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Epidemiologia Processos Epidêmicos Profa. Dra. Ivana Maria Saes Busato Epidemiologia | Processos Epidêmicos 2 Olá! O vídeo a seguir mostra os conteúdos que serão estudados nesta aula. Venha conferir! Introdução Nesta aula, estudaremos a pesquisa epidemiológica e sua importância para conhecer as condições e os determinantes de saúde, fundamentais para subsidiar as políticas de saúde voltadas para a população. Devemos ressaltar a necessária discussão sobre as pesquisas que envolvem seres humanos por meio da ética em pesquisa e da bioética, baseadas no respeito à dignidade humana e nas conquistas do avanço da ciência. Estudaremos, ainda, os fundamentos de pesquisa e os principais delineamentos desses estudos e suas aplicações. Boa aula a todos! Ética em Pesquisa e Bioética Minayo (2004) conceitua a pesquisa como uma atividade básica da ciência em sua indagação e construção da realidade. Nada pode ser intelectualmente um problema de pesquisa se não tiver sido, em primeiro lugar, um problema da vida prática. A pesquisa alimenta a atividade de ensino e a atualiza frente à realidade do mundo. As pesquisas com seres humanos geram preocupações éticas, pois podem impor riscos físicos, psicológicos e invasão de privacidade inaceitáveis Epidemiologia | Processos Epidêmicos 3 Ética é o conjunto de normas que regulamentam o comportamento de um grupo particular de pessoas, bastante conhecido entre as categorias profissionais. É fundamentada em três requisitos: percepção de conflitos (consciência), posicionamento entre a razão e a emoção de forma autônoma e ativa (autonomia) e coerência. aos participantes da pesquisa. Na elaboração de um estudo ou uma pesquisa, diversos pontos devem ser considerados, principalmente aqueles que envolvem aspectos éticos, morais e legais. Os aspectos éticos estão relacionados a pesquisas em situações que podem se caracterizar como geradoras de dilemas éticos. Devem-se considerar quatro diferentes perspectivas: I. Envolvimento de seres humanos − a pesquisa deve ser fidedigna cientificamente e justificada socialmente, ou seja, moralmente legítimas. Pesquisas com seres humanos implicam responsabilidades dos pesquisadores para com as pessoas objetos de estudo; II. Uso de animais − deve prever um tratamento humanitário, evitando dor e sofrimento. Nesses projetos, é preciso buscar o máximo de informação com o mínimo de animais, calculando-se adequadamente o número da amostra a ser utilizada; III. Relação com outros pesquisadores; IV. Relação com a sociedade. A Bioética surgiu no início dos anos 1970, nos Estados Unidos, a partir de uma publicação do cancerologista Van Rensselaer Potter, em 1971, quando lançou o livro “Bioética: ponte para o futuro”, que colaborou para popularizar o termo, bem como o estudo da Bioética. Rapidamente, essa ciência foi Epidemiologia | Processos Epidêmicos 4 A autonomia conceituada de forma abrangente é um conjunto de diversas noções, incluindo autogovernança, privacidade, escolha individual, liberdade para seguir seus desejos e decidir sobre seu comportamento. reconhecida internacionalmente, irradiando-se pela Europa e, em seguida, no restante do mundo. Inicialmente, a Bioética teve suas preocupações com uma questão de ética global, ou seja, com o futuro do planeta, a partir da constatação de que algumas novas descobertas e suas implicações, em vez de trazer benefícios para a espécie humana e para o futuro da humanidade, passaram a originar preocupações. Após os horrores da Segunda Guerra Mundial, a humanidade passou a conviver com dilemas no campo da Tecnologia, do Direito e da Medicina. Em 1953, os estudos relacionados à estrutura do DNA e a biologia molecular ganharam destaque e, a partir de 1960, entrou em cena a pílula anticoncepcional e, ao mesmo tempo, os debates sobre transplantes de órgãos e a morte cerebral. Os casos de AIDS e sua descoberta ocorreram na década de 1980. Dessa forma, a sociedade começou a se deparar com novos temas e inusitadas questões perturbadoras. (MIRANI, 2004) A Bioética anglo-saxônica teve suas raízes em quatro princípios: Autonomia Visa reconhecer o direito de cada um em decidir acerca da utilização de determinado procedimento ou tratamento médico, livre de gerência ou