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BALADA DE AMOR AO VENTO, PAULINA CHIZIANE

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#43
Olá, ouvinte! Espero que você esteja bem!
Seja bem-vindo ao Literatura Oral, podcast de leitura comentada e de sugestões literárias. Eu sou Sabrina Siqueira, jornalista com doutorado em literatura.
No último episódio, comentei a vida e a obra de Carolina Maria de Jesus, e li algumas partes de Quarto de despejo – Diário de uma favelada, sua autobiografia mais famosa.
Continuando com literatura de autoria feminina, que foi a temática do mês de março por aqui, hoje falo sobre Paulina Chiziane, autora moçambicana. E destaco seu primeiro romance, Balada de amor ao vento.
Paulina Chiziane nasceu em 1955 e cresceu nos subúrbios da cidade de Maputo, capital e também a maior cidade do Moçambique. Atualmente ela mora na Zambézia, que é uma província da região centro do país. Paulina foi a primeira mulher a publicar um romance no Moçambique. Isso aconteceu só em 1990, quando ela escreveu Balada de amor ao vento. Eu adoro esse título, Balada de amor ao vento. 
Moçambique é um país africano, do leste da África, e é um país de colonização portuguesa. Então a língua oficial é português. Mas como todos os países africanos, têm outros dialetos e línguas usadas pela população. A gente tem que lembrar que a África foi retalhada pelos europeus desde o século XVI. Nessa época, alguns países da Europa Ocidental queriam buscar matérias primas e expandir seu território possuindo colônias, quer dizer, lugares que pudessem explorar para aumentar suas riquezas. Então pegaram seus navios e saíram pelo globo, buscando terras a serem exploradas. Principalmente França, Bélgica, Holanda, Inglaterra, Portugal e Espanha. Porque Itália e Alemanha ainda não existiam como os países que a gente conhece hoje, eram vários Estados independentes que só se uniram como nação no século XIX. 
Daí esses europeus chegaram na África, um continente enorme, cheio de tribos, cheio de idiomas, com uma cultura riquíssima e diferente de um lugar pra outro do continente, e partilharam entre eles como bem entenderam, estabelecendo fronteiras no que chamaram de colônias de cada Estado europeu envolvido. E nessa partilha ficou tribo inimiga junto com tribo inimiga, algumas mesmas tribos divididas entre conquistadores diferentes, povo que falava idiomas e dialetos diferentes pertencendo ao mesmo país, foi uma confusão louca que gera problemas pra África até hoje. E cada território passou a ter como língua oficial a língua do seu conquistador. 
	Claro que a partilha da África não foi pacífica. Vários conflitos diplomáticos estavam acontecendo entre os países europeus envolvidos. Então, no final do século XIX, acontece a Conferência de Berlim pra determinar qual país ficaria com qual território da África. Nisso, Alemanha e Itália já tinham se unificado como países e entrado na disputa pela África também. Ficou acordado, por exemplo, que o sul e parte do nordeste da África ficariam para a Inglaterra, grande parte do norte, onde tem a Argélia, ficou pra França. Portugal ficou com uma porção no oeste onde é Angola, Guiné Bissau, as ilhas de Cabo Verde e, no leste, Moçambique. Tudo distante e uma confusão generalizada! Agora a Europa quer impor restrições à entrada dos moradores de ex-colônias. Na França, por exemplo, está cheio de imigrantes e de refugiados, porque também esses países africanos têm política instável e muitos conflitos e pobreza até hoje, então muitos migram pra França e são barrados ou vivem lá em condição de miséria, abrindo um pano no chão pra vender souvernir pra turista, miniatura de Torre Eiffel e por aí vai. E em Portugal também, cheio de moradores das ex-colônias, muitos brasileiros, querendo desfrutar da qualidade de vida melhor que a Europa tem hoje. Daí os europeus respondem, não, sai daqui, volta pro seu país, mas na hora de chegarem na África e no Brasil tocando o terror e agindo como se o mundo fosse deles tava bom, né? Às vezes a gente só olha pra qualidade de vida, pra conquista de direitos que a Europa ocidental oferece aos seus moradores, e não lembra que teve um preço pra eles chegaram nessa riqueza toda. Rolou muita violência e exploração de países pobres, que continuam pobres até hoje em parte por esse passado colonial, por isso a disparidade na qualidade de vida entre Europa ocidental e ex-colônias. 
