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Literatura Portuguesa I
QUESTÕES:
I – Segundo Manuel Villaverde Cabral, como a visão “conciliadora” acerca da
identidade portuguesa pode ser definida? E de que forma Mattoso compreende
a formação da nacionalidade portuguesa de acordo com essa visão?
R.: Segundo Manuel Villaverde Cabral, a visão “conciliadora” é a mescla entre as
visões primordialista e instrumentalista. Sendo assim, é uma visão mais abrangente
e por isso mais adequada para tratar da formação da nacionalidade portuguesa, já
que as duas visões, em separado, não daria conta de explicar esse fenômeno.
Para os primordialistas, a identidade nacional se manifesta de forma natural, com
características comportamentais obtidas pelo indivíduo de forma biológica e cultural,
isto é, ao longo de sua evolução ele se complementa com conhecimentos culturais
passados de geração em geração e, apesar do seu constante processo de
sociabilização e do sentimento de diferença com relação a outros grupos sociais, o
indivíduo preserva seu afeto ao grupo social a que pertence desde sua origem.
Assim sendo, a ideia da visão primordialista é conservar os costumes ancestrais e a
valorização de se manter as raízes e as tradições de qualquer povo. Esse conceito,
contudo, não se fundamenta sem complemento e cai em contradição a partir do
momento que se substitui a nação de referência.
No caso dos instrumentalistas, a formação da identidade nacional não é biológica e
sim, social, ou seja, é consequência de um processo de sociabilização e inclinações
de modos de vida cultural e político. Dessa forma, nesse fenômeno, a formação
social é mutável, variando de acordo com o momento econômico, social e político já
que “(...) as elites e contra-elites internas aos grupos étnicos selecionam
determinados aspectos da cultura do grupo, atribuindo-lhes novo valor e significado,
e usando-os como símbolos para mobilizar o grupo, defender os seus interesses e
competir com outros grupos" (Brass, 1994:83-87). Posto isso, para Villaverde, é
correta a visão de autores como Ernest Gellner de que a identidade nacional
repercute de processos de aculturação “(...) como a urbanização, a industrialização e
a própria alfabetização, em suma, aquilo a que, na sociologia histórica, se dá
vulgarmente o nome de modernização.”
Portanto, a visão conciliadora é, para Villaverde, a maneira mais apropriada para o
estudo sincrônico desde que se ponha de lado a dimensão diacrônica e suas origens
fundacionais já que autores como Smith e Llobera desqualificam as teses
conciliatórias por acreditarem na primazia empírica na formação das identidades
nacionais.
Para Mattoso, a formação da nacionalidade portuguesa é baseada numa abordagem
conciliatória, conferindo primazia ao Estado no processo de construção da Nação,
sem descartar uma hipótese etnonacionalista e, sem desconsiderar, claro, que a
sociedade portuguesa do ponto de vista das tradições culturais, tem mais de uma
“etnia”. Fatores como eleição presidencial em dois turnos, implantação do
catolicismo, divisão centro/periferia, proprietários/assalariados e tensões políticas
sistematizaram no final do século XIX uma notória divisão política. Contudo, ainda
que fosse possível restabelecer ao Noroeste atlântico de Portugal atual “(...) um
"potencial etnonacional" qualquer, todo o resto do território português metade ou
mais dele, incluindo a futura capital do reino teria sido, por assim dizer, anexado e
nacionalizado a partir de cima, do duplo ponto de vista territorial e simbólico, isto é,
pela elite nortenha guerreira e católica capitaneada por Afonso Henriques e os seus
sucessores próximos na chefia do Estado português recém-fundado.”
Em síntese, de forma autônoma, a existência do Estado e o fundamento
etno-cultural da identidade portuguesa tolhe discursos que negam uma identidade
fundacional legitimadora fazendo com que se torne uma necessidade real.
II - Segundo a pequena poética das cantigas galego-portuguesas, quais são as
características das cantigas de amor e de amigo? Analise a cantiga abaixo,
buscando ressaltar a diferença que o poeta (D. Dinis) busca fazer entre o seu
modo de cantar e aquele dos provençais.
Proençaes soen muy ben trobar
e dizen eles que é con amor;
mays os que troban no tempo da frol
e non em outro, sey eu ben que non
an tan gen coyta no seu coraçon
qual m'eu por mya senhor vejo levar.
Pero que troban e saben loar
sas senhores o mays e o melhor
que eles poden, sõo sabedor
que os que troban quand'a frol sazon
á, e non ante, se Deus mi perdon,
non an tal coyta qual eu ey sen par.
Ca os que troban e que s'alegrar
van eno tempo que ten a color
a frol consigu'e, tanto que se for
aquel tempo logu'en trobar razon
non an non viven en qual perdiçon
oj'eu vivo, que poys m'á de matar.
R.: Segundo a pequena poética das cantigas galego-portuguesas, as características
das cantigas de amor seguem o universo do fin’amor provençal (sobretudo o da fase
mais tardia), num modelo que não é apenas formal mas que retoma também uma
“arte de amar” que define, em novos moldes culturais e sociais, as relações entre o
homem e a mulher, ou, à exaustão, entre o poeta servidor e a sua senhor (o
chamado “amor cortês”, numa terminologia pouco exata, mas que se tornou
tradicional). De forma retoricamente elaborada, a cantiga de amor apresenta-nos
assim uma voz masculina essencialmente sentimental, que canta a beleza e as
qualidades de uma senhora inatingível e imaterial, e a correlativa coita (sofrimento)
do poeta face à sua indiferença ou face à sua própria incapacidade para lhe
expressar o seu amor. Influenciada pela canso provençal, a cantiga de amor
galego-portuguesa assume, no entanto, algumas características distintas, desde
logo o facto de ser em geral mais curta e de frequentemente (em mais de metade
dos casos conservados) incluir um refrão (quando a norma provençal é a cantiga de
mestria, ou seja, sem refrão).
Já a cantiga de amigo é um género autóctone (que se origina da região onde é
encontrado, onde se manifesta.), cujas origens parecem remontar a uma vasta e
arcaica tradição da canção em voz feminina, tradição que os trovadores e jograis
galego-portugueses terão seguido, muito embora adaptando-a ao universo cortês e
palaciano que era o seu. Desta forma, a voz feminina que os trovadores e jograis
fazem cantar nestas composições remete para um universo definido quase sempre
pelo corpo erotizado da mulher, que não é agora a senhor mas a jovem enamorada,
que canta, por vezes num espaço aberto e natural, o momento da iniciação erótica
ao amor. Desta forma a velida (bela), a bem-talhada (de corpo bem feito) exterioriza
e materializa de formas várias, formas essas enquadradas numa vivência quotidiana
e popular, os sentimentos amorosos que a animam: de alegria pela vinda próxima do
seu amigo, de tristeza ou de saudade pela sua partida, de ira pelos seus enganos –
os sentimentos que o trovador ou o jogral lhe faz cantar, bem entendido. Compostas
e geralmente cantadas por um homem (se bem que possa ter havido igualmente
vozes femininas a cantá-las), as cantigas de amigo põem em cena um universo
feminino alargado, do qual fazem ainda parte, como interlocutoras da donzela, a
mãe, as irmãs ou as amigas. Formalmente, as cantigas de amigo recorrem
frequentemente a uma técnica arcaica de construção estrófica conhecida como
“paralelismo”, a apresentação da mesma ideia em versos alternados, com pequenas
variações verbais nos finais desses mesmos versos, e são quase sempre (em 88%
das cantigas conservadas) de refrão.
