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Caio Fabio - Cantares

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Caio Fábio 
DXraújo Filho
CANTARES
Celebração , Toesía e ‘Devoção
"De fato, Cantares, o encantador cântico do amor 
homem-mulher, é uma grande dádiva de Deus a 
todos nós e uma experiência de liberdade existen­
cial de gratidão pela vida! 0 Pastor Caio Fábio, em 
seu comentário, deixou-se ser conduzido pela melo­
dia do texto e dançou conforme sua música: permi­
tiu que o encanto natural do texto o seduzisse com 
sua beleza, mistéiro e paixão. O resultado é que o 
texto bíblico se explicitou desnudo, com sua pró­
pria verdade e beleza, beleza-verdade de corpos em 
amor, homem e mulher corpóreos, sexuados, segun­
do o plano original do Criador.
Ageu Heringer Lisboa
0 0 0
" L i e reli este livro que, embora pequeno, encheu- 
-me de sonhos, proporcionou-me grandes alegrias, 
renovou e restarou elos perdidos do meu amor 
conjugal. Espero que esta exposição restaure, 
deste precioso texto sagrado, a expressão poética 
de sentimentos esquecidos e permita vivenciar a 
mais profunda experiência existencial do ser hu­
mano, o amor."
Pr. Ricardo Barbosa
❖ 00
"A mensagem de um amor abrasador de Cantares 
de Salomão, tem sido negligenciada pelo protestan­
tismo histórico. Caio Fábio resgata e nos apresenta 
a vivência espiritual (pneuma), psicológica (psiquê) 
e erótica (soma) de homem e mulher a luz da 
revelação. E nos oferece reflexões alentadoras para 
o processo de planejar e viver integralmente o 
casamento."
Pr. Osmar Ludovico
Caio Fábio 
DXraújo Filho
CANTARES
Celebração, Toesia e devoção
Visão Nacional de Evangelizaçao
Publicado com a devida autorização e 
com todos os direitos reservados pela
ASSOCIAÇÃO RELIGIOSA EDITORA E 
DISTRIBUIDORA “VINDE”
Caixa Postal 84 
24000 - Niterói - RJ 
Primeira Edição -1987
Impresso nas oficinas da 
Associação Religiosa Imprensa da Fé 
C.P. 18.918 
São Paulo - Brasil 
C.G.C. 62.202.528/0001-09
E Proibida a reprodução total ou parcial
sem permissão escrita do editor.
Capa: Eduardo Reis e Mônica Bosch
ÍNDICE
Prefácio — Teófanes de Almeida Elias 
Introdução I — A Chave Hermenêutica . . 1 1 
Introdução II — Uma Breve Perspectiva de 
Alternativas Históricas à 
Interpretação de Cantares 19
Capítulo 1 — A Força do A m or............... 25
Capítulo 2 — 0 Amor: Como Se Mantém 33 
Capítulo 3 — Amor: Os Agentes Psicológicos
de sua A firm ação.................. 43
Capítulo 4 — A Estética no A m o r...............57
Capítulo 5 — Ele e E la ................ 1.................65
Capítulo 6 — 0 Ato Conjugal: A Dança do
A m o r......................................81
Capítulo 7 — A Manutenção da Poesia . . . 87
Capítulo 8 — Agentes Circunstanciais
Positivos e Negativos ..........101
Apêndice — Prevenção de Problemas
Conjugais..............................109
5
DEDICATÓRIA
Em Cantares o nome de Deus não é menciona­
do. No entanto está mais presente do que em 
alguns textos onde há fartura de sua menção. 
Inspirado nesta realidade, dedico este livro 
àqueles casais que sem nenhum estardalhaço 
triunfalista religioso consagraram a silenciosa 
poesia do seu amor como um culto ao Deus da 
vida e da alegria.
Tel-Aviv, 17 de Maio de 1986
PREFÁCIO
Faço parte de uma geração que assiste 
atônita à fratura de relações matrimoniais 
aparentemente estáveis das gerações passa­
das, assim como participa ela mesma com 
amargor da falência de muitos de seus pró­
prios casamentos.
E verdade que esta minha geração parece 
mais autêntica, menos farisaica, diante do ma­
trimônio. E, no que concerne aos círculos 
das igrejas evangélicas, tem ela a vantagem de 
discutir aberta e biblicamente os problemas e 
dificuldades que envolvem a vida conjugal, 
com orientação direta, utilíssima, não dispo­
nível em tempos não muito distantes.
Dentro e fora das igrejas evangélicas discu­
te-se intensamente o casamento na busca de 
causas e soluções para o desastre configurado
8
pelos crescentes e alarmantes índices de 
separação, frustração e desajustes conjugais.
No entanto, nem sempre a discussão é 
aproveitável para os que sinceramente dese­
jam guiar suas vidas conforme a vontade de 
Deus. Freqüentemente oscila-se entre posi­
ções simplistas demais ou enfoques suposta­
mente bíblicos mas de um legalismo asfixian- 
te e perigoso.
Como pastor e marido sinto-me grato a 
Deus por este “O casamento como devoção, 
poesia e celebração.” A abordagem é total­
mente bíblica e nova, fugindo das interpreta­
ções metafóricas clássicas do livro de 
Cantares.
É possível que o pensamento evangélico 
mais conservador se assuste diante das idéias 
expostas aqui de modo tão transparente e 
realista. Escrevendo com fluidez e poesia, o 
pastor Caio Fábio D’Araújo Filho consegue 
organizar neste texto as profundas lições 
dispersas entre os capítulos do livro de Can­
tares de Salomão. Mas ele não é mais direto 
e forte do que a própria Escritura quando ana­
lisa com riqueza e brilhantismo o relaciona­
mento conjugal descrito em Cantares.
Se, por um lado, uma avalanche de cargas 
variadas se tem derramado sobre os já comba­
lidos casamentos desta era, alegra-me muito 
perceber que Deus não tem abandonado seus 
filhos sem o prometido e tão desejado escape. 
E vejo que este livro se situa neste plano 
da contra-partida de Deus a favor de casamen­
tos sólidos e felizes, distantes daquela solidez 
hipócrita e felicidade aparente que nos acos­
tumamos a ver.
Estou certo de que Deus, por Sua graça,
9
continuará a conceder sensibilidade, ternura, 
visão crítica da vida e profundidade nas Escri­
turas a este meu querido amigo Caio Fábio, 
com o que possa prosseguir seu já muito pro­
fícuo ministério entre casais, do qual minha 
esposa Mônica e eu temos sido beneficiários 
constantes e diretos.
Teófanes de Almeida Elias
Pastor da Igreja Presbiteriana Betânia 
São Francisco — Niterói — RJ. 
Julho de 1986
10
INTRODUÇÃO I
A CHAVE HERMENÊUTICA
Cantares é a expressão maior da poesia 
que nasce entre um homem e sua mulher. Isso 
sem desconsiderarmos toda a gama variada de 
opções interpretativas que o livro oferece. 
Aliás, ele é visto mais comumente como um 
texto espiritual de sentido vertical caracteri- 
zador das relações do homem com a divinda­
de, de Israel com Javé, do Messias com seu 
povo, de Cristo com a Igreja ou de Jesus com 
o crente.
Desde o primeiro século da nossa era co­
meçaram os judeus piedosos a considerar Can­
tares uma alegoria da relação de Javé com Is­
rael. O rabino Akiva, já no segundo século, 
afirmou ser este livro o mais santo dos textos 
da Escritura e de um valor incalculável para 
Israel. Isso em razão de que se cria que nele se 
acha a afirmação maior da poesia devocional
11
de Israel para com Deus e a legitimação do 
amor divino em favor de Israel.
Na perspectiva cristã-exegética foi Oríge- 
nes, especialista em alegorias, quem começou 
a ver no texto de Cantares alusões ao amor 
mútuo entre Cristo e a Igreja. Na época da 
Reforma Protestante o livro esteve para ser 
expurgado do cânon Sagrado, só permane­
cendo graças à interferência de Calvino, 
que o fez permanecer sob a alegação de que 
se tratava de uma alegoria espiritual.
A relutância dos reformadores em fazer 
Cantares permanecer na relação dos livros ins­
pirados acontecia em razão de ainda estar 
presente e enraizada na perspectiva deles a 
mentalidade católica-medieval anti-sexual ou 
pelo menos imputadora de um papel pecami­
noso ao sexo
No nosso século, Watchman Nee, o escri­
tor cristão chinês, celebrizou-se por seu 
estilo alegorista, inclusive mediante a belís­
sima exposição comentada que fez do “Cân­
ticos dos Cânticos”, como se auto-intitula o 
livro de Cantares (1:1).
Ao meu ver é inquestionável que o livro de 
Cantares possa ser visto como alegoria ou, 
melhor ainda: como parábola. Minha lamen­
tação é que ele seja visto somente como tal.
Para que fique claro o que estou dizendo 
permitam a confecção de um gráfico:
12
REALIDADE
CANTARES: A descrição poé­
tica do amor entre um homem 
e uma mulher.
O
cd
3cr
ALEGORIA
DEVOÇÃO: Amor mú-
tuo entre Cristo e aIgre-
ja-
Ora a alegoria devocional só é verdadei­
ra se ela se basear numa verdade real; também 
só é utilizável se o fato no qual se inspira for 
igualmente utilizável; e só é eticamente boa 
se a realidade tomada como ilustração for do 
mesmo modo moral e pura.
A lógica nos conduz à seguinte reflexão: a 
alegoria só é legítima, tanto comparativa 
quanto moral e eticamente, se o paradigma, 
ou seja, o padrão, o modelo, for igualmente 
legítimo, seja comparativa, seja eticamente.
Isso nos leva a inverter o gráfico anterior:
13
ALEGORIA
DEVOÇÃO: amor mútuo 
entre Cristo e a Igreja
A
2'oG
«D
13
3cr
v
REALIDADE
CANTARES: a descrição poética 
do amor entre um homem e uma 
mulher.
O que eu estou querendo dizer é que se o 
histórico gera a alegoria, e se o que é físico 
engravida aquilo que é espiritual, então é 
porque o histórico e o corpo-físico em tal 
caso, estão revestidos de dignidade e devo- 
cionalidade. É por isso que desta vez você vai 
ler um material sobre Cantares que não igno­
ra a dimensão horizontal da relação existente 
no texto.
Em Cantares, portanto, há duas relações: 
Relação 1: Horizontal
Amor e Amizade
Homem Mulher
14
Relação 2: Vertical
DEUS
A
O
*<íç>o
>w
Q
PO
O
<HHatn>2:
n
>
>
£
o
po
O
V/ 5/3V >
IGREJA
No entanto, ainda que Cantares se apresen­
tasse apenas na relação 1, ele merecería estar 
no cânon, pois o amor entre um homem e sua 
mulher pode e deve ser visto como expressão 
de santidade e objeto de uma revelação espe­
cífica de Deus quanto à sua poesia e prática.
Quando/ você estiver lendo as simples e 
singelas reflexões que seguirão este intrói- 
to, tenha em consideração algumas coisas bá­
sicas:
Primeira: O objetivo do livro.
Meu objetivo é colocar você diante 
de um ideal. Lembre-se: de um ideal. 
Eu pessoalmente não sou um diapasão 
afinado diante da harmonia da sinfonia 
do amor no “Cântico dos Cânticos” , mas 
é pela sua melodia e notas que estou
15
tentando afinar a minha orquestra conju­
gal.
Segunda: O meio de compreensão.