	Moçambique, país da Paulina Chiziane, está na costa do Oceano Índico. É rota de comércio com a Índia e com outros países orientais. Em todos esses países africanos em que existem portos que os europeus usavam desde o século XVI, aconteceu uma grande mistura de pessoas. Por exemplo, em Moçambique, entram muitos moradores de países orientais, com sua cultura e língua. Além da cultura dos portugueses colonizadores. 
Pra ficar independente de Portugal, Moçambique travou uma guerra de 1964 a 1974. Foi uma independência super tardia. A gente tava aqui amargando a ditadura militar e Moçambique ainda era colônia, travando uma luta armada de libertação nacional. Disso a gente depreende o quão difícil estavam as condições de vida por lá nesse período de guerra e nos anos que seguiram o conflito. 
	E como será que é a situação da mulher nesse país empobrecido pela exploração portuguesa e depois por uma década de guerra? Paulina Chiziane foi a primeira mulher a publicar um romance no Moçambique, e isso aconteceu somente em 1990. Isso é sintomático da condição das mulheres nesses país. Será que a gente pode inferir que antes de 1990 nenhuma mulher tinha tido vontade de publicar? Ou nenhuma escrevia romances? Ou nenhuma tinha tido criatividade ou se voltado para a arte da narrativa? O que será que esse fato nos informa? Eu to fazendo essas perguntas pra te instigar a pensar e porque eu também não sei! É pra gente pensar junto. Eu to estudando e entrando em contato com literatura africana de língua portuguesa, e africana em geral, há muito pouco tempo. A gente vai aprendendo junto aqui no Literatura Oral. Eu acho que em geral a gente sabe muito pouco sobre literatura africana e sobre África. A gente sabe do sucesso do Mia Couto, autor também moçambicano, mas em geral é pouco, comparando com o que se tem de informação e cursos disponíveis de literatura anglófona, por exemplo. Conforme eu citei no episódio anterior, o que fez com que se passasse a estudar mais literatura africana nas escolas foi a lei 10.639, de 2003, que alterou a lei de diretrizes e bases (LDB) e tornou obrigatória a inclusão no currículo da educação básica história e cultura africana. 
	Paulina Chiziane participou ativamente na cena política pela libertação de Moçambique, como membro da Frente de Libertação. Iniciou a atividade literária em 1984, com contos que eram publicados na imprensa local. Os seus textos vem gerando discussões polêmicas sobre assuntos sociais da cultura de Moçambique, como a prática da poligamia. Em Moçambique a poligamia é legal. O tema da poligamia aparece no 1º romance dela e volta a ser assunto de Paulina em 2002, no romance Niketche: Uma história de poligamia. A autora já publicou 11 romances. Em 2016 ela anunciou que não iria mais escrever porque está cansada das lutas travadas ao longo de sua carreira. Mas, em 2017, lançou outro romance: O canto dos escravizados. Apesar da sua produção, ela recusa o rótulo de romancista e se define como uma contadora de histórias, inspirada no que ouviu da avó. 
	A escrita de Chiziane é amalgamada à oralidade. No local em que nasceu, fala-se outros idiomas, além do português, o que é muito comum em regiões da África: ter o idioma oficial que é o que foi imposto pelo colonizador, e em casa ou em cerimônias religiosas e culturais, falar os dialetos locais. Com sua escrita, Paulina busca sedimentar uma identidade feminina balisada na ideia de que as identidades são constituídas por diversos planos (histórico, político, social e cultural). Questiona firmemente as imposições do masculino e suas tradições, desconstruindo uma identidade forjada por uma sociedade marcadamente herdeira de costumes patriarcais, alguns desses costumes nativos de Moçambique, outros importados com o colonizador. Mas, apesar disso, elanão se considera uma feminista.
