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Segredos na Noite Rowyn Oliver Título Original: Segredos na Noite © Rowyn Oliver, 2021 ©Editorial Romantic Ediciones, 2021 www.romantic-ediciones.com Design de capa: Olalla Pons A reprodução total ou parcial é proibida, sem a autorização por escrito do titulares de direitos autorais, em qualquer meio ou procedimento, sob as sanções estabelecidas pela legislação. Capítulo 1 Nada se comparava à excitação que percorria seu corpo cada vez que deixava para trás as ruas seguras e luxuosas que rodeavam o mundo turbulento da aristocracia. O chá da tarde, os bailes, as festas até o amanhecer... Todas elas atividades com certo encanto, embora com altas doses de sóbrio aborrecimento. Elisabeth Holmes, não, naquela noite ela era outra pessoa, era o senhor Smith, para sermos mais concretos, decidira deslizar sozinha através das empedradas ruas enegrecidas pela fumaça das fábricas. A noite estava salpicada de estrelas e o luar brilhante iluminava seu caminho. Vestida com calças justas e uma jaqueta larga de lã preta grossa, sua silhueta estava deformada para fazê-la parecer um simples velhaco nos subúrbios de Londres. Levantou seu lenço escuro sobre o queixo e seu rosto estava escondido o suficiente para ficar irreconhecível. Na esquina mais próxima a seu objetivo, deteve-se. Permaneceu quieta, escondida entre as sombras. O coche de aluguel aguardava somente a uma rua dali. Depois de ter embolsado uma suculenta soma em dinheiro, o cocheiro a esperaria perto o bastante, para que fizesse uso do veículo se seus planos saíssem mal. Agora, era questão de ter paciência, devia somente esperar que o homem, de ombros largos e grossos cabelos negros, aparecesse pela porta que ela, tão atentamente observava. As ruas de Londres não eram seguras, mas segurança era a palavra mais aborrecida que Elisabeth possuía em seu vocabulário. Segurança era sinônimo de marido, opressão, e um sem-fim de adjetivos, que acompanhavam a vida de qualquer mulher, suficientemente estúpida para seguir as regras do jogo, de semelhante sociedade hipócrita. Sentiu a opressão no peito causada pela ansiedade, mas respirou fundo e a afastou. Por sorte tinha aquilo: a aventura de ser quem era, um detetive com calças justas e capuz negro que se escondia entre as sombras para poder gozar da liberdade, e das emoções vertiginosas que todas essas missões noturnas lhe conferiam. Uma baforada saiu de entre seus lábios, apertou a longa capa contra o corpo magro e soprou dentro das mãos, para esquentar os dedos. Apoiou o ombro nos frios tijolos do edifício a seu lado. De repente pressentiu o perigo. Sua respiração se entrecortou, consciente de que não deveria haver se descuidado tanto. Uma forte mão lhe apertou a garganