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LIVRO A Psicoterapia em situações de perdas e luto

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Prévia do material em texto

A PSICOTERAPIAEM SITUAÇÕES
DE PERDAS E LUTO
Iª tiragem
2000
Conselho editorial
DougJas Marcondes Cesar
Glauci Estela Sanchez
~obhe o. autoha
Composição
Miero Laser ComI. Ltda.- ME
Coordenação editorial
Glauci Esteja Sanchez
Maria Helena P. F. Bromberg é psicóloga pela PUC-
SP, Mestre e Doutora pela mesma universidade. Psícotera-
peu ta e professora universitária (PUC-SP e UNIP) com expe-
riência em questões da terminalidade e do luto. Tem apre-
sentado suas pesquisas e reflexões em congressos no Brasil
e no Exterior, assim como tem se atualizado em cursos e se-
minários, particularmente na Inglaterra. país com tradição
no trato das questões do luto. Na PUC-SP, é Professora-As-
sistente-Doutora, responsável pela disciplina "Luto e morte
na família", além de orientar alunos na monografia de con-
clusão de curso. Supervisiona psicólogos em formação em
Psícoterapía Infantil, além de atender pacientes na Clínica
Psicológica "Ana Maria Poppovíc'', da qual foi diretora de
1989 a 1993. No curso de Pós-Graduação em Psicologia Clí-
nica, pertence ao Núcleo de Família e Comunidade, minis-
trando cursos relacionados ao tema dos vínculos e do luto.
Na Universidade Paulista, é Professora Titular de Psicologia
do Desenvolvimento I, no curso de Psicologia.
Foto
Maria Helena P. F. Bromberg
ISBN: 85.87622-09-9
Editora Livro Pleno
Rua Dr. Cândido Gomide, 584 - Jd. Chapadão
CEP: 13070-200 - Campinas - SP - Brasil
Telefax: (OXX) 19 243-2275
e-mail: edlivropleno@uol.com.br
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total eu parcial. por qualquer
meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos. microfilmicos. fotográficos. re-
prográficos. fonográficos. videográfieos. Vedada a memorização e/ou a recuperação
tot.alou parcial bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em quaiquer siste-
ma de proccssamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às caracteristi-
cas gráficas da obra e à sua cditoração.
Impresso no Bras!! / Prtnted ín Brazfl
CP,wÔ6.CiO
Ao preparar esta tiragem, é inevitável pensar em
quantas pessoas terão lido este livro, utilizando-o em seu
trabalho com pessoas enlutadas. Penso ser este o principal
objetivo de um trabalho na área de saúde: que possa permi-
tir uma melhora na qualidade do atendimento de forma a
ampliar a área de abrangéncía dessa atuação e beneficiar
um maior número de pessoas.
Isto sem dúvida ocorreu nestes anos que se segui-
ram à publicação da primeira tiragem. As questões envolvi-
das no processo de morte e luto vêm sendo discutidas com
maior freqüência e profundidade, tanto por profísstonaís
quanto por leigos. A mídia tem voltado seus olhos para es-
ses aspectos, com uma atenção que surpreende em alguns
momentos, nestes tempos de fim de século, nos quaís pro-
cura-se solução imediata para problemas psicológicos, exís-
tencías ou espirituais.
Nesse período, aconteceu também um fato impor-
tante: a criação do laboratório de estudos e intervenções so-
bre o Luto - LELu, na PUC-SP, ligado ao Núcleo de Família
e Comunidade do programa de estudos Pós-Graduados em
Psicologia Clínica e à Clínica Psicológica "Ana Maria Poppo-
víc". No LELu, que teve apoio da FAPESPpara sua implan-
tação, desenvolvem-se pesquisas sobre temas relacionados
ao lula além de serem oferecidos atendimentos psicológicos
a pessoas ou grupos enlutados e treinamento para pessoas
que trabalhem com perdas e morte em seu cotidiano. A ex-
períêncía tem sido positiva, com crescente interesse, tanto
por estudantes como por profissionais.
Esta tiragem ainda não apresenta alterações de con-
teúdo, uma vez que isto requer uma exposição maior aos
avanços obtidos. O trabalho desenvolvido no LELu sem dú-
vida permitirá esse avanço, de maneira que as próximas
edições apresentem novos resultados de pesquisa e de refle-
xões sobre a experiência.
Sem dúvida, é uma alegria estar preparando esta ti-
ragem. Isto significa que o livro tem sido lido e, espero, útil.
E que as questões do luto têm merecido atenção.
Uma informação. que pode parecer irrelevante, mas
sobre a qual gostaria de chamar a atenção: a foto da capa
deste livro foi tirada por mim. Era um frio dia do fim do in-
verno londrino, março de 1991, no dia em que voltava ao
Brasil, após dois meses ao mesmo tempo de muito estudo e
muita aflição, após a tensão da Guerra do Golfo. Na foto,
como pode-se observar, falta um pássaro. Há um lugar va-
zio. Por isso escolhi essa foto para a capa do livro e por isso
é tão importante mencionar que a cena foi captada pelo
meu olhar.
gUWlÓltlO
APRESENTAÇÃO .
INTRODUÇÃO ········· .
L O LUTO: TEORIAS , .
1. A EXPERlÊNCIA DE PERDA · .
1.1. Luto e perda do objeto: a abordagem
psicanaLítica ·· .
1.2. Luto e perda do vínculo: a abordagem
etológLca · · ·· · .. · ·.. · · ..
2. O PROCESSO PSICOLÓGICO DO LUTO .
2. 1. A sintomatologia ·····································
2.2. Fases do entutamento .
2.3. Luto norrnal e luto patológica · .
2.4. Fatores de risco · · .
3. PERDAS NA VIDA ADULTA · .
3.1. A morte de umftlho .
3.2. Viuvez .
3.3.Os Lutos do envelhecimento .
4. PERDAS PARAA CRIANÇA · ·
4.1. O signtfi.cado para a criança .
4.2. Impactos do luto infantiL ·· .
5. LUTO NA FAMÍLIA .
5. 1. Reações da família à morte ·
Maria Helena: P. F. Bromberg
Setembro/98
\
\
13
15
23
23
24
27
30
33
36 I
40 I!
42 ,I
44 i
45 \51
\
56
58
58
60
64
65
5.2. Morte no ciclo de otâa januliar 67
5.3. Adaptação da jamilia. à perda. 68
11. PSICOTERAPIA DO LUTO.................................... 71
1. CUIDANDO DA FAMÍLIA ENLUTADA..................... 71
1.1. Avaliando a necessidade de cuidado....... .. .. 71
1.2. Identificando o cuidado necessário 79
2. PSICOTERAPIA DO ENLUTAMENTO 82
2.1. Psicoterapia inâioiáucú para o en[utamento........ 82
2.2. Psicoterapia famiíiar para o eniutamenio 89
m. OBJETIVOS 93
1. O FENÔMENO POR ABORDAR 97
2. AS PRESSUPOSIÇÕES....................... 99
IV. MÉTODO 101
1. A PESQUISA........................................................... 101
2. SUJEITOS 102
3. PROCEDIMENTO APÓS ENCAMINHAMENTO 103
4. PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS 105
5. RECURSOS PARA AVALIAçÃO DAS FAMÍLIAS 106
6. PROCEDIMENTOS DE INTERVENÇÃO................... 109
7. RITUAIS COMO RECURSO TERAPÊUTICa............ 112
8. PROCEDIMENTO PARA ANÁLISE DOS DADOS ..... 116
V. ANÁLISE DAS FAMÍLIAS ESTUDADAS 119
1. FAMÍLIA A ......... ........ ............ ..... ....... ... 119
2. FAMÍLIA B 126
3. FAMÍLIA C................................ 130
4. FAMÍLIA D 134
5. 'FAMÍLIA E............................................ 138
6. FAMÍLIA F............................................................... 143
VI. CONCLUSÕES 149
1. QUESTÕES DA ATUAÇÃO CLÍNICA .
1. 1. Tempo deconido entre a morte e o início
da terapia ··.. · · · ·· · · ·· .. ·
1.2. Conexão entre queixa e necessidade de
atendimento familiar ·..··· ·····
1.3. ResuLtados obtidos quanto a mudanças
nos sintomas ·.. ·..· ·· ·· ..·· ·····
1.4. Avaliação quanto aos fatores de risco ·
1.5. Uso de rituais .
1.6. Atuação do psicoterapeuta ,.
2. A TEORIA COMO FUNDAMENTO PARAA
PRÁTICATERAPÊUTICA ·..··· ·..·..·····..
3. ABERTURA PARA OUTRAS ÂREAS DE
PESQUISA E ATUAÇÃO .
4. QUESTÕES DE PREVENÇÃO .
5. CONCLUSÕES FINAIS · ·..·..·..··..· ·..··..·
BIBLIOGRAFIA .
149
150
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152
154
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158
160
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164
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cA:pheget'ltação
"Admirável
Não pensar ao ver um raio:
'É fugaz a vida'."
(Bashô)
Por mais que se saiba que a vida contém a morte, as
pessoas vivem como se nunca fossem morrer!
Esse fato significa que a construção de mundo que
se faz deve incluir necessariamente a noção de fínítude, de
fragilidade do ser humano para que nossos atos, pensamen-
tos e projetos não sejam imbuídos do sentimento onipotente
da intemporalidade.
Morte é auséncia ... A perda do mundo, dos afetos,
do pensamento Morte é perda... é ausência de todos ...
Morte é solidão .
Ausência, perda, solidão, emoções que caracterizam
o sentímento deluto.
Talvez por isso, embora não haja fato mais previsível
do que a morte como ponto final do ciclo de vida das pes-
soas, não há também aspecto que cause tanto impacto
emocional e mobilize tão freqüentemente mecanismos psico-
lógicos de evitação.
Tais mecanismos dífícultam a necessária vivência do
luto, definido como "uma sucessão de quadros clínicos que
se mesclam e se repõem uns aos outros" (PARKES, 1986).
Portanto, luto é processo, não um estado estático;
um tempo de elaboração e transformação que atinge os ín-
divíduos e os grupos, desestruturando-os pela falta, con-
fundindo os remanescentes e desestabilizando seu funcio-
namento.
Esse livro trata com sensibilidade e competência o
luto, suas fases e características, buscando por meio da ex-
celente revisão bibliográfica, discutir as diferentes contri-
buições teóricas sobre o enlutamento (psicanalítica, etológí-
ca e sístêrníca), conseqüências clínicas e possibilidades de
intervenção.
O grande mérito desse trabalho, além de ressaltar as
características variáveis e sutis do luto nos indivíduos, é
mostrar com clareza a importãncia do luto como fenômeno
inter-relacional e abordã-Io no ãmbito familiar.
