre, e foi ajustar contas com a rainha das aves. 
— Quê? – Disse ela admirada. — Eram teus aqueles monstrenguinhos? 
Pois, olha, não se pareciam nada com o retrato que deles me fizeste... 
---- 
Para o retrato de filho, ninguém acredite no pintor pai. Lá diz o 
ditado: quem o feio ama, bonito lhe parece. 
 
O apólogo 
O texto apólogo é classificado como um texto alegórico, caracterizado pelos 
personagens serem inanimados, porém o intuito é o mesmo da fábula: transmitir 
uma lição de vida por meio de situações análogas às reais, vividas geralmente 
por seres que não são vivos. 
O maior objetivo do apólogo é fazer com que haja modificações nos conceitos 
humanos que não são saudáveis, promovendo desta forma mudanças de 
comportamentos morais e sociais. 
 
Um apólogo, de Machado de Assis 
Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha: 
— Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir 
que vale alguma cousa neste mundo? 
 
— Deixe-me, senhora. 
— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar 
insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça. 
— Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem 
cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. 
Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros. 
— Mas você é orgulhosa. 
— Decerto que sou. 
— Mas por quê? 
— É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que 
os cose, senão eu? 
— Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os 
cose sou eu e muito eu? 
— Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou 
feição aos babados... 
— Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, 
que vem atrás obedecendo ao que eu faço e mando... 
— Também os batedores vão adiante do imperador. 
— Você é imperador? 
— Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo 
adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. 
Eu é que prendo, ligo, ajunto... 
Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse 
que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, 
para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da 
agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser. Uma e outra 
iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre 
os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana — para dar a isto uma 
cor poética. E dizia a agulha: 
 
— Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta 
distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, 
unidinha a eles, furando abaixo e acima... 
A linha não respondia; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido 
por ela, silenciosa e ativa, como quem sabe o que faz, e não está para ouvir 
palavras loucas. A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se 
também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia 
mais que o plic-plic-plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou 
a costura, para o dia seguinte. Continuou ainda nessa e no outro, até que no 
quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile. 
Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-
se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E 
enquanto compunha o vestido da bela dama, e puxava de um lado ou outro, 
arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha para mofar 
da agulha, perguntou-lhe: 
— Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo 
parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e 
diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para 
o balaio das mucamas? Vamos, diga lá. 
Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não 
menor experiência, murmurou à pobre agulha: 
— Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai 
gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não 
abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico. 
Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a 
cabeça: 
— Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!

Outros materiais