pressão externa, levando em conta seus valores mais íntimos. Beneficência É o princípio que direciona o médico para a sua atividade e intervenção sempre em benefício do paciente. Está expresso no Juramento de Hipócrates Autonomia Beneficência Não maleficência Justiça Epidemiologia | Processos Epidêmicos 5 Riscos da pesquisa são as possibilidades de danos de dimensão física, psíquica, moral, intelectual, social, cultural ou espiritual do ser humano em qualquer fase de uma pesquisa e dela decorrente. Dano associado ou decorrente da pesquisa é o agravo imediato ou tardio ao indivíduo ou à coletividade, com nexo causal comprovado − direto ou indireto −, decorrente do estudo científico. (médico grego do século XII): “Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento.” (MIRANI, 2004) Não maleficência Assegura que sejam minimizados ou evitados os danos físicos aos sujeitos da pesquisa. (MIRANI, 2004) Justiça Consiste em promover, dento do possível, um igualitário acesso dos cidadãos aos serviços públicos de saúde de boa qualidade. (MIRANI, 2004) A discussão sobre a Bioética nos países do Hemisfério Sul passa por crítica às amarras (ou limitações) conceituais sobre a Bioética anglo-saxônica, em que as discussões giram, preferencialmente, em torno das situações-limite decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico. Propõe-se estudar a ética das mais diferentes situações de vida, ampliando seu campo de influência teórica e prática do exclusivo âmbito biomédico e biotecnológico até o campo ambiental, passando, ainda, pelo campo da bioética social. (GARRAFA et al. 2006) Epidemiologia | Processos Epidêmicos 6 Nesse início de século XXI, portanto, a questão ética adquire identidade pública. Não pode mais ser considerada apenas uma questão de consciência a ser resolvida na esfera da autonomia − privada ou particular −, de foro individual e exclusivamente íntimo. Hoje ela cresce de importância no que diz respeito à análise das responsabilidades sanitárias e ambientais, assim como na interpretação histórico-social mais precisa dos quadros epidemiológicos, como também é essencial na determinação das formas de intervenção a serem programadas, na priorização das ações e na formação de pessoal. Enfim, na responsabilidade do Estado frente aos cidadãos, principalmente aqueles mais frágeis e necessitados, como também frente à preservação da biodiversidade e do próprio ecossistema. No Brasil, a avaliação das pesquisas que envolvem seres humanos desmontou o Código de Deontologia Médica de 1984. Já em 1988, o Conselho Nacional de Saúde elaborou a primeira regulamentação de pesquisas em saúde − a Resolução Conselho Nacional de Saúde (CNS n. 1/88) − que foi atualizada em 1996 na Resolução CNS n. 196/96, um marco que determinou as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, as quais instituíram a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). O Conep é vinculado ao Conselho Nacional de Saúde e tem a responsabilidade de coordenação dos Comitês de Ética em Pesquisa. A Resolução n. 466, de dezembro de 2012, atualizou as diretrizes alinhando aos documentos internacionais recentes, reflexo das grandes descobertas científicas e tecnológicas dos séculos XX e XXI, em especial: a Epidemiologia | Processos Epidêmicos 7 Para conhecer melhor a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, acesse o site a seguir: <http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001461/146180por.pdf> Os CEP vieram para resguardar a integridade e os direitos dos voluntários participantes, acompanhar o desenvolvimento da pesquisa e receber denúncias de abusos ou notificação de fatos adversos que possam alterar o curso normal do estudo. Declaração de Helsinque, adotada em 1964, e suas diversas versões até 2000; o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966; o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, de 1966; a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos, de 1997; a Declaração Internacional sobre os Dados Genéticos Humanos, de 2003; e a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, de 2004. (CNS 2012) Os Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) possuem funções de avaliar protocolos de pesquisa envolvendo seres humanos, com prioridade nos temas de relevância pública e de interesse estratégico da agenda de prioridades do Sistema Único de Saúde, com base nos indicadores epidemiológicos, emitindo pareceres devidamente justificados, além de desempenhar papel consultivo e educativo em questões de ética. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), exigido nas pesquisas envolvendo seres humanos, é, em sua essência, derivada do princípio da autonomia, que deve ser respeitado antes de qualquer participação Epidemiologia | Processos Epidêmicos 8 Para conhecer melhor as legislações que envolvem a pesquisa com seres humanos, acesse o site do Conep a seguir: <http://conselho.saude.gov.br/web_comissoes/conep/index.html> como voluntário em uma pesquisa, mesmo que seja somente com questionário. O respeito à dignidade humana exige que toda pesquisa se processe com consentimento livre e esclarecido dos participantes, indivíduos ou grupos que, por si e/ou por seus representantes legais, manifestem a sua anuência à participação na pesquisa. A Resolução n. 466/12 define que o TCLE como documento no qual é explicitado o consentimento livre e esclarecido do participante e/ou de seu responsável legal, de forma escrita, devendo conter todas as informações necessárias em linguagem clara e objetiva para o completo esclarecimento sobre a pesquisa da qual o sujeito está se propondo a participar. Já o Termo de Assentimento é um documento elaborado em linguagem acessível para os menores, ou para os legalmente incapazes, por meio do qual, após os participantes da pesquisa serem devidamente esclarecidos, explicitarão sua anuência em participar da pesquisa, sem prejuízo do consentimento de seus responsáveis legais. No caso de realização de pesquisa com dados secundários, há a necessidade da autorização formal da instituição responsável pela informação, sempre respeitando o anonimato. Vamos conhecer um pouco da história da Bioética no vídeo a seguir. Confira! Epidemiologia | Processos Epidêmicos 9 Fundamentos de Pesquisa Epidemiológica A ocorrência e a distribuição dos eventos relacionados à saúde não se dão por acaso, existem fatores determinantes das doenças e agravos da saúde que, uma vez identificados, precisam ser eliminados, reduzidos ou neutralizados. O fundamento de toda pesquisa é o método científico, que se baseia na elaboração de hipóteses e na busca de evidências empíricas que possam contribuir para negá-las ou confirmá-las. As pesquisas são classificadas por meio de vários critérios. Quanto aos objetivos gerais da pesquisa em: Pesquisa exploratória Estabelece critérios, métodos e técnicas para a elaboração de uma pesquisa e visa oferecer informações sobre o seu objeto e orientar a formulação de hipóteses. A pesquisa exploratória visa a descoberta, o achado, a elucidação de fenômenos ou a explicação daqueles que não eram aceitos apesar de evidentes. Essa pesquisa oportuniza a obtenção de patentes nacionais e internacionais, a geração de riquezas e a redução da dependência tecnológica. Pesquisa descritiva A finalidade é observar, registrar e analisar os fenômenos ou sistemas técnicos, sem, contudo, entrar no mérito dos conteúdos. Nesse tipo de pesquisa, não pode haver interferência do pesquisador, o qual deve apenas Método científico é a reunião organizada de procedimentos racionais utilizados para investigar e explicar os fatos e os fenômenos da natureza, por meio da observação empírica e da formulação de leis científicas. Exploratória Descritiva Explicativa Epidemiologia | Processos Epidêmicos 10 As bases do processo de pesquisa qualitativa estão na interpretação dos fenômenos e na atribuição de significados, não usando métodos e técnicas estatísticas, apenas a descritiva. descobrir a frequência com que o fenômeno acontece, ou como se estrutura e funciona um sistema, método, processo ou realidade operacional. Pesquisa explicativa Registra fatos, analisa-os, interpreta-os e identifica suas causas. Essa prática visa ampliar generalizações, definir leis mais amplas, estruturar e definir modelos teóricos, relacionar hipóteses em uma visão mais unitária do universo ou do âmbito produtivo em geral e gerar hipóteses ou ideias por força de dedução lógica. Visa identificar os fatores que contribuem para a ocorrência dos fenômenos ou variáveis que afetam o