Com isto, busca o enfrentamento da crise que o luto
gera na família pelo "desequilíbrio que causa entre os recur-
sos do sistema familiar e a quantidade necessária de ajusta-
mento de uma só vez".
Assim, analisa com cuidado e sutileza as conse-
qüências da "onda de choque emocional", tanto no dia-a-dia
da família como na saúde física e psicológica de seus mem-
bros, além do equilíbrio do próprio sistema familiar, apon-
tando a diferença das crises conforme os diferentes momen-
tos do ciclo vital da família.
Finalmente, o uso de rituais como um recurso tera-
pêutica permite aos indivíduos recuperarem o sentido da
morte e, conseqüentemente, da vida, resgatando valiosos
procedimentos presentes em todas as culturas e tão desva-
lorizados atualmente, sobretudo nas sociedades ocidentais.
Enfim, poderia apontar ainda muitas outras qualida-
des, porém creio ser mais adequada a recomendação de sua
leitura a todos os profissionais da área da Saúde, não Só a
psicoterapeutas, tanto pela qualidade das considerações teó-
ricas como pela clareza com que fornece elementos essen-
ciais para uma intervenção eficaz nas mais variadas situa-
ções de perda e luto.
São Paulo, outubro de 1994
Rosa Maria Stefanini de Macedo
Núcleo de Família e Comunidade
PUC-SP
9b'l tftO dução
A morte é a única presença constante na vida. Vive-
se, morrendo. Paradoxalmente, é pela extinção da vida -
ou seja, por viver - que se morre. A Filosofia e a Religião
têm contribuído com explicações para a busca de sentido
que marca a existência humana, diante do fenômeno índís-
solúvel vida/morte. A Religião permite que essência e exis-
tência formem uma unidade funcional e, como conseqüên-
cia, a idéia de que a vida não é inútil e não acaba. Com
isso, as religiões têm função tanto para a sociedade como
para o indivíduo: fornecem um enquadramento de realidade
para a morte de forma a assimilar e tornar válidas as ex-
pressões de emoção inerentes ao luto", de maneira aceitável
pela sociedade e satísfatóría para o indivíduo. Torna-se pos-
sível, assim, o reinvestimento do capital emocional em no-
vos capítulos da vida e a sociedade não sucumbe à morte de
um de seus elementos (JACKSON, 1965).
A Ciência contribui, por sua vez, ao buscar caminhos
para o prolongamento da vida, encontrar a cura para todas as
espécies de doenças e evitar a dor. O próprio conceito de mor-
te teve que ser revisto pela Medicina. Ou seja, no plano cogní-
tívo, são tentativas de domínio da morte ou, em última análí-
se, tentativas de negação da mortalidade, inerente à condição
humana.
* Luto: conjunto de reações a uma perda significativa.
Entutamento: processo de adaptação a essa perda.
16 Maria Helena P.F. Bromberg
A morte apenas recentemente tornou-se objeto de
interesse dos cientistas sociais, que podem então estudá-Ia
sem os desvios das interpretações de natureza sagrada. Isso
foi possível pela gradual secularização das sociedades, le-
vando á busca de explicações racionais para os fenõmenos
sociais e psicológicos, tradicionalmente interpretados como
sagrados em sua natureza. A contribuição das Ciências So-
ciais para o diálogo entre ser humano e natureza/morte
está na tentativa de compreender as dimensões do proble-
ma da morte para a sociedade e as implicações que tem
para o comportamento (FULTON,1965).
ARtES (1977) indica como a morte foi tendo seu ce-
rimonial mudado ao longo dos tempos, significando as mu-
danças que afetaram o impacto sobre a sociedade. Hoje o
que se vê é uma inversão completa dos costumes, desde a
relação entre moribundo e ambiente social e fisico até as
manifestações sociais das emoções. Segundo ele, no século
XX, nas sociedades ocidentais, a morte tornou-se um fato a
ser vivido com discrição. o que transferiu o local da morte
dos lares para os hospitais, tecnícalízando-a e dessacralí-
zando-a. É a forma que a sociedade produziu para se prote-
ger de tragédias que podem abalar seu equilíbrio. já tão fra-
gilízado em razão das constantes e rápidas mudanças a que
se submete.
Quando convidada a proferir palestra sobre "O
tabu da morte" aos funcionários do Serviço Funerário Mu-
nicipal de São Paulo, dentro do seminário "O trabalhar
com a morte". pude perceber a extrema dificuldade da pla-
téia em se perceber não como um funcionário público bu-
rocrático e sim como uma pessoa que é obrigada a encarar
no seu dia-a-dia profissional aquilo que as pessoas prefe-
rem ignorar: a morte está presente em todos os aspectos
da vida. A platéia era composta por funcionários adminis-
trativos e operacíonaís (corno coveiros e exumadores). O
conteúdo da palestra envolvia a caracterização das fases
do luto, riscos quanto ao papel que a pessoa morta repre-
sentava para os familiares, condições que predispõem ao
luto patológico. Esperava-se que os funcionários pudes-
sem conhecer e compreender a condição psicológica das
pessoas que buscam seus serviços profissionais, assim
perrnítírido-lhes dar a elas um atendimento mais cuidado-
A psicoierapia em situações de perdas e luto
17
so e de melhor qualidade. Foi muito interessante observar
a informação unánime dada pelos agentes funerários: as
pessoas que solicitam os serviços pedem que sejam execu-
tados com presteza. que o enterro seja o mais breve possí-
vel para não se demorarem na presença do cadáver. Ou
seja: um ritual importantíssimo não vem sendo utUizado,
o do velório e enterro. que permite as despedidas.
Embora não havendo uma padronização de sígníü-
cados atribuídos à morte rios diferentes grupos sociais, há
sempre, nessas circunstâncias. um quadro de referências à
morte, uma previsibilidade de comportamentos, uma estabi-
lidade nas expectativas. Por causa disso, os rituais por oca-
sião da morte estão presentes nos processos cerimoniais de
todos os povos, trazendo o objetivo e o significado da rituali-
zação tanto do ponto de vista cultural como individual. É
possível dizer, de acordo com KRUPP (1965). que o ser hu-
mano desenvolveu ritos culturais para lidar com a morte,
bem como cerimônias grupais e padrões individuais de
comportamento.
Do ponto de vista individual, as tentativas de domí-
nio da morte, ou seja. da negação da mortalidade, muitas
vezes encontram apoio em crenças religiosas que retratam a
morte como uma passagem. um estado transitório e não a
cessação da vida. Esta última concepção provoca o surgi-
mento de fortes defesas, uma vez que sem elas seria impos-
sível imaginar qualquer espécie de futuro.
Assim sendo, o ser humano precisa se situar em pa-
rãmetros de tempo apesar de e por ser mortal. Ou seja: "Se
você quiser que a vida dure, prepare-se para a morte". como
disse FREUD (198l) em 1915, em seus pensamentos sobre
tempos de guerra e morte, mais diretamente relacionados à
experiência vivida na I Guerra Mundial. Coincidentemente.
tive contato com essas idéias de Freud quando pesquisava a
literatura, por ocasião de umestágio em Londres, entre ja-
neiro e março de 1991, período de duração da Guerra do
Golfo. A experiência vivida então mostrou a extrema atuali-
dade do texto de Freud. aplicável tanto no que se refere às
estratégias utilizadas na guerra como no cotidiano. com os
freqüentes ataques terroristas colocando a ameaça de morte
como um ponto a ser sempre considerado.
\
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II
I
~
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~~
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3:
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~
18
Maria Helena P.F. 8romberg
Naturalmente, qualquer Visão do significado da mor-
te será multifacetada, composta por fatores predeterminan_
tes de ordem cultural, histórica, ética, religiosa e psicológi-
ca. Conseqüentemente, a interação desses fatores contribui
para tornar ainda mais complexa e abrangente qualquer
tentativa de compreensão do fenômeno "morte".
O mito da imortalidade aparece em quase todas as
culturas, revelado pejas cerimônias de enterro e rituais de
luto que preparam o morto para a Viagem ao outro mundo e
que aceitam a influência do espírito muito tempo após a
morte do corpo. Há também formas simbólicas pelas quaís
o desejo da imortalidade se manifesta. Pela biológica, a pes-
soa se perpetua em sua descendência: pela teológica, há
vida após a morte ou então há um plano mais elevado de
existência.
A atiVidade criativa também oferece possibilidades
de imortalidade, uma vez que o trabalho original da pessoa
tem o efeito de legado e permanência.
Hoje, de uma forma claramente identificáveI, a rela-
ção do ser humano com a saúde reflete essa busca da imor-
talidade, desde as práticas de congelamento do corpo para
ressuscitação após a descoberta da cura da doença que pro-
vocaria a morte, passando pelo congelamento do sêmen do
homem próximo da morte e que deseja ser pai mesmo de-
pois de morto, até a dedicação, muitas vezes levada ao exa-
gero, a práticas preventivas para a manutenção da saúde.
Meu interesse pelo tema teve início com o trabalho
que desenvolvo com famílias que tenham um elemento já
aposentado ou prestes a se aposentar. É possível verificar
que a experiência da aposentadoria é vivida como uma
pesada perda, com conseqüências freqüentem ente dramá-
ticas para os elementos da família e, principalmente, para
o aposentado. Este vive muitas perdas: de status, de re-
cursos financeiros e até mesmo de sua identidade profis-
sional. O impacto dessas perdas atinge a família como um
todo e dentro de suas especificidades. A aposentadoria é
vivida de forma mágica, como em sonho, até que o con-
fronto com a realidade do cotidiano mostra a impossibili-
dade dc continuar sonhando. Uma reorganização familiar
é, então, necessária e esse trabalho visa promovê-Ia, cori-
A peicoterapia. em sftuações de perdas e luto 19
tando com os recursos psicológicos disponíveis no sistema
familiar. É freqüente encontrar quadro de depressão psrqut-
ca, que leva à depressão ímunológíca, permitindo a instala-
ção de doenças. Estas sobrecarregam ainda mais o sistema
familiar que precisa superar mais uma crise.
