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1 EA D Arte Africana 1. OBjETIVOS • Apontar os principais aspectos geográficos e históricos da África Negra. • Reconhecer os aspectos gerais da arte negra africana. • Identificar as principais características da arte de cada re- gião da África Negra. • Estabelecer relações entre geografia, história e arte da África Negra e do resto do mundo: Europa, Oriente próxi- mo e Américas. • Interpretar e compreender as dimensões religiosa, histó- rica e material da arte negra africana, aproximando-nos , dessa forma, da nossa própria arte e cultura. 2. CONTEÚDOS • Introdução: a África vista pelos não africanos. • Continente Africano: a África Branca e a África Negra. 34 © História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena I • Surgimento do homem na África e primeiras civilizações. • Primeiras civilizações da África Negra. • Reino de Cuxe. • Civilização de Nok. • Império do Gana. • Império do Mali. • Reino do Congo. • Chegada dos europeus à África Negra. • Escravidão. • Zonas Estilísticas da arte negra africana. • Preceitos da arte de toda a África Negra. • Savana Sudanesa: povos Bambara, Dogon e Senufo. • Camarões: povos Bamum e Duala. • Selva Ocidental: povos Fang e Bakota. • Congo: Bakongo, Bakuba, Baluba e Bapende. • África do Leste, do Sul e Madagascar: Zimbábue. • Golfo da Guiné: povo Ibo. • Golfo da Guiné: povo Iorubá. • Golfo da Guiné: povo Bini. • Golfo da Guiné: povo Achanti. • Golfo da Guiné: povo Fon. 3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE 1) Tenha sempre a mão o significado dos conceitos expli- citados no Glossário e suas ligações pelo Esquema dos Conceitos-chave para o estudo de todas as unidades deste CRC. Isso poderá facilitar sua aprendizagem e seu desempenho acadêmico. 2) Antes de iniciar os estudos desta unidade, é interessante conhecer um pouco da biografia de um pensador, cujas ideias também norteiam o estudo deste Caderno de Refe- rência de Conteúdo. Para saber mais, acesse os sites indica- dos ao término da unidade: 35 Claretiano - Centro Universitário © Arte Africana Pierre Fatumbi Verger (1902-1996) Etnólogo e fotógrafo, nasceu em Paris e começou a viajar pelo mundo na déca- da de 1930, estudando o continente africano e a Diáspora africana, ou seja, o comércio de escravos que levou africanos para outros continentes (em especial, as Américas) entre os séculos 15 e 19. Recebendo na África o nome de Fatumbi, o qual tinha um significado ligado à religião, Verger foi, também, babalaô (título concedido ao iniciado na religião Iorubá que exerce funções ligadas ao Ifá – jogo de búzios), o que o permitiu enorme acesso ao riquíssimo universo das tradições religiosas Iorubás, transmitidas por meio da oralidade. Verger fixou residência em Salvador no pós-Segunda Guerra e dali continuou suas pesquisas relativas à cultura e às religiões africanas e afro-brasileiras. 4. INTRODUÇÃO À UNIDADE Nesta unidade, vamos estudar os principais aspectos geo- gráficos e históricos da África Negra, as características gerais da arte negra africana, bem como as características mais marcantes da arte de cada região da África Negra. Além disso, estabeleceremos as relações entre geografia, história e arte da África Negra e o resto do mundo: Europa, Orien- te próximo e Américas, e refletiremos sobre a dimensão religiosa, histórica e material da arte negra africana, aproximando-nos, as- sim, da nossa própria arte e cultura. Bons estudos! 5. ÁFRICA VISTA PELOS NÃO AFRICANOS África... Africanos... Qual é sua primeira reação ao ler ou ao ouvir essas palavras? O que lhe vem à cabeça? De quê você se lembra? O que você imagina: animais selvagens, selvas e savanas ou deserto do Saara? O que você pensa em relação aos povos afri- canos e aos povos negros da África? Para o Brasil, cuja população, em grande parte, descende de africanos (e até mesmo os brancos têm, muitas vezes, "sangue negro"), a África representa um dos mais importantes pilares da cultura, do comportamento, da religiosidade e do jeito de ser. 36 © História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena I Entretanto, mesmo no Brasil, quando nos referimos à África vêm à nossa mente “coisas ruins”, como: fome, corrupção, guer- ras, genocídios e até um suposto "primitivismo" talvez pitoresco mesmo para nós, brasileiros. Chegou, portanto, o momento de descobrirmos quais dessas coisas supostamente "ruins" são verdadeiras, quais são mentiro- sas, quais são apenas verossímeis e quais são preconceitos que adotamos sem pensar de onde vieram e porque ganharam força. Com o mesmo empenho, vamos descobrir o que de mara- vilhoso há tanto na África quanto no que nos foi trazido pela pre- sença africana no Brasil, o que confirma nossas expectativas de beleza, bem como o que é enriquecedor cultural e artisticamente. Você pode pensar: qual o caminho para chegar a essa nova visão? Acreditamos que este caminho é o estudo da História e a Arte Africana e Afro-brasileira, dos primórdios à modernidade, uma vez que isso nos permitirá formular uma visão sobre a África e a arte africana com mais conhecimento de causa e maturidade; criar nossas próprias opiniões sobre o assunto; ser agente do nos- so conhecimento, bem como derrubar eventuais preconceitos. Vale ressaltar que quando tratamos de preconceitos não nos referimos apenas aos preconceitos raciais ou de desconhecimento da história e cultura da África, mas também à visão dos não afri- canos (especialmente brancos europeus), cujo problema é mais amplo. Note que o referido problema é gerado por uma visão "euro- cêntrica" da história, pois como afirma o ditado: “a história é contada pelos vencedores"; ou, pelo menos, por aqueles que detêm o poder. Se compararmos africanos e europeus ao longo da história (o que também não é de todo recomendável, mas, mesmo assim, 37 Claretiano - Centro Universitário © Arte Africana faremos, pontuando todas as ressalvas), descobriremos que, até aproximadamente o século 15, as culturas da Europa e da África Negra se equiparavam em termos de desenvolvimento, tecnologia e sofisticação. Contudo, a partir do final da Idade Média e do início do Capitalismo, a Europa entrou em uma espiral de desenvolvi- mento econômico que a tornou apta não apenas a se destacar, mas também a dominar, econômica e militarmente, todo o resto do mundo. Pode-se afirmar, desse modo, que grande parte da história a que temos acesso é a contada pelos europeus, no caso, os “ven- cedores”! Isso, muitas vezes, leva-nos a não perceber o quanto tal história pode guardar, no fundo, a intenção de justificar: • uma suposta “superioridade” branca-europeia sobre o resto do mundo; • a dominação do mundo pelos europeus com a ideia de que estes distribuíram não apenas exploração e domina- ção, mas também "progresso" e "civilização" aos povos considerados "bárbaros". Para perceber que nada há, ou houve, de "bárbaro" nos povos africanos, começaremos a “descobrir” seu gigantesco continente. 6. CONTINENTE AFRICANO Antes de tratarmos sobre a história da África Negra, preci- samos nos lembrar de que o continente africano não é povoado apenas por povos negros. No norte do continente, na costa do Mar Mediterrâneo e na região do deserto do Saara (em países como o Egito, o Sudão, a Líbia, a Tunísia, a Argélia, o Marrocos e o Saara Ocidental) a predominância é de povos não negros. Por essa razão, esta região é popularmente conhecida como África Branca (veja Figura 1). 38 © História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena I Figura 1 Norte da África. Os povos do norte da África são, em sua maioria, muçulma- nos de etnias aparentadas aos árabes, surgidas com a miscigena- ção de povos originários da região com os árabes que conquista- ram todo o norte da África após a Expansão Muçulmana. Segue uma informação sobre a chegada do Islamismo ao norte da África: Expansão Muçulmana ––––––––––––––––––––––––––––––––– Após a morte do Profeta Maomé, no século 7° d.C., os muçulmanos iniciaram uma expansão territorial da sua regiãode origem, a Península Arábica, para grande parte do Oriente próximo e para o norte da África, chegando na Europa, a ocupar regiões do sul da Itália e, durante muito tempo, a Península Ibérica (Portugal e Espanha). Tal expansão gerou uma “islamização” de todo o norte da África. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 39 Claretiano - Centro Universitário © Arte Africana Pode-se afirmar que há uma barreira natural separando a África Branca da África Negra: o deserto do Saara, o qual, de certa forma (não completamente), isolou essas duas partes do continen- te (Figura 2). Figura 2 Deserto do Saara. Já no início da Era Cristã, aproximadamente no século 3° d.C., foi introduzida a utilização do camelo como meio de transporte no Saara, o que permitiu a formação de caravanas de comerciantes que faziam o intercâmbio entre a África Negra e a África Branca, levando e trazendo mercadorias entre essas duas regiões. Surgimento do homem na África e primeiras civilizações É difícil encontrar tema mais controverso do que o surgimen- to do homem! Contudo, a maioria das teorias e estudos concorda que o homem teria surgido na África (os ancestrais da nossa espé- cie, denominada homo sapiens). Inúmeras teorias recentes apontam para o surgimento dos hominídeos (primeiras espécies de primatas com características humanas) há, aproximadamente, cinco milhões de anos. 40 © História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena I Quanto ao homo sapiens, nossa espécie, teria surgido (tam- bém na África) há cerca de 200 mil anos. Da África, o homo sapiens teria (por volta de 100 mil anos atrás) se espalhado para o Oriente Médio, depois para a Ásia e Oceania, para a Europa e, por último, para a América, conforme podemos observar na Figura 3. Figura 3 Estimativa da expansão do homo sapiens partindo da África para o resto do mundo. Há cerca de 10 mil anos, teria começado o processo de se- dentarização