	Em Balada de amor ao vento, Paulina Chiziane discute a poligamia no sul de Moçambique, durante o período colonial. A narrativa dela reflete o mal-estar social de um país devastado pela guerra de libertação e os conflitos civis que aconteceram após a independência. A escrita de Paulina evoca tanto o tempo colonial, como a fase da independência e a pós-independência. Na sua literatura há ampla reflexão acerca da relação entre tradição e contemporaneidade, salientando o papel da mulher na construção das identidades de Moçambique. E é exatamente sobre essa relação que trata Balada de amor ao vento.
	Nesse romance as personagens principais são Sarnau, a protagonista e narradora em 1ª pessoa, Mwando, o primeiro namorado de Sarnau, a rainha dos Zúculas, um reino distante, Nguila, o filho da rainha, e Phati, por quem o príncipe Nguila é apaixonado. Balada de amor ao vento conta sobre as contradições entre os costumes locais e a colonização portuguesa. A história é ambientada nos tempos da colonização e descreve o estatuto do “eu feminino” em uma sociedade patriarcal e poligâmica, localizada em Mambone, à beira do rio Save, no sul de Moçambique. Apesar de negar elos com o feminismo, a escrita de Paulina Chiziane questiona os papeis que a mulher assume na sociedade moçambicana. 
	No romance, Sarnau pertence à tribo dos Twalufo. Ela é sonhadora e geniosa. Ainda menina, ela se apaixona por Mwando, um garoto que estuda para ser padre. Os dois se envolvem e o romance resulta na expulsão do aspirante a religioso do colégio e no início das decepções afetivas de Sarnau. A garota começa a perceber que ela e o namorado são muito diferentes. Ela segue a tradição da tribo, que acredita na força da natureza, na influência dos antepassados e em feitiçaria. Mwando é cristão e assimilado, quer dizer, a família dele assume os costumes dos colonizadores portugueses, apesar de ter o conhecimento de seu povo. São africanos que escolhem viver como portugueses na esperança de ter mais oportunidades ou sofrer menos preconceito entre os colonizadores, passam a se vestir como eles, usar mais a língua do colonizador, adotar a religião cristã. 
Sarnau e Mwando se casam conforme a cultura do sul de Moçambique, no regime poligâmico e praticam o lobolo, dentre outros rituais. O lobolo é um costume típico daquela região, em que a família da noiva recebe dinheiro pela perda que representa o casamento da filha. É uma tradição que demonstra como as mulheres são tratadas como objetos úteis, que no casamento é como se a família fosse compensada pela perda de uma escrava. No dia do casamento, Sarnau faz uma marca do dedo com tinta no documento, e o marido assina o nome com uma caneta de ouro. Quer dizer, ela não havia recebido instrução formal para aprender a escrever, ele sim. E as mulheres mais velhas avisam que ela não deve chorar quando o marido dormir com a irmã mais nova dela, por exemplo, ainda que o faça na presença dela, porque “homem não fica com uma só mulher”. Nesse fragmento o romance denuncia a condição de subalternidade em que viviam as moçambicanas, ou vivem ainda.
Sarnau engravida e logo descobre que o descompasso cultural entre ela e Mwando vai acabar por separá-los. Logo após a consumação do casamento, Mwando não cumpre os rituais da tribo de Sarnau, como era esperado. Ele obedece à família dele, que havia escolhido uma outra esposa para que ele casasse em regime monogâmico e cristão. Abandonada e decepcionada, Sarnau tenta se matar no rio Save, mas sobrevive. Ela entende que é rejeitada pelos espíritos do rio e perde o filho.