Da morte simbolicamente vivida nas perdas acarre-
tadas pela aposentadoria às possibilidades de reorganização
familiar para enfrentar saudavelmente essa nova realidade,
percebi a stmílitude com a experiência da perda por morte e
seu impacto na família, impacto esse que pode ser até tríge-
racional. Vi, portanto, aumentado o interesse em compreen-
der e lidar com os problemas da morte no ámbíto psicológi-
co. Se os desenvolvimentos tecnológícos permitiriam outras
formas de se lidar com ela, é reconhecido que isso não se
deu no âmbito das relações entre familiares enlutados. Os
conflitos anteriores à perda assomam com mais intensida-
de, muitas vezes alterando o curso daquele que seria o pro-
cesso normal de enlutarnento. É importante ressaltar que,
mesmo quando é considerado normal, não significa que não
seja doloroso, ou que não exija um grande esforço de adap-
tação às novas condições de vida, tanto por parte de cada
um dos indivíduos afetados, como por parte do sistema fa-
miliar, que também sofre impacto em seu funcionamento e
identificação.
A impossibilidade de se isolar o ser humano do seu
contexto ínvíabílíza este ou aquele processo, que permiti-
ria ver a morte sob os diversos prismas em que é possível
entendê-Ia. Neste trabalho, porém, a preocupação maior
está na utilização dos conceitos psicológicos relacionados
a ela tais como perda, quebra de vínculos, aceitação e ree-
laboração, no sentido de discutir as possibilidades de aju-
da da Psicologia às famílias enlutadas. Para sua infelicida-
de, estas têm sido relegadas a uma condição de negligên-
cia, como se todo o sofrimento advindo do luto fosse natu-
ral e até esperado, como se os profissionais da saúde não
devessem pesquísar formas de amenízá-Io. Existe, sim, o
luto normal, com um curso previsível, até a sua supera-
ção. Existe também aquele que implica uma verdadeira ex-
periência de crise, para a qual os recursos disponíveis são
inadequados ou insuficientes. Uma avaliação cuidadosa é
imprescindível para uma atuação precisa, que traga efeí-
20 Maria Helena P.F. Brotnberq
tos benéficos. Muitos campos, dentro da Psicologia, têm
contribuição a dar para esse objetivo: técnicas de avalia-
ção psicológica, psícoterapía breve, terapia familiar, pes-
quisas sobre questões de vínculos, psicossomátíca.
Em minha experiência clínica, trabalhando com fa-
mílias enluladas, um aspecto sempre me chamou a aten-
ção. Os familiares têm dificuldade em associar certos sin-
tomas com a vivência do luto, sendo exceção as manifesta-
ções classicamente entendidas como pertinentes ao luto:
depressão, saudade, necessidade de manter-se de luto.
Reações como agressividade, atividade frenética e errátíca,
distúrbios psicossomáticos e dificuldades na aprendiza-
gem são as que causam maior estranheza quando associa-
das ao luto.
Como já mencionado aqui, isolar o indivíduo do
meio que lhe dá significado traduz visão oblíqua de uma
realidade tão rica quanto complicada. Por esse motivo, foi
dada ênfase à questão dos rituais que cercam a morte e que
podem vir a ser valiosos instrumentos terapêuticas. São ri-
tuais culturalmente criados e praticados, e que têm impacto
também no âmbito psicológico por sua própria definição.
Luto é uma ferida que precisa de atenção para ser curada.
Esse processo de cura é basicamente composto por duas
mudanças psicológicas a serem realizadas durante o perío-
do de luto. A primeira é reconhecer e aceitar a realidade: a
morte ocorreu e a relação agora está acabada. A segunda é
experimentar e lidar com todas as emoções e problemas que
advêm da perda. Essas mudanças se mesclam e levam tem-
po. Cada uma delas é necessária para a superação do luto.
É um processo tanto individual quanto social, principal-
mente se considerarmos que existem procedimentos sociais
para lidar com o fenômeno e, no enquadramento familiar,
todos os membros do grupo são afetados, cada um em sua
maneira de encarar o problema.
Neste trabalho, o percurso é feito a partir das ques-
tões vinculares, nas diferentes nuanças, passando por pon-
tos crucíaís corno a interação da pessoa enlutada com seu
grupo bãsico de referência - a famílía - e as formas de in-
tervenção possível e adequada para a avaliação do enlutado
e a necessidade de terapia específica.
A psicoterapia em situa.ções de perda..<=;e luto
21
Um recurso utilizado foi o emprego de rituais, tra-
zidos do contexto sociocultural para o terapêutico, sem al-
terações na definição e função, exalamente por permitir
uma reorganização que não negue a ocorrência da morte.
Ou, como diz ROBERTS(1988): "Os rituais fornecem 'en-
quadramentos de expectativa' nos quais, por meio de repe-
tição. familiaridade e transformação do que é já conheci-
do, novOS comportamentos, ações e significados podem
ocorrer."
Foi realizada pesquisa clínica, com estudos de caso,
por meio de análise detalhada de ocorrências de atendimen-
to familiar por ocasião da crise por luto. Da discussão des-
ses estudos de caso saíram os elementos para a conclusão,
vis-à-vis os conhecimentos teóricos.
O problema-objeto desse trabalho refere-se,portan-
to, à compreensão da morte como uma experiência psicoló-
gica que atinge não somente o indivíduo, mas todo o siste-
ma familiar. Este, visto em sua totalidade, requer interven-
ções específicas, que não são apenas a transposição para o
grupaJ de conhecimentos relacionados à experiência indivi-
dual. Esses conhecimentos são úteis, mas a realidade do
sistema familiar precisa ser descrita e considerada para que
seja possível tratá-ia apropriadamente.
Esse trabalho inicia-se com a pesquisa da teoria
sobre o luto no Capítulo I, apresentando-o por meio da ex-
periência da perda, sob dois enfoques: o psicanalítico e o
etológico. A seguir, é explorada a questão do processo psi-
cológico do luto, com sua sintomatologia, fases, compara-
ções entre luto normal e patológico e os fatores de risco.
Objetivando fazer a passagem para a compreensão do luto
na família. são apresentadas questões referentes a perdas
na vida adulta (morte de filho, viuvez, envelhecimento) e
às perdas para a criança (significado da morte e os impac-
tos do luto infantil). Já no ãmbito do luto familiar, o per-
curso se inicia com as reações da família à morte, passan-
do pelas questões referentes ao ciclo de vida familiar e cul-
minando com a adaptação da família à perda.
No Capitulo Il, são tratadas questões específicas da
psicoterapia para o luto, desde a visão individual, como as
necessidades de cuidado em relação à pessoa enlutada e
22 Maria Helena P.F. Bromberg
sua avaliação até aspectos da psicoterapia para a pessoa e
a família enlutada.
Os objetivos são apresentados no Capítulo 1II, defi-
nindo-se o problema-objeto de interesse nesta pesquisa, a
partir de suas pressuposições.
No Capítulo IV, o método e o procedimento são apre-
sentados. Seis famílias foram consideradas na análise e
são, então, resumidamente discutidas. Por serem conside-
rados um importante recurso terapêutica, rituais foram uti-
lizados e estão detalhadamente abordados nesse Capítulo,
bem como as técnicas para avaliação e intervenção.
No Capítulo V, estão apresentados os resumos dos
atendimentos das seis famílias quanto aos métodos de ava-
liação, intervenção terapêutica utilizada e resultados obti-
dos.
Ao término, no Capítulo VI, são apresentados os
pontos de discussão e as conclusões daí decorrentes. As
possibilidades abertas por este trabalho, suas limitações e
recomendações quanto às aberturas para prevenção tam-
bém estão presentes.
Finalizando esta introdução, afirmo concordar com
as idéias de KUBLER-ROSS(1989), ao dizer que, por acei-
tarmos e encararmos a realidade da nossa própria morte,
poderemos alcançar a paz interior e entre as nações. Não
serã este um objetivo de vida?
I
(0 ~utO: geo/Üag
"Você não pode evitar que os pássaros da tristeza
voem sobre sua cabeça, mas pode evitar que eles
construam ninhos em seus cabelos."
(Ditado chinês)
1. A EXPERIÊNCIADE PERDA
A morte pertence à condição humana. A morte da
pessoa amada é não apenas uma perda, como também a
aproximação da própria morte, uma ameaça. Todo seu sig-
nificado pessoal e intemalizado é, então, evocado e as vul-
nerabilidades pessoais a ela associadas são remexidas.
A Escala para Pontuação do Reajustamento Social
de HOLMES e RAHE (1967) aponta a morte do cônjuge
corno o mais elevado fator de estresse e de necessidade de
reajustamento social. É seguida por divórcio, separação
conjugal e morte de um membro próximo da família. Como
pode ser visto, todos esses eventos estão relacionados à per-
da, de uma maneira ou de outra, requerendo um reajusta-
mento social completo, aqui definIdo como a quanti.dade e a
duração da mudança no padrão de vida ao qual a pessoa
está acostumada, a partir de um evento, não importando o
quanto foi desejada ou não.
Além do ajustamento social, os sentimentos que
acompanham a perda de urna pessoa amada - e esses sen-
24
Maria Helena P.F. Bromberg
timentos estão entre os mais profundos - são intensos e
multifacetados, afetando emoções, corpos e Vidas, por um
longo período de tempo. Essa tristeza é preocupante e esgo-
tante, uma verdadeira onda de sentimentos em estado bru-
to, como angústia, raiva, arrependimento, saudade, medo e
ausência. A pessoa pode lidar com estas reações utilizando
fatores positivos ou negativos para o resultado.
Embora sejam muitas as influências possíveis na
determinação do impacto que uma perda significativa tem
para um dado indiViduo ou para um sistema relacíonal, ain-
da permanece a necessidade de se avaliar a experiência pes-
soal. Tenta-se assim dimensionar o luto não somente do
ponto de vista indiVidual, mas considerando-se também as
implicações para a rede social, que podem ser ou não favo-
ráveis à sua elaboração. Duas das formas mais consistentes
de tratar esta questão teórica estão aqui apresentadas, de
maneira que possam ser consideradas tanto do ponto de
vista pessoal, individual, da experiência psíquica subjetiva,
como do impacto mais amplo, vinculado à questão da pre-
servação da espécie.
1. 1. Luto e perda do objeto: a abordagem psicanalítica
Muito embora no pensamento psicanalítico seja
classicamente citada a monografia "Luto e melancolia", es-
crita por FREUD (1984) em 1917, como a primeira explica-
ção a respeito dos mecanismos psíquicos envolvidos no
luto, anteriormente BREUER e FREUD (1980), em Estudos
sobre a histeria já havíam feito a primeira tentativa para ex-
plicar e tratar os sintomas histéricos de Anna O., durante a
doença e após a morte de seu pai, como uma ligação entre
luto e doença mental. Em "Luto e melancolia" as idéias ex-
pressas tornaram-se não somente a base para a teoria psi-
canalítica da depressão mas também influenciaram profun-
damente as concepções posteriores sobre o luto. É curioso
pensar a razão pela qual, diante do impacto causado pelas
idéias de Freud sobre o luto, o processo psicológico do luto
não tenha estado no centro de seus interesses. Para FREUD
(1984), a análise comparativa entre luto e melancolia (ou os
sentimentos de luto ou depressão clínica) demonstra que o
luto pode ser um modelo de depressão clínica: ambos são
- --::;;"-::-_<:;;"'-=:-':'~;::-_.."...: ----._---- •._-~ -_~- ~_ .•,._-
A psicoterapia em situações de perdas e luto 25
reações a uma perda e se caracterizam por um espírito de-
primido, perda de interesse e inibição de atiVidades. A dife-
rença é a ausência - no luto - de culpa, auto-acusações e
rebaixamento da auto-estima.