do homem, ou seja, a fixação de grupos em deter- minados locais. Até então, todos os grupos humanos eram nôma- des, sobrevivendo da caça, da pesca e da coleta de vegetais. Isso ocorreu até a descoberta das propriedades da agricultura, as quais permitiram que os homens cultivassem seus alimentos. As primeiras experiências agrícolas e, consequentemente, os primeiros grupos sedentários, teriam aparecido em regiões próximas aos rios que, em decorrência de períodos regulares de enchentes, passavam por uma fertilização periódica do solo, per- mitindo um bom desenvolvimento da agricultura. Essa é a razão pela qual a região do chamado Crescente fértil (Figura 4), que engloba zonas como a Mesopotâmia e o Rio Nilo, é apontada como "o berço das civilizações", as quais, como já es- 41 Claretiano - Centro Universitário © Arte Africana tudamos, teriam começado a se desenvolver há cerca de 10 mil anos. Figura 4 Região do Crescente fértil. Vejamos, a seguir, curiosidades sobre alguns dos conceitos vistos anteriormente: A região do Crescente fértil, berço das primeiras civilizações, tem esse nome devido ao seu formato próximo ao de uma lua cres- cente. O “fértil” refere-se à região irrigada por rios, o que gera a fertilização do solo. A Mesopotâmia (em grego, “entre rios”) é a região situada entre 42 © História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena I os rios Tigre e Eufrates, onde hoje se encontra o Iraque. Ali surgi- ram as primeiras civilizações, as primeiras cidades, as primeiras experiências com a escrita e diversas outras conquistas. Já o rio Nilo, maior rio do mundo em extensão, foi o grande res- ponsável pelo surgimento da civilização egípcia. Realizando a fertilização periódica do solo, permitiu o crescimento de um dos grandes povos da Antiguidade nas suas margens, especialmente na região próxima ao delta do Nilo (sua foz), no norte. O cultivo de alimentos é o marco inicial da civilização, porque demanda uma utilização racional do solo; isso acaba favorecendo o desenvolvimento da matemática, da escrita e dos primeiros indí- cios de estratificação social, como o estabelecimento da proprie- dade privada, por exemplo. Esse é o motivo pelo qual se verifica facilidade maior de acesso à história dos povos do norte da África e do Oriente Médio (egípcios e mesopotâmicos, por exemplo, que desenvolveram a escrita desde cedo), do que à história dos povos da África Negra, em geral ágrafos, que, em geral, não se utilizavam da escrita até a chegada dos primeiros europeus no século 15. Mas por que os povos da África Negra teriam deixado de de- senvolver a escrita? Uma das hipóteses mais aceitas diz respeito à abundância de recursos naturais da parte da África a sul do Saara: devido à grande quantidade de alimentos pré-existentes na natureza, que não demandavam agricultura, os povos da África Negra teriam se mantido mais tempo como nômades e sem a necessidade de de- senvolvimento da escrita (com exceções). Estima-se, por essa ra- zão, que o sedentarismo tenha começado na África Negra apenas no início do primeiro milênio antes da Era Cristã. 7. PRIMEIRAS CIVILIZAÇÕES DA ÁFRICA NEGRA Como já vimos, uma das grandes dificuldades para o apro- fundamento na história da África Negra é a não utilização da escri- ta pela maior parte de seus povos antigos. Há, entretanto, outros 43 Claretiano - Centro Universitário © Arte Africana meios que permitiram o desenvolvimento de hipóteses históricas que, aos poucos, vão se firmando (ou, às vezes, sendo desmenti- das) pelas descobertas arqueológicas. Algumas das fontes históricas mais preciosas são consegui- das exatamente por meio da arqueologia; outras, de documentos escritos por povos de outras regiões que não a África Negra, mas que tiveram contato com esta por intermédio de seus explorado- res ou comerciantes. Uma das fontes mais preciosas deste último caso são os documentos escritos por comerciantes, em especial, árabes, que tiveram contato com a África Negra bem antes da che- gada dos europeus. Outras fontes riquíssimas, tanto para a História quanto para a Antropologia, são as tradições orais de cada um dos povos da África Negra. Essas, se confrontadas com os poucos documentos escritos existentes e com os achados arqueológicos, muitas vezes permitem a construção de hipóteses históricas bastante plausí- veis. Outra possibilidade interessante concernente às tradições orais (às histórias e aos mitos de cada povo, passados de pai para filho) é a possibilidade de confrontá-las e de encontrar, entre elas e outras fontes, pontos de discordância e, especialmente, pontos em comum. Alguns desses pontos em comum são a presença, na mito- logia da maioria dos povos negros, de fundadores ancestrais que, para criar sua civilização, teriam chegado de outras regiões da Áfri- ca, em especial, trazendo uma conquista técnica que foi uma espé- cie de divisor de águas na história africana: a utilização do ferro. Vamos entender melhor: A grosso modo, faz-se uma divisão da Pré-história em Idade da Pedra Lascada (Paleolítico – de aproximadamente dois milhões a dez mil a.C.) e Idade da Pedra Polida (Neolítico, de aproximada- mente dez mil a.C. a 2500 a.C.). No final do Neolítico, teria surgido a Idade do Cobre (com a feitura de utensílios com este metal), depois a Idade do Bronze (a partir de, aproximadamente, três mil 44 © História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena I a.C.) e, finalmente, a Idade do Ferro (a partir de, aproximadamen- te, 1200 a.C.). Esta é, entretanto, uma enorme generalização que leva em conta apenas alguns povos. Devemos lembrar que tais épocas – ou “etapas” da evolução das civilizações – evidentemen- te, não ocorreram nos mesmos períodos para todos os povos, sen- do que alguns não atingiram essas etapas, outros passaram por todas elas e outros, ainda, “pularam” etapas, como estudaremos ainda nesta unidade. Assim, vários mitos dos povos negros fazem referência aos ancestrais heroicos que teriam chegado de outras regiões e que detinham enormes poderes,entre outras razões, devido aos seus conhecimentos de fabricação do ferro. A fabricação do ferro foi, em todas as civilizações em que ocorreu, uma das grandes conquistas da humanidade. Isso por- que, alterando a cultura material de um povo (por meio da fabri- cação de utensílios, ferramentas, armas e outros itens), alterava, também, sua cultura, sua arte etc. Na tradição e na mitologia de vários povos africanos, a fa- bricação do ferro é tida como um processo quase (ou totalmente) sagrado, que, devido à sua tamanha importância, é ofício de pou- cos "iniciados". Além disso, em inúmeros povos da África Negra, os ferreiros eram vistos como pessoas que detinham um poder considerado divino, sendo criaturas respeitadíssimas, acumulando, às vezes, funções de chefia, de prestígio ou mesmo papéis religiosos. Já em outros casos, os ferreiros eram pessoas temidas e colocadas "à parte" da sociedade, exatamente devido ao poder que detinham (de grande carga simbólica, mítica ou mesmo religiosa) e ao medo que inspiravam. Deduz-se, inclusive, que alguns dos povos negros descendem de clãs de ferreiros. A importância do ferro, inclusive na mitologia Iorubá, trazida por escravos africanos para o Brasil, encontra-se absolutamente viva e pulsante na cultura e nas religiões afro-brasileiras de hoje. Por exemplo, Ogum, divindade cultuada tanto em regiões da Áfri- 45 Claretiano - Centro Universitário © Arte Africana ca quanto pelos adeptos do Candomblé no Brasil, é um Orixá de- tentor dos poderes do ferro, aparecendo em diversos mitos como ferreiro e, também, como poderoso guerreiro dono de poderosas armas e instrumentos de ferro: "lança, espada, enxada, torquês, facão, ponta de flecha e enxó, símbolos de suas atividades" (VER- GER, 1997, p. 101). Note que não se trata apenas de religião, mas também de história. Segundo os historiadores, muitos Orixás são divindades que passaram por uma vida "terrena" e tiveram importante pa- pel como patriarcas do povo Iorubá. Desse modo, continuando no exemplo citado, como personagem histórico, Ogum teria sido filho de Odùduà (fundador e Rei de Ifé, cidade-estado Iorubá), sendo ele mesmo, Ogum, Rei de Ire e regente de Ifé por um período. Na religião dos iorubás, cultua-se os ancestrais. Por essa ra- zão e pelo papel heroico e mítico de personagens como Ogum (e também Exu, Xangô, Oxóssi, Orunmilá, Oranian entre outros), es- ses são divindades vivas e bem próximas de nós, seres humanos mortais, por apresentarem em suas mitologias características ex- tremamente humanas, como paixões e raivas causadoras tanto de uniões quanto de conflitos. Segundo Verger (1997, p. 101): [...] as relações tempestuosas entre as divindades podem ser consi- deradas como transposição ao domínio religioso de fatos históricos antigos. A rivalidade entre os deuses dessas lendas seria a fabu- lação de fatos mais ou menos reais, concernentes à fundação da cidade de Ifé, tida como o berço da civilização iorubá e do resto do mundo. Isso não significa que o personagem histórico tenha, sim- plesmente, "se tornado" a divindade devido ao culto realizado por seus descendentes, mas que as divindades, ligadas também a aspectos culturais e às forças da natureza, guardam forte ligação com esses personagens. 