Leia o livro como poesia pura, em 
voz alta, e deixe sua imaginação voltar 
no tempo e mergulhar nas águas profun­
das da encantação do amor.
Terceira: A atitude.
Enquanto estou escrevendo esta intro­
dução, antes de adentrar o véu do amor, 
nas páginas de Cantares, sinto-me cheio 
de temor e tremor, percebendo que es­
tou diante da terra Santa. Parece estra­
nho, mas Cantares, mesmo nos seus mo­
mentos mais íntimos, tem que ser lido 
como conto de santidade e poesia da 
pureza conjugal. Isso porque o amor con­
jugal dos cristãos deve também ser de­
voção a Deus entre um homem e sua 
mulher. Deve ser a liturgia do culto con­
jugal, no santo altar do leito, na oferen­
da de corpos gratos e entregues um ao 
outro sem egoísmo, na dança ritual 
do amor e do prazer, em meio à melo­
dia da respiração feliz, no ideal de gerar 
alegria e bem estar no outro.
Se eu não pudesse encarar desse modo o 
próprio ato conjugal, de duas eu esco­
lhería uma opção: ou tomar-me-ia celi­
batário ou consideraria meu leito uma 
fuga à santidade, sempre que tocasse 
em minha esposa. Mas quero viver a 
vida com a perspectiva daquele que dis­
se: “E tudo quanto fizerdes, fazei-o 
para a glória de Deus” (I Coríntios
16
10:31). É por essa razão que resolvi 
chamar a esse trabalho de “Cantares: o 
casamento como devoção, poesia e 
celebração” .
Meu desejo mais sincero, portanto, é con­
tribuir, sem desmerecer os esforços de outros 
no passado, para que o “Cântico dos Cânti­
cos” seja a canção de muitos dos meus irmãos 
e irmãs casados. Todavia, deve ficar também 
claro, que o presente texto não é, não pre­
tende e mesmo não podería ser um texto 
especializado no assunto. Muito mais em 
função das minhas próprias limitações no 
campo da erudição, do que pela falta de 
desejo de que o mesmo o fosse.
17
INTRODUÇÃO II
UMA BREVE PERSPECTIVA DE 
ALTERNATIVAS HISTÓRICAS À 
INTERPRETAÇÃO DE CANTARES
Quando pensei em escrever sobre o Cântico 
dos Cânticos, o fiz com o desejo de que o 
mesmo fosse um texto dos mais simples, des­
provido de todos aqueles jargões exegéticos e 
técnicos, com as freqüentes notas de rodapé, 
que costumam caracterizar os comentários 
bíblicos. Todavia, mesmo mantendo intactas 
minhas intenções originais — afinal, nem eu 
sou um erudito e nem o livro se destina a 
eles — concluí que seria útil ao público leigo 
um mínimo de orientação a respeito daquelas 
que são as perspectivas básicas pelas quais 
se vê o livro de Cantares.
1- O encontro na vinha:
H.A. Ironsaide imaginava assim a confec­
ção do poema: O Rei Salomão tinha um 
vinhedo na zona montanhosa de Efraim,
19
a uns 80 km ao Norte de Jerusalém 
(8:11). Para cuidar do vinhedo ele con­
tratou arrendatários (8:11), compostos 
por uma mulher, dois filhos (1:6) e duas 
filhas: a Sulamita e a sua irmãzinha (6: 
13). A Sulamita era a bela da família, 
ainda que passasse desapercebida (1:5). 
Seus irmãos talvez fossem apenas filhos 
de sua mãe (1:6). Sobre a Sulamita reca­
íam grandes responsabilidades que lhe 
eram impostas pelos irmãos. Por isso não 
lhe sobrava quase nenhum tempo para o 
trato pessoal (1:6). Seu cuidado com a 
vinha era dioturno e indômito (2:15). 
Também cuidava de rebanhos nas “ho­
ras vagas” do dia (1:8). Por estar tão 
exposta ao sol bronzeou-se demais e 
machucou a pele (1:5).
Num certo dia chegou ao vinhedo um 
forasteiro elegante e bonito. Era Salo­
mão, desfigurado para não ser reconhe­
cido. Demonstrou interesse pela jovem 
vinhateira, que se sentiu incomodada 
por julgar que seu aspecto pessoal estava 
feio (1:6). Ela, no entanto, tomou o 
forasteiro por um pastor de ovelhas, e 
perguntou-lhe onde estava o seu rebanho 
(1:7). Ele lhe respondeu com evasivas 
(1:8), porém, ao mesmo tempo, lhe 
falou palavras de amor (1:8 a 10). Pro­
meteu-lhe também que no futuro lhe 
traria presentes caros (1:11). Salomão 
encantou o coração da jovem e lhe pro­
meteu que um dia voltaria. De noite ela 
sonhava com ele e em certas ocasiões 
ela cria que ele estava voltando (3:1). 
Finalmente,um dia, ele voltou com todo
20
o seu majestoso esplendor para fazê-la 
sua esposa (3:6, 7).
Se essa interpretação histórica está correta, 
então há apenas dois personagens centrais 
na história: Salomão e a Sulamita. Além disso, 
a narrativa supra serve apenas para explicar 
o contexto histórico de um terço do livro, 
pois para sua montagem em 3:6, 7. No en­
tanto, é justamente daí em diante que se de­
senrolam os principais poemas conjugais. Na­
da invalida tal interpretação histórica, desde 
que se permita que o livro permaneça aberto, 
a fim de que seja mais do que um ensaio sobre 
o namoro, porém uma descrição do namoro 
(até 3:6, 7) e do casamento, no desenrolar 
poético, até ao final dos Cânticos.
2 - O rico e o pobre disputando o coração 
de uma mulher.
Heinrich Ewald (1826) afirmava que são 
três os personagens básicos envolvidos no 
Cântico dos Cânticos: Salomão, a Sula­
mita e um pastor de ovelhas.
Ewald interpretou “o amado” como um 
pastor de ovelhas pelo qual a Sulamita 
era apaixonada e de quem estava noiva, 
antes de ser capturada e levada para o 
palácio por um dos servos de Salomão. 
Depois dela ter resistido a todas as ten­
tativas que o Rei fez a fim de conquistá- 
la, é feita livre e retorna ao seu amante, 
com quem ela aparece na cena final.
Os que lêem o livro desta forma dividem- 
no numa seqüência mais ou menos as­
sim:
A jovem relembra seu amado (1:2, 3). 
Pede que ele logo a leve de volta, pois o
21
Rei a introduziu nas seduções da corte 
(1:4). Suas recordações acerca do ama­
do a perturbam (1:7).
Na luta por conquistá-la o Rei tenta se­
duzi-la com jóias (1:11) e perfumes 
(1:12). Mas ela prefere o cheiro do cam­
po que há no corpo de seu amado 
(1:13, 14). Ela se recorda de uma visita 
feita pelo seu amado e de um sonho que 
se seguiu a isso (2:8 — 3:5). Depois dis­
so ela é novamente visitada e louvada 
por Salomão (3:6 — 4:7). Imperturbá­
vel, a jovem relembra as palavras de seu 
amado e antecipa seu dia de casamentocom ele (4:8 - 5:1). Nesta expectativa 
sua mente fica impregnada com as lem­
branças do seu amado. Por isso, ela so­
nha com ele e o descreve (5:2 — 6:3). 
Nesse ínterim ela recebe mais uma visita 
de Salomão, que tenta conquistar o seu 
amor (6:4 — 7:9). Ela, no entanto, 
mantendo sua fidelidade ao jovem pas­
tor, resiste às tentativas do Rei (7:10 — 
8:3). Depois disso Salomão a liberta ve­
rificando ser impossível conquistar-lhe o 
coração (8:4 — 14).
Pessoalmente sou seduzido a aceitar esta 
interpretação. Isso porque essa maneira de ver 
as coisas descreve um amor que não se deixa 
domesticar. Tal história seria digna de figurar 
como um texto sagrado. No entanto, não 
posso aceitar essa interpretação histórica do 
texto pelas seguintes razões:
1- Aceitá-la implica em negar a autoria de 
Salomão — pois o Rei não descrevería de 
si mesmo tal fracasso. E a autoria de 
Salomão é uma afirmação antiquíssima,
22
tanto no judaísmo como no cristianis­
mo. Aliás, até que Ewald montasse a 
sua perspectiva (1826), não se conhecia 
outra interpretação. Acho temerário 
negar mais de dois mil anos de história 
por causa de uma bela montagem textual. 
Ademais, Cantares se presta também para 
outras montagens históricas convenien- 
tes.Espaço é o que não falta em meio à 
hetereidade da poesia. Ê fácil conduzir 
um texto poético em muitas direções 
opostas.
2 - Aceitá-la também significaria esquecer 
inúmeros outros aspectos do texto que 
se embutem perfeitamente bem, pura 
e simplesmente, ao amor de Salomão e 
da Sulamita.
No nosso singelo e não exaustivo comen­
tário de Cantares, você perceberá que não 
nos preocupamos em fazer uma leitura his­
tórica seqüênciada io texto. Nem sei se esse 
foi o objetivo do escritor de Cantares quando 
o compôs. Minha única preocupação foi a de 
fazer uma leitura fenomenológica dos senti­
mentos e motivações implicadas na poesia, 
a partir da pressuposição tradicional de que se 
tratava de uma descrição do amor de Salomão 
e da Sulamita.
Caso você vá fazer uma leitura baseada 
na crítica literária, seja qual for a sua ótica 
interpretativa, este trabalho lhe oferecerá 
muitos “panos para as mangas” , em relação 
ao modo leigo mediante o qual ele se apre­
senta.
Todavia, se você ler o livro com a ótica 
fenomenológica, perceberá que nele há ma­
23
terial que pode ser muito útil à compreensão 
do estado febril do amor que nasce entre um 
homem e um mulher, bem como do ideal su­
blime que nele se encerra.
A opção é sua .Você pode portar-se diante 
deste livro como um cirurgião com um bistu- 
ri na mão, ansioso por encontrar enfermida­
des; ou como um garoto com um sorvete na 
mão, ávido por mergulhar no seu sabor. Eu 
tenho certeza de que sua (eu) companheira 
(o) preferirá que você faça a segunda opção.
24
CAPITULO I
A FORÇA DO AMOR
O livro de Cantares não exalta o amor co­
mo virtude sublime. Sem dúvida o amor é 
a mais sublime de todas as virtudes, mas quem 
quer meditar nele como tal deve ler outros tex­
tos, não Cantares. Quem sabe a sinfonia de 
Paulo em I Coríntios 13:4 a 8:
“O amor é paciente, é benigno, o amor 
não arde em ciúmes, não se ufana, não 
se ensoberbece,
Não se conduz inconvenientemente, não 
procura os seus interesses, não se exaspe­
ra, não se ressente do mal; não se alegra 
com a injustiça, mas regozija-se com a 
verdade;
tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo 
suporta.
O amor jamais acaba; mas, havendo pro­
fecias, desaparecerão; havendo línguas,
25
cessarão, havendo ciência, passará;” . . .
Não estou dizendo que no Cântico dos Cân­
ticos não haja expressão dessa sublimidade. 