ABRAHAM(1953), em 1924, ao trabalhar com a ques-
tão da libido, especificamente relacionada à melancolia, trouxe
uma compreensão importante para a distinção entre luto nor-
mal e patológico. Para ele, as auto-acusações dos melancólicos
referem-se mais ao objeto perdido do que a eles mesmos; o de-
sejo de ter novamente o objeto perdido pode ser expresso em
fantasias de incorporação oral; se a relação com o objetoperdi-
do tiver sido ambivalente, há possibilidade de instalação de
uma psicose maniaco-depressíva, com as alternàncias ocorren-
do em lugar da ambívalêncía.
A partir das idéias de Abraham, KLEIN (940) afir-
mava que tanto os aspectos bons do objeto perdido quanto
os maus são reintegrados pelo enlutado, assim como todo o
mundo interno associado a eles, inclusive as figuras paren-
tais que os objetos substituíram; por esse motivo, na elabo-
ração do luto, ele sofre pelas reVivências das dificuldades da
infância. A mesma autora associa ainda a experiência do
desmame (perda primária) com a posição depressiva, que é
encontrada no cerne do processo de luto.
DEUTSCH (1937) escreveu um dos primeiros traba-
lhos sobre desenvolvimento patológico do luto, a partir do
estudo de quatro pacientes adultos com sintomas psiquiá-
tricos ligados à perda por morte ou divórcio de um dos pais
na infância. Pouco ou nenhum luto havia sido expresso na
ocasião da perda. Segundo ela, a criança não precisa ter a
descrição intelectual da morte, porque já tem a experiência
da perda objetal na primeira infância. Conclui dizendo que
a morte da pessoa amada (como uma perda objetal) precisa
produzir expressão reativa de sentimentos no cursonormal
dos acontecimentos ou o luto não manifesto será, então,
trazido à tona de forma total, ameaçadora para o equilíbrio
psíquico do indivíduo.
Também concordante com M. Kleín, há o estudo de
ANDERSON (1949), considerado o primeiro grande estudo
sobre luto patológico. Com uma valiosa contribuição, reve-
lou o papel importante da ansiedade (oposta à depressão)
26
Maria Helena P.F. Bromberg
no luto patológico. Descreve a síndrome do luto crônico
como uma reação mórbida, na qual ansiedade, tensão, in-
quietação e insônia predominam, havendo também idéias
de auto-reprovação e repentes de raiva. Essas manifesta-
ções refletem a maneira pela qual a criança teria reagido à
perda primária.
Para KRUPP (1965), há uma conexão importante
com o processo de luto pela pessoa amada e transformações
de personalidade. Essa conexão tem por base identificação
e introjeção como mecanismos de defesa, objetivando reter
experiências de prazer que se desprendem de objetos exter-
nos para serem renovados. Os mecanismos podem se dar
por meio de:
- introjeção depressiva (depressão), cuja ausência é
patológica;
- identificações sintomáticas similares aos sinto-
mas do morto;
- identificações de personalidade do enlutado que
adota maneirismos característicos do morto;
- identificação construtiva do enlutado, que assu-
me interesses e atividades do morto.
O clássico estudo de LINDEMANN(1944) confirmou
a necessidade apontada por Freud, em 1917, de que, para
concluir o trabalho de luto, a libido deve ser retirada do ob-
jeto perdido e transferi da para um novo objeto. Como se
verá neste trabalho, um dos objetivos da psicoterapia é exa-
tamente permitir a aceitação da perda e o estabelecimento
de outras relações objetaís. Estas podem ser relações reno-
vadas. quanto ao significado. com objetos anteriormente co-
notados como relacíonaís.
ABERASTURY(1978) segue nessa linha, ao afirmar
que "uma reação comum da pessoa que está de luto é se-
guir o destino do objeto, morrer para desse modo não se se-
parar". É exatamente nessa instância que o trabalho de luto
se faz necessário, para que a pessoa enlutada retome sua
identidade, agora já sem o objeto perdido, e possa refazê-Ia
com outros objetos. Como, a partir de pesquisas com amos-
tras de viúvas, é evidenciado o aumento da incidência de
doenças, esse dado é aqui entendido como uma tentativa
~.•..
A psicoterapia em situações de perdas e luto 27
inconsciente de seguir o morto, assim evitando a separação
e se defendendo da dor inerente ao luto. Isso fica particular-
mente claro no caso da escolha objetal do parceiro. As pri-
meiras relações de objeto são determinantes dessa escolha,
o que pode explicar por que a morte do parceiro é tão amea-
çadora para a saúde psicológica do Viúvo ou da viúva
(DICKS, 1973). Para PINCUS (1974). a perda pode levar a
um processo de enlutamento patológico ou depressão se o
enlutado não emergir desse processo com uma personalida-
de mais independente. Isso só é possível, porém. se houver
experiências positivas de Vinculos e perdas anteriores a par-
tir das relações objetaís.
Concluindo. é importante ressaltar o quanto esta con-
tribuição da Psicanálise permitiu uma compreensão dos pro-
cessos de luto, tanto normal quanto patológico, e também
trouxe a possibilidade de elaborá-lo, a partir de uma visão de
relação e perda objetaís. Este é um processo doloroso, sem
dúvida, pois implica a necessidade de simultaneamente desli-
gar-se do objeto perdido e manter ínternalízados seus traços.
Tenho verificado, ao longo da experiência, que, prin-
cipalmente no caso de viúvas e viúvos, soa extremamente
ameaçadora a tentativa dos demais familiares no sentido de
resolver o luto, "esquecendo" o morto. O esquecimento é re-
jeitado porque, no início do processo, há a intensa necessi-
dade de manter vivo o morto, por meio de lembranças, ten-
tativas de contato, tendo o esquecimento o significado de
esvaziamento, antes da possibilidade de se estabelecerem
novas relações.
1.2. Luto e perda do vínculo: a abordagem etológica
A teoria do vínculo desenvolvida por BOWLBY
(1960, 1978a, 1978b. 1981) integra idéias da Psicanálise e
da Etología. Tem uma interpretação funcional para o luto
mas diferentemente do conceito psicanalítico na medida em
que analisa o comportamento complexo do ser humano com
uma visão mais ampla, que considera tanto aspectos psico-
lógicos quanto biológicos.
Ocupando posição central em sua teoria, está a afir-
mação de que o comportamento do vínculo tem valor de so-
28 Mana Helena F.F. Bromberg
brevívêncía para todas as espécies e que luto - visto como
o aspecto negativo do vínculo - é uma resposta genérica à
separação. Assim sendo, a seqüência das fases protesto-de-
sespero observada no luto é uma resposta característica de
muitas espécies ao rompimento de fortes vínculos afetívos.
Embora tenha concordado com algumas idéias da
Psicanálise, como, por exemplo, com KLEIN (1940) sobre o
impacto que as perdas na infância terão para as perdas no
futuro, não concordo com o significado atribuído ao desma-
me como perda primária (BOWLBY,1960), alegando a exis-
tência de eventos concomitantes (no caso, o afastamento da
mãe) que ameaçam a sobrevivência do bebê. É ainda
BOWLBY(1978a) que afirma ser uma das maiores funções
do objeto de vínculo - principalmente a mãe, mas também
a figura substituta constante - oferecer urna base de segu-
rança que permita ao indivíduo explorar o meio. Assim sen-
do, mesmo que ameaçado, ele não somente se afasta do es-
timulo ameaçador, como também se protege no objeto de
vínculo. Com a perda desse objeto, não há mais a base se-
gura onde se refugiar diante do perigo, o que faz com que
seja uma experiência aterrorizante. Esta é a razão pela qual
o sofrimento é uma reação universal à separação de uma fi-
gura de vínculo.
Ao conceítuar o processo de luto como uma forma
de ansiedade de separação, a teoria do vínculo oferece uma
interpretação teórica para aspectos do luto normal e patoló-
gico não explicados por outras abordagens. Como, por
exemplo, pode explicar sintomas aparentemente parado-
xais: a necessidade de encontrar a pessoa perdida, a sensa-
ção de ter a presença da pessoa morta e até mesmo a raiva
sentida por essa pessoa. Como já citado, os sentimentos
muitas vezes ambivalentes acerca da perda refletem a tenta-
tiva irracional de manter o vinculo, mesmo que desconsíde-
rando as evidências da realidade.
O comportamento do vinculo estabelece-se seguin-
do quatro fases, de acordo com BOWLBY(1978). Na pri-
meira, ocorrem orientação e sinais sem discriminação de
figura e, em condições favoráveis, os comportamentos típi-
cos dessa fase (voltar-se para uma pessoa, seguir objetos
com os olhos, sorrir e balbuciar, sem ser para uma pessoa
específícal são acrescidos, por volta da décima segunda
A psicoterapia em situações de perdas e luto
29
semana de vida, dos comportamentos da segunda fase, ca-
racterizada por orientação e sinais dirigidos a uma (ou
mais) figura(s) discriminadalsl. Ou seja, o bebe acentua
sua orientação para a figura materna (mãe ou substituta).
A resposta diferenciada a estímulo auditivo tem início na
décima semana. Essa fase se estende até por volta de seis
meses, ou mais, de acordo com as circunstãncias. Na ter-
ceira fase, dá-se a manutenção da proximidade com uma
figura discriminada por meio da locomoção ou de sinais.
Dessa forma, o bebê tem a figura materna como seu ponto
de referência, segue-a quando se afasta, saúda-a quando
se aproxima e considera-a a base a partir da qual faz suas
explorações. É evidente para todos que há uma ligação
vincular entre o bebê e a figura materna, ao mesmo tempo
que estranhos são considerados com cautela ou mesmo
afastamento. Essa fase se inicia aproximadamente aos
seis ou sete meses de idade, continua pelo segundo ou até
terceiro ano de vida. Em bebês que tiveram pouco contato
com uma figura materna permanente, o início da terceira
fase pode ser retardado para depois do primeiro aniversá-
rio. Na quarta fase, dá-se a formação de uma parceria de-
finida pormeio de padrões de previsibilidade de comporta-
mento da figura materna, que vão permitir ao bebê asse-
gurar-se do vinculo com ela.