46 © História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena I Outra conclusão que se tira da tradição oral e de outras fon- tes históricas relativas aos povos negros diz respeito ao seu noma- dismo. Vários historiadores concluem que a maioria dos povos da África Negra só teria se "sedentarizado" entre os séculos 8° e 15 da Era Cristã. Foi isso exatamente o que aconteceu com os Iorubás, cuja história, religiosidade e arte veremos mais detalhadamente na Unidade 2, quando estudaremos a arte afro-brasileira. De modo geral, pode-se afirmar que vários povos da África Negra passaram, em determinado momento de sua História, por migrações. Assim, há indícios tanto de grandes migrações de leste para oeste quando de oeste para leste e de norte para sul, sendo esses dois últimos casos os da "Expansão Banto", que, durante três milênios de história, teria espalhado as línguas banto por várias partes da África Negra. Vamos saber mais sobre os bantos: Bantos ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– São chamados de bantos vários povos negros africanos, especialmente aqueles da África Equatorial e Meridional. Banto também é um tronco linguístico que ori- ginou mais de 300 línguas africanas. No Brasil, o conceito de “banto”, às vezes, é utilizado para designar os escravos provenientes de regiões africanas centrais e meridionais, como Congo e Angola, em oposição aos “nagôs” (provenientes do Golfo da Guiné, especialmente das terras Iorubás, que, hoje, fazem parte da Nigéria, mais a noroeste). –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Haveria, porém, indícios a respeito das primeiras civilizações da África Negra? É o que estudaremos a seguir. Reino de Cuxe O Egito Antigo, que se situava na área do Crescente Fértil, começou a surgir enquanto civilização por volta do ano 4500 a.C., nas margens do Nilo Inferior (ou seja, perto do delta). Aos poucos, ocorreu o desenvolvimento da região e, cerca de 1500 anos de- pois, ou seja, em, aproximadamente, 3000 a.C. o Egito já era um poderoso império. 47 Claretiano - Centro Universitário © Arte Africana No entanto, o Egito, não era a única região da África habita- da por povos sedentários. Mais a sul, já havia também povos ins- talados e dando seus primeiros passos em termos de civilização. Povos de traços negroides, habitantes da Baixa Núbia, região que, hoje, corresponderia ao Sudão. Nessa região, muitas hipóteses apontam para a existência de um certo País de Punt; há também, porém, não apenas documen- tação, como ruínas do chamado país de Cuxe (confira Figura 5). Fonte: (LAMBERT, 2001, p. 123). Figura 5 Mapa com a localização aproximada dos países de Punt e de Cuxe. 48 © História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena I O país ou reino de Cuxe manteve estreita comunicação e in- tercâmbio comercial com o Egito, até que a riqueza da região des- pertou a ganância do país dos faraós, que conquistaram Cuxe em, aproximadamente, 1500 a.C. No início do primeiro milênio antes de Cristo, Cuxe retomou sua independência e, por volta do ano 800 a.C., devido ao enfra- quecimento do império egípcio, acabou ganhando força e levan- do ao poder uma dinastia de faraós cuxitas com traços negroides, a XXVª Dinastia, denominada Dinastia etíope. O poder de todo o Império Egípcio passava, então, aos cuxitas, cujas duas principais cidades eram Napata e Meroé (veja Figura 6). Figura 6 Ruínas de influência egípcia em Napata. É importante observar que até o século 7° a.C., nem os egíp- cios nem os cuxitas utilizavam o ferro. Suas armas e utensílios de metal eram feitos de bronze. Isso fez que, no século 7° a.C., os assírios, já produtores de ferro, conquistassem o império egípcio. Algo importante (de especial interesse para nós, uma vez que diz respeito a toda a história e cultura material da África Ne- gra), entretanto, aconteceu por meio do contato com os assírios, pois provavelmente pela primeira vez a África teve a oportunida- de de tomar conhecimento da tecnologia para produção do ferro. Isso fez que, cerca de um século após a invasão assíria, a cidade de Meroé, em Cuxe, já fosse uma verdadeira cidade industrial, grande produtora de ferro. 49 Claretiano - Centro Universitário © Arte Africana Depois, a história de Cuxe continuou, até, aproximadamen- te, o século 7° da Era Cristã. Para nós, porém, o mais importante dessa história é a parte relacionada ao ferro. Você sabe por quê? Porque muitas das hipóteses históricas acerca da cultura material da África Negra tratam, como já vimos, das migrações. Além disso, há indícios de que tenha havido a migração de povos da região de Cuxe para oeste e para sul, ou pelo menos o contato estreito entre povos negros de outras regiões daÁfrica e de Cuxe. Isto entraria em total consonância tanto com algumas descober- tas arqueológicas quanto com alguns dos pontos da história oral de inúmeros povos africanos (como já vimos, os ancestrais míticos teriam chegado de outras regiões da África e trazido a tecnologia da produção do ferro). Lembremo-nos, de qualquer forma, que há muitas hipóteses histó- ricas, e que, na África Negra, as migra- ções ocorreram nas mais diversas re- giões e direções. Porém, há hipóteses que apontam para um contato leste- -oeste que teria proporcionado (ou pelo menos auxiliado) a chegada da tecnologia do ferro a regiões como a do Golfo da Guiné ou um pouco mais a norte. Essa região era habitada, entre outros povos, por uma das mais anti- gas civilizações de que se tem conheci- mento na África Ocidental: a chamada Civilização de Nok (veja Figura 7). Civilização de Nok Na primeira metade do século 20, especialmente a partir da dé- cada de 1930, o mundo "ocidental" tomou conhecimento da Civiliza- ção de Nok, o qual veio por intermédio de descobertas arqueológicas. Fonte: Acervo pessoal do autor. Figura 7 Algumas das hipóteses plausíveis para a expansão da utilização do ferro e também para migrações dentro da África Negra. 50 © História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena I Ao que tudo indica, a Civilização de Nok durou, aproximada- mente, de 1000 a.C. a 300 d.C. Trata-se, portanto, de uma civiliza- ção muito antiga localizada onde, hoje, é o centro da Nigéria. Especificamente, a Cultura Nok teve ensejo na região próxi- ma ao encontro dos rios Níger e Benué, uma área rica em recursos naturais que chega a ser chamada por determinados historiadores de "Mesopotâmia Africana" (Figura 8). Fonte: (LAMBERT, 2001, p. 128). Figura 8 Mapa com a localização da Civilização de Nok. 51 Claretiano - Centro Universitário © Arte Africana Há inúmeros pontos relevantes para a História e a História da Arte oriundos do estudo da Civilização de Nok. Para o nosso estudo, destaquemos: a arte; a cultura material como um todo e a utilização do ferro. Alguns dos achados arqueológicos de Nok que mais "cho- caram" o mundo ocidental foram suas peças de arte. Entre elas, destacam-se as cabeças de terracota e outras peças no mesmo material, peças estas que surpreenderam os pesquisadores pela destreza com que foram executadas e pelo seu senso estilístico (veja Figuras 9 e 10). Figura 9 Cabeça Nok de terracota. Figura 10 Escultura Nok de terracota. Pouco se sabe a respeito da função das peças de terracota, mas a maioria das hipóteses aponta para funções não apenas es- téticas, mas também religiosas, como ocorre em tantas culturas africanas. Alguns pesquisadores defendem, ainda, que as peças buscavam a representação de ancestrais, podendo ser, também, utilizadas em túmulos. Outro ponto importantíssimo a respeito da Civilização Nok é que as descobertas arqueológicas apontam para a utilização do 52 © História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena I ferro de, aproximadamente, 100 a.C. a 300 d.C., ou seja, já nos últimos séculos da Cultura Nok. Vale salientar que tais dados reforçam bastante a hipótese de migrações leste-oeste, nas quais a tecnologia do ferro, séculos antes, no contato entre cuxitas e assírios, teria chegado à África Ocidental. Deve-se destacar, também, a semelhança estilística nas pe- ças de arte que apontam para possíveis ligações entre o povo Nok e outros povos da mesma região ou de regiões próximas, como, por exemplo, os Iorubá, cuja civilização data, porém, de séculos depois. Finalmente, não são descartadas as hipóteses de certa influ- ência ou, inclusive, ascendência, misturada a outras culturas que também povoaram as mesmas regiões durante os processos mi- gratórios da África Negra. 8. GRANDES IMPÉRIOS Nos anos que, na Europa, corresponderiam à Idade Média, ou seja, aproximadamente dos séculos 5° a 15 d.C., continuaram na África Negra não apenas as grandes migrações mas também tiveram ensejo estados fortes e centralizados. Pouco se sabe a respeito dos grandes estados surgidos na África Negra até o século 9° da Era Cristã. Em primeiro lugar, por tratar-se, ainda, de um momento de grande nomadismo na África Negra. Em segundo lugar, porque escasso (ou praticamente ne- nhum) era o acesso da Europa ao contato com a África Negra. Lembremo-nos do seguinte: após a Expansão Muçulmana, todo o norte da África e grande parte do Oriente Próximo foram tomados pelos mouros. Com isso, o comércio mediterrâneo ficou, também, nas mãos destes. 53 Claretiano - Centro Universitário © Arte Africana Como já vimos, a África Negra e a África Branca eram "sepa- radas" por uma barreira natural, o deserto do Saara. Tal barreira só era rompida pelos próprios mouros que, com suas caravanas de camelos, atravessavam o deserto, levavam produtos à África Ne- gra, bem como traziam mercadorias da África Negra para o norte, produtos estes que, às vezes, eram comercializados com a Europa (confira Figuras 11 e 12). Fonte: Acervo pessoal do autor. Figura 11 Comércio exterior da África Negra, monopolizado pelos mouros. 54 © História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena I Figura 12 Ilustração árabe do século 13 mostrando mouros fazendo comércio de escravos negros africanos. A maioria dos produtos oriundos da África Negra eram va- liosos: escravos, marfim (oriundo dos elefantes africanos) e ouro, proveniente, em especial, da Costa do Ouro, região que correspon- deria ao atual país de Gana (veja Figura 13). 55 Claretiano - Centro Universitário © Arte Africana Fonte: acervo pessoal do autor. Figura 13 Costa do Ouro. É importante observar que os mouros, como bons comer- ciantes, sabiam com maestria manter afastados os polos do seu comércio. Assim, compravam ouro na África Negra e vendiam na Europa, algo que faziam também com outros produtos. Mas es- forçavam-se para que os europeus pouco soubessem dos negros africanos e vice-versa, para que eles, os mouros, pudessem mono- polizar o tão rico comércio. 