Ao contrário, o sublime está presente no livro, 
mas não é um sublime que sublima, que se 
projeta para o imaginário, para o utópico- 
abstrato. É um sublime no corpo, no sangue, 
nos lábios, na pele, na voz e na amizade do 
homem e de sua mulher. É um sublime aqui 
e agora, na história cheia de ambiguidades 
e contradições. E um sublime apaixonado 
ao invés de fraternal, como é o caso de I 
Coríntios 13. É nesse sentido que Cantares 
não exalta o amor como virtude sublime, 
conquanto o exalte como uma espécie de su­
blime em imanência e não em transcendên­
cia. Em Cantares, a transcendência do amor é 
ser imanente no corpo, na alma e na trama da 
alegria dos cônjuges. Por isso, não fique espe­
rando encontrar grandes conceituações de 
amor no livro. Os amantes de Cantares não 
filosofam nem conceituam o amor. Apenas 
deixam-se dominar por ele, permitem-se 
inebriar pelo seu cheiro e entregam-se sem 
resistência a sua magia. O amor não é defini­
do em Cantares, apenas, às vezes, comparado 
àquilo que dá gosto e poesia à vida:
— “É melhor que o vinho” (1:2b)
— “Do teu amor nos lembraremos mais 
do que do vinho, não é sem razão que te 
amam” (1:4c).
Afinal, é “o vinho que alegra o coração 
do homem e da mulher” (Salmo 104:15a). 
E o amor conjugal deve ser um banquete de 
almas, uma celebração de alegria pela preva- 
lecência de dois seres sobre o egoísmo, 
indômito adversário daqueles que desejam ser
26
um.
Não nos é estranho que a linguagem do 
amor seja comparativa em relação ao vinho, 
pois é também ele (o vinho) que deve ser ofe­
recido “aos que perecem, . . . aos amargura­
dos de espírito; para que bebam, e se esqueçam 
da sua pobreza, e de suas fadigas não se lem­
brem mais” (Provérbios 31:6). Pois que rea­
lidade faz esquecer mais eficazmente o 
infortúnio que o amor? É diante dele que a 
pobreza e a amargura são esquecidas pelo 
curto-eterno espaço do amor.
No curto espaço de amar, o eterno, o sem- 
fim, se faz presente. Na linguagem de Carlos 
Drummond de Andrade:
“O mundo é grande, e cabe nessa janela 
sobre o mar;
o mar é grande e cabe na cama e no col­
chão de amar;
o amor é grande e cabe no breve espaço 
de beijar.”
No amor, o total invade o parcial, o eterno 
o temporal, o júbilo conquista a tristeza, o 
prazer vence o desconforto e a pobreza, a 
gratidão faz esquecer as fadigas.
Em Cantares o amor aparece com o ímpeto 
do desmaio, da perda dos sentidos, chega com 
a veemência da fraqueza que domina o cor­
po e a alma, traz consigo a força da rendição: 
“Sustentai-me com passas, 
confortai-me com maçãs, 
pois desfaleço de amor” (2:5).
Diante do amor, o egoísmo fica tomado de 
anemia, o orgulho deixa de oferecer resistên­
cia, e o corpo dominado pela impotência não 
consegue esboçar reação de rejeição. Por isso 
os apaixonados são fracos. Em Cantares o
27
amor não é chamado de grande ou majestoso 
ou sacrificial, mas de belo. Trata-se de um sen­
timento lindo, fascinante:
“Que belo é o teu amor, 
ó minha irmã, noiva minha!” (4:10).
Esse amor pode e deve ser belo porque se 
inspira no amor rasgado, partido, moído, usa­
do e ensanguentado daquele que por nós se 
deu:
“Mas Deus prova o Seu próprio amor para 
conosco, pelo fato de ter Cristo morrido 
por nós, sendo nós ainda pecadores” 
Rm 5:8.
O amor no Cântico dos Cânticos é rendição 
assumida e divulgada, é estado de entrega de­
clarado, é vertigem das forças frias da razão 
ante o exército avassalador da paixão que 
sitia o coração, despotizando-o, enfraquecen­
do-o nas suas próprias possibilidades de dizer 
não àquele que o domina:
“Conjuro-vos, ó filhas de Jerusalém, 
se encontrardes o meu amado, 
que lhe direis?
Que desfaleço de amor” (5:8)
No contexto do “Cântico dos Cânticos” 
o amor tem paladar, tem sabor, tem tempero, 
é apetitoso, inspirador de prazer:
“Quão formosa, 
e quão aprazível és, 
ó amor em delícias” (7:6)
No entanto, nem só de cheiro, gosto, alegria, 
prazer e vantajosa rendição vive o amor. Em 
Cantares esse amor é também luta, combate, 
guerra e morte. É amor que enfrenta a própria 
possibilidade de morrer. Em Cristo, o amor foi 
mais forte do que a morte, porque tanto por 
amor ele enfrentou a morte, como também por
28
amor dela ressuscitou (Romanos 4:24, 25). 
Mas no nosso livro de afeições e de extasia- 
mentos entre um homem e sua mulher, como 
pode o amor ser forte como a morte?
“O amor é forte como a morte” (8:6). 
A equivalência daforça do amor em relação 
à morte,no cotidiano apaixonado de dois se­
res humanos, marido e mulher, não está nem 
na sua longevidade, nem na sua prevalecên- 
cia sobre o fato da morte. Está, sim, na de­
terminação irremovível, inafastável e inexorá­
vel de ambos caminharem na procura e na 
promoção da felicidade. O amor é forte como 
a morte porque quem morre por amor enfren­
tou cara a cara a morte e prevaleceu. Perde na 
luta com a morte, não quem morre, mas quem 
foge dela. No entanto, literalmente falando, o 
texto está aludindo à invencibilidade ordi­
nária da morte. É uma maneira comparativa 
de dizer: o amor é invencível, jamais acaba. 
É forte como a morte porque ela sempre vem 
de antemão vitoriosa.
O amor é forte como a morte quanto a vi­
da é um dar da vida pelo outro, especialmente 
o outro-eu, o cônjuge, minha carne noutro 
corpo até a morte. Deve ser em razão desse 
poder triunfante e conquistador do amor que 
em Cântares se repete um fascinante estri- 
bilho:
“Conjuro-vos, ó filhas de Jerusalém, 
que não acordeis nem desperteis o amor, 
até que este o queira” (8:4).
Quando o amor chega, a sua força se ins­
taura nos seus conquistados de tal forma que 
a própria personalidade, temperamento são 
parcialmente alterados:
“Conjuro-vos, ó filhas de Jerusalém,
29
pelas gazelas e cervas do campo,
que não acordeis nem desperteis o amor,
até que este o queira” (2:7; 3:5).
Gazelas e cervas são animais conhecidos na 
poesia oriental por sua timidez e recato. As­
sim é o amor: é, ele faz com que até os tími­
dos se declarem, e os recatados se aventurem 
para além dos limites de suas estreitas frontei­
ras de expressões. Se você tem dúvida do que 
estou afirmando, então é só imaginar, ou me­
lhor, lembrar como ficam os apaixonados: 
falantes, desinibidos, soltos, livres, soprados 
pela brisa da poesia, encantados.
Mas o estribilho do silêncio e das ações 
cautelosas, para que não se acorde o amor de 
seu sono, de seu inverno na alma, de seu leito 
de sossego, visa revelar também esta outra 
verdade:
Tenha cuidado para não provocar aquilo 
que pode se tornar irreprimível.
Tal cautela refere-se àqueles que ainda não 
foram atingidos pela força mortal e paradoxal­
mente vivificadora do amor. E por isso que 
é a mulher casada quem diz às amigas soltei­
ras:
“Conjuro-vos, ó filhas de Jerusalém, 
pelas gazelas e cervas do campo 
que não acordeis nem desperteis o amor, 
até que este o queira” .
Amar é mais que ser feliz; é perder o di­
reito à auto-felicidade em favor do outro; é 
ser feliz na felicidade promovida para o 
cônjuge; é realizar-se realizando; é comple- 
tar-se completando; é beber o refluxo do 
nosso próprio fluxo abenççador; é vida 
entregue e repartida com o objeto-humano 
da nossa caminhada.
30
Mas o estranho é que esse amor que se 
dá, que se entrega, que conquista e se dei­
xa conquistar é, paradoxalmente, pleno de 
auto-estima e dignidade. Seu padrão é ele­
vadíssimo. Sua ética de entrega determina 
que ele não negocia com coisa alguma. Ele 
se coloca acima de riqueza, suborno, jogo 
de interesses:
“ainda que alguém desse todos os bens 
da sua casa pelo amor, seria de todo des­
prezado” (8:7).
O interessante no texto é que quem fala 
ao Rei — forte, majestoso e dono de tudo — é 
a sulamita, mulher bela, porém simples e 
pobre (6:13; 8:1 a 3).
A afirmação da mulher é que seu amor não 
tinha preço. Dera-se a ele por amor, nada mais. 
Escolhera ser serva do amor, mas jamais se 
deixaria impressionar pelos tesouros do 
amante.
Assim é o amor adulto e santo: é confiante, 
digno, invendável, sem preço. Está acima do 
poder de compra e barganha. E sentimento 
inegociável.
A oferta de bens, adornos, casas e tesouros 
a fim de obtê-lo, recebe como resposta o 
desdém:
“seria de todo desprezado”.
Os que tentam substituir o afago pelo vesti­
do, a carícia pela jóia, a voz doce pela 
serenata paga, a gentileza pelo luxo, a ami­
zade pela diversão, a alegria e o prazer pe­
lo humor comprado, acabarão sendo des­
prezados.
O amor em Cantares é sobrevivente mesmo 
nos dilúvios e nas pororocas da vida:
“As muitas águas não poderíam apagar o
31
amor nem os rios afogá-lo” (8 :7a).
O amor trafega na Arca da salvação, sobre­
vive com sua chama mesmo no coração do 
mais caudaloso rio.
A idéia é a de uma tocha de fogo que so­
brevive à enxurrada e à imersão.
O amor vence as intempéries, o calor, o des­
conforto, a pobreza, as catástrofes, as bancar­
rotas e os dilúvios do medo, da violência e da 
oposição.
Amar é levar nas mãos a “pira Olímpica” 
que sobrevive aos jogos da vida e é testemu­
nha da vitória e prêmio dos perseverantes.
Assim é o amor em Cantares: alegre como o 
vinho, delicioso como os mais inebriantes 
acepipes e manjares, irresistível como o des­
maio, inexorável como a morte, inapagável 
como chama na olimpíada da vida e invendá- 
vel como tudo que não tem preço.
É a pro-cura pois desse ideal e dessa utopia 
em carne e osso que o homem e mulher de­
vem pôr-se a caminho.
32
CAPÍTULO II
O AMOR: COMO SE MANTÉM
No capítulo intitulado “A Força do Amor” 
vimos que Cantares propõe a encarnação da 
UTOPIA conjugal na expressão de um amor 
alegre, saboroso, irreprimível, indômito, de 
caminho inexorável em direção à conquista, 
inegociável e inapagável. Todavia, apesar de 
ser o livro do Cântico dos Cânticos um pro­
jeto com cara de utopia, nele não são encon­
trados apenas os sonhos e os devaneios de 
corações apaixonados, mas também as bases 
bem sólidas sobre as quais esse amor-fantasia 
deve ancorar-se, no seu intento de se trans­
formar de abstrato em concreto, de imagi­
nário em histórico, de sonho em realida­
de.
33
FIDELIDADE
O amor conjugal só sobrevive respirando o 
ar de fidelidade, da confiança mútua e do res­
peito. Sem esse oxigênio, a relação conjugal se 
asfixia e morre. Pois quem consegue amar 
alguém em quem não confia? Quem consegue 
ser atraído a um amor incapaz de confiança? 
ou quem, com suficiente dignidade, fará re­
pousar sua honra sobre um parceiro (a) em 
quem não encontra honradez?