A qualidade do vínculo estabelecido primariamente
determinará, então, os vínculos futuros e os recursos dispo-
níveis para enfrentamento e elaboração de rompimentos e
perdas. BOWLBY(1978b) descreve o vínculo ansioso como
causado por uma série de separações e como provocador de
relações de dependência. Também reações de fobia encon-
tradas em crianças estão relacionadas a vínculos ansiosos
estabelecidos como padrão de não-disponibilidade de figu-
ras de vínculo.
Por outro lado, um vínculo seguro permite o desen-
volvimento da autoconfiança e da auto-estima. Em um es-
tudo de ROSEIvíBE.RG(1965). os resultados mostram que a
medida de auto-estima é negativamente corrclacionada com
tendência à depressão, sentir-se isolado e solitário e com
suscetibilidade a sintomas somáticos.
Considero importante observar que estes são os sin-
tomas mais freqüentemente encontrados na reação de luto,
(
(
30
Maria Helena P.F. Bromberg
abrangendo também rebaixamento na auto-estima. Ou seja:
quando o vínculo é rompido, os recursos de que o indivíduo
dispõe para elaborar o luto devem ser buscados na qualida-
de de vínculo anteriormente existente. É possível, então, en-
tender os motivos que levam ao desencadeamento do cha-
mado luto patológico, em qualquer uma de suas formas: a
partir de vínculos básicos ansiosos, não se desenvolveram
de forma positiva a autoconfiança e a auto-estima; com o
rompimento de um vínculo por morte, a reação de luto
apresentará as marcas desse déficit e a dificuldade de supe-
ração será intensificada pela dificuldade em encontrar no-
vas possibilidades de vinculação, seja com uma pessoa,
uma idéia, uma atividade. O vínculo permanece, então, com
uma pessoa que não estando mais viva, não permitirá a Vi-
talização necessária para sua manutenção, abrindo campo
para as chamadas reações patológicas como: negação, dís-
torção e adiamento do luto. O impacto da perda pode ser di-
minuído quando são formados vínculos substitutos, signifi-
cando a aceitação da função de suporte social.
Na prática clínica, não deixo, portanto, de avaliar as
condições que antecederam a perda por morte, a partir tan-
to do contexto individual como do grupal.
No individual, os pontos de relevância a serem con-
siderados são: vívêncía anterior de perdas, quanto á quali-
dade do que foi perdido; os recursos psíquicos para sua ela-
boração.
No plano social, a ênfase é colocada na rede de su-
porte disponível quanto à possibilidade de essa rede ser ab-
sorvida pelo indivíduo Comoaceitável e útil.
2. O PROCESSO PSICOLÓGICO DO LUTO
ENGEL (1961) coloca a questão de ser o luto _ em
si - uma doença. Considera-o uma resposta característica
à perda de um objeto valorizado, seja a pessoa amada, um
objeto material especial, emprego, staiiis, casa, país, ideal,
parte do corpo. Segundo ele, o luto sem complicações segue
-•.--....,-..... '2'--' ,....,~.~__ .,,....,-_-,_.,''''.....,,....,"",.~_, __ .~ _
A psicoierapia. em situações de perdas e lu/.o 31
seu cur so consistente, modificado por variáveis como: morte
abrupta, natureza de preparação para o evento e o significa-
do que o objeto perdido tem para o sobrevivente. O assim
chamado curso consistente inclui uma fase inicial de cho-
que e descrença, na qual a pessoa tenta negar a perda e se
isolar contra o choque da realidade. A seguir, vem uma fase
de crescente consciência da perda. marcada por efeitos do-
lorosos de tristeza, culpa, vergonha, impotência e desespe-
rança: há tambêm o choro, uma sensação de vazio, distúr-
bios de alimentação e de sono, às vezes alguns distúrbios
psicossomáticos associados à dor física, perda de interesse
pelas companhias ou atividades costumeiras. perda da qua-
lidade nas atividades profissionais. Por fim. há uma prolon-
gada fase de recuperação, na qual se dá a elaboração do
luto, o trauma da perda é superado e é restabelecido um es-
tado de saúde.
Embora esta descrição dada por ENGEL (1961) pos-
sa ser considerada uma reelaboração de idéias previamente
apresentadas por FREUD (1984), em "Luto e melancolia",
publicado em 1917 e LINDEMANN (1944), tem ainda o
grande mérito de vê-las sob o prisma da discussão entre
normal e patológico e, conseqüentemente, da necessidade
ou não de algum tipo de intervenção. Ainda segundo EN-
GEL (idem), a descrição anteriormente citada corresponde
ao que geralmente se considera uma doença, nos seguintes
aspectos: hà um sofrimento, umdescompasso no funciona-
mento global da pessoa que pode durar dias, semanas ou
até meses. É possível identificar o fator etíológíco, que é real
e ameaçador ou pode estar em uma perda fantasiada do ob-
jeto, ou seja: preenche os critérios para a descrição de uma
síndrome discreta, com stntomatología e andamento de cer-
ta forma previsíveis. As características da pessoa enlutada
são evidentes ao observador.
Contra-argumentando, posso considerar que o pro-
cesso de luto (como descrito anterionnente) seria normal
diante de uma experiência de perda significativa. No entan-
t.o, ainda devo levar em conta que há uma diferença entre a
exístêncla de uma resposta específica e uma alteração de
estado. Diant.e da controvérsia, como dar a condição de
doença apenas ao luto patológico, ou que a resposta de luto
é somente uma reação temporária a um dado evento e que
í~1
I
32
Maria Helena P.F. Bromberg A peicoterapia. em situações de perdas e luto 33
pelo tempo será superada, minha posição é que utilizando
as conceituações de luto normal e luto patológico a psicote-
rapía se aplica apenas ao último enquanto o aconseihamen-
to deve ser utilizado para casos de luto normal. É importan-
te apontar o fator tempo Como pontuador do processo de
enlutamento, considerado, então, Como um indicativo de
patologia, corno veremos adiante.
No entanto, para esclarecer o ganho obtido com as
idéias de ENGEL (1961), quanto à necessidade ou não de
intervenção terapêutica (e, em caso positivo, de que espé-
cie), levo em conta que:
(
- o luto, com todas as suas formas e ramificações,
é objeto de estudo e de pesquisa tal1to das Ciências do
Comportamento, quanto das Físicas e Biológicas, uma vez
que envolve a aplicação de Suas descobertas para minorar o
sofrimento das pessoas;
- a ocorrência do luto, precedendo ou juntamen-
te com outras doenças, está presente com tanta freqüên-
cia que não pode ser considerada uma simples coincidên-
cia irrelevante. Diga-se da mesma forma para a incidência
de mortes na fase de luto;
- se a experiência - ou ameaça - da perda do ob-
jeto consistentemente afeta o ajustamento total do indiví-
duo, pode-se dizer que foi identificado um fator etiológico de
tanta importáncia que desconsiderá-Io seria certamente
uma expressão de preconceito científico;
- entender o luto como doença exige que não
saiam de perspectiva os aspectos ambientais diferentes
dos que são habitualmente levados em conta, ou seja: os
objetos psíquicos, pessoas, profissão, objetivos. lar dos
pacientes não podem ser desconsiderados até que seja
provado que as relações de vínculo com o objeto não te-
nham qualquer papel na patogênese da doença.
A partir deste questionamento pioneiro, muitos pes-
quisadores (BOWLBY,1978a, 1978b, 1981; PARKES,1964a.
1965, 1969, 1970; PARKES e BROWN, 1972; PARKES e
WEISS, 1983; YORRSTONE,1981; CLAYTON,1975; STROE-
BE & STROEBE. 1987) ampliaram ou aprofundaram seu
trabalho, levando em consideração a forma pela qual pode-
ria se dar a compreensão do luto, fosse ele normal ou pato-
lógico, sem esquecer os fatores determinantes de uma boa
ou má elaboração.
Considerando-se as diferenças e semelhanças encon-
tradas por tantos pesquisadores, PARKES (1986) resume
aquilo que pode ser entendido como urna definição comum a
todos: "O luto não ê um conjunto de sintomas que começam
após uma perda e, então, gradualmente desaparecem. En-
volve uma sucessão de quadros clínicos que se mesclam e se
repõem uns aos outros."
Em contato pessoal com PARKES (1991). no St.
Chrístopher'sHospíce de Londres, verífíqueí o cuidado com
que são avaliados estes pontos norteadores quanto a uma
maior ou menor gravidade na resposta ao luto. A equipe que
trabalha com as famílias dos pacientes terminais lá interna-
dos é composta por voluntários, assistentes sociais, psicólo-
gos, psiquiatras, religiosos. permitindo assim uma visão
multíprofíssíonal das famílias, de maneira a provê-Ias com o
cuidado especificamente necessário. Resultados mais elabo-
rados das pesquisas que levaram a esses procedimentos es-
tão presentes nas seções 2.2., Fases do enlutamento e 2.3.,
Luto normal e luto patológico, deste trabalho. De maneira
resumida, o que Parkes pratica com as famílias de pacientes
do S1. Chrístopher's é urna assistência ampla para todos os
aspectos afetados pela morte e, nos casos considerados mais
graves, a partir de indicadores como tipo de morte e relação
anterior, usa a psíccterapía breve. observando se deverá ser
individual ou fa.míliar. ~.~I
t~
~I~~,
2.1. A stniomatotoçia
Os sintomas mais freqüentemente encontrados, a
partir de STROEBE & STROEBE (1987) foram compilados
como mostra o seguinte quadro. Considero importante enfa-
tízar que nem todos eles são encontrados em todas as pes-
soas enlutadas e nem durante todo o tempo de duração do
luto. ~j
34 A psicoterapia em situações de perdas e lutoMaria Helena P.F. Bromberg
(
SINTOMA DESCRIÇÃO
A-AFETNO
Depressão Sentimento de tristeza, depressão, disforia, acorn-
panhado por intenso sofrimento subjetivo, dor
mental. Episódios (ondas) de depressão podem
ser intensos e algumas vezes (mas não sempre)
precipitados por eventos externos (receber carí-
nho, ir a certos locais, lembranças de atividades
feitas em conjunto, aniversários etc.). Sentimen-
tos de desespero, lamentação, pena são os predo-
minantes.