56 © História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena I Esse é um dos motivos pelos quais poucas informações nos chegaram a respeito dos estados surgidos na África Negra até o sé- culo 8º. No entanto, os próprios mouros, produziram documenta- ção escrita que nos permite o acesso a alguns dos grandes estados africanos surgidos a partir desse período. Veremos três dos mais importantes deles, a começar pelo famoso Império do Gana. Império do Gana Já sabemos que a utilização do ferro começou na África Oci- dental no início da Era Cristã (confira Figura 14). Desde então, tal elemento tornou-se um dos fatores determinantes para a expan- são territorial de vários povos, a vitória nas guerras contra povos vizinhos, o estabelecimento de sociedades bem organizadas etc. Figura 14 Ilustração representando guerreiros do Império do Gana. Foi o caso do Império do Gana, estado altamente militari- zado que existiu, aproximadamente, dos séculos 8° a 13 d.C (veja Figura 15). 57 Claretiano - Centro Universitário © Arte Africana Fonte: MELO E SILVA; FELIX CALAÇA (2006, p. 14). Figura 15 Império do Gana. Além disso, verifica-se no Gana outro elemento fortemente atuante na estruturação de um estado forte: a economia. Ghana fora o nome dado pelos árabes, desde o século 8°, para designar país do ouro. Entretanto, praticamente nenhum ouro era produzido pelo Império do Gana. O que ocorria é que o estado, aproveitando-se de uma estrutura comercial organizada, comprava o ouro mais a sul, na região que, depois, foi denominada de Costa do Ouro (conforme mapa já verificado) e revendia aos mouros no norte, perto do Saara, em troca de sal, altamente ne- cessário para a conservação de alimentos em clima tropical e que não era produzido pelo Gana. 58 © História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena I O que o Império do Gana fez, portanto, foi algo semelhante ao que os mouros fizeram com relação à Europa e à ÁfricaNegra como um todo: isolaram os dois polos comerciais e enriqueceram monopolizando o comércio. A respeito da cultura material (o que inclui a arte) do Império do Gana, pouco sobrou além de relatos escritos, produzidos, em especial, pelos mouros. Cabe, porém, reproduzir um trecho que pode nos dar uma boa ideia sobre Gana, redigido por um historiador mouro, Ab- dallah bem Abdelaziz, também conhecido como Al Bekri. Escreveu Al Bekri sobre o rei do Gana: Quando dá audiência pública para escutar as queixas do povo e fa- zer justiça, o rei senta num pavilhão em torno do qual são dispostos cavalos cobertos por panos dourados; atrás dele estão dez pagens com escudos e espadas de cabo de ouro. À sua direita sentam os fi- lhos dos príncipes do seu império, esplendidamente vestidos e com fios de ouro trançados nos cabelos. O governador da cidade está sentado no chão, em frente ao rei, e em sua volta estão os vizires, na mesma posição. A porta do seu quarto é guardada por cães de excelente raça que nunca o deixam. Usam coleira de ouro e prata. O início da audiência é anunciado por uma batida de tambor que chamam de deba e que é feita de longas peças de madeira (LAM- BERT, 2001, P. 137-136). Império do Mali Na esteira da decadência do Gana, surgiu aquele que seria um dos maiores impérios (em extensão) de toda a África Negra: o Mali. O império surgiu ao mesmo tempo em que, no século 13, o povo mandingo, originário das regiões de savana a sul do Saara e que, por essa razão, sofreu grande influência dos muçulmanos do norte da África, conquistou regiões próximas às do Império do Gana. Isso fez que não apenas as terras do Gana fossem, aos poucos, incorporadas ao Mali, mas também outras terras, corres- pondentes a uma grande extensão de terras na parte noroeste da África sub-saariana (confira Figura 16). 59 Claretiano - Centro Universitário © Arte Africana Fonte: MELO E SILVA; FELIX CALAÇA (2006, p. 15). Figura 16 Império do Mali. Você pode pensar: quem foi o povo mandingo? Vejamos. Mandingo ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– O povo mandingo, cujos membros são também conhecidos como “mandingas”, são, até hoje, um dos maiores grupos étnicos da África Ocidental. Durante a es- cravatura nas Américas, inúmeros mandingas foram trazidos para o Brasil como escravos, especialmente para a América do Norte. Por serem, em geral, muçul- manos, traziam no pescoço cordões em que eram presos junto ao peito um peda- ço de couro com inscrições do Alcorão, livro sagrado dos islamitas. Tais “patuás” eram associados por negros de outras etnias a funções mágicas, sendo este um dos motivos pelos quais, no Brasil, “mandinga” acabou se tornando, também, sinônimo de algum procedimento com fins mágicos. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 60 © História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena I Por influência do norte da África, a maioria dos mandingos aderiram ao Islã. Desse modo, o estabelecimento do Império do Mali representou um grande avanço do Islamismo na África Negra Ocidental. Entre outros fatores, pode-se afirmar, também, que, como veremos agora, em alguns aspectos, o Islamismo é uma religião próxima das religiões animistas originárias da África Negra, tendo, assim, facilidade de penetração entre os povos negros. Vamos entender melhor: As Religiões Animistas e o Islamismo ––––––––––––––––––– São chamadas de religiões animistas aquelas que creem na existência de “ani- ma” (ou seja, “alma”) não apenas nos seres humanos, mas também nos elemen- tos e forças da natureza. Assim, uma religião animista atribui à água, ao fogo, a uma planta ou a uma pedra, por exemplo, “anima”, que atua como uma espécie de “energia” inerente a cada coisa do mundo. Dessa maneira, para as religiões animistas, tudo no mundo tem a sua “energia”, tudo tem “anima” e “encanto” (noção tão estranha a nós, ocidentais): este é um dos motivos pelos quais as religiões animistas são consideradas tão próximas das forças da natureza. Vejamos a seguir, de acordo com Mendonça (2008), as semelhanças entre o Islamismo e algumas das religiões animistas da África Negra: As religiões tradicionais da África Negra estão organizadas, de maneira geral, de forma piramidal, isto é, haveria um deus supre- mo acima de tudo e de todos e, abaixo dele, em consonância com os desígnios divinos, o mundo e as pessoas seriam guiados pelos espíritos de ancestrais. [...] Com efeito, uma vez que as crenças tradicionais concebem a existência de um deus supremo no topo da hierarquia de divindades, ela permite a aceitação da idéia de Alá como deus superior. Por outro lado, há uma evidente similitude entre as noções de fraternidade muçulmana e de descendência ancestral comum. [...] Porém, o ponto de contato mais importante entre as duas religiões está no fato de que ambas são totalizantes, isto é, abrangem todos os aspectos da vida humana, seja fami- liar ou social, caracterizando-se mesmo por uma verdadeira con- cepção política. Portanto, verifica-se que, ao contrário do que se imagina, o islamismo e as religiões tradicionais africanas jamais foram excludentes, havendo, entre elas, uma série de pontos co- muns que permitiram a convivência entre essas crenças e levaram a uma ampla aceitação do Islã por grande parte das comunidades da África negra (2008, p. 75-76). –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Você pode pensar: o que fez do Mali um Império tão pode- roso? 61 Claretiano - Centro Universitário © Arte Africana • A religião: uma crença unificada permitiu maior união entre as etnias que compunham o império, algo anterior- mente dificultado pela existência de religiões diferentes (portanto, de diferenças culturais, às vezes, inconciliá- veis). • A Economia. É provável que o grande trunfo do Império do Mali tenha sido ampliar a zona de atuação econômica que já havia sido utili- zada pelo Gana. Em vez de apenas manter isoladas duas pontas de uma rela- ção comercial (mouros e produtores de ouro), o Mali foi além: in- corporou ao império as regiões produtoras de bens valiosos como o ouro, passando a controlar não apenas o comércio, mas também a produção, o que gerou uma enorme riqueza material. Segundo Jean-Marie Lambert (2001, p. 142): O Mali exportava ouro para o Mediterrâneo, importava espadas de Damasco [...]. Enfim, a atividade comercial de suas cidades não devia nada às contemporâneas Nuremberg ou Pisa, mas sua vida econômica não se limitava ao comércio: há fortes indícios de ativi- dades industriais, notadamente de tecelagem e tinturaria. O esplendor do Mali manteve-se até o século 17. Durante seu período de riqueza material, foi produzida muita arte malesa. Podemos destacar, em primeiro lugar, as esculturas de terracota, recorrentes em várias regiões da África Ocidental. São famosas as peças do Mali Imperial oriundas de cidades malesas como Djenné, no centro do Império (veja Figuras 17 e 18). Vale salientar, ainda, que Djenné foi um importantíssimo ponto do comércio trans-saariano, situando-se nos limites entre o Saara e a savana. Por essa razão, conta com importantes realiza- ções arquitetônicas, como a famosa Grande Mesquita de Djenné, construída, aproximadamente, em 1220 (confira Figura 19). 62 © História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena I Figura 17 Escultura Malesa de terracota representando Cavaleiro. Figura 18 Escultura malesa de terracota representando arqueiro. Figura 19 Grande Mesquita de Djenné. Contudo, não apenas Djenné foi uma cidade esplendorosa do Império do Mali. Outro grande centro foi Timbuktu, na qual 63 Claretiano - Centro Universitário © Arte Africana foram erguidas belas mesquitas e onde eram reunidos, e patroci- nados pelo Estado, estudiosos da religião islâmica, artistas, pensa- dores etc. Essa mesma cidade passaria a pertencer ao Songai, país que sucedeu o Mali em termos de poder em regiões próximas e, às vezes, coincidentes. Devido à presença de intelectuais no Mali e aocontato desse país com outras nações, foi produzido material escrito dentro do próprio Mali e fora dali, sobre o país e seus governantes, dos quais podemos citar, por exemplo, o lendário Mansa Kankan Mussa, cuja riqueza fez fama até na Europa (veja Figuras 20 e 21). Figura 20 Manuscritos sobre matemática e astronomia produzidos no Mali. Figura 21 Atlas catalão de 1375 – detalhe representando Mansa Kankan Mussa. 