Tempos depois, Sarnau encontra a rainha dos Zúculas e aí acontece uma reviravolta na história da protagonista. Sarnau é escolhida pela rainha para se casar com o futuro rei Zúcula Nguila, ocupando o lugar de primeira esposa. Sem questionar o destino e sem avaliar o fato como sorte boa ou má, ela se casa e parte para o reino desconhecido. Torna-se melhor amiga da rainha, que lhe passa todos os ensinamentos necessários para viver feliz ao lado do marido e das demais esposas do futuro rei. E aqui tem um aspecto interessante, na amizade dessas duas mulheres tão diferentes, uma com tudo e a outra que não tinha nada. Elas detém um conhecimento ancestral, que é transmitido pela oralidade entre as gerações, e que se concentra no bem viver com o marido e na regência do lar, nisso incluso a convivência com as outras esposas, porque a gente tá falando de um país que admite a poligamia. 
Tudo ia bem só que Nguila não gosta de Sarnau, ela é uma esposa escolhida pela mãe dele, e ele não fica feliz quando ela dá à luz gêmeas. A 5ª esposa, por quem ele é apaixonado, Phati, inferniza Sarnau. A protagonista reencontra Mwando, engravida dele, é descoberta pela rival, Phati, e é obrigada a abandonar a vida como esposa do rei. 
Em relação aos costumes locais, Moçambique divide-se em 3 grandes regiões, norte, sul e centro, com duas linhagens fundamentais para a compreensão da cultura deles: uma patrilinear e outra matrilinear. O norte é de tradição matrilinear, então as mulheres têm alguma autonomia. O centro e o sul, onde se passa Balada de amor ao vento, são de tradição patrilinear e, portanto, com menor autonomia feminina. 
A literatura de Paulina Chiziane pertence ao pós-modernismo e é produzida no pós-colonialismo. O discurso literário de autoria feminina do pós-colonialismo traz uma dupla desmistificação, porque busca desconstruir estereótipos não somente do colonialismo, mas também da tradicional parceria entre o patriarcalismo e suas formas de dominação. A mulher oprimida é, em muitos sentidos, semelhante ao colonizado, sem voz, sem direitos, explorada. 
Sarnau é a voz de uma espiritualidade pagã, ela cria novos sentidos para o tradicional, reavalia práticas culturais, questiona a sua condição de subalterna por ser mulher. Nos textos de Chiziane, a natureza é uma personagem feminina central. Vários dos seus títulos têm elementos da natureza. A autora inaugura uma geo-poética feminina, na qual o narrador, o espaço e as personagens compartilham uma visão de mundo em comum, respaldada pela dinâmica da narração calcada na oralidade e na autenticidade de que está impregnada. A condição social da mulher é fonte de inspiração e tema central dos romances de Chiziane, que acredita que as subjetividades femininas devem ser compreendidas e analisadas no contexto social. 
Em Balada de amor ao vento, Chiziane inverte o lugar da cidade, pois o comum é a cidade possuir seus rios; na cidade em que se passa o romance é a terra que é residente nas margens do rio Save. Ao deslocar os espaços, Paulina organiza seu discurso a partir da fluidez do rio. O feminino que Chiziane mostra coloca a tradição em questionamento no tocante às mulheres e também denuncia a impossibilidade de condições sociais melhores, tanto no período colonial como hoje. A escrita dela é assertiva não por convocar para a leitura de romances panfletários-feministas, ela não faz isso. Mas convida a um diálogo para a compreensão do feminino e seu papel no mundo contemporâneo. Seus romances, com o amor como tema, procuram aproximar os leitores das realidades de mulheres de qualquer parte do mundo que sejam oprimidas. 