Ansiedade Medos, ameaças, sensação de impotência, de per-
der a cabeça, de morrer, medo de ser incapaz de
sobreviver sem o cônjuge, ansiedade de separa-
ção, medo de viver sozinho, preocupaçôes fínan-
ceiras e preocupações sobre outros assuntos que
antes eram resolvidos com o cônjuge.
Culpa Auto-acusações sobre eventos do passado, nota-
damente sobre aqueles que levaram à morte (sen-
tir que mais poderia ter sido feito para evitar a
morte). Sentimentos de culpa sobre seu com-
portamento em relação ao parceiro (deveria ter
tratado diferente, tomado decisões diferentes).
Raiva e hostílí- Irritabilidade em relação à família, no cuidado dos fi-
dade lhos, com os amigos (por sentir que não entendiam
ou não gostavam tanto do morto ou não entenderam
o luto). Raiva do destino, que a morte tenha ocor-
rido, raiva do cônjuge falecido (porque o deixou so-
zinho, porque não precisa mais de cuidados), dos
médicos e enfermeiros.
Falta de prazer Perda do prazer obtido com comida, hobbies,
eventos sociais ou familiares, e outras atividades
que tenham sido anteriormente prazerosas, mes-
mo que o cônjuge não tenha estado presente.
Sensação de que nada mais será prazeroso sem o
cônjuge.
Solidão Sentir-se só, mesmo na presença de outras pes-
soas; crises periódicas de intensa solidão, príncí-
palmente nos momentos em que o cônjuge esta-
ria presente [á noite, nos fins de semana) e du-
rante eventos especiais que seriam compartilha-
dos.
Continuação
B - MANIFESTACÕES COMPORI'AMENTAIS
SINTOMA DESCRI CÃO
Agitação
Tensão, inquietação atípíca, hiperatividade, fre-
qüentemente sem completar as tarefas (fazer
coisas apenas para se manter ativo), comporta-
mento de procura do cônjuge, mesmo reconhe-
cendo que é inútil.
Fadiga Redução do nível de atividade geral (às vezesinterrompida pelas crises de agitação meneio-
nadas anteriormente); lentificação da fala e do
pensamento; Iasstdão geral, olhar triste.
Choro Lágrimas ou olhos marejados , expressão geralde tristeza, com os cantos da boca caídos, olhar
triste.
C _ ATITUDES EM RELACÃOA SI AO FALECIDO E AO AMBIENTE
Auto- reprovação Ver: A- Culpa
Baixa auto-esti- Sentimentos de inadequação, fracasso e mcorn-
ma petêncía nas próprias
possibilidades, sem o
cônjuge; sentimento de que nada vale a pena.
Desamparo Pessimismo sobre as circunstâncias atuais efuturas, desesperança, perda de propósito na
vida, pensamentos sobre suicídio (desejo de
não continuar vivendo sem o cônjuge).
Suspeita Dúvidas quanto aos motivos daqueles que ofe-
recem ajuda.
Problemas Dificuldade em manter relacionamentos tnter-
pessoais, rejeição de amizades, afastamento
das funções sociais.
Atitudes em re- Anseio pelo falecido, ondas de saudade, de pro-
lação ao falecido cura por ele/ela, dor intensa. Imitação do com-portamento do falecido (por exemplo, na ma-
neira de falar, de andar), engajar-se nos mes-
mos interesses e objetivos. Idealízação do fale-
cído: tendência a ignorar qualquer defeito e a
exagerar as características positivas. Ambíva-
lêncía: alternância de sentimentos sobre o fale-
cido. Imagens do falecido, com freqüência muí-
to vivas e quase aIucinatórias; afírma ter visto
ou ouvido o falecido. Preocupação com as lern-
branças do falecido, tanto com as boas quanto
com as más, e necessidade de falar incessante-
mente sobre isso, com exclusão de interesse
sobre qualquer outro tópico.
Continua
35
Continua
~i.
36 Maria Helena P.F. Bromberg
Continuação
SINTOMA DESCRIÇÃO
D - DETERIORAÇÃO COGNITNA
Lentidão do pen-
samento e da
concentração
Pensamento lento e memória inibida: também B
- Fadiga.
E MUDANÇAS FISíOLÓGICAS E QUEIXAS SOMÂTICAS
Perda
te
de apetí- I (Ãs vezes come em excesso.) Acompanhada por
mudanças no peso: às vezes considerável perda
de peso.
Distúrbio de so-
no
Frecüerrtemente insônia, às vezes dorme em ex-
cesso. distúrbios no ritmo à noite.
Perda de ener-
gia
Ver B - Fadiga.
Queixas somá-
ticas
Incluem dores de cabeça, na nuca, nas costas,
eãimbras, náuseas, vômitos, nó na garganta, bo-
ca seca ou com gosto amargo, prisão de ventre,
azia, indigestão, flatulêncía, visão embaçada, dor
ao urinar, respiração curta, necessidade de sus-
pirar, sensação de estômago vazio, falta de força
muscular, palpitações, tremores, queda de cabelos.
Queixas somá-
tícas do faleci-
do
Aparecimento de sintomas similares aos do fale-
cido, particularmente aqueles da doença termi-
nal; a pessoa pode estar convencida de ter a
mesma doença.
Mudanças na in-
gestão
Aumento no uso de psicotrópicos (de tranqütlí- .
zantes, de medicação etc.), de bebidas alcoólicas I
e de fumo.
Particularmente infecções (por queda da imuni-
dade), também as relacionadas à falta de cuida-
dos com a saúde (tuberculose) e as relacionadas
ao estresse (por exemplo, problemas cardíacos).
Suscetibilidade
a doenças
2.2. Fases do enluiamento
No processo de luto, a variação é de três a cinco fa-
ses, embora a avaliação de duração e seqüência seja vista
como consistente por alguns autores (BOWLBY,1981;GO-
RER, 1965; PARKES, 1986). Resta, porém, o cuidado de
~-~-- -~'7'" -~;-.--.---.",--- ..-_.,""-.~--",-,,-.,,,,-,--,~ •...•~-.----' .-_.
A psicoterapia em situ.ações de perdas e luto 37
não fazer afirmações definitivas e classificalórias a este res-
peito, devido às muitas diferenças individuais. Com o pro-
pósito de diagnosticar o luto patológico. é de grande ajuda
considerar o luto por meio de uma visão fásíca, para então
avaliar a presença de patologias como auséncia ou retarda-
mento. Para o psicólogo que busca avaliar a condição de
luto na família, o conhecimento das fases fornece bases
para lidar produtivamente com os recursos disponíveis, res-
peitando as defesas necessárias a cada uma. Principalmen-
te se levarmos em conta que as fases têm sua sucessão na-
tural e situam-se dentro de parãmetros temporais. elas se
tornam um elemento a mais na avaliação da condição do
enlutado.
A partir destes cuidados, as fases consideradas re-
gulares parecem refletir o curso geralmente tomado pelo
luto sem complicações:
1) Entorpecimento: a primeira reação encontrada em
sobreviventes de catástrofes ê também a reação inicial à
perda por morte; ocorre choque. entorpecimento, descrença;
a duração pode ser de poucas horas ou de muitos dias;pode ser interrompida por crises de raiva ou de profundo
desespero. A pessoa recentemente enlutada se sente aturdi-
da, atordoada. desamparada. imobilizada, perdida. Há tam-
bém possíveis evidências de sintomas somátícos. como res-
piração suspirante. rigidez no pescoço e sensação de vazio
no estômago. A negação inicial da perda pode ser uma for-
ma de defesa contra um evento de tão difícil aceitação.
Também presente nesta fase está a tentativa de automati-
camente continuar a viver como antes. como se nada tives-
se mudado na vida.
2) Anseio e protesto: a seguir. vem uma fase de emo-
ções fortes, com muito sofrimento psicológico e agitação físí-
ca. À medida que se desenvolve a consciência da perda, há
muito anseio por reencontrar a pessoa morta, com crises de
profunda dor e espasmos incontrolãveis de choro. Apesar
da consciência da perda irreversível, o desejo de recuperar a
pessoa às vezes é insuperável. Há momentos em que a pes-
soa tem a viva sensação da presença do morto; aquilo que
não tiver relação com o morto tem pouco significado ou ím-
00
Maria Helena P.F'.Bromberq , A psicoterapia em situações de perdas e luto 39
portância; a pessoa se mostra afastada e introvertida. Tam-
bém é comum que o enlutado sinta muita raiva, às vezes di-
rígida contra si mesmo, na forma de acusações com senti-
mentos de culpa por pequenas omissões de cutdado que
possam ter acontecido com o morto; às vezes é dirígida con-
tra outras pessoas, principalmente aquelas que oferecem
consolo e ajuda; a raiva também pode ser dingida contra o
morto, pelo abandono que provocou. A pessoa enlutada mo-
vimenta-se sem descanso, como em busca do morto (princi-
pal caractenstica desta fase) e mostra-se obsessivamente
preocupada com lembranças, pensalnentos e objetos do
morto. Convém ressaltar que a raiva, mesmo sendo intensa e
freqüente, nesta fase não é indicativa de luto patológico. Ocor-
rem também sentimentos incompatíveis ou contrários, por
exemplo: esperança e desapontaInento, simultaneamente.
3) Desespero: com a passagem do primeiro ano de
luto, o enlutado deixa de procurar pela pessoa perdida e re-
conhece a imutabilidade da perda. Esta é uma fase muito
mais dificil que as anteriores. O enlutado duvida que qual-
quer coisa que vale a pena na vida possa ser preservada,
assim, instalando-se apatia e depressão. O processo de su-
peração dessas reações é lento e doloroso. É muito comum
que ocorra afastamento das pessoas e das atividades, falta
de interesse em envolvimentos de qualquer espécie, assim
como a inabilidade para se concentrar em tarefas rotineiras
e para iniciar atividades. Os sintomas somattcos persistem,
incluindo falta de sono, perda de apetite e de peso, distúr-
bios gastrintestinais.
4) Recuperação e restituição: a depressão e a deses-
perança começam a se entrelaçar, com freqüência cada vez
maior, a sentimentos mais positivos e menos devastadores.
A pessoa enlutada pode aceitar as mudanças em si e na si-
tuação, lidando com elas e obtendo maior eficácia. Vem dai
uma nova identidade, que lhe permite desIstir da idéia de re-
cuperar a pessoa morta. Dá-se o retorno da independência e
da iniciativa, podendo mesmo rejeitar algum relacionamento
que tivesse mero significado de suporte. Apesar da instabili-
dade ainda presente nos relacionamentos sociais, nessa fase
o enlutado busca fazer novas amizades e reatar antigos la-
,...."v·····~---..,.••---~~'<"'.....,.~_~.....">l:~----,-__ ·:-_···__c_.,,·_. -:--::_"."