64 © História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena I No final do século 15, grande parte da glória do Império do Mali passou para um reino próximo, o do povo Songai. Estudare- mos, agora, um país localizado mais a sul: o Congo. Congo Outro grande reino africano anterior à chegada dos euro- peus no século 15 foi o Congo. Seu esplendor ocorreu, aproxima- damente, entre os anos 1100 e 1500 da Era Cristã e seu território corresponderia às atuais áreas dos países (confira Figura 22): 3) República Popular do Congo (ex-Zaire); 4) Congo; 5) Gabão; 6) Guiné Equatorial; 7) Angola. Fonte: (MELO E SILVA; FELIX CALAÇA, 2006, p. 18). Figura 22 Reino do Congo. 65 Claretiano - Centro Universitário © Arte Africana O Congo foi um reino de grandes dimensões e compreendeu sob seus domínios não apenas uma cultura. Tratava-se, porém, de um reino ágrafo e que não fazia uso do ferro, apenas do cobre. De qualquer maneira, a cultura material e a arte do antigo Congo continham elementos marcantes. Em relação aos materiais, havia diversas peças, tanto de arte quanto utensílios, de bronze; e, em termos artísticos, uma das fa- cetas da arte congolesa que mais se destacou foram as esculturas em madeira. Nestas, destaca-se um aspecto que, segundo estilos e estéticas diferentes, aparece na grande maioria das culturas africa- nas: a arte com fins religiosos. São famosas as esculturas que representam reis e antepassados: mas também aquelas que são utili- zadas em rituais cujos fins são diver- sos, entre os quais há, por exemplo, o enfrentamento de inimigos. Este é um dos vários motivos pelos quais também são famosas as esculturas de madeira cravejadas, representando o corpo do inimigo atingido por flechas ou objetos que o feriram. A maioria das esculturas religiosas são chama- das de fetiches (veja Figura 23). Em relação ao estilo, as esculturas congolesas sempre apre- sentaram, desde antes da chegada dos europeus à África, estilo bastante naturalista. Aproveitando o ensejo, é necessário que fa- çamos uma pausa para estudar este fator que alterou definitiva- mente não apenas a arte, mas toda a História da África Negra: o contato com os europeus e a escravidão. Fonte: PALERMO; DUPEY (1977, p. 43). Figura 23 Fetiche com cravos. 66 © História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena I 9. CHEGADA DOS EUROPEUS O contato intenso entre a Europa e a África Negra começou de forma efetiva no final do século 15. Isso ocorreu na esteira das grandes navegações, movimento de desbravamento dos oceanos e de conquistas territoriais no qual os países europeus, em especial Portugal e Espanha, "descobriram" e se apossaram de continentes até então desconhecidos. Para entenderemos melhor como se deu o contato entre eu- ropeus e africanos, devemos ter em mente o aspecto econômico. Lembremo-nos de que a Europa passava por uma das fases mais decisivas de sua história: o final da Idade Média e o início da Idade Moderna. Tal fase teve entre suas facetas o Renascimento comercial e urbano. Em decorrência desse renascimento, voltaram a crescer as cidades e o comércio, após séculos de Feudalismo. Além disso, o Renascimento artístico, científico e filosófico foi marcado por um elemento inédito: o surgimento da burguesia na condição de clas- se econômica importante que, aliada aos reis e, às vezes, também à nobreza, ajudou no surgimento dos Estados Nacionais e, espe- cialmente, no seu desenvolvimento econômico. Seguem informações para entendermos melhor esses acon- tecimentos: Os historiadores estabeleceram como marco para o fim da Idade Média e início da Idade Moderna, 1453, ano da tomada de Cons- tantinopla pelos turcos. Teve início, então, a Idade Moderna, indo até 1789, ano da Revolução Francesa. Observe que o desenvolvimento econômico, desde então, se daria sob uma nova égide: a do Capitalismo. A primeira fase do Capitalismo é denominada pelos historia- dores de Capitalismo Comercial, ou seja, aquela em que ocorreu a 67 Claretiano - Centro Universitário © Arte Africana acumulação de capital por meio do comércio. Tal acumulação, nos séculos 15 a 18, ocorreria para vários países segundo um conjunto de práticas que ficou conhecido como Mercantilismo. Sabemos que tanto no Mercantilismo e como no Capitalismo o objetivo primeiro é o lucro, a acumulação de capital. Foi exatamente essa busca de aumentar ganhos que fez que os europeus chegas- sem à África. A princípio, a África Negra pareceu para os europeus (especialmente portugueses) apenas um caminho para se chegar à "mina de ouro" do comércio internacional de então: as Índias. Desde a Expansão Muçulmana (iniciada no século 7°), ficou dificultado o contato entre a Europa e o Oriente, em especial, com a Índia. Isso porque os muçulmanos se apossaram do Mar Medi- terrâneo e passaram a monopolizar o comércio. Até que as Cruzadas viessem flexibilizar tal contexto. Entretanto, até o século 15, o comércio Europa-Oriente ficou nas mãos de determinadas cidades-estado italianas, como Gênova e Veneza. Tal comércio era fonte riquíssima de renda e foi para que- brar tal monopólio que portugueses e espanhóis empenharam-se tanto para descobrir um novo "caminho das Índias". No meio do caminho havia a África e a América. Inicialmente, o contato entre europeus e africanos foi pací- fico. Pouco depois, entretanto, outro fator passou a coexistir: as colônias americanas. Portugueses e Espanhóis (depois: ingleses, franceses e ho- landeses), também com a intenção de descobrir o "caminho das Índias", tomaram posse da América e logo perceberam que tais terras poderiam, também, render lucros. Para tanto, contavam com a extração de metais preciosos e com a agricultura. Para a agricultura, não havia mão de obra mais barata e lucra- tiva do que a escrava! Desse modo, os europeus apropriaram-se de um costume milenar africano que, na África, apresentava-se menos cruel, desumano e gigantesco, mas que, submetido à lógica do capi- tal, tornou-se uma das grandes chagas do continente: a escravidão. 68 © História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena I 10. ESCRAVIDÃO Sabemos que a escravidão é algo que existiu desde os pri- mórdios da civilização. O que talvez não saibamos é que houve diferenças fundamentais entre as formas como a escravidão foi praticada em diferentes épocas e regiões. Na África, a escravidão também era recorrente. Estudiosos apontam como a principal razão da recorrência de tal prática a vastidão do território e a falta de mão de obra: isso fazia com que os povos, ao entrar em guerra, escravizassem seus inimigos. Além disso, havia a prática da escravidão por dívidas, ou seja, aquela em que alguém tinha de realizar trabalhos forçados por dívidas não pagas para aquele que se tornava seu senhor. Tais práticas escravistas apresentavam, entretanto, um as- pecto mais flexível e doméstico do que aquele que adquiririam de- pois. Em várias localidades, por exemplo, escravos e pessoas livres podiam até se casar. Havia casos em que o escravo podia comprar sua liberdade; em outros, a família do escravo ganhava a liberdade depois de algumas gerações; e assim por diante. Desde que os muçulmanos começaram o contato comercial com a África Negra, começou o comércio de escravos negros para fora de lá. Entretanto, foi apenas com a chegada dos europeus que tal comércio se institucionalizou e acabou por se tornar um dos elementos mais prejudiciais à própria África. Ao contrário do que se imagina, quase nunca Europeus se puseram África adentro para fazer guerras e capturar pessoas:o comércio escravista fez uso de uma tática mais segura e eficiente, a saber, alimentar o ódio entre os próprios povos africanos. A equação era simples! Vejamos um exemplo: digamos que, em determinada região africana, houvesse dois povos que eram inimigos há séculos: o povo X e o povo Y. Os europeus, ao chegarem, automaticamente 69 Claretiano - Centro Universitário © Arte Africana ofereciam parceria a um desses dois povos. Digamos que o esco- lhido tenha sido X. Então, os europeus forneciam à população X bens, como, por exemplo, fumo, aguardente, utensílios e armas de fogo, algo que, imediatamente, tornava o povo X mais poderoso do que seus inimigos de séculos, o povo Y. Em troca, os europeus pediam que X lutasse contra seu arqui-inimigo, Y, escravizasse as pessoas de Y e as entregasse aos europeus. O povo X, munido de armas que seus inimigos não tinham, rapidamente começava a exercer seu domínio imperialista sobre seus inimigos. Porém, assim que o povo X ameaçasse se voltar contra o parceiro europeu, este simplesmente passava a se aliar a um antigo inimigo de X (por exemplo, o povo Y). Com isso, apenas alimentando o ódio entre os povos africanos, os europeus fomen- taram a prática da escravidão negra durante cerca de 350 anos. Pode-se, agora, argumentar: mas não seriam, então, os pró- prios africanos os agentes de sua escravização? A resposta provável é não, pois uma argumentação afirmati- va incorreria em um grave erro histórico. Vamos entender porque! Em primeiro lugar, porque não havia a noção de africano. Não havia (em inúmeros casos, não há até hoje) a ideia de que povos negros eram povos "irmãos". Ao contrário, para um povo africano, era mais vantajoso aliar-se a um povo estrangeiro branco do que a um povo negro que fora seu inimigo por séculos a fio. E, em segundo lugar, porque o que motivou essencialmente a transformação do comércio de escravos, durante séculos, naque- la que, talvez, tenha sido a principal atividade econômica exporta- dora da África, foi o Capitalismo europeu: alimentando o ódio, os europeus transformaram, definitivamente, a realidade da maioria dos povos africanos em conflitos que se alternavam entre peque- nos períodos de dominação regional sobre outros povos, com pe- ríodos de escravidão e sofrimento. 