processo. Explica o porquê das coisas. As pesquisas se diferenciam, também, pela natureza da informação, sendo: qualitativa e quantitativa. Pesquisa qualitativa Responde questões muito particulares, preocupa-se, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado e trabalha com um universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes (MINAYO, 2004). O pesquisador é o instrumento-chave, analisando os dados indutivamente, e o processo e seu significado são seus focos principais. Epidemiologia | Processos Epidêmicos 11 Para aprofundar os conhecimentos sobre a pesquisa qualitativa, consulte o trabalho de Minayo, 2004, presente nas referências. População é o número total de pessoas residentes e sua estrutura relativa em determinado espaço geográfico, no ano considerado; expressa a magnitude do contingente demográfico e sua distribuição relativa. Pesquisa quantitativa Considera que tudo pode ser quantificável − o que significa traduzir em números as opiniões e as informações, a fim de classificá-las e analisá-las. Requer o uso de recursos e de técnicas estatísticas (percentagem, média, moda, mediana, desvio-padrão, coeficiente de correlação, análise de regressão etc.). Podemos classificar as pesquisas, ainda, quanto à sua natureza: básica e aplicada. Pesquisa básica O objetivo é gerar conhecimentos novos e úteis para o avanço da ciência, sem aplicação prática prevista. Envolve verdades e interesses universais. Pesquisa aplicada O objetivo é gerar conhecimentos para a aplicação prática dirigida à solução de problemas específicos. Envolve verdades e interesses locais. Alguns conceitos são fundamentais para o planejamento em pesquisas epidemiológicas, como: população, amostragem, mensuração, variáveis, estimação, objetivos, hipótese e testes de hipótese. Epidemiologia | Processos Epidêmicos 12 Amostragem é um subconjunto de elementos pertencentes a uma população. Para que os resultados retirados da amostra possibilitem inferências válidas, ela deve ser representativa da população. Variável é uma característica de interesse que se pode medir. Variáveis independentes são aquelas que são manipuladas, enquanto variáveis dependentes são apenas medidas ou registradas. Existem dois grandes grupos de variáveis: categóricas (ou qualitativas) e numéricas (ou quantitativas). Objetivos de Pesquisa Os objetivos do estudo são separados em geral e específicos. Os objetivos devem estar coerentes com a justificativa e o problema propostos. Os objetivos informam para que a pesquisa será realizada, ou seja, quais os resultados que pretende alcançar ou qual a contribuição que poderá proporcionar. Os enunciados dos objetivos devem começar com um verbo no infinitivo e este deve indicar uma ação passível de mensuração. A hipótese deve estar fundamentada em uma boa questão de pesquisa e, a priori, deve ser simples e especifica − é uma suposição que se faz a respeito de alguma coisa. Epidemiologia | Processos Epidêmicos 13 Ao emitir uma hipótese, o cientista tenta explicar os fatos já conhecidos. É importante deduzir da hipótese formulada uma série de conclusões lógicas e planejar experiências a fim de verificá-las Para testar a significância estatística, a hipótese de pesquisa deve ser formulada de modo que categorize a diferença esperada entre grupos de estudo. Desenhos de Estudo Epidemiológico A pesquisa epidemiológica é realizada por meio de desenhos de estudo e a escolha do melhor tipo de estudo cabe ao pesquisador, diante da necessidade em elucidar a sua hipótese do estudo. Os desenhos de estudo podem ser diferenciados por meio de várias características, as quais veremos a seguir: Quanto ao método Podem ser: Descritivos − são estudos que descrevem a caracterização de aspectos semiológicos, etiológicos, fisiopatológicos e epidemiológicos de uma doença. São utilizados para conhecer uma nova ou rara doença, ou agravo à saúde, estudando a sua distribuição no tempo, no espaço e conforme peculiaridades individuais; Analíticos − são os modelos de estudo utilizados para verificar uma hipótese. O investigador introduz um fator de exposição ou um novo recurso terapêutico e o avalia, utilizando ferramentas bioestatísticas. Geralmente, constituem-se na base dos estudos primários. Quanto à unidade de observação Individuado − estuda o indivíduo ou parte do indivíduo; Agregado − estuda populações. Epidemiologia | Processos Epidêmicos 14 Quanto à manipulação da exposição Observacionais − são aqueles em que o pesquisador coleta informações sobre os atributos ou medidas de interesse, mas não influencia os eventos; De intervenção − são aqueles em que o pesquisador deliberadamente influencia os eventos e investiga os efeitos da intervenção. Quanto à estratégia de observação Longitudinais − são aqueles que investigam mudanças no tempo, ou seja, os indivíduos são observados em mais de uma ocasião; Transversais − são aqueles em que os indivíduos são observados apenas uma vez. Quanto ao momento de análise da exposição e do desfecho Acompanhe, agora, a tipologia dos desenhos de investigação em epidemiologia: Unidade de observação Manipulação da exposição Estratégia de observação Tipos de desenhos Agregado Observacional Transversal Estudos ecológicos Longitudinal Estudos de tendência ou série temporais Prospectivos − são aqueles em que os dados são coletados através do tempo, a partir do início do estudo; Retrospectivos − são aqueles em que os dados se referem a eventos passados e podem ser adquiridos de fontes já existentes. Epidemiologia | Processos Epidêmicos 15 Intervenção Longitudinal Ensaios comunitários Individuado Observacional Transversal Seccionais ou transversais Longitudinal Estudos prospectivos (coorte) Estudos retrospectivos (caso- controle) Intervenção Longitudinal Ensaios clínicos Assista ao vídeo a seguir, em que vamos revisar os desenho de estudo pelas suas caraterísticas. Tipos de desenhos de estudo Ensaios clínicos São estudos de intervenção na qual o investigador introduz algum elemento crucial para a transformação do estado de saúde dos indivíduos, visando testar hipóteses etiológicas ou avaliar a eficácia ou a efetividade dos procedimentos diagnósticos, preventivos ou terapêuticos. Experimento clínico É um experimento com pacientes, com o objetivo de avaliar novos tratamentos para uma doença ou condição. Pesquisa experimental São os estudos que envolvem modelos experimentais (como animais e cadáveres) e cultura de células e tecidos. Os desenhos são diferenciados pelo grau de controle experimental. Epidemiologia | Processos Epidêmicos 16 Ensaios clínicos Quando há controle sobre a variável independente, os ensaios podem ser diferenciados em controlados e não controlados, dada a presença ou ausência de um grupo de controle. Quanto ao controle da composição dos grupos, podem assumir as seguintes modalidades: Randomizados − são realizados com a inclusão aleatória dos sujeitos da pesquisa, tanto no grupo de estudo quanto no grupo controle, com identidade comum na distribuição de características iniciais relevantes; Não randomizados − consistem na seleção de grupo, com determinadas características para compor o grupo de estudo e o grupo controle de forma não aleatória; Bloqueado − estudo com grupos formados exclusivamente de uma dada categoria da variável de confundimento a se controlar, bloqueando o efeito às outras classes da variável; Pareado − é constituído por pareamento, garantindo uma composição rigorosamente equivalente em termos de algumas variáveis selecionadas; Rotativo − estudo com estrutura baseada na alternância de grupos, ou seja, em um dado momento da pesquisa, o grupo experimental passa a ser o grupo controle. Quanto ao controle dos vieses, podem ser: Duplo-cego − a seleção e a mensuração referente à variável dependente são feitas às cegas, ou seja, nem avaliador nem participantes têm conhecimento da alocação dos grupos; Simples − somente o participante não sabe a qual grupo pertence; Aberto − todos têm conhecimento da alocação dos grupos e da variável dependente. Epidemiologia | Processos Epidêmicos 17 Esses estudos consistem na avaliação da condição de um grupo de indivíduos com relação à presença ou à ausência da doença ou à exposição em um mesmo ponto no tempo, com base na avaliação individual do estado de saúde de cada um dos membros do grupo, produzindo, assim, indicadores globais de saúde. Estudos de caso Consistem de um cuidadoso e detalhado relato, por um ou mais profissionais, do perfil de um único caso. Estudos de série de casos Consistem em um cuidadoso e detalhado relato da