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ços, o que só será possível quando se afastar cada vez mais
das lembranças da pessoa morta. Mesmo com o processo de
recuperação ainda em andamento, é comum a recorrêncía
de sintomas que haviam cedido, particularmente em datas
que ativam lembranças. como aniversário de nascimento,
de morte, de casamento. Por esse motivo, o fenômeno é co-
nhecido como "reação de aniversário".
Ainda dentro do que é considerado normal (LINDE-
MANN, 1944), há um aspecto do funcionamento psíquico
em particular que chama a atenção pela possibilidade de
se desdobrar de forma patológica em pessoas com reações
fronteiriças, vindo a ser um fator complicador no processo.
Refiro-me ao aparecimento de características do morto no
comportamento do enlutado, especialmente os sintomas
exibidos na doença final ou comportamentos presentes
próximos da morte (se não tiver sido por doença). A inter-
pretação dada a esse fenômeno é que a preocupação dolo-
rosa com a imagem do morto é transformada em preocu-
pação com sintomas ou traços de personalidade da pes-
soa perdida, agora deslocada para seu próprio corpo e ati-
vidades por meio da identificação. KRUPP (1965) aprofun-
da essa interpretação, vendo o fenômeno como uma cone-
xão importante entre o processo de luto e transformações
da personalidade. A identificação dá-se, então, com íntro-
jeção (como mecanismo para reter experiências de prazer
que dependam de objetos externos para serem renovados)
e alterações no 'self'.
Concluindo, esta descrição das fases pelas quais se
dá o luto, nos meses ou mesmo anos que se seguem à mor-
te, é necessária para a compreensão teórica do processo pa-
tológico intrinsecamente presente. É útil também para fina-
lidades práticas, assim permitindo o delineamento de um
quadro de referência para uma intervenção preventiva espe-
cífica com os enlutados que apresentam alto risco de má
elaboração do luto e aqueles que, na experiência de luto pa-
tológico, por meio de uma intervenção específica, possam
ser redírecíonados a um caminho mais adaptativo.
Essa descrição está na base do trabalho desenvolvi-
do com enlutados, quer como prevenção ou como interven-
ção terapêutica, principalmente na Inglaterra e nos Estados
40 Maria. Helena P.F'.Bromberg
Umdos (RAPHAEL, 1983; GlLBERT, 1988; TATELBAUM,
1989; LUGTON,1989).
2.3. Luto normal e luto patológico
A dificuldade em estabelecer essa classificação ba-
seia-se nas muitas variáveis que compõem o luto além de
pontos de semelhança com outros quadros, sendo a depres-
são o exemplo mais tangível.
Em linhas gerais, o luto patológico está sendo defi-
nido como reação que fugiu do já descrito no que se refere à
sintomatologia e ao processo. A depressão clínica pode ser
considerada um tipo de reação patológica, quando um epi-
sódio depressivo surge corno reação ao luto. Há, no entanto,
casos de depressão clínica não provocados pelo luto.
FREUD (1984), ao desenvolver entre 1914 e 1917
suas idéias sobre luto e melancolia, aborda o funcionamen-
to mental encontrado em cada uma dessas situações. Ele
descreve o que é próprio do luto como uma reação adequa-
da e necessária para o estabelecimento do funcionamento
egóíco no padrão anterior à perda. Aponta, porém, pontos
de semelhança entre as duas situações: falta de interesse
no mundo externo, perda da capacidade de amar, inibição
da atividade. Na melancolia, ao contrário do luto, encontra-
se o rebaixamento da auto-estima, O trabalho do ego no en-
lutamento está em retirar a libido do objeto que não existe
mais, para que ela possa ser direcionada a outro objeto.
Para isso, é necessário o teste de realidade mostrando que a
morte se deu. O mesmo teste é experimentado pelo melan-
cólico que, no entanto, não consegue ver claramente o que
foi perdido, apenas quem foi perdido. Assim sendo, o traba-
lho de ego torna-se complicado por fatores como identifica-
ção e ambivalência.
Na experiência de outros autores (PARKES, 1970,
1982 e 1990; CLAYrON et al., 1968), os mesmos fatores
aparecem como complicadores no processo de elaboração
do luto, particularmente do luto conjugal, pois na escolha
do cônjuge, o determínante da reação objetal esteve presen-
te, com as distorções já existentes.
\~1}4
j~ III
A psicoterapia em situações de perdas e luto 41
LINDEMANN(1944] categorizou ° que chamou de
reações mórbidas do luto, como dístorções do luto normal.
São elas:
reação adiada: quando o enlutado tem que en-
frentar situações concomitantes ao luto que não permitem a
entrada no trabalho de elaboração.Podem não ser apresen-
tadas reações imediatas à morte que, no entanto, poderão
vir a ser provocadas mais tarde por eventos que, aparente
ou superficialmente, não teriam força para tanto;
- reação dístorcída: a alteração se dá no comporta-
mento do enlutado, podendo até dar a falsa impressão de que
está passando por uma elaboração adequada. São exemplos:
a) superatividade sem sentir a perda;
b) desenvolvimento de sintomas da doença do morto;
c) doença psícossornátíca, particularmente colíte ul-
cerativa, artrite reumatóide e asma;
d) alteração no relacionamento com amigos e paren-
tes, principalmente na direção do isolamento social;
e) hostilidade contra pessoas específicas, em geral pes-
soas que cuidaram do morto, como médicos, por exemplo;
f) perda duradoura dos padrões de interação social,
com falta de iniciativa e decisão;
gl atividade em detrimento de sua existência social e
econõmica;
h) depressão agitada, com tensão, insônia, senti-
mentos de desvalia, necessidade de autopunição. Em casos
extremos, há risco de suicídio.
PARKES 0965) criticou essa classificação de Línde-
mann, por considerar que não dava definições claras sobre
seus critérios de normalidade. Refez, então, a classificação,
por meio de um estudo sistemático em que comparou a sín-
tomatología de pacientes psiquiátricos (cujo problema psi-
quiátrico tinha se iniciado durante a doença terminal ou
nos seis meses seguintes à morte de um dos pais, cônjuge,
irmão ou irmã, filhos) com a de uma amostra randómica de
viúvas, que já havia sido estudada por MARRlS (1958). Com
42 Mar.n Helena P.F. Bromberg
os resultados dados por Marrís para a freqüência de sinto-
mas considerados típicos para reações normais de luto, Par-
kcs concluiu que apenas um de seus vinte e um pacientes
teve reações dentro da normalidade. A partir daí, concei-
tuou, ampliando as reações anormais de luto para:
- luto crônico: prolongamento indefinido do luto,
com predomínio de ansiedade, tensão, inquietação e insô-
nia; também podem ocorrer sintomas de identificação;
- luto adiado: semelhante ao descrito por LINDER-
MANN(1944). No processo do adiamento. a pessoa enlutada
pode apresentar comportamento normal ou alguns sinto-
mas de luto distorcido, como superatividade, sintomas da
doença do morto, isolamento;
- luto inibido: os sintomas do luto normal estão au-
sentes. Para PARKES (1965), não há exatamente diferença
entre luto inibido e luto adiado, tratando-se apenas de
graus diferentes de sucesso na defesa psíquica.
No presente trabalho, a classificação tem relevância
para permitir a descrição e compreensão da experiência da
perda. quanto ao funcionamento psíquico e relacional do
enlutado, para permitir o delineamento da intervenção mais
adequada. Não objetiva sua categorização estanque. É. en-
tão, importante ficar claro que essas três categorias de luto
patológico estão sendo utilizadas aqui como parãmetros
para diagnóstico. Os demais indicadores, como a síntomato-
logía, as síndromes descritas por PARKESe WEISS (1983) e
apresentadas a seguir. e os fatores de risco (também na se-
ção seguinte) são úteis para uma avaliação mais detalhada
das três categorias.
A partir desta colocação, o fator tempo para a elabora-
ção do luto tem relevância quanto a estabelecer delimitadores
para as categorias. mas é considerado a par com outros fato-
res. principalmente aqueles referentes ao processo psíquico
envolvido.
2.4. Fatores de risco
A descrição do luto patológico, isoladamente nas di-
ferentes formas que pode assumir, não aprofunda a ídentífí-
A psicoterapia em situações de perdas e luto 43
cação dos fatores predilivos de vulnerabilidade à patologia.
Fatores de risco são os preditores que podem ser ídenuííca-
dos na época do enlutamento e que são associados a uma
resolução favorável ou não do luto.
Um estudo sistemático de PARKES c WEISS (1983)
identificou três grandes causas para luto patológico, descre-
vendo os diferentes padrões de reação a elas relacionados.
de forma a campo!' síndromes específicas:
- Síndrorne da perda inesperada: envolve morte re-
pentina ou prematura, apresentando reações defensivas de
choque ou descrença. embora também com a presença de
alto nível de ansiedade. As complicaçóes nessa sindrorne
assumem a forma de sensação persistente da presença do
morto. auto-recriminação e sensação de contínuas obriga-
ções para com o morto.
- Síndrome do luto ambívalente: ocorre subseqüen-
temente a uma relação que tenha sido ambivalente ou mar-
cada por discórdia ou discussões. A reação inicial à perda é
de alívio e pouca ansiedade. Mais tarde. é sucedida por de-
sespero. indo até a desesperança quanto a qualquer outro
vinculo. Persistem sentimentos punitivos e o desejo de corri-
gir o passado.
- Síndrome do luto crônico: os comportamentos do
luto são imediatamente expressos após a morte e continuam
por tempo excessivo. É encontrada após o térmíno de rela-
ções que se caracterizam por alta dependência. Desesperan-
ça é o traço característico dessa síndrome: não é necessário
que o dependente seja o sobrevivente, trata-se de uma rela-
ção de dependéncia.
PARKES e WEISS (1983) consideram as duas pri-
meiras como síndromes que justificam a necessidade de
atendimento psicológico aos seus portadores.
Os fatores de risco podem ser divididos em quatro
áreas, como as pesquisas (MADDISONe WALKER, 1967;
STROEBE e STROEBE, 1987; PARKES e WEISS, 1983;
BLACK,1978; RAPHAEL,1984; LUNDIN. 1984) apontam:
1) Fatores predisponentes no enlutado: ser jovem
(mais espeCificamente, ser criança); baixa auto-estima. dtfl-
44 MW'[a Helena P.F. Bromberg
culdade no relacionamento com os pais; muitas perdas an-:
teriores.
2) Fatores da relação com o morto: cônjuge (particu-
larmente para viúvas); um dos pais (especialmente para fi-
lha pequena); adolescente enlutado que perde um dos pais;
enlutado ambívalente ou dependente em relação ao morto;
filhos, especialmente com idade até cinco anos.