70 © História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena I Note que isso não transformou a escravidão em um cenário no qual atuavam "mocinhos" e "vilões", nem eximiu os africanos de sua própria responsabilidade. Além disso, é redutor pensarmos os europeus como maldo- sos poderosos que maltrataram os pobres africanos, porque pen- sar assim não apenas divide a história entre "bons" e "maus" como também contribui para imaginarmos haver a tal "superioridade" europeia, mesmo que exercida para fins espúrios. É preciso, porém, reconhecer que é incorreto procurarmos, segundo a nossa lógica ocidental cristã, julgar povos de acordo com estruturas sociais e morais estranhas a eles. Portanto, não podemos atribuir culpa aos povos africanos por algo tão horrível quanto o comércio escravista, já que, inúmeras vezes e segundo a lógica interna de cada um desses povos africanos, lutar contra inimigos milenares e os escravizar talvez tenha sido sua melhor (senão a única) opção de sobrevivência. Na próxima unidade, ao abordarmos a arte afro-brasileira, veremos como o comércio escravista e a vinda para o Brasil de africanos, especialmente da África Ocidental, foi um dos mais im- portantes pilares da nossa História. 11. ZONAS ESTILÍSTICAS DA ARTE AFRICANA Já vimos que a chegada dos europeus e o subsequente esta- belecimento do comércio ultramarino de escravos foi um verda- deiro "divisor de águas" na História da África Negra. Isso porque não apenas povos foram dizimados como a grande maioria dos povos africanos foi afetada de uma maneira ou de outra pelo es- cravismo. A referida situação, como você pode supor, teve desdobra- mentos artísticos. Além disso, depois do contato com os europeus, 71 Claretiano - Centro Universitário © Arte Africana determinadas características da arte africana mudaram. Pode-se verificar essa ocorrência nas esculturas congolesas, por exemplo, que, depois do início de um processo de "cristianização", passa- ram a reproduzir imagens cristãs, entre outras (veja Figura 24). Outro elemento oriundo do es- cravismo foram as manifestações artís- ticas realizadas por africanos ou des- cendentes de africanos nas Américas, os quais estudaremos na Unidade 2. Para continuar a conhecer a arte africana, doravante aquela produzida após a chegada dos Europeus, é ne- cessário adotar algum método que nos auxilie no mapeamento de realidade cultural tão rica, complexa e cheia de diversidades. Como método, optamos pela adoção de uma divisão da Áfri- ca Negra em zonas estilísticas realizada pela pesquisadora Denise Paulme e revista pelos pesquisadores Miguel Angel Palermo e Ana María Dupey (1977). Tal divisão leva em conta determinadas gene- ralizações necessárias, porque, em termos de escultura africana, por exemplo, há bem mais de 200 estilos regionais, o que tornaria nosso estudo inviável. A divisão pautava-se em nove principais zo- nas estilísticas (Figura 25). Os dois principais meios artísticos a serem destacados no nosso estudo são a escultura, especialmente a estatuária, e uma forma específica de escultura característica da maioria das regiões da África Negra: as máscaras. Contudo, antes de passarmos às áreas estilísticas, vejamos algumas das características que aparecem na maioria delas! Figura 24 Crucifixo do século 16 confeccionado no Congo, com características da arte congolesa. 72 © História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena I Fonte: PALERMO; DUPEY (1977, p. 34). Figura 25 Mapa com a divisão das principais zonas estilísticas africanas. Peças com fins religiosos Conforme já estudamos, a função religiosa aparece na maio- ria das realizações artísticas africanas. Sobre isso, escreveu Denise Paulme (1977, p. 33): “pretender julgar uma máscara ou uma está- tua africana unicamente no plano estético, ignorando a intenção e o propósito do autor, é tão absurdo quanto querer estudar a escul- tura medieval não levando em conta o Cristianismo”. Assim, a maioria das peças escultóricas africanas são feti- ches, ídolos ou representações de antepassados, estes todos com função religiosa. Em relação aos fetiches, por exemplo, é preciso entender que a peça só adquire valor espiritual quando submetida a rituais religiosos, os quais, em muitos casos, precisavam ser renovados para que se renovasse o poder da peça (veja Figura 26). Em outras palavras, sem os ritos, as peças eram simples está- tuas sem valor espiritual, podendo ser vendidas para turistas (másca- ras, por exemplo) como artesanato ou adquirindo quaisquer outros fins, decorativos ou, até mesmo, lúdicos (confira Figuras 27 e 28). 73 Claretiano - Centro Universitário © Arte Africana Figura 26 Fetiche do Povo Teke, proveniente da República Democrática do Congo. Figura 27 Máscara do Povo Baga (Região da Guiné). Fonte: RUBIN (1985, p. 264). Figura 28 Máscara Mbuya (República Democrática do Congo) com 26,6 cm. de altura. Figurativismo não naturalista A grande maioria das peças de arte africana é figurativa, ou seja, busca representar figuras (pessoas, animais etc.). Porém, faz isso de maneira não naturalista, ou seja, procedendo uma série de "distor- ções" nas formas escultóricas, as quais tinham o objetivo de ressaltar certos aspectos culturais, simbólicos ou mesmo ritualísticos. Desse modo, uma cabeça grande em uma estátua, em vá- rios casos, representava uma grande concentração de energia na cabeça da figura representada; um grande pênis pode representar a virilidade, a audácia, a autoridade; uma barriga ou seios proemi- nentes nas representações femininas podem referir-se à fertilida- de, e assim por diante. As estátuas africanas, portanto, não trazem a preocupação de representaçãonaturalista ou realista de pessoas, animais ou outras figuras; ao contrário, distorcem as figuras e as produzem 74 © História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena I de maneira estilizada com o objetivo de ressaltar certos aspectos. Esse foi um dos fatores que tanto encantou, no início do século 20, artistas modernistas como Picasso, por exemplo, que, entre ou- tros, buscou grande inspiração na arte negra para a concepção de sua própria estética pictórica (veja Figura 29). Fonte: RUBIN (1985, p. 264). Figura 29 Detalhe de Les Demoiselles d’Avignon, Picasso, 1906-07, 243,9 x 233,7 cm. 75 Claretiano - Centro Universitário © Arte Africana Matérias-primas As matérias-primas mais utilizadas na escultura africana são a madeira, o bronze, o ferro e as rochas. 12. SAVANA SUDANESA Da região da Savana Sudanesa, podemos destacar três esti- los artísticos principais: os ligados ao povo Bambara, ao povo Do- gon e ao povo Senufo. Bambara O povo Bambara era formado por agricultores. A palavra "Bambara", aliás, remete à palavra "infiéis", nome atribuído pelos muçulmanos aos Bambara, já que estes não se converteram ao Islamismo. A escultura Bambara conta com representações de antepas- sados e peças destinadas a atrair fertilidade para as moças. As es- tátuas apresentam formas bastante angulosas. Já as máscaras Bambara apresentam, em geral, formas zoo- morfas e antropomorfas, remetendo a diversos aspectos da vida política e religiosa de seu povo (Figura 30). Dogon Os Dogon, povo que vivia próximo ao Rio Níger, apresentam entre suas esculturas representando antepassados as figuras dos chamados "nommos civilizadores", patriarcas do povo Dogon (veja Figura 31). Já as suas máscaras apresentam função religiosa marcada e relacionada à mitologia Dogon. 76 © História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena I Senufo Os Senufo apresentam, em termos de escultura, a seguinte peculiaridade: peças totêmicas que aparecem sobre portas de ca- sas e outros lugares, lembrando escudos de armas. Quanto às máscaras Senufo, são confeccionadas segundo a repetição de certos cânones passados de geração em geração, segundo uma ritualística bastante rigorosa, que atribui ao artista uma ligação direta com aspectos e forças do mundo sobrenatural (confira Figura 32). Figura 30 Máscara Bambara. Fonte: PALERMO; DUPEY (1977, p. 59). Figura 31 Figura de um “Nommo” Dogon. Fonte: PALERMO; DUPEY (1977, p. 70). Figura 32 Máscara Senufo. 13. CAMARÕES Na Região estilística de Camarões, a presença da religião mu- çulmana impedia a produção de arte figurativa em determinadas 77 Claretiano - Centro Universitário © Arte Africana áreas. Naquelas em que é produzida, porém, destacam-se os esti- los artísticos dos povos Bamum e Duala, contando, por exemplo, com peças decoradas com contas (veja Figura 33). Figura 33 Peça Duala. 78 © História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena I 14. SELVA OCIDENTAL Na região da selva ocidental destacam-se as artes dos povos Fang e Bakota. Os Fang, que habitam o Gabão, realizam grandes estátuas de argila e, em madeira, bustos e corpos colocados sobre recipientes chamados de "Byeri" (caixas que contêm crânios de antepassa- dos). São famosos, também, pela sua grande variedade de másca- ras (confira Figuras 34 e 35). Figura 34 Máscara Fang. Figura 35 Máscara Fang. Os Bakota também realizam esculturas colocadas sobre re- cipientes que contém ossos de antepassados, e diversos tipos de máscaras. 