A infidelidade é inicialmente madrasta do 
amor, depois passa a ser carcereira; por último 
se converte em verdugo frio e impiedoso do 
próprio sentimento.
Amor nenhum sobrevive intacto e sadio 
ante a infidelidade. É por essa razão que a jus­
tificativa mais explícita ao divórcio, em todo 
o Novo Testamento, é a infidelidade:
“Quem repudiar seu cônjuge,
não sendo por causa de relações sexuais
ilícitas, e casar com outro,
comete adultério” (Jesus, em Mateus
19:9)
Em Cantares, a fidelidade é descrita co­
mo estrutura comparável a uma inexpugná­
vel fortaleza:
“Eu sou um muro, 
e os meus seios como as suas torres; 
sendo eu assim, fui tida por digna 
da confiança do meu amado” (8:10).
“Eu sou um muro”, uma muralha, um cas­
telo forte, de altas, alertas e defensivas torres — 
diz ela.
34
É claro que essa é uma declaração posta na 
boca da mulher. Mas quem tem dúvida de que 
tal assertiva possa e deva embutir-se perfeita- 
mente em lábios masculinos?
Os seios altos e belos da esposa eram torres 
inalcançáveis. Que bela figura para caracterizar 
que o seu corpo a ninguém mais entregava, 
e por ninguém se deixava apalpar ou possuir! 
O resultado de tal atitude é óbvio:
“fui tida (o) por digna (o) da confiança do 
(a) meu (minha) amado (a)” .
O amor não arde em ciúme”, mas também 
não dá motivos reais para o outro arder em 
ciúmes. Normalmente são os mais tendentes 
à infidelidade os que mais ciúmes têm. Proje­
tam suas próprias fantasias no outro e nele 
concebem o mal.
Outra belíssima figura que Cantares 
empresta à fidelidade é a de um indevassável 
e oculto Éden de amor, paraíso perdido, cujo 
caminho só o cônjuge conhece, e de cujos 
frutos só ele provou, e cujas cristalinas águas 
mitigavam exclusivamente sua sede:
“Jardim fechado és tu, 
minha irmã, 
noiva minha, 
manancial recluso, 
fonte selada” (4:12)
Que amor se mantém inteiro e sadio sob a 
supeita de que outro já bebeu ocultamente da 
fonte, já comeu do fruto, já penetrou triun­fante no jardim das delícias que só a ele per­
tencia?
A resposta é dispensável.
35
AMIZADE
Fidelidade e amizade são irmãs gêmeas, 
pois o amigo não trai. No entanto, queremos 
nos deter no fenômeno amizade como virtu­
de diferenciada da fidelidade na perspectiva 
do tratamento, pois pode-se ser fiel mas ser 
bruto, incompreensivo, tirano, exigente, 
cruel, incompassivo, amedrontador. . .
O Cântico dos Cânticos não é só a poesia 
de dois amantes no casamento, mas inclusive 
de dois amigos e companheiros fraternais.
O amor que é só paixão é vulcânico, emo­
cional, irracional e imprevisível. Por isso, na 
receita do amor feliz tem que ser colocada 
uma boa e bem temperada pitada de fraterni­
dade.
É estranho, mas cônjuges apenas apaixo­
nados sofrem e fazem sofrer imensamente.
Amor-paixão sem amizade-fraterna é como 
uma cachoeira sem leito e caminho ou como 
avião sem piloto ou equilibrista sem prumo. 
Não tem rumo, controle ou equilíbrio.
E por isso que os apaixonados de Cantares 
se vêem também como irmãos:
“arrebataste-me o coração, minha irmã” 
(4:9)
“jardim fechado és tu, minha irmã” (4:12) 
“Abre (a porta), minha irmã” (5:2)
Há horas nas quais o melhor auxílio que 
tem o casamento é a amizade serena, dialogá- 
vel, interlocutora, racional, aconselhadora, 
sacerdotisa, companheira. . .
No meio da impaciência, das diferenças de
36
temperamento, gostos e idéias, a amizade 
ajuda mais que a própria paixão, o desejo e o 
prazer.
Nesses momentos os cônjuges têm que ten­
tar vencer o que os vence com fraternidade e 
camaradagem; tratar-se como parcimoniosos 
amigos; respeitar-se como os estranhos se res­
peitam.
Quando, por causa das diferenças, um côn­
juge não está conseguindo amar o outro, 
deve amá-lo ao menos como ao amigo (a).
Todos nós sabemos que na hora das discor- 
dâncias é difícil ver o outro como tal, mas 
esta é a única maneira de eles preservarem o 
respeito mútuo.
SANTIDADE
As virtudes são quase sempre redundantes, 
se retro-alimentam, dependem umas das ou­
tras. Pois veja: fidelidade e amizade desembo­
cam no rio da santidade, pois quem é fiel e 
amigo mantém-se puro para o outro. No en­
tanto, a santidade como virtude tem caráter 
mais subjetivo que a fidelidade, é mais motiva- 
cional que comportamental, mais íntima que 
aparente, mais determinadora de atitudes do 
que de ações. É mais devocional do que mo­
ral; no seu referencial é mais vertical que ho­
rizontal, mais sacramental do que ética.
Na relação entre o homem e sua mulher (e 
vice-versa) esse espírito de santidade tem que 
estar presente, pois sem tal perspectiva, o 
máximo que se obtém é moralismo, condutis- 
mo e legalismo, nunca um coração que não
37
trai, não engana e não se polui — sobretudo e 
antes de tudo — por encarar o seu casamento 
como uma relação sagrada e improfanável. 
Eis a razão por que no Cântico dos Cânti­
cos se lê:
“Abre-me (a porta),
Minha irmã, 
querida minha; 
pomba minha, 
imaculada minha. . . ” (5:2) 
ou ainda:
“Mas uma só é a minha pomba, 
a minha imaculada. . .” (6:9).
Outra vez perguntamos: À luz de toda a 
Escritura, e especialmente do Novo Testamen­
to, tal assertiva relaciona-se somente à mulher, 
ou diz respeito também aos deveres do ho­
mem?
Não há necessidade de responder ao óbvio. 
A tradução de Efésios 5:25 a 27 para o 
contexto da relação conjugal fica assim:
“O marido deve amar a sua mulher,
a ponto de se entregar por ela,
para que a santifique,
purificando-a por meio da água da palavra,
para apresentar a si mesmo
esposa gloriosa,
sem mácula,
porém santa e sem defeito” .
Somente os santos santificam!
A relação da palavra imaculada com a pom­
ba sugere uma santidade sem pedantismo, 
sem fanfarrismo, sem vanglória, mas pelo 
contrário, inocente, pura e simples (Mt. 
10:16b).
38
HONRA
Quem é fiel não trai; quem é amigo com­
preende; quem é santo, santifica e respeita; 
por conseguinte, honra. As virtudes geram 
uma espécie de “efeito cascata” .
Honra é apreço, preito, homenagem, crédi­
to, reputação, consideração, distinção, mercê, 
atenção, fineza, glória, fama e celebridade: 
“Saí, ó filhas de Sião, 
e contemplai ao Rei Salomão 
com a coroa
com que sua mãe o coroou
no dia do seu desposório,
no dia do júbilo do seu coração” (3:11)
O coral do Cântico dos Cânticos exalta a 
honra, o júbilo e a glória de Salomão no dia 
do seu desposário, ou seja, do seu casamento.
Nesse dia ele foi coroado!
Não deveria o casamento ser encarado co­
mo um ato de realeza, de coroação?
No contexto de Cantares, isso tem a ver 
com a situação histórica concreta de Salomão. 
Mas não seria possível imaginar o próprio 
ato do casamento como o dia do júbilo, da 
alegria e da coroação de um ser humano?
A Bíblia, num sentido amplo, confere ao 
casamento essa honra real:
“Digno de honra entre todas seja o matri­
mônio” (Hb. 13:4).
A honra mútua na vida conjugal deve tra­
duzir-se na imputação da dignidade que cada 
qual confere ao outro.
Honrar o companheiro (a) é dignificar ca­
39
da uma de suas vitórias, afirmar sua alegria, 
acreditar em sua palavra, considerar seus de­
sejos, homenageá-lo por suas realizações, dis- 
tingui-lo com favores especiais, reconhecer 
suas qualidades publicamente, celebrá-lo co­
mo a alguém especial.
Ora, mas alguém diría: Tal pessoa é especial 
demais para ser o meu marido ou a minha es­
posa! Digo eu: Mas como você conseguiu 
casar com alguém a quem não admira? Com 
alguém que a seus olhos não é especial? Com 
uma pessoa sem feitos, sem realizações, sem 
virtudes?
Não consigo acreditar que haja alguém que 
se tenha deixado conquistar e fascinar pela 
desgraça com cara humana, e nem posso 
crer que a mais banal das criaturas não seja em 
si mesma especial.
Quem ama vê motivos suficientes para 
honrar o outro.
A honra é indispensável virtude na conso­
lidação da vida a dois.
SUBMISSÃO
Neste momento a responsabilidade recai 
especialmente sobre as mulheres. Isso porque 
em lugar nenhum da Escritura se requer que 
os homens sejam submissos às suas esposas. 
No entanto, isto é requerido delas com algu­
ma frequência:
“As mulheres sejam submissas 
aos seus próprios maridos, 
como ao Senhor” .
40
“Como, porém, a Igreja está sujeita a 
Cristo, assim também as mulheres 
estejam sujeitas aos seus próprios mari­
dos”.
. . a esposa respeite a seu marido” 
(Efésios 5:22, 24, 33).
O que determina a qualidade da submissão 
é o referencial divino:
“ . . . como ao Senhor”
“ . . . assim também as mulheres”
“. . . como a Igreja. . .”
Há dois padrões elevados:
— O Senhor
— A Igreja a Cristo.
No Cântico dos Cânticos, conquanto fique 
claro a qualquer pessoa — mesmo numa rápida 
leitura — que a mulher está sujeita ao mari­
do, na maior parte das vezes aparece uma 
submissão implícita, não declarada, não 
achatante, não esmagadora.
Há apenas uma única frase indicadora de 
submissão:
“Leva-me após ti. . .” (1:4)
É uma submissão leve, livre, suave e auto- 
oferecida!
No contexto amplo da Escritura, especial­
mente no N.T., a submissão não é apenas um 
direito do homem sobre a mulher, mas antes 
de mais nada uma condição adquirida pela 
vida e pelas ações qualificativas:
“ . . . como também Cristo é o cabeça”
“. . . como também Cristo amou, 
e a si mesmo se entregou por ela.”
“Assim também os maridos devem
amar as suas mulheres”
41
. .Como a seus próprios corpos”
. . antes a alimenta, e dela cuida, 
como também Cnsto o faz com a Igreja” . 
“ . . . cada um de vós de per si, 
também ame a sua própria esposa” 
(Efésios5:23,25, 28, 29, 33)
Se entendo o que leio acima, a submissão 
da mulher ao marido é quase-devocional, ou 
mesmo, totalmente devocional. É uma submis­
são inspirada, estimulada e engravidada pelo 
amor do marido, por suas atitudes maduras, 
altruístas, solidárias, de uma autoridade não 
despótica.
Portanto, quando se fala na responsabilida­
de das mulheres quanto a serem submissas a 
seus próprios maridos, se está falando — de 
fato e muito mais — no amor dos maridos, 
amor gerador dessa submissão leve e livre naalma da esposa.