experiência de um grupo de pessoas com um diagnóstico comum. Relato de casos Também chamado de série de casos-tipo de estudo descritivo, é um relato detalhado de um ou mais casos − ou mesmo de uma série de casos −, com minuciosa descrição de uma manifestação da doença, relatando, em profundidade, as características de interesse que podem sugerir hipóteses etiológicas e representam as interfaces entre a clínica e a Epidemiologia. São de grande utilidade para a realização de diagnósticos de saúde de uma população e, em geral, usam amostras representativas pela impossibilidade de avaliação de todos os indivíduos da população em estudo. São baseados, ainda, em modelos conceituais que consideram a interdependência entre indivíduos e a conexão desses com os contextos biológico, físico, social e histórico em que vivem e possuem vantagens de baixo custo, de alto potencial descritivo e de simplicidade analítica. Epidemiologia | Processos Epidêmicos 18 Os problemas decorrentes desses estudos estão na vulnerabilidade para vieses de seleção e baixo poder analítico (inadequado para testar hipóteses causais). Estudos de coorte São os únicos capazes de abordar hipóteses etiológicas e consistem na observação de grupos comprovadamente expostos a um fator de risco como causa da doença a ser detectada no futuro. Um grupo de indivíduos é selecionado por presença ou ausência de exposição a um fator particular e, então, acompanhados por um período de tempo específico (follow-up), a fim de determinar o desenvolvimento de uma doença ou condição – esses são os estudos de coorte prospectivos, chamados também de coorte concorrente. Outro tipo de coorte é a coorte histórica, com característica retrospectiva, que envolve grupos selecionados, por terem sido expostos a fatores de risco em potencial e por dispor de registros sistemáticos da exposição e do efeito, e são analisados os dados disponíveis antes do momento da realização da pesquisa. É um estudo individuado e com grupos de indivíduos com características específicas, que contêm registros, por exemplo, em prontuários. Os estudos de coortes analisam as associações de exposição e efeito por meio da comparação da ocorrência de doenças entre expostos e não expostos ao fator de risco. Eles possuem a vantagem de produzir medidas diretas de risco, têm alto grau de poder analítico, simplicidade de desenho e facilidade de análise. Contudo, têm problemas com perdas de segmento, o que é inadequado para doenças de baixa frequência e alto custo relativo. Estudos de caso-controle Têm as características de observacional, longitudinal, retrospectivo e analítico, em que um grupo de casos (indivíduos com a doença ou fator protetivo) é comparado quanto à exposição a um ou mais fatores e ao grupo de Epidemiologia | Processos Epidêmicos 19 indivíduos semelhante ao grupo de casos − chamado de controle (sem a doença ou sem fator protetivo). Possuem vantagens de apresentar resultados rápidos e de baixo custo, além das amostras dos grupos poderem ser pequenas. São indicados para a investigação de doenças raras e apresentam algumas limitações, como a dificuldade para selecionar os participantes do controle e para o caso dos dados da exposição serem inadequados. Estudos ecológicos São estudos em que a observação e a análise é feita sobre determinadas características da população, localizada em certas áreas geográficas. Abordam áreas geográficas ou blocos de população bem- -delimitadas. As unidades de medida não são indivíduos, mas grupos populacionais. Esses estudos analisam dados globais de populações inteiras, comparando a frequência de doença entre diferentes grupos populacionais durante o mesmo período ou a mesma população, em diferentes momentos, geralmente com correlação entre indicadores de condições de vida e indicadores de situação de saúde. Podem ser classificados em subtipos: 1. Investigações de base territorial − bairro, município e países; 2. Estudos de agregados institucional − escolas, fábricas e prisões. Possuem vantagens na facilidade de execução e baixo custo relativo, simplicidade analítica e capacidade de gerar hipóteses. Os problemas podem ser encontrados no baixo poder analítico e no pouco desenvolvimento das técnicas de análise de dados, sendo vulnerável à chamada “falácia