O modo de cantar de D. Dinis demonstrado na cantiga colocada para análise, -
cantiga esta de mestria constituída por três estrofes de seis versos (sextilhas)
predominantemente decassílabos - evidencia a diferença entre o poeta com relação
aos provençais já no início da cantiga quando ele se coloca em destaque,
separando-se dos demais usando pronomes como eles e eu: “(...) e dizen eles que é
con amor; / e non en outro, sei eu ben (...)”. O poeta também sugereque os
trovadores provençais são fingidos pois trovam “(...) no tempo da frol/e non en outro
(...)”, atribuindo a este gesto falta de franqueza do seu sentimento, já que, segundo
esse verso, o amor só existe na primavera. Com isso, ele aponta para a
dissimulação dos demais trovadores com relação ao amor, ele enfatiza que o amor
verdadeiro é o sentido por ele já que os proençais não vivem a agonia em que ele
vive “(...) non viven en qual perdiçon / oj’eu vivo(...)”
Assim, sintetizando, “Proençes soen mui ben trobar” é uma cantiga de amor
antagônica, que critica o “amor cortês” dissimulado, contrapondo-a à autenticidade
de D. Dinis que compõe a cantiga de um Eu que sente um amor verdadeiro.
III – Escolha uma das cantigas que se seguem para analisar, estabelecendo um
diálogo com o texto “A metáfora do coração”, de María Zambrano.
A) Joan Ayres de Santiago
Todalas cousas eu vejo partir
do mundo’en como soían seer,
e vej’as gentes partir de fazer
bem que soían, tal tempo vos ven!
Mays no se pod’o coraçon partir
do meu amigo de mi querer ben.
Pero que ome part’o coraçon
das cousas que ama, per boa fe,
e parte-s’ome da terra ond’è,
e parte-s’ome d’u grand[de] prol ten,
non se pode parti-lo coraçon
do meu amigo de mi querer bem
Todalas cousas eu vejo mudar,
mudan-s’os tempos e muda-s’o al,
muda-s’agente em fazer bem o mal,
mudan-s’os ventos e tod’outra ren,
mays no se pod’o coraçon mudar
do meu amigo de mi querer bem.
B) Pai Gomes Charinho
Ua dona que eu quero gran bem
(por mal de mi, par Deus, que non por al),
pero que sempre mi fez e faz mal,
e fará, direi-vo-lo que m'avém:
mar, nem terra, nem prazer nem pesar,
nem bem nem mal, non ma podem quitar
do coraçon. E que será de mim?
Morto som, se cedo non morrer!
Ela ja nunca bem mi há-de fazer,
mais sempre mal; e pero est'assi,
mar, nem terra, nem prazer nem pesar,
nem bem nem mal, non ma podem quitar
do coraçon. Ora mi vai peior,
ca mi vem dela, por vos non mentir,
mal se a vej', e mal se a non vir;
que é de coistas mais, cuid', a maior:
mar nem terra, nem prazer nem pesar,
nem bem nem mal, non ma podem quitar.
R.: A cantiga “Todalas cousas eu vejo partir” de Joan Ayres de Santiago, é uma
cantiga de Amigo e reverbera a mudança, onde o sujeito poético considera que tudo
passa e apenas o amor verdadeiro perdura “Todalas cousas eu vejo partir / Mays no
se pod’o coraçon partir / do meu amigo de mi querer ben.” Esse sentimento de que
só o amor verdadeiro permanece é acentuado sempre nos dois últimos versos de
cada estrofe (paralelismo). O coração, sempre citado nesse paralelismo, reforça e
exemplifica a concepção defendida por María Zambrano no texto “A metáfora do
coração”, onde ela conceitua coração como “símbolo e representação máxima de
todas as entranhas da vida, a entranha onde todas encontram a sua unidade
definitiva e sua nobreza (...)”. Para Zambrano, o coração é lugar vedado, vísceras,
entranhas e, como tal, é um local íntimo, que não se pode desassociar do corpo, que
não pode ser mudado.
REFERÊNCIAS:
CABRAL, M. V.(2003), “A identidade nacional portuguesa: conteúdo e relevância”.
SciELO Brasil (site)
Zambrano, MARÍA. A Metáfora Do Coração e Outros Escritos. Assírio & Alvim, 2000.
https://cantigas.fcsh.unl.pt/sobreascantigas.asp <acesso em 02/06/2021>

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