Sem esses cinco pilares, a utopia descrita 
na FORÇA DO AMOR não sobrevive à lua-de- 
mel.
A poesia do amor só não é engano e ilusão 
quando repousa segura sobre fidelidade, ami­
zade, santidade, honra e submissão.
É assim que o amor se mantém.
42
CAPÍTULO III
AMOR: OS AGENTES 
PSICOLÓGICOS DE 
SUA AFIRMAÇÃO
O amor é fenômeno na alma, na psique, nas 
entranhas do ser, na raiz da vida, fazendo aí 
nascer o germe da vontade em direção ao ou­
tro, do desejo não egoísta voltado para 
alguém que se torna mais que o eu que ama.
Justamente por ser o amor fenômeno es­
tranho, misterioso, supraquímico, mágico — 
merece ser olhado como tal. Não a fim de que 
se possa mediocremente debulhá-lo — tal 
pretensão é animalesca — mas na expectativa 
de se saber como acontece o seu escorrer 
de água e vida irrigando a existência, transfor­
mando modestos brotos em flores e frutos, 
operando nos troncos estéreis da vida o mila­
gre do renovo, da esperança, do élan de viver 
e de se dar; de amar.
Quando o amor chega, só Deus lhe concebe 
os motivos. Pode-se tentar teorizar, arrazoar,
43
explicar carências, identificar compatibilida- 
des, descobrir sonhos comuns, projetar espe­
ranças semelhantes, perceber iguais desejos 
veementes, encontrar congruências quase 
absolutas. Mas nada disso vai explicar tudo; 
ou nada, sobre a chegada do amor. Pois 
quantas são as vezes em que duas pessoas 
identificáveis passam a vida juntas sem jamais 
encontrarem em suas semelhanças ou sadias 
e complementares dessemelhanças razão para 
se associarem na vida e no amor!
Mas no presente momento minha preocupa­
ção, mais do que fazer nascer, é manter vivo 
o que existe; é conservar incandescente, ar­
dente, candente a chama do amor. Por isso, 
me dedicarei a refletir sobre o fenômeno pos­
terior à sua súbita e vitoriosa chegada. Minha 
reflexão voltar-se-á para os aspectos psicoló­
gicos essenciais à manutenção da chama ar­
dente do amor no coração já por ele incen­
diado.
DIFERENCIAÇÃO
O amor se mantém psicologicamente co­
mo fenômeno de afirmação e distinção. O 
objeto do amor não se deixa industrializar, 
fabricar em série, de modo indistinguível em 
relação aos demais seres humanos. O objeto 
do amor só pode ver-se como ser único, inigua­
lável, incomparável. Afinal, o amor consiste 
também em tornar o comum, especial; o or­
dinário, extraordinário; o referível, irreferí- 
vel.
Qual é o cônjuge que se sente amado (a)
44
quando não percebe nenhuma diferença en­
tre o tratamento a ele (a) dispensado e o que 
é projetado em direção às pessoas do sexo 
oposto à sua volta?
Sem a diferenciação comparada como 
glorificação do outro, o amor sucumbe ante 
o igualitarismo comportamental. Nesse senti­
do o amor é paradoxal: fraternalmente ele é 
socializador, mas conjugalmente é cataliza­
dor de todas as afeições que puder obter.
É por isso que a linguagem da diferencia­
ção em Cantares é quase rude e irreal:
“Qual o lírio entre os espinhos, 
tal é a minha, querida 
entre as donzelas” (2:2).
Se comparados aos demais, os cônjuges 
querem ter a afirmação de sua superioridade 
inalcançável. É como fazer espinho concor­
rer com lírio:
“Qual a macieira entre as árvores do 
bosque,
tal é o meu amado 
entre os jovens” (2:3)
A excelência da qualidade, do sabor, do 
prazer que promove, da natureza que possui, 
tem que ser afirmada. Seu gosto é inigualá­
vel, assim como a maçã, inimitável em seu 
paladar.
E essa capacidade de afirmar a diferença 
do objeto do amor — mesmo que seja para 
enfrentar os que não vêem nada de especial 
na pessoa que recebe a concentração única 
do nosso amor — tem que ser suficientemente 
forte:
“Quem é o teu amado
mais do que outro amado,
ó tu, mais formosa entre as mulheres?
45
Que é o teu amado
mais do que outro amado,
que tanto nos conjuras?” — perguntam
as amigas.
Diz ela:
“o meu amado é alvo e rosado, 
o mais distinguido entre dez mil”
(5:9 e 10).
Na sociedade poligâmica, no harém real, 
havia o pano de fundo histórico explicativo 
do que se segue:
“Sessenta são as rainhas, 
oitenta as concubinas, 
e as virgens sem número.
Mas uma só é a minha pomba, 
a minha imaculada, 
de sua mãe a única, 
a predileta daquela que a deu à luz; 
viram-na as donzelas 
e lhe chamaram ditosa; 
viram-na as rainhas 
e as concubinas 
e a louvaram” (6:8, 9).
E assim que o amor vê, isso porque ele é 
justificador, embelezador, atribuidor de virtu­
de, pleno de graça, encobridor de falhas, 
projetador de grandezas, onde tantas vezes 
nem elas existem:
“Tu és toda formosa, 
querida minha, 
e em ti não há defeito” (4:7)
Sem dúvida você deve estar pensando:
“E , mas mesmo amando 
o meu cônjuge, 
vejo nele 
muitos defeitos, 
e até feiúras” .
46
Mas saiba ò seguinte: o amor não deixa de 
ver erros e defeitos, ele simplesmente os su­
blima, transcende, perdoa; embeleza-os com 
qualidades que existem no ser objeto do 
amor.
Na declaração supra, feita pelo esposo, o 
que realmente dá significado à poesia não é:
“Tu és toda formosa” 
ou
“Em ti não há defeito” , 
mas sim:
“querida minha” .
É o fato de ser querida e amada que a torna 
“ toda formosa” e “sem defeito”. Não que ne­
la não houvesse extraordinária beleza, mas 
sem dúvida é o amor que lhe atribui ausên­
cia total de defeitos. Não é uma constatação 
objetiva, mas subjetiva e graciosa.
O amor sempre gera graça!
Que fique claro que a diferenciação é uma 
necessidade suprema, na psiquê do objeto 
do amor (ele ou ela), quanto a manter a cha­
ma do sentimento ardente na alma.
AUTO-IMAGEM
A afirmação diferenciada que o cônjuge 
faz do outro é sempre geradora de auto-ima- 
gem naquele que a ouve e que a recebe para 
si.
Aliás, esse é o caminho: a afirmação posi­
tiva produz uma auto-imagem sadia naquele 
que é o objeto das assertivas.
Assim é que em Cantares, especialmente a 
esposa é plena de uma convicta e bela auto-
47
imagem.
Mesmo a eventual cor de sua pele, excessi­
vamente queimada do sol, não lhe tira a cer­
teza de sua beleza:
“Estou morena, 
porém formosa” (1:5)
Seu ego também se vê de alguma forma 
belo:
“Eu sou a rosa de Sarom, 
o lírio dos vales” (2:1)
Pouca coisa faz tanto bem quanto possuir 
uma auto-imagem sadia e equilibrada. Sem as 
auto-exaltações dos soberbos e sem a auto-fla- 
gelação dos culpados e ingratos.
A nossa Sulamita de Cantares é mulher se­
gura e de firmes convicções. Não se julga inca­
paz de despertar o amor, como sucede com 
muitas pessoas. Porque não se amam, nunca 
admitem que são amadas. E quem não se 
ama, jamais se vê como capaz de despertar 
amor ou admiração em alguém.
Ela diz com certeza:
“O meu amado é meu, 
e eu sou dele” (2:16)
Essa convicção é tão forte, que a faz afir­
mar de novo, agora invertendo a ordem ini­
cial, de possessão para entrega:
“Eu sou do meu amado, 
e ele é meu” (6:3).
Outra vez a Sulamita aparece como uma 
mulher consciente de que a sua ausência é 
geradora de saudade e desejo no companhei­
ro. Estar longe dela é estar carente, é estar 
com menos, é ser infeliz, é estar incompleto: 
“Eu sou do meu amado, 
e ele tem saudades de mim” (7:10).
Por último, ela se afirma como conhecedo-
48
ra do tipo de caráter de que é tecida.
Nada é mais perigoso do que ver-se como 
invulnerável, mas também nada é tão vul­
nerável quanto enxergar-se como fácil e rapi­
damente conquistável.
Mas a mulher do Cântico dos Cânticos de­
senvolveu auto-imagem positiva também em 
relação à estrutura do seu caráter:
“Eu sou um muro, 
e os meus seios 
como as suas torres; 
sendo assim, 
fui tida por digna
da confiança do meu amado” (8:10)
Assim é que nela encontramos vários níveis 
de expressão de auto-imagem:
Em relação à aparência: “Estou morena, 
porém formosa”.
Em relação ao ego: “Eu sou a rosa, o lí­
rio...”
Em relação ao possuir: “O meu amado é 
meu e. . .”
Em relação a entregar-se: “eu sou do meu 
amado. . .”
Em relação d sua ausência: “ele tem sauda­
des de mim” .
Em relação ao seu caráter: “fui tida por 
digna de confiança.”
Mas é bom que fique claro: boa parteda 
auto-imagem que nosso parceiro de vida co­
mum possui nós é que provocamos nele, se­
ja por elogios e reconhecimentos, seja por 
massacres psíquicos e nossa incapacidade de 
atribuir-lhe virtude. Isso não exclui — nem po­
dería ser diferente — o fato de que a criação 
que cada um de nós recebeu contribuiu signifi­
cativamente para determinar a maneira como
49
nos vemos e nos aceitamos. Um bom cônjuge 
pode ser agente de terapia psíquica para o 
companheiro durante toda a vida.
O amor também se mantém psiquicamente 
sadio e aceso mediante esse abanar da afir­
mação que gera auto-imagem incandescente, 
esbraseado, no fogareiro da alma.
A M UTUALIDADE
É interessante, mas em Cantares o processo 
psicológico é perfeito: diferenciação gera
auto-imagem positiva, que por seu turno pro­
move a mutualidade.
O belo é que são alguns dos poemas re­
veladores da auto-imagem da mulher que 
agora reaparecem a fim de demonstrar que é 
na troca dos pertencimentos e das entre­
gas, dos serviços prestados, das mãos que 
se lavam, dos corpos que se abrigam, dos 
egos que se deixam possuir mutuamente, 
que o amor se afirma:
“Eu sou do meu amado, 
e ele é meu” .
“O meu amado é meu, 
e eu sou dele” (6:3;2:16).
Na linguagem sábia e poética de Eclesiastes 
esse fenômeno de mutualidade é assim descri­
to:
“Melhor é serem dois do que um, 
porque têm melhor paga do seu 
trabalho.
Porque se caírem, 
um levanta o companheiro; 
ai, porém, do que estiver só;
50
pois, caindo, não haverá quem o 
levante.
Também se dois dormirem juntos, 
eles se aquentarão;
mas um só como se aquentará? 
Se alguém quiser prevalecer contra 
um, os dois lhe resistirão; 
o cordão de três dobras não se rebenta 
com facilidade”
(Eclesiastes 4:7 a 12).