3) Tipo de morte: inesperada e prematura; após
doença muito longa; enlutado ignorante acerca do diagnós-
tico e do prognóstico; enlutado fisicamente distante por oca-
sião da morte; suicídio; assassinato.
4) Suportes sociais: sem filhos ou familiares próxi-
mos; família considerada inútil corno suporte.
A partir da apresentação desses fatores de risco, fica
evidente que a experiência do luto não pode ser analisada e
avaliada como pertinente a um indivíduo somente. A unida-
de gregáría humana é basicamente a família e é em seu
contexto que morte e vida podem adquirir significado hu-
mano. Por esse motivo, abordarei a seguir a questão do luto
na família.
Embora a pesquisa teórica utilizada como base te-
nha percorrido diferentes abordagens, minha escolha foi
por um sistema observante, no qual fiz uso de uma com-
preensão psicodinãmica do fenômeno, com intervenção sís-
têrníca. Esta foi a forma que considerei mais coerente para
trabalhar com meu pressuposto de considerar o luto corno
um evento pertinente ao sistema familiar. Mesmo assim,
não desconsídereí o impacto individual, no sentido de iden-
tificar esses fatores intervenientes no funcionamento fami-
liar, pela própria definição de família como sistema.
3. PERDAS NA VIDA ADULTA
Ao levar em consideração o impacto de urna perda
sobre a pessoa adulta que já tenha passado pelas fases de
seu desenvolvimento psíquico, identifico uma convergência:
- "";-·""0-"'''-t~·''':~''_'''''·=--''''''''1>,~''''- '' _
A psicoterapia em situações de perdas e luto 45
morte de um filho e perdas decorrentes do processo de en-
velhecimento. O ponto de convergência está em que, nos
dois tipos de perda, vai-se o "produto" de uma vida, vai-se o
assentamento da própria identidade, aproxima-se ainda
mais o confronto com a própria morte. Aqui também pesam
os fatores mencionados a respeito das experiências vividas
de luto e a forma como ocorreram. Há, porém, específícída-
des que serão tratadas a seguir. A morte do cônjuge é extre-
mamente estressante, pois implica a necessidade de avalia-
ção e posicionamento diante da nova realidade de formamuitas vezes radical. envolvendo os diversos papéis que
compõem a identidade do enlutado. Em minha experiência
e também concordando com a literatura, um deterrninante
de peso é a qualidade da relação anterior ã perda.
Aqui, porém, estão sendo abordadas descrições ge-
néricas acerca das perdas para o adulto, sem considerações
sobre a qualidade da relação precedente à morte. Estas já
foram aprofundadas a partir das condições que tendem a
causar o luto patológico.
3.1. A morte de umfilho
No mundo ocidental. a morte na infância é agora
menos comum do que em qualquer outro momento da His-
tória. Como conseqüência, a morte de urna criança tem efei-
tos mais devastadores sobre a família do que antes. O luto
dos pais é freqüentemente misturado com raiva e culpa,
bem corno com a sensação de terem sido injustiçados ou de
auto-reprovação por sua inabilidade em impedir a morte.
Podem ocorrer sérias conseqüências para a saúde emocio-
nal do casamento (BLACK, 1986). Nos casos de famílias
atendidas por mim após a morte do filho por doença crôni-
ca, particularmente leucernía e doenças renais, verifiquei
que os sentimentos presentes, principalmente entre os pais,
no momento inicial da morte eram os já referidos na fase do
entorpecimento, dando lugar, aproximadamente no fim do
primeiro mês, a muita hostilidade entre o casal. com acusa-
ções mútuas de omissão nos cuidados com a criança. Nos
casos de morte repentina, identifico que os adultos envolvi-
dos (e aqui estão incluídas figuras da família estendida -
46 Maria HeLena P.F. Bromberg A psicoterapia em s[tu.ações de perda.<;e luto 47
avós e tios - como é próprio da cultura brasileira) apresen-
tam vasta gama de sentimentos mistos, evidenciando que a
morte de um filho quebra um padrão estabelecido, pondo
em risco a estabilidade possível e necessária.
No caso de pais com filhos que tenham diagnóstico
de doença fatal. o enlutamento pode ter início a partir da
informação do diagnóstico. Também nesse caso, a primeira
fase de luto encontrada é igual à de outras situações: entor-
pecimento. frequentemente marcado por crises de raiva. O .
fato de a criança estar viva traz uma diferença em relação à
fase de negação da morte; tem-se no caso a negação da acu-
racidade do diagnóstico e. particularmente. do prognóstico.
Também a fase de busca de contato com o morto é substi-
tuída pela necessidade dos pais em manter viva a criança.
provando que os médicos estão errados. As fases subse-
qüentes são muito semelhantes (BOWLBY,1981).
A partir do ponto de vista do ciclo vital da família. a
identificação do momento deste ciclo em que se dá a morte
tem um papel importante. tanto para diagnóstico, quanto
para prognóstico. Com isso. é possível ser avaliado o impac-
to da perda. não apenas para os pais (os adultos), como
também para os irmãos (nos diferentes momentos de seu
desenvolvimento psíquico). Para WALSH e McGOLDRICK
(1988). a morte é "o processo transacíonal que envolve o fa-
lecido e os sobreviventes em um ciclo de vida compartilhado
que reconhece tanto a finalidade da morte quanto a conti-
nuidade da vida". A partir dessas considerações, colocam-se
algumas especificações quanto ao momento em que se deu
a morte. a idade do filho morto. o tipo de morte. Assim sen-
do. temos:
- a morte dota) filho(a}jovem, no início de sua inde-
pendência: sendo este seu momento de vida de construção.
de inícios, provoca forte dificuldade nos sobreviventes em se
adaptar às mudanças de uma experiência oposta. Essa morte
é considerada a situação mais dífícíl para a elaboração do luto
pelos familiares. de acordo com GORER (l965l, e WALSH e
McGOLDRICK(1991). dentro da visão de mortes prematuras.
que quebram o ciclo vital. Para a família. essa experiência é
vivida como uma injustiça. com grande peso nos conflitos
preexistentes. como por exemplo. apoio insuficiente dos pais
ao jovem. em seu processo de crescimento. No caso do ado-
lescente, cuja morte mais freqüentemente se dá por aciden-
tes (comportaITIentode risco. como abusar de drogas ou ál-
cool, dirigir descuidadamente). suicídio. homicídio ou cãn-
cer, há o agravante de provocar sentimentos conflitantcs em
pais e irmãos. na tentativa de identificação de um sentido
para essa perda precoce, porém de alguém já vinculado.
Algumas situações ainda trazem respostas e envol-
vimentos mais específicos. por esse motivo estão aqui sen-
do tratadas em separado. Refiro-me aos abortos (naturais
ou provocados), aos filhos natrmortos. à morte infantil re-
pentina, e à gravidez como impedimento para elaboração
do luto.
_ Morte de filho com deficiência: a criança que cau-
sou dificuldades para crescer. envolvendo toda a família em
sentimentos ambivalentes. ao morrer geralmente provoca
profundas emoções de tristeza. Pelas necessidades que ti-
nha, provavelmente estabeleceu uma relação especialmente
dependente e próxima e é esse grau de dependência e proxi-
midade que dará a medida do enlutamento. Mesmo com
apoio de parentes e amigos. para os pais causa muito sofri-
mento a idéia de que seu filho está melhor depois de morto
pois os faz sentir-se incapazes e fracassados (BLACK.
1986).
_ Abortos naturais e provocados: freqüentemente os
abortos acontecem nas semanas iniciais da gravidez. roas,
mesmo nessa fase, para os pais fica um profundo sentimento
de perda. part.icularmente para a mãe que já tinha a experiên-
cia da existência do feto, que pode ser intensificada por expe-
riências anteriores. como muitos abortos na família. No caso
do aborto provocado devido à evidência de um feto com pro-
blemas. também é uma perda a ser reconhecida e trabalhada.
é a perda do sonho. o corte nas expectativas. acrescido de fan-
tasias de haver gerado um bebê "com defeito" (BLACK.1986).
Tenho identificado um sério desequilíbrio entre a experiência
vivida pela mãe e aquela vivida pelo pai. A maior intensidade
sentida pela mãe faz com que ela espere do pai uma resposta
suportíva que ele não pode dar. Embora o filho seja de ambos,
subjetivamente a mãe perde mais porque ela já tinha mais.
com a gravidez. I
48 Maria HeLena P.F. Brombero A psicoterapia em situações de perdas e luto 49
- Filho natimorto: pouca atenção tem sido dada a
problemas advindos da experiência com um natimorto, em-
bora ocorra um a cada cem nascimentos. BOURNE (1968)
interpreta essa constatação a partir da relutância em lidar
com o assunto da morte em uma situação em que a preocu-
pação é com a nova vida. Lida-se com o natimorto como se
ele fosse um não-evento e o fracasso na elaboração do pro-
cesso de luto leva a severas dificuldades para pais enluta-
dos e seus filhos (LEWISe PAGE, 1978).
O vazio deixado pelo natírnorto parece ser mesmo ig-
norado. A mãe, que passou os meses de gravidez esperando
o nascimento de seu filho, de repente percebe que não há fi-
lho. Esse vazio será agravado se o bebê for logo retirado do
contato com a mãe, ou se ela não tiver qualquer contato
com ele, deiXando-a sem lembranças para poder esquecer
(elaborar o luto). É, portanto, necessário que o natimorto
seja percebido como um evento real, tangível. que pode ser
absorvido, elaborado e deixado pelo casal (principalmente) e
também pelos irmãos, para que não seja uma memória fan-
tasmagórtca assombrando-os e paralisando seus relaciona-
mentos, como freqüentemente ocorre (MEYER e LEWIS,
1979).
Há uma tendência para que continuem existindo a
perplexidade e o sofrimento, após a morte de um filho re-
cém-nascido, em lugar de diminuir gradualmente, de ma-
neira que o luto acabe por se transformar em uma de-
pressão persistente ou em uma variedade de síndromes
psíquicas, como hipocondria ou estados fóbicos (LEWIS e
BOURNE, 1989). O trauma pode ser reatívado após um
período de latência, por aniversários (de nascimento ou
de morte) ou por qualquer crise de perda como divórcio,
menopausa ou aposentadoria. O casamento é freqüente-
mente afetado por esta experiência e os mais frágeis po-
dem mesmo não resistir, O motivo principal é que a morte
do bebê está muito associada a acusações recíprocas en-
tre os pais.
No caso de

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