79 Claretiano - Centro Universitário © Arte Africana 15. CONGO A região estilística do Congo (correspondente aos atuais pa- íses de Angola e República Democrática do Congo) está entre as áreas mais ricas em termos de produção artística. Há, nesta enorme região, inúmeros povos, muitas culturas e, portanto, também vários estilos. É difícil a tarefa de elencar os mais importantes. Corre-se, por- tanto, o risco inevitável de deixar-se material importante de lado. Destacamos, desse, alguns dos principais grupos. Bakongo O estilo Bakongo desenvolveu-se na região do Baixo Congo, zona de intenso contato com os europeus desde sua chegada à África Negra no século 15. É mais naturalista que vários outros es- tilos da arte africana. Apresenta, também, os fetiches cravejados e as máscaras (veja Figura 36). Bakuba O estilo Bakuba destaca-se pela suntuosidade, por exemplo, nas representações de reis e em vários objetos cotidianos decora- dos com motivos geométricos (confira Figura 37). Baluba O estilo Baluba, do sudeste do Congo, conta com vários sub- estilos, tais como o Basongé e com diversas combinações híbridas desses sub-estilos. Conta com fetiches, figuras representando an- tepassados, máscaras e outras peças (veja Figura 38). Bapende Os Bapende são um grupo de agricultores e caçadores que se destacam por suas máscaras usadas em rituais, como, por exem- plo, nos rituais de iniciação (veja Figura 39). 80 © História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena I Figura 36 Máscara Bakongo. Figura 37 Copo Bakuba decorado com motivos geométricos. Figura 38 Máscara Baluba. Figura 39 Máscara Bapende. 81 Claretiano - Centro Universitário © Arte Africana 16. ÁFRICA DO SUL, LESTE DA ÁFRICA E MADAGAS- CAR No sul e no leste da África, são mais raras as máscaras. No leste africano, há povos que produzem escultura, porém a recorrência de tal manifestação artística é menor do que em ou- tras regiões da África Negra. Já em Madagascar, verifica-se grande influência islâmica e de culturas orientais, devido ao intenso intercâmbio comercial com mercadores da Península Arábica e de outras regiões do oriente. É importante destacar o sul do continente africano, as ruínas do Zimbábue e a arte daquela que foi outra das grandes civilizações da África Negra. Vejamos mais sobre ela! Zimbábue Há, no atual país do Zimbábue, uma área repleta de ruínas arquitetônicas que denotam a existência, no passado, de uma civi- lização bastante avançada. Tal civilização teria, segundo a maioria dos estudiosos, sido fundada em meio à já citada Expansão Banto (série de migrações que espalhou povos por grande parte da África Negra). O estabe- lecimento de povos de maneira sedentária na região do Zimbábue teria ocorrido entre os séculos 8° e 10°, e entre os séculos 11 e 18 teria tido ensejo uma civilização. Tratava-se de uma civilização cuja economia se baseava, em especial, na mineração. Havia relações comerciais com regiões da costa oriental da África e, por conseguinte, com comerciantes do oriente, especialmente árabes e hindus. Nos séculos 16 e 17, teve início o contato com os portu- gueses, o que foi o "começo do fim" para a economia local. Isso porque os portugueses, como vinham fazendo em outras regiões 82 © História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena I da África, estimularam as disputas locais e atuaram no sentido da monopolização do comércio, o que acabou afundando a economia local. Posteriormente, no século 19 (após o fim da referida civili- zação), a presença de grande riqueza mineral na área gerou uma verdadeira pilhagem que, até hoje, dificulta (e até impossibilita) o trabalho dos arqueólogos e historiadores. Vale salientar que há ruínas arquitetônicas e peças artísticas remanescentes, em especial as de pedra (veja Figuras 40 e 41). Figura 40 Ruína do Zimbábue. Figura 41 Ruínas do Zimbábue vistas de cima. 83 Claretiano - Centro Universitário © Arte Africana 17. GOLFO DA GUINÉ Optamos por estudar a região do Golfo da Guiné por último por dois motivos: 1) primeiro, por tratar-se da região com maior variedade de povos, países, histórias – e, portanto, culturas – da África Negra. 2) segundo, por representar tal região especial interesse para nós brasileiros: do Golfo da Guiné saiu grande par- te dos escravos trazidos para o Brasil (outra grande parte veio de regiões mais a sul, como Angola, e uma parte menor da África do Leste, especialmente de Moçambi- que).De lá vieram, portanto, muitos dos nossos ancestrais. Na Unidade 2, veremos detalhadamente a cultura, a religiosidade e a arte de alguns dos povos do Golfo da Guiné que chegaram ao Brasil, criando, assim, a denominada por inúmeros estudiosos de “cultura afro-brasileira”. É válido lembrar que até a chegada dos europeus à África Negra, via mar, no século 15, a região costeira do Golfo da Guiné era uma área periférica no que diz respeito aos grandes reinos afri- canos (veja Figura 42). Já vimos, no caso dos reinos do Gana e do Mali, por exemplo, que o poder político se concentrava mais na região das savanas, atuando nas áreas de florestas e da costa, a sul, mais como gran- des fornecedoras de matéria-prima. Isso porque, até o século 15, o grande centro econômico e comercial da África estava no norte (na África Branca), na região dominada pelos mouros; com isso, as regiões do norte da África Negra, mais próximas do Saara, eram privilegiadas economica- mente. 84 © História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena I Fonte: LAMBERT (2001, p. 78). Figura 42 Costa da Guiné: região periférica até a chegada dos europeus. Quando os europeus chegaram à África via mar, porém, a situação se inverteu. A grande "porta de entrada" para a África Negra (e, consequentemente, para o comércio e toda a ativida- de econômica) passou a ser o Golfo da Guiné. Com isso, a região foi enriquecendo e, por consequência, atuando como aquela que mais exportou escravos negros para as Américas. Uma das razões para a grande exportação de escravos da re- gião foi a grande profusão de estados militarizados; muitos dos quais foram compostos por povos que já habitavam a região havia séculos, como, por exemplo os Iorubá. 85 Claretiano - Centro Universitário © Arte Africana A chegada dos europeus, porém, acelerou a formação de es- tados militarizados por estes povos: visando a dominação de inimi- gos e o crescimento econômico, eles se aliavam aos europeus em troca de armas de fogo e outros produtos; o que ofereciam eram produtos como óleo de palma (dendê) e escravos, conseguidos em guerras contra povos inimigos. Assim, repetiu-se no Golfo da Guiné, de maneira ainda mais cruel e potencializada, a história relativa à venda de escravos ne- gros para as Américas: os europeus não entravam "na selva" e os próprios africanos vendiam inimigos como escravos. Quando um "aliado" deixava de interessar aos europeus, es- tes se aliavam ao povo inimigo de seus até então aliados, passando estes doravante a serem escravizados. Agora, voltemos à história e à arte dos grandes povos do Gol- fo da Guiné. Ibo O povo Ibo (ou Igbo) é um dos mais antigos habitantes da região do Golfo da Guiné. Ocupou (e ainda ocupa, uma vez que há cerca de 10 milhões de membros desta etnia vivendo na região) uma área do sudoeste da Nigéria, em especial, perto do Rio Níger. O povo Ibo, tradicionalmente, foi formado por agricultores, caçadores, pescadores e comerciantes. Tem-se registros bem antigos da arte Ibo, peças de bronze que remontam ao século 9°. Os Ibo realizaram (e realizam) escul- turas de figuras humanas relativamente naturalistas em termos de proporção, com exceções. Muitas figuras, porém, costumam apre- sentar pescoços alongados. Além disso, tanto as estátuas quanto as máscaras têm, muitas vezes, a representação de chifres, detalhe que remete à tradição altiva e guerreira do povo Ibo (observe a Figura 43). 86 © História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena I Figura 43 Escultura Ibo. Muitas vezes, as figuras da arte Ibo apresentam escarifica- ções na face, ou seja, pequenas marcas tradicionalmente realiza- das no rosto de membros de determinadas culturas da região. Tais marcas são sinais de distinção dentro do meio social, cultural, polí- tico e religioso. Como veremos a seguir, elas também aparecem na cultura e na arte Iorubá. 87 Claretiano - Centro Universitário © Arte Africana Iorubá Assim como a história de Portugal confunde-se com a histó- ria do Brasil; a história de outros países de onde vieram imigrantes também se confunde com a nossa história. Por exemplo, a história de alguns dos povos do Golfo da Guiné é inseparável da nossa, em especial no que se refere aos Iorubás, povo cujos membros, escra- vizados, vieram em grande número para o Brasil, em especial, na última fase da escravidão, no século 19. Os Iorubás são, portanto, um dos povos com tradição, cultu- ra e história mais ricas de toda a África Negra. O início da história dos Iorubás, para inúmeros estudiosos, apresenta suas raízes nas remanescências de culturas ainda mais antigas da região, como a Cultura Nok, como já estudamos. Tais hipóteses são baseadas em algumas semelhanças da arte e da cul- tura material. É preciso, porém, realizar a seguinte distinção teórica: o termo “Iorubá" parece ter designado não os membros de apenas um povo, mas os membros de determinados povos, habitantes de cidades-estado autônomas, que compartilhavam determinados aspectos linguísticos, culturais e religiosos. Segundo Pierre Fatumbi Verger (1997, p. 3): O termo “yorùbá”, escreve S. O. Biobaku, “aplica-se a um grupo lin- güístico de vários milhões de indivíduos”. Ele acrescenta que, “além da linguagem comum, os yorùbá estão unidos por uma mesma cul- tura e tradições de sua origem comum, na cidade de Ifé, mas não parece que tenham jamais constituído uma única unidade política e também é duvidoso que, antes do século XIX, eles se chamassem uns aos outros pelo mesmo nome”. Já vimos, entretanto, que há um marco, uma origem comum: a cidade-estado de Ifé, razão pela qual a história Iorubá se confun- de com a história de Ifé. Tal história remonta, aproximadamente, ao século 10°, quando os grandes patriarcas Iorubá fundaram Ifé e deram início a uma bela história, na qual se misturam política, mitologia e religiosidade. 