O amor pode existir e se manter por mui­
to tempo sem ser correspondido apenas no 
espreitar dos corações daqueles que amam a 
distância, platonicamente, de modo inconfes- 
so, oculto, no esgueirar das sombras e das es­
quinas, mediante contemplação semi-adorati- 
va — como menino com fome em frente à 
vitrina da padaria. Mas na relação conjugal o 
amor não correspondido se deixa acumular 
de amarguras, revoltas, azedumes, lembranças 
dolorosas, agudas e profundas, fazendo nas­
cer, por fim, não raramente, uma espécie de 
ódio ou de amor dissimulado e adoecido.
A mutualidade exige uma co-respondência, 
pois sem resposta a proposta de quem ama 
toma-se oferecimento rejeitado, portanto 
humilhado, pisoteado e chicoteado pela indi­
ferença daquele ao qual alegremente se doara.
A relação conjugal é relação de mutualida­
de, ou então não é relação con-jugal, con-ju- 
gada, relação de mesmo jugo, de distribuição 
equânime, de socialização de amor e afetos.
A psiquê humana responde e exige ser co- 
respondida. Por isso, a mutualidade é outro 
forte agente psicológico de manutenção do 
amor conjugal.
51
SENSO SEXUAL
O amor entre um homem e uma mulher 
é também amor entre macho e fêmea; entre 
seres de sexos opostos, tão opostos quanto 
atraentes entre si; tão diferentes quanto em- 
butíveis; tão dessemelhantes quanto perfei- 
tamente complementares.
É nessa diferença que a psiquê desenvolve 
o fenômeno do mistério, do oculto, do enig­
mático, do encoberto, do guardado, a fim de 
excitar-se em desvendar o mistério, revelar 
o oculto, decifrar o enigmático, descobrir o 
encoberto e apropriar-se do guardado.
Mas o amor conjugal não viverá para 
sempre do misterioso. Os idosos amantes têm 
na preocupação de quem morrerá primeiro o 
mistério maior que anima as suas existências, 
pois quem ama e é amado quer partir depois, 
para poupar ao outro o sofrimento de uma 
irresolvível saudade. Mas entre os amantes 
jovens — ainda distantes do silêncio do se­
pulcro e das lágrimas de uma saudade feita 
de um banzo maior que o das naus carregadas 
de africanos desterrados e deserdados — o 
amor é feito de mistério e de senso sexual.
Estamos usando a expressão “senso sexual” 
a fim de não sermos julgados impiedosa e 
precipitadamente por aqueles que não conse­
guem dar ao sensual um papel sadio dentro 
do casamento, sem que logo o relacionem às 
carnais insinuações dos que só projetam seus 
corpos na perspectiva pública da lascívia, 
lúbrica, voluptuosa, libertina, impudica, enfim
52
carnal, maligna e promíscua.
Quando falamos de “senso sexual” deseja­
mos retratar exatamente o valor etimológi- 
co das duas palavras:
— Senso: Faculdade de apreciar: sentido,
tino, sensibilidade, percepção.
— Sexual: referente à cópula, à união entre
os sexos; pertinente à relação en­
tre um homem e sua mulher,qua­
lidade do macho e da fêmea, ele­
mento distintivo e caracterizador 
tanto na diferença quanto na atra­
ção entre os opostos.
Portanto, senso sexual, em nosso conceito, 
significa a percepção aguçada para a diferença 
sexual do outro, na sua capacidade de atrair. 
Senso sexual no sentido em que estamos em­
pregando é a capacidade de apreciar, de sen­
tir, de perceber a diferença do cônjuge. Ele 
se deixa impressionar pelo mistério, pela bele­
za, pelo encontro e a dessemelhança atrativa 
do outro (a), como também se deixa invadir 
por uma sadia curiosidade, desejo de penetrar 
o impenetrável, possuir o impossuível, apro­
priar-se do inapropriável. Na realidade, eu 
creio que mesmo entre aqueles que se perten­
cem, na qualidade de marido e mulher, tal 
realidade pode continuar presente. Toda nu­
dez, entre.um homem e uma mulher, deve 
ser nudez plena de mistério; nudez dada e, es­
tranhamente, reservada; nudez exposta e, ao 
mesmo tempo, resguardada da banalidade; 
nudez livre, mas jamais vulgarizada; nudez 
sempre percebida, mas nunca tornada comum 
e não-poética; nudez sempre mágica e cheia 
de uma inocente capacidade de insinuar o
53
amor e o prazer no companheiro (a).
Assim é que no Cântico dos Cânticos esse 
senso sexual e essa curiosidade desejosa con­
tinuam presentes na relação dos cônjuges: 
“O meu amado é semelhante ao gamo, 
ou ao filho da gazela; 
eis que está detrás da nossa parede, 
olhando pelas janelas, 
espreitando pelas grades” (2:9).
É desse modo que ele alimenta tanto a sua 
psiquê quanto a dela: por trás, olhando, es­
preitando, curioso, a intimidade dela. Isso 
porque o homem vive — sexualmente fa­
lando — do desejo de possuir o corpo da­
quela que o inspira — sua mulher — e ela — a 
esposa — do prazer de saber que faz nascer 
na alma dele o desejo de possuí-la. São duas 
psiquês diferentes: uma quer possuir, a outra 
quer ser possuída.
Homem e mulher são assim!
Quem nega isso, ou está sendo hipócrita, ou 
está negando a história, ou assinando seu ates­
tado de patologia sexual.
O senso sexual prossegue em Cantares na 
medida em que tanto o marido percebe o 
dançar especial do corpo de sua mulher, 
quanto ela se apresenta marcada por uma fe­
minilidade expressiva:
“Que formosos são os teus passos dados 
de sandália, 
filha do príncipe!
Os meneios de teus quadris 
são como colares trabalhados 
por mãos de artistas” (7:1).
Portanto, parece evidente que no Cântico 
dos Cânticos o amor é psicologicamente te- 
rapeutizado pela afirmação diferenciada, que
54
pelas gazelas e cervas do campo,
que não acordeis nem desperteis o amor,
até que este o queira” (2:7; 3:5).
Gazelas e cervas são animais conhecidos na 
poesia oriental por sua timidez e recato. As­
sim é o amor: é, ele faz com que até os tími­
dos se declarem, e os recatados se aventurem 
para além dos limites de suas estreitas frontei­
ras de expressões. Se você tem dúvida do que 
estou afirmando, então é só imaginar, ou me­
lhor, lembrar como ficam os apaixonados: 
falantes, desinibidos, soltos, livres, soprados 
pela brisa da poesia, encantados.
Mas o estribilho do silêncio e das ações 
cautelosas, para que não se acorde o amor de 
seu sono, de seu inverno na alma, de seu leito 
de sossego, visa revelar também esta outra 
verdade:
Tenha cuidado para não provocar aquilo 
que pode se tornar irreprimível.
Tal cautela refere-se àqueles que ainda não 
foram atingidos pela força mortal e paradoxal­
mente vivificadorado amor. É por isso que 
é a mulher casada quem diz às amigas soltei­
ras:
“Conjuro-vos, ó filhas de Jerusalém, 
pelas gazelas e cervas do campo 
que não acordeis nem desperteis o amor, 
até que este o queira” .
Amar é mais que ser feliz; é perder o di­
reito à auto-felicidade em favor do outro; é 
ser feliz na felicidade promovida para o 
cônjuge; é realizar-se realizando; é comple­
tar-se completando; é beber o refluxo do 
nosso próprio fluxo abençoador; é vida 
entregue e repartida com o objeto-humano 
da nossa caminhada.
30
gera auto-imagem positiva, que se corresponde 
mediante a mutualidade, que produz o senso 
sexual.
E esse senso sexual prossegue se manifes­
tando através da especial e convidativa manei­
ra de olhar, ou seja, mediante uma salutar 
insinuação:
“Arrebataste-me o coração,
minha irmã,
noiva minha;
arrebataste-me o coração
com um só dos teus olhares. . .” (4:9)
O senso sexual, como fenômeno de aprecia­
ção, de percepção, expressa-se também como 
sensibilidade gustativa, cheia de apetite. Os 
cônjuges devem manifestar sua fome e sede 
de amor e sua necessidade de se satisfazerem 
na entrega mútua, na troca de seus auto-sa- 
bores:
“Qual a macieira entre as árvores 
do bosque,
tal é o meu amado entre os jovens; 
desejo muito a sua sombra, 
e debaixo dela me assento, 
e o seu fruto é doce ao meu paladar” 
• (2:3).
Recordemos que para o marido a mulher é 
o paraíso perdido, é seu Éden de prazer 
(4:12).
É por isso que para ele o ato de prová-la 
é tão saboroso como o degustar de variados e 
doces frutos, o sentir de inebriantes cheiros: 
“Os teus renovos são um pomar de 
romãs, com frutos excelentes: 
a hena e o nardo; 
o nardo e o açafrão, 
o cálamo e o cinomano,
55
com toda sorte de árvores de incenso; 
a mirra e o aloés,
com todas as principais especiarias.
Es fonte dos jardins, 
poço das águas vivas, 
correntes que correm no Líbano!” 
(4:13 a 16).
Tal descrição é tão bela e apetitosa, tão 
reveladora de gosto e prazer, que a mulher se 
auto-oferece ao marido:
“Ah! venha o meu amado para 
o seu jardim,
e coma os seus frutos excelentes” 
(4:16b).
Após o saborear da relação sexual, ou seja, 
da entrada no paraíso, no Éden psíquico e 
emocional, o esposo declara:
“Já entrei no meu jardim,
minha irmã,
noiva minha;
colhi a minha mirra
com a especiaria,
comi o meu favo com o mel,
bebi o meu vinho com o leite” (5: 1).
Que coisa linda! 
que beleza colorida: 
verde, azul, amarela, 
vermelha, castanha, 
lilás, violeta, 
cheirosa, 
estonteante, 
irresistível.
Assim é a psicologia do amor.
56
CAPITULO IV
A ESTÉTICA NO AMOR
Cantares é um poema que celebra o amor 
e a beleza. No entanto, já vimos que nele a 
beleza é uma realidade mais subjetiva que 
objetiva, realidade patrocinada pela graça, 
favor imerecido — em relação a Deus — e 
quase imerecido em algumas perspectivas hu­
manas (4: 7). Mas sem dúvida o Cântico dos 
Cânticos anuncia também, com voz de júbilo 
a beleza objetiva, a estética, a forma, o belo, 
o agradável aos olhos.
Quando lidamos com essa perspectiva, sem­
pre nos sentimos temerosos, em razão de duas 
coisas:
1- O mundo não é só dos belos, dos formo­
sos, dos que inspiram os olhos e engravi­
dam corações com a sua imagem.
2- A Bíblia nos adverte com respeito à su­
per ficialização da vida, na idolatração do
57
belo e na minimização do valor da for­
mosura íntima, psíquica, profunda:
“Não seja o adorno das esposas 
o que é exterior, 
como frisado de cabelo, 
adereços de ouro, 
aparato de vestuário; 
seja porém,
o homem interior do coração, 
unido ao incorruptível 
de um espírito manso 
e tranquilo,
que é de grande valor diante de Deus”
(I Pd. 3:3,4).
Mas me parece que Pedro não está combaten­
do a beleza e o trato estético com o corpo, 
antes sim a materialização absolutista do belo. 