A obra de Paulina Chiziane atualiza um discurso que inclui o questionamento e a denúncia, dando voz e criando espaço de reflexão ao sujeito que é silenciado, tendo como intuito apelar à mulher moçambicana para uma mudança. Essa conscientização está no projeto de escrita da autora como representação estética e política, pois busca denunciar representações históricas e sociológicas de seu país. Ela quer estimular a reflexão sobre a condição das mulheres, utilizando como metáfora a natureza, que é a grande representação da força feminina pra Paulina. Assim, ela contribui para o processo emancipatório das suas conterrâneas. 
A explicação de por que Paulina Chiziane prefere o termo “feminino” à “feminismo” é porque, quando as discussões feministas estavam no auge, na década de 1970, os países africanos quase não participaram,porque estavam envolvidos em guerras e as mulheres africanas estavam ocupadas com outros dilemas. Então, reforçando, Chiziane fala no feminino, mas não discurso feminista clássico. Ela ouve, recolhe e coloca ao vento histórias para tratar de dramas universais das mulheres, com as tintas do mosaico cultural moçambicano. Muito além de denunciar as condições da mulher em seu país, a autora repassa os impactos da colonização e das políticas que seguiram depois da independência, salientando as contradições sobre a condição da mulher há séculos. Ao comparar as mulheres aos elementos da natureza, Chiziane busca o reconhecimento do feminino como senhora de todas as forças deificadas pelos moçambicanos. Ela questiona as maldições da tradição e busca equalizar o lugar da mulher na sociedade contemporânea. 
O colonialismo e as demais invasões em terras africanas trouxeram uma nova problemática. Em Balada de amor ao vento, o cristianismo e as noções de pecado e de culpa estão representados na personagem Mwando, que se contrapõe à tradição local, personificada em Sarnau. Sarnau é a personagem em harmonia com a natureza, os deuses e a mãe terra. O discurso de Mwando é marcado pela racionalidade. Ele diz que o amor é uma forma de cegueira da qual precisamos nos livrar e que a razão não deve nos abandonar, para que possamos seguir sem cair na tentação de perseguir os desejos. Finalmente ele percebe que seus filhos e Sarnau são o paraíso possível, e viver feliz com eles é encontrar sua paz celestial na terra. 
A narradora protagonista de Balada de amor ao vento descreve a felicidade como algo passageiro e breve. Mas também tem humor na narrativa. Por exemplo, quando o rei morre de cócoras, embaixo de uma árvore. O humor é marcado pela revelação de situações vexatórias ou atrelado a rituais sagrados. É um humor que carrega críticas ao colonialismo e ao pós-colonialismo. Pode-se dizer que é um humor denúncia. 
	Sarnau dá à luz uma filha que nomeia Pathi, o nome da 5ª esposa do rei e que era sua rival e a responsável por Sarnau ter tido de abandonar o lar. Nominar a filha com o nome da inimiga foi uma forma de se reconciliar com o seu próprio feminino e compreender que ambas são vítimas em uma sociedade que privilegia homens. 
	Então, o que a gente deve ter em mente quando pensar na narrativa de Paulina Chiziane é: fala do feminino sem ser panfletária do feminismo, narrativa que se aproxima da oralidade, influenciada pela oralidade, contraponto da tradição com a contemporaneidade, e ressignificação de tradições. 
Pra fazer o roteiro deste episódio, eu estudei pela tese de doutorado de Eliane Gonçalves da Costa, “De mitos e silêncios: nas águas do feminino pelos romances de Paulina Chiziane”, defendida à Universidade Estadual Paulista Unesp, em 2014. 
	Espero que você tenha ficado com vontade de ler Paulina Chiziane, de saber mais sobre a obra dessa escritora. Finalizo mandando um abraço pro João e pra Matusa, que me contaram que escutam o podcast enquanto lavam a louça ou limpam a casa! É isso pessoal, muito obrigada por escutar! Por hoje fico por aqui, mas no próximo episódio trago outra sugestão literária ou a leitura de alguma obra em domínio público. Cuidem-se, se puderem fiquem em casa, lembrem da máscara sempre que forem sair, porque não custa nada usar, e a contrapartida de não usar é muito cara. Um abraço!

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