ecológica”. Epidemiologia | Processos Epidêmicos 20 Alguns autores classificam esses estudos como uma subdivisão dos estudos ecológicos. Conheça mais sobre o “Estudo de Framingham”, acessando o site a seguir: <http://www.framinghamheartstudy.org/> Estudos de séries temporais São estudos de agregados, observacionais e longitudinais, em que uma mesma área ou população é investigada em momentos distintos no tempo. Experimentos de intervenção comunitária e estudo de intervenção Envolvem intervenções coletivas, comunidades inteiras ou grupos populacionais. A exposição é coletiva, ou seja, são investigações com estudo de agregados que tomam como unidade de observação a análise de dados − os agregados ecológicos ou institucionais − e incorporam, ainda, alguma intervenção de alcance coletivo. As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte na maioria os países ocidentais desde o final da Segunda Guerra Mundial. Em 1948, iniciou-se o Framingham Heart Study (“Estudo de Framingham”), que tinha como objetivo identificar as causas dessas doenças. Veja mais sobre esse estudo no vídeo a seguir. Confira! Epidemiologia | Processos Epidêmicos 21 Qualquer tipo de estudo apresenta problemas de amostragem; uma forma de identificar quais são e como podem afetar determinado estudo que esteja sendo realizado é realizando a validação do estudo. Validade em Estudos Epidemiológicos Todo pesquisador, ao realizar um estudo epidemiológico, pode estar sujeito a erros que podem interferir ou alterar o resultado desse estudo. Podem ser sistemáticos e viciarem o bom andamento do estudo. Para dar maior confiabilidade ao trabalho, o pesquisador deve, portanto, estar atento para que não ocorram muitos erros, os quais também são definidos como vieses. A definição de validade em uma pesquisa epidemiológica é basicamente a ausência de erros sistemáticos e a ausência de erros aleatórios. Os problemas que ocorrem em relação à precisão estão diretamente ligados à população do estudo. Já as distorções de um estudo causado por erros sistemáticos (problemas ligados à validade do estudo) são denominados de vieses. Segundo Medronho (2009), o viés se refere ao tamanho da discrepância entre o valor verdadeiro de uma medida na população-alvo e o valor de sua estimativa na população real. Os vieses podem ser de seleção, de informação e de confundimento. Viés de seleção Ocorre quando o problema do estudo é causado por fatores envolvidos na seleção dos participantes ou por fatores que podem influenciar na participação dos selecionados. Podem se dividir em: Epidemiologia | Processos Epidêmicos 22 Viés de seleção − ocorre quando a seleção dos indivíduos participantes do estudo, seja com relação à base de exposição ou com relação à doença objeto do estudo, depende de outro eixo de interesse; Viés de sobrevivência seletiva − é ligado à perda de indivíduos previamente escolhidos ou já participantes de um estudo; Viés de Berkson − quando duas doenças podem estar associadas entre si; geralmente ocorre em estudo de caso-controle; Viés de detecção − é o viés de seleção que pode induzir uma superestimação de determinada causa, o que, obviamente, resultaria em uma superestimação da medida de associação; Viés de diagnóstico − ocorre quando existe a ausência de algum teste diagnóstico definitivo que possa influenciar no resultado final do estudo. Viés de informação É referente às distorções nos resultados, decorrentes de erros na mensuração ou na captação dos dados, e ocorrem por erros de classificação, os quais se subdividem em duas categorias: Epidemiologia | Processos Epidêmicos 23 Geralmente os doentes tendem a ter melhor memória do que os controles sobre o objeto do estudo; além disso, frequentemente há falhas nas informações necessárias. Os vieses de informação podem ser ainda: Viés de memória – é característico dos estudos retrospectivos, pois, como a própria definição faz entender, a informação depende da memória; Viés de suspeição da exposição – ocorre, geralmente, devido ao conhecimento prévio da etiologia da doença em estudo, o que acaba por viciar esse estudo a uma informação tendenciosa e supervalorizada, sobretudo entre os doentes; Viés de prevaricação, falsa resposta ou não aceitação – pode ocorrer em estudo referentes a doenças ou