Ele está se insurgindo contra a filosofia da 
política do corpo, da exacerbação do ex­
terior em detrimento da vida íntima, bela e 
mansa,
Tão perigosa quanto a hipervalorização 
da estética é sua hipovalorização. Valorizá-la 
demasiadamente é correr o risco de cair na 
adoração do corpo humano:
“mudaram a glória do Deus 
incorruptível em semelhança 
de homem corruptível. . .” (Rm l;23a)
Porém desvalorizar o corpo é pecado de 
natureza gnóstica, ascética, purista, e desti­
tuída de valor com relação a enfrentar a sen­
sualidade:
“Tais coisas, com efeito, têm aparência 
de sabedoria, 
como culto de si mesmo, 
e falsa humildade, 
e rigor ascético;
58
todavia não têm valor algum contra a 
sensualidade” (Cl 2:21 a 23).
Assim é que em Cantares a estética tem seu 
valor sadio e equilibrado pela pendência 
entre o subjetivo e o objetivo, o exterior e o 
interior, o aparente e o profundo, o rosto e 
o coração.
FORMOSURA
A anatomia do amor começa na afirmação 
da formosura:
— Formosura apesar da pele estar excessi­
vamente queimada de sol:
“Eu estou morena, porém formosa,
ó filhas de Jerusalém,
como as tendas de Quedar,
como as cortinas de Salomão” (1 :5).
— Formosura da face:
“As éguas dos carros de Faraó 
te comparo, ó querida minha.
Formosas são as tuas faces entre 
os teus enfeites,
■ o teu pescoço com os colares” (1: 9,10).
— Formosura total:
‘Eis que és formosa, ó querida minha, 
eis que és formosa;
os teus olhos são como os das pombas. 
Como és formoso, amado meu, 
como és amável.
O nosso leito é de viçosas folhas. . .” 
(1:15, 16).
‘Tu és toda formosa, querida minha, 
e em ti não há defeito” (4:7).
“Quão formosa, e quão aprazível és,
59
ó amor em delícias!” (7:6).
— Formosura como a das grandes capitais 
do Oriente:
“Formosa és, querida minha, como 
Tirza,
aprazível como Jerusalém, 
formidável como um exército com 
bandeiras” (6 :4).
— Formosura crescente: estrela d ’alva, lua, 
sol. Aumentando sua glória.
“Quem é esta que aparece como a alva 
do dia,
formosa como a lua, pura como o sol, 
formidável como um exército com ban- 
eiras?” (6:10).
— Formosura convidativa:
“O meu amado fala e me diz: 
Levanta-te, querida minha, 
formosa minha, e vem ” (2:10).
ADORNO
Os cônjuges de Cantares se enfeitam, se 
adornam, se embelezam com o auxílio da sua 
arte contemporânea:
— Enfeites e colares aformoseiam a mulher: 
“Formosas são as tuas faces
entre os teus enfeites, 
o teu pescoço com os colares” (1:10).
— Para ampliar a beleza, mais adornos, pre­
senteados pelos amigos:
“Enfeites de ouro te faremos, 
com incrustações de prata” (1:11).
— O enfeite encantava também o marido: 
“Arrebataste-me o coração,
60
minha irmã, 
noiva minha;
. . . com uma só pérola do teu colar” 
(4:9).
PERFUME
O corpo dos cônjuges deve não somente es- 
ar belo e enfeitado, mas cheiroso:
— Da mulher procedia um perfume im- 
pregnador do ambiente:
“Enquanto o Rei (marido) está assen­
tado à sua mesa,
o meu nardo exala o seu perfume”
( 1:12).
— O perfume do marido era tão bom que, 
quando sua face estava posta sobre os 
seios de sua esposa, isso a lembrava do 
bom cheiro dos saquinhos perfumados 
que usavam as mulheres entre os seios:
“O meu amado é para mim
um saquitel de mirra,
posto entre os meus seios” (1:13),
— 0 cheiro do marido era tão especial que 
se assemelhava a forte fragrância de cer­
tas flores que perfumavam as vinhas ao 
sul do Mar Morto:
“Como racimo de flores de hena 
nas vinhas de En-Gedi, 
é para mim o meu amado” (1:14).
— O rescender do perfume dela era para 
ele superior a qualquer essência orien­
tal:
“O aroma dos teus ungüentos (é me­
lhor) do que toda sorte de
61
especiarias” (4:10).
— Os vestidos dela lembravam o encanta­
dor cheiro dos bosques e campos do 
líbano:
“A fragrância dos teus vestidos 
é como a do Líbano” (4:1 lb).
— O assoprar do vento sobre ela era um 
espalhar de aromas:
“Levanta-te, vento norte, 
e vem tu, vento sul, 
assopra no meu jardim, 
para que se derramem 
os seus aromas” (4:16).
— O mero toque de suas mãos contagiava 
objetos com seu cheiro:
“As minhas mãos destilavam mirra, 
e os meus dedos mirra preciosa, 
sobre a maçaneta do ferrolho” (5:5).
OS CORPOS
É revolucionário o fato de que em Canta­res não apenas o corpo da mulher é belo, 
mas também o do homem. Aliás, ainda que 
não exagerando o valor e o papel do corpo, 
a Bíblia vindica-lhe significativa atenção 
quanto a observar, com alguma frequência, a 
beleza que o possa estar vestindo (I Sam 
9:2; 16:12; II Sam 14:25; Dn 1:4).
Assim é que no livro do amor conjugal ideal 
— Cantares — tanto a mulher quanto o ho­
mem possuem corpos dignos de serem 
considerados. Isso faz ser banido de nossas 
mentes todo gnosticismo subjacente que 
possa estar pretendendo dicotomizar o corpo
62
do espírito, e o material do espiritual. No 
Cântico dos Cânticos o corpóreo é vazado pe­
lo espiritual, e o físico santificado no uso e 
na ação do amor. E é no ato conjugal o mo­
mento no qual surge a maior oportunidade e o 
melhor pretexto para que se tenha uma mente 
grata pela bênção de ser alma corpórea e de 
se poder psicossomatizar alegrias e emoções 
na respota que o corpo dá ao prazer que vem 
pelo encontro apaixonado de duas almas 
con-jugadas pelo amor.
63
CAPÍTULO V
ELE E ELA
Faz-se necessário ver agora como os cônju­
ges do Cântico dos Cânticos detalham a bele­
za física e sexual do outro, afirmando o de­
sejo exclusivo e direcionado de um pelo ou­
tro.
Iniciaremos essa procura observando as de­
clarações do esposo acerca da mulher.
ELA
A mulher é notada e descrita da cabeça aos 
pés no livro de Cantares:
65
A CABEÇA E OS CABELOS
Sua cabeça e seus cabelos são vistos de mo­
do gracioso:
“A tua cabeça
é como o monte Carmelo,
a tua cabeleira como a púrpura;
um rei está preso nas suas tranças ”
(7:5).
Tal é a beleza de seus cabelos que as suas 
amigas — filhas de Jerusalém — admitem que o 
seu marido está preso pelas suas tranças. Tam­
bém se afirma em Cantares o trato especial 
que a jovem esposa dá ao seu cabelo:
— Ela os ondula:
“Os teus cabelos 
são como rebanhos 
de cabras
que descem ondeantes
do monte de Gileade” (4:1b; 6:5).
— Ela os entrança:
“um rei está preso 
nas suas tranças” (7:5).
OS OLHOS
São constantes, graciosos, cheios de ternu­
ra e pureza:
“Os teus olhos 
são como
os das pombas” (1:15b).
66
O seu brilho é tão reluzente, diz tanta coisa 
silenciosamente, que mesmo um véu não os 
impede de serem notados:
“Os teus olhos. . . 
brilham
através do véu” (4: lb).
Os seus olhos exerciam um fascínio hipnó­
tico e perturbador sobre seu marido:
“Desvia de mim 
os teus olhos,
porque eles me perturbam” (6:5).
Uma outra figura belíssima que se oferece 
para caracterizar a transparência do olhar da 
esposa é a da piscina de águas claras:
“Os teus olhos 
são como
as piscinas de Hesbom, 
junto às portas 
de Bete-Rabim” (7:4).
Há um poder arrebatador no seu olhar: 
“Arrebataste-me o coração, 
minha irmã, 
noiva minha, 
arrebataste-me o coração 
com um só dos teus olhares” (4:9).
O ROSTO
A face da esposa do Cantares é como lago 
sereno, como oferta de paz:
“Pomba minha,
que andas pelas veredas dos penhascos, 
no esconderijo das rochas escarpadas, 
mostra-me o teu rosto, 
faze-me ouvir a tua voz,
67
porque a tua voz é doce, 
e o teu rosto é amável” (2:14),
No rosto dela havia revelação. Era o apoca­
lipse do amor. Por isso ele diz “mostra-me o 
teu rosto”. Na face da esposa se desenhava a 
fisionomia daquilo que é amável.
Que diferença há entre esse semblante fe- 
minino-amigo e algumas carrancas que vesti­
ram de vez o rosto de certas esposas!
Tamanha era a luz de amor que esplendia 
do rosto da esposa que o marido dizia:
“As tuas faces (são) como romã 
partida,
brilham através do véu” (4:3).
A impressão que a beleza radiante e cheia 
de vida que o rosto da esposa deixou no seu 
marido foi tão grande que ele repetiu outra 
vez o verso anterior:
“As tuas faces como romã partida, 
brilham através do véu” (6:7).
Repetições são comumente enfatismos ca- 
racterizadores das realidades que marcam a 
mente com fortes impressões. É nessa pers­
pectiva que as repetições de Cantares também 
devem ser lidas.
Do geral o marido apaixonado desce aos 
detalhes do fisionômico no rosto da esposa.
Como já nos detivemos nos olhos e no 
aprofundamento deles no olhar, limitar-nos- 
emos a ver outros elementos definidores da 
configuração facial.
Os lábios dessa mulher objeto de poesia 
são vistos como bem cuidados, pintados e 
bem desenhados no todo da boca:
“Os teus lábios são como um fio de 
escarlata,
a tua boca é formosa” (4:3).
68
Mas a boca dessa mulher não é apenas bela 
e atraente. Sua encantação atinge níveis mais 
profundos. Mergulha numa dimensão abso­
lutamente importante da percepção humana. 
Atinge o paladar: universo do gosto:
“Os teus lábios, 
noiva minha, 
destilam mel” (4:11).
Certamente tal descrição deve ser lida com 
maior objetividade que subjetividade. Não 
é mera descrição poética, subitamente dotada 
da beleza que no mundo real não se conhece. 
A asseveração de que há mel derramando-se 
da boca da esposa revela antes de ficção 
amorosa, o bom trato da mulher para com a 
sua boca. Tamanha é a grandeza objetiva dessa 
percepção que o marido diz:
“Mel e leite se acham debaixo da 
tua língua” (4:11).
Tal é a magia da boca na encantação do 
amor, que os dentes são vistos como essen­
cialmente importantes e dignos de observa­
ção:
“São os teus dentes
como rebanho de ovelhas recém-tos-
quiados,
que sobem do lavadouro, 
e dos quais todos produzem gêmeos, 
e nenhuma delas há sem crias” (4:2).
Numa linguagem contemporânea manifesta- 
dora da realidade parafrasearíamos a poesia 
supra da seguinte forma:
“Os teus dentes 
estão bem escovados, 
devidamente higienizados, 
estão todos completos.”
69
Novamente vale notar a impressão que essa 
boa aparência dos dentes causa na mente do 
cônjuge. É tal o impacto que ele repete a 
poesia mais adiante:
“São os teus dentes
como o rebanho de ovelhas,
que sobem do lavadouro,
dos quais todos produzem gêmeos,
e nenhuma delas há sem crias” (6: 6).