88 © História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena I Na Unidade 2, estudaremos a história e a religiosidade de Ifé e dos Iorubás, o que representa uma das principais bases da arte afro- brasileira. Agora, vamos nos limitar a lembrar que, para os Iorubás, não há a distinção racionalista e ocidental feita por nós entre os patriarcas de seu povo e as divindades, já que sua religiosidade é baseada no culto aos antepassados. Por essa razão, não há, por exemplo, distinção entre alguns fundadores de Ifé e Orixás. Depois de Ifé, outras cidades-estado também foram funda- das por patriarcas Iorubá. De maneira geral, podemos afirmar que as cidades-estado foram formando uma confederação política que, a certa altura, aproximadamente entre os séculos 15 e 16, ficou sob o comando de Oyó, outra cidade-estado (veja Figura 44). Fonte: LAMBERT (2001, p. 92). Figura 44 Localização do Reino Iorubá de Oyó. Oyó, reino Iorubá, tinha como um de seus trunfos seu pode- rio bélico, que contava, entre outros fatores, com uma poderosa cavalaria. 89 Claretiano - Centro Universitário © Arte Africana Assim como outros povos da região, por influência das con- dições criadas com a chegada dos europeus, os Iorubás aderiram à captura de inimigos para venda como escravos para as Américas. No entanto, como aconteceu com outros povos, em certos períodos, foram escravizados. Isso, apesar do horror da escravi- dão, foi o que trouxe a cultura Iorubá para o Brasil, em especial, para algumas localidades, como a Bahia. Um dos grandes destaques dos Iorubás é sua arte. Refinada, apresenta em inúmeras peças, principalmente nas mais antigas, um naturalismo incomum e raro na África Negra. Exemplo disso é a famosa cabeça de um Rei de Ifé datada do século 13, atualmente exposta no Museu Britânico, em Londres. Tal cabeça serviu de mo- delo para o monumento a Zumbi dos Palmares realizado por João Filgueiras e Darcy Ribeiro no Rio de Janeiro, em 1986 (veja Figuras 45 e 46). Note que na Figura 45 é possível visualizar as escarifica- ções, ou seja, os sinais de distinção. Fonte: PALERMO; DUPEY (1977, p.21). Figura 45 Cabeça de um Rei, de Ifé, arte Iorubá, século 13. Figura 46 Monumento a Zumbi dos Palmares, João Filgueiras e Darcy Ribeiro, 1986, Rio de Janeiro. 90 © História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena I A arte mais antiga dos Iorubás era realizada em metal (latão) e cerâmica. De alguns séculos para cá, tem ensejo uma arte mais estilizada, com peças em madeira, contando com obras ligadas ao culto dos Orixás (confira Figura 47). Figura 47 Oxé de Xangô, Nigéria, Século 20, Museu Afro- Brasil. Na próxima unidade aprofundaremos nossos conhecimentos so- bre a arte religiosa ligada ao culto dos Orixás, já que arte afro-bra- sileira e religiosidade afro-brasileira são elementos praticamente inseparáveis. Na Figura 47, temos um Oxé de Xangô, ou seja, uma peça sacra Iorubá que simboliza Xangô, utilizada por alguns dos iniciados e que representa um machado estilizado de duas lâmi- nas. Esta peça é nigeriana, o que demonstra que vários aspectos religiosos são compartilhados por brasileiros e africanos. 91 Claretiano - Centro Universitário © Arte Africana Bini Os Bini (ou Benin – não o confunda com a moderna Repú- blica do Benin, que teve seu nome inspirado no antigo Benin) é um povo cujas origens são bastante próximas às dos Iorubás (às vezes até se confundindo com elas). Isso pode ser percebido tanto em semelhanças culturais quanto na religiosidade e nas tradições orais. Politicamente, entretanto, por muito tempo, a cidade-esta- do de Benin, uma das mais poderosas do Golfo da Guiné, entre os séculos 15 e 19, foi inimiga de Oyó, estado Iorubá que já estuda- mos. Isso se traduziu em disputas que tinham como consequência a escravização dos inimigos (veja Figura 49). Figura 48 Guerreiros segurando suas armas cerimoniais, Reino do Benin, séculos 16-18 92 © História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena I A arte do Benin, especialmente a dos séculos 15 a 17, é exuberante. Destacam-se as figuras de bronze, de marfim e de madeira. Há peças como máscaras e estátuas de guerreiros, entre outras variantes (confira Figura 48). Figura 49 Gravura de 1668 retratando a Cidade do Benin, realizada por D. O. Dapper. Apenas para que se tenha uma ideia do poder e grau de ur- banização da cidade do Benin nos séculos 15 a 17, vejamos trechos escritos por um viajante holandês anônimo em 1602: A cidade é muito grande. Entra-se numa rua muito comprida e larga, não pavimentada, mas 7 ou 8 vezes mais larga que a rua Warmoes de Amsterdã [...]. Quem se encontra na referida avenida pode ver muitas ruas perpendiculares, também retas, de cada lado [...]. As casas são bem alinhadas [...]. O palácio real é muito grande. Com- preende numerosos pátios cercados de varandas onde se monta guarda [...] (LAMBERT, 2001, p. 94-95). Achanti Achanti é uma palavra que designa mais do que um povo: é usada tanto para designar uma região do Golfo da Guiné e os povos Achantis, Achans ou Akans, quanto para designar a confe- deração de povos que formou, entre os séculos 17 e 19, a famosa Confederação Achanti. 93 Claretiano - Centro Universitário © Arte Africana Após a chegada dos europeus ao Golfo da Guiné, os negócios do ouro e do tráfico de escravos tornaram-se as principais fontes de renda para os povos da região. Nas primeiras décadas de vigência deste cenário, os Akans da região florestal viam-se bastante desfavorecidos: eram domi- nados e escravizados por povos inimigos, mais organizados politi- camente. Ocorreu, então, como reação a esta situação, a formação e consolidação, no século 17, de uma confederação que buscava unir sob uma mesma nação os povos Akans. Aproximando tais povos também cultural e religiosamente, a confederação angariou forças para derrotar seus inimigos e tornar-se uma das mais poderosas nações da África. Vale salientar que grande parte dos ganhos dos Achantis vie- ram por meio do comércio de ouro, encontrado nas suas próprias terras. Depois, como ocorreu com outros povos africanos, o grosso do lucro passou a ser a captura e venda de escravos. Em termos artísticos, os Achanti destacam-se pela arte em metal (bronze e ouro) e pelas esculturas em madeira (observe as Figuras 50 e 51). Fonte: PALERMO; DUPEY (1977, p. 23). Figura 50 Máscara de ouro maciço que teria pertencido ao tesouro do Rei Achanti Kofi Kolkalli. Figura 51 Arte Ashanti, peso para aferir ouro, bronze, Museu Nacional de Belas Artes, RJ. 94 © História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena I Fon Os Fon são outro povo estabelecido há séculos no Golfo da Guiné. Tendo uma organização política, cultural e religiosa bastante tradicional, os Fon destacam-se, artisticamente, pelas suas peças em madeira (estatuetas, relevos, bancos e esculturas em geral). Um dos destaques da escultura Fon, por exemplo, são as pe- ças zoomorfas, ou aquelas que unem aspectos antropomorfos e zoomorfos, como, por exemplo, a estatueta comemorativa do rei Glele, O leão, disposta na Figura 52. Fonte: PALERMO; DUPEY (1977, p. 52). Figura 52 Estatueta Fon comemorativa alegórica do Rei Glele “O Leão", madeira policromada. 95 Claretiano - Centro Universitário © Arte Africana 18. REVISÃO DOS CONTEÚDOS E TEMAS IMPORTAN- TES 1) A África vista pelos não africanos. 2) O continente africano: África Branca e África Negra. 3) O surgimento do homem na África: as primeiras civiliza- ções. 4) As primeiras civilizações da África Negra: Cuxe, Nok, Gana, Mali e Congo. 5) A chegada dos europeus. 6) A Escravidão. 7) Zonas Estilísticas. 8) Preceitos gerais da arte da África Negra. 9) Savana Sudanesa. 10) Camarões. 11) Selva Ocidental. 12) Congo. 13) África do Leste, do Sul e Madagascar. 14) Golfo da Guiné: Ibo, Iorubá, Bini, Achanti e Fon. 19. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Para sedimentar seus conhecimentos sobre os conteúdos estudados nesta unidade, é importante que você reflita sobre os seguintes questionamentos: 1) Por que a arte e a história da África Negra são tão pouco conhecidas? Apenas por falta de registros e de acesso ou por uma visão histórica que privilegia a história contada "pelos brancos"? 2) Conhecer a riqueza histórica, cultural e artística dos po- vos africanos contribui para uma mudança de perspec- tiva em relação aos preconceitos e à visão geral que se tem sobre a África Negra? Como? 96 © História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena I 3) Há uma relação íntima, de séculos, entre Europa, África e Américas. Em termos culturais, o que esta relação re- servou para nós, atualmente? 4) Há a ligação total entre arte e religiosidade na África? Façamos uma comparação entre tal ligação na África e na arte sacra ocidental, especialmente aquela surgida no seio do Cristianismo. 5) Até que ponto um conhecimento maior sobre a arte afri- cana é capaz de derrubar barreiras, preconceitos e mes- mo mal-entendidos em relação a algo tão próximo de nós como a arte e a religiosidade afro-brasileiras? 20. CONSIDERAÇÕES Chegamos ao final da nossa primeira unidade. Nela, aborda- mos a história, a cultura e a arte de uma das regiões mais fascinan- tes e "misteriosas" do planeta: a África Negra. Com isso, pudemos descobrir mais a respeito da nossa histó- ria, cultura e identidade: se até aqui tínhamos bastante informação a respeito das nossas raízes europeias, já era hora de saber mais a respeito de outros dos nossos pilares formadores de identidade cultural. Já na Unidade 2, veremos como a cultura afro gerou, no Bra- sil, o que hoje chamamos de Cultura e Arte Afro-brasileiras. Em outras palavras, poderemos, por meio do conhecimento, apropriar-nos ainda mais da nossa arte e cultura; além de esta- belecer relações e diálogos com aspectos artístico-culturais que, mesmo quando alheios ao nosso cotidiano, podem nos encantar por sua beleza, riqueza e profundidade. Desse modo, ganhamos nós e ganha a diversidade. Até a pró- xima unidade! 97 Claretiano - Centro Universitário © Arte Africana 21. E-REFERÊNCIAS Lista de figuras Figura 1 – Norte
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