situações que podem trazer constrangimento pessoal ou familiar; é o caso de estudos que envolvem o uso de drogas ou doenças que podem gerar discriminação ou embaraço para os envolvidos. Isso porque, muitas vezes, esses grupos acabam por omitir ou emitir informações não verdadeiras e isso pode enviesar o estudo. Confundimento Refere-se à situação em que existe falta de condição de comparação entre as populações exposta e não exposta, em relação ao risco de adoecer, decorrente da existência de uma ou mais variáveis − denominadas variáveis de confundimento, confundidoras ou de confusão. Epidemiologia | Processos Epidêmicos 24 Acompanhe que tipo de viés pode ocorrer nos principais desenhos de estudo: Tipo estudo Tipo de Viés Transversais Viés de seleção, viés de informação e viés de sobrevivência. Coorte Confundimento, viés de seleção e viés de informação não diferencial e diferencial. Caso-controle Viés de seleção, viés de informação, viés na identificação da exposição, viés do entrevistador e viés de memória. Ecológicos Viés ecológico (falácia ecológica) – é originado de uma fonte inadequada sobre fenômenos individuais na base de observações de grupos. O principal problema nesse tipo de análise é a suposição de que os mesmos indivíduos são, simultaneamente, portadores do problema de saúde e do atributo associado. Intervenção Viés de seleção, perdas de seguimento e não cooperação, Viés de aferição e viés de informação. Síntese Assista ao vídeo a seguir, em que apresentaremos uma síntese dos assuntos estudados nesta aula. Epidemiologia | Processos Epidêmicos 25 1. Assinale a alternativa correta sobre a definição de “viés”: a. Refere-se ao tamanho da discrepância entre o valor verdadeiro de uma medida na população-alvo e o valor de sua estimativa na população real. b. Viés de memória é característico dos estudos prospectivos. c. Em estudos transversais, o viés mais comum é o de memória. d. Viés de seleção está relacionado a distorções nos resultados decorrentes de erros na mensuração. 2. Os desenhos de estudo se diferenciam por várias características. Correlacione as colunas corretamente e assinale alternativa correta: ( ) Transversal I – individuado, observacional, retrospectivo, longitudinal, descritivo. ( ) Ecológico II – agregado, observacional, transversal, descritivo. ( ) Caso-controle III – individuado, observacional, transversal, descritivo. ( ) Ensaio clínico IV - individuado, longitudinal, observacional, prospectivo descritivo. ( ) Coorte V – individuado, intervenção, longitudinal analítico. a. III – II – I – IV – V Epidemiologia | Processos Epidêmicos 26 b. II – I – III – V – IV c. I – II – III – IV – V d. III – II – I – V – IV Epidemiologia | Processos Epidêmicos 27 Referências ALMEIDA, FILHO N.; ROUQUAYROL, M. Z. Introdução à Epidemiologia. 4. ed., rev. e ampliada. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013. ALMEIDA, FILHO N.; BARRETO, M. L. Epidemiologia & saúde: fundamentos, métodos, aplicações. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2012. BONITA, R. Epidemiologia básica. In: BONITA, R.; BEAGLEHOLE, R.; KJELLSTRÖM, T. [tradução e revisão científica Juraci A. Cesar]. 2. ed. São Paulo: Santos, 2010. CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Resolução n. 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova as seguintes diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 12 dez. 2012. Disponível em: <http://conselho.saude.gov.br /resolucoes/2012/Reso466.pdf>. Acesso em: 4 jul. 2013. GARRAFA, V; KOTTOW M.; SAADA, A. Bases Conceituais da Bioética: enfoque latino-americano. São Paulo: Gaia, 2006. MARINI, B. O que é Bioética? O que é Biodireito? Disponível em: <www.esams.org.br/externo/oqueebioeticaebiodireito.doc>. Acesso em: 4 jul. 2013. MEDRONHO, R. A. et al. Epidemiologia. São Paulo: Atheneu, 2009. MINAYO, M. C. de S. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 23. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004. PUTTINI, R. F.; PEREIRA JUNIOR, A.; OLIVEIRA, L. R. de. Modelos explicativos em saúde coletiva: abordagem biopsicossocial e auto- -organização. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103- 73312010000300004&script=sci_arttext>. Acesso em: 29 jun. 2013.
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