O rosto da esposa é percebido como uma 
obra de arte, como uma arquitetura em car­
ne e osso. Por isso até o nariz da companhei­
ra é descrito com a força de uma comparação 
arquitetônica:
“O teu nariz é como a torre do Lí­
bano,
que olha para Damasco” (7:4b).
Certamente que a intenção do marido é 
afirmar a forma bem construída do nariz de 
sua esposa. Todavia, é verdade que esse con­
ceito de beleza é tão lato quanto subjetivo, 
tão misterioso quanto inexplicável, tão pro­
fundo quanto impenetrável. Há uma ótica 
cultural pela qual se enxerga a beleza.
O belo no ocidente pode ser o feio no 
oriente. O atraente na Europa pode ser o re­
pugnante na África. Isso porque a beleza é 
mais conceituai e cultural do que objetiva e 
pragmaticamente palpável.
O PESCOÇO
É interessante observar a beleza como um 
acontecimento histórico-cultural, logo, tam­
bém, imerso nos conceitos caracterizadores
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da contemporaneidade dos que se deixam 
encantar pela beleza:
“O teu pescoço é como a torre de 
Davi,
edificada para arsenal;
mil escudos pendem dela,
todos broquéis de valorosos” (4:4).
Outra vez a beleza é contemplada na pers­
pectiva cultural: torre de Davi, escudos, bro­
quéis. Alude-se assim aos adereços embele- 
zadores do pescoço da esposa: colares, gar- 
gantilhas e enfeites.
A perfeição e os belos contornos do pesco­
ço da esposa são vistos como “uma torre 
de marfim” (7 :4 ).
Essa meticulosidade do olhar poético do 
marido tem muito a ensinar aos homens 
acerca de seus olhares freqüentemente ge- 
neralistas e incapazes de notar a beleza sutil 
da esposa.
OS SEIOS
Os seios ocupam preponderante impor­
tância' na visão física do livro de Cantares. 
Essa observação deve ser verdadeira tanto 
pela quantidade de alusões que há acerca de­
les, quanto também em razão das repetições 
que são feitas no que tange à sua paridade be­
la e perfeita. Assim é que diz o marido:
“Os teus dois seios
são como duas crias,
gêmeas de uma gazela,
que se apascentam entre os lírios” (4:5).
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Numa alusão abreviada mas totalmente 
semelhante ele diz:
“Os teus seios
como tuas crias,
gêmeas de uma gazela” (7:3).
Os seiosda esposa são vistos como jovens 
(duas crias), como iguais (gêmeas) e como per­
fumados (entre os lírios). Esse trato da esposa 
com o seio aparece também na relação compa­
rativa com duas torres, eretas, rijas, sobres­
saídas:
“Eu sou um muro, 
e os meus seios
como as suas torres” (8 :10a).
Há no texto supra, como já vimos ante­
riormente, não apenas uma alusão ao fato de 
que os seios da mulher não eram tocados e 
alcançados por qualquer ambição masculina 
tornando-se ela assim digna de confiança — 
mas há também uma referência ao trato para 
com os seios. Por isso eles não são flácidos e 
precocemente envelhecidos. Conservam-se em­
pertigados como duas torres. Obviamente que 
tal reivindicação tem tempo e hora. Afinal, 
o corpo humano envelhece e morre.
Tamanha é a inspiração que o seio da es­
posa gera no cônjuge que ele diz:
“Esse teu porte é semelhante 
à palmeira,
e os teus seios a seus cachos.
Dizia eu: Subirei à palmeira, 
pegarei em seus ramos.
Sejam os teus seios
como os cachos da vida” (7 :7 ,8 ).
São seios que convidam a serem tocados 
como os cachos da palmeira e revelam-se 
saborosos como os cachos da uva. É por isso
72
que o marido tem prazer em descançar em 
seu regaço:
“O meu amado é para mim
um saquitel de mirra,
posto entre os meus seios” (1:13).
O UMBIGO
A anatomia do amor na Bíblia desce a um 
nível de detalhamento que a maioria dos 
cristãos que conheço não podem suportar. 
Ante descrição como essa que me propus a 
fazer em Cantares sei que exponho-me a ser 
mal entendido e interpretado. Reconheço 
que a mentalidade evangélica ainda é possuí­
da por um ascetismo corpóreo maligno (Mc 7: 
18, 19; Rm 14:14; Tito 1:15) e hipócrita 
(Mt 23:25; Cl 2:18, 19, 21a 23).Mas resolvo 
correr o risco unicamente por não me ver mais 
santo que o Espírito Santo que inspirou 
Cantares e também por causa do princípio 
hermenêutico enunciado por nós na introdu­
ção do livro.
A alegoria espiritual de Cantares (perspecti­
va que vê o livro como vertical e definidor 
apenas da relação de Cristo com a Igreja) só 
é legítima, tanto comparativa quanto moral e 
eticamente falando, se o paradigma (o amor 
do homem e da mulher, que é o padrão e o 
modelo da comparação) for igualmente 
legítimo, seja comparativa^ seja eticamente. 
É por essa razão que o anúncio feito pelo ma­
rido de que se abebedava do vinho do amor 
no cálice natural do umbigo da sua esposa 
não é uma afirmação desrespeitosa, antes san­
73
ta, bela e sensualmente própria:
“O teu umbigo é taça redonda, 
a que não falta bebida ” (7:2).
ELE
É algo quase agressivo ante as machistas 
perspectivas pelas quais enxergamos o ho­
mem, a afirmação de que o marido tem sua 
beleza esmiuçada na poesia de Cantares tan­
to quanto a mulher.
Sendo para nós o ser que apenas impõe-se 
pela força, pela inteligência e pelo esforço, 
o homem teve seu físico desmerecido sob 
a alegação de que tratava-se de algo comple­
tamente irrelevante ao casamento. O Canta­
res, entretanto, resgata a beleza do corpo do 
homem com dignidade e poesia.
É extraordinariamente bom quando a nos­
sa mente já está liberta dos algozes do pre­
conceito que põe sobre o homem a idéia-jugo 
de que achar belo outro-igual é sintoma de 
patologia do caráter.
Enquanto escrevo este capítulo me en­
contro numa praia de Casabranca, no Marro­
cos, aguardando uma conexão de trinta ho­
ras, para o Cairo. Foi aqui, passeando pela 
praia no fim da tarde, que senti que minha 
mente estava livre, na santidade do Senhor, 
para admitir que o meu semelhante pode 
ser visto como belo, sem que isso signifique 
qualquer coisa que não seja a mera admissão 
do belo.
74
OS OLHOS
Olhar cristalino, límpido, ridente de luz, 
espelhando a imagem da amada diante da face 
é uma das grandes belezas de que dispõe o 
esposo para fascinar a sua companheira:
“Os seus olhos são como os das pombas 
junto às correntes das águas, 
lavados em leite, 
postos em engaste” (5:12).
Poucas coisas revelam tão pujantemente a 
real beleza de um ser quanto o seu olhar:
“Os olhos são a lâmpada do corpo” 
(Mt. 6:22).
O ROSTO
A esposa revela também a fragrância que se 
exala desde o rosto barbado e bem cuidado 
do seu esposo:
“As suas faces são como canteiros 
de bálsamo,
" como colinas de ervas aromáticas” 
(5:13).
Quando vejo alguns maridos queixarem-se 
do distanciamento físico de suas esposas, 
observo também esses detalhes que a poesia 
do Cântipo dos Cânticos diz que a esposa 
aprecia. É claro que nem toda frieza, distan­
ciamento e indiferença das esposas deve-se 
ao descuido, ao desleixo e ao desmazelo 
físico de seus esposos, mas é sem dúvida que
75
afirmamos que esse dado é deveras impor­
tante.
OS CABELOS
Os cabelos contribuem também para que 
o coração da mulher fique grávido de poesia 
e satisfação:
“A sua cabeça
é como o ouro mais apurado,
os seus cabelos,
cachos da palmeira,
são pretos como os corvos” (5:11).
E curioso observar essa atenção que a mu­
lher dá aos cabelos, aos seus cachos e à sua 
cor. Será que os homens tem considerado a 
possibilidade de que suas esposas não gostam 
de seu penteado ou do seu corte de cabelo? A 
Bíblia — em Cantares — não nos incita à um 
concurso de beleza, mas também não nos es­
timula a concorrermos ao prêmio dos mais 
degradados esteticamente.
AS MÃOS
Mãos calejadas são sinal de trabalho. É mes­
mo. Todavia mãos sujas e mal cuidadas re­
velam descaso para com o instrumento-mor 
da carícia que um homem faz na sua compa­
nheira.
O parceiro conjugal do Cântico dos Cânti­
cos é diferente da maioria de nós no seu cui­
dado com as mãos:
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“As suas mãos
são cilindros de ouro,
embutidos em jacintos;” (5:14).
O VENTRE
A esposa aprecia também a forma e a rigi­
dez do ventre do seu companheiro. Essa qua­
lidade do físico do esposo parece ser aquela 
que mais nos afeta no ocidente, quando se 
vive em sociedades que promovem meios de 
subsistência e empregos quase que comple­
tamente favorecedores da inatividade física. 
Vivemos sentados o dia inteiro, achatando as 
nádegas e dilatando a barriga.
Como tenho dito, qualquer perspectiva 
que eu esteja incentivando de cuidado com 
o corpo tem relação, especialmente, com a 
juventude normal dos casais. Tempo no qual 
não se deve admitir (exceto em razão de pato­
logias hormonais), que o físico se deteriore 
tão rapidamente.Além disso, essa auto-ava- 
liação física deve estar presente freqüente- 
mente em nossas mentes, forçando-nos assim, 
constantemente, a cuidar para que se tenha 
um mínimo de preservação física.
Diz a esposa de Cantares:
“O seu ventre 
é alvo como o marfim, 
coberto de safiras. ” (5:14b).
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AS PERNAS
Na cultura secular ocidental as pernas da 
mulher é que são freqüentemente objeto de 
consideração estética, na maioria das vezes, 
lascivas. Já em Cantares não se encontra nenhu­
ma alusão às pernas da mulher, mas somente 
com respeito às do homem:
“As suas pernas são colunas de 
mármore,
assentados em bases de ouro puro; 
o seu aspecto é como o Líbano, 
esbelto como os cedros ” (5:15).
Pernas rijas (mármore), firmes e seguras 
(bases de ouro), belas aos olhos (aspecto co­
mo o Líbano), prontas, ágeis e lépidas. Sua 
aparência era “esbelta como os cedros” .
Essas são algumas declarações que a esposa 
faz a respeito do impacto estético que o físi­
co de seu companheiro nela causava.
Tudo o que dissemos até aqui neste capí­
tulo teve os seguintes propósitos:
1- Mostrar a dignidade da apreciação da 
beleza física da esposa e do esposo.
2- Resgatar a noção da pureza do belo no 
corpo, demonstrando sua santidade a 
partir da inspiração do Espírito Santo 
na poesia do amor conjugal em Cantares.
3- Estimular os casais - mesmo os mais 
idosos — a tentarem viver na perspecti­
va do auto-preservação da aparência, mas 
sem, contudo, caírem no preservacio- 
nismo físico fútil, vaidoso e idolátrico.
78
Creio que se essas dimensões da vida forem 
também redimidas na mentalidade evangéli­
ca,então criar-se-á o espaço emocional e psi­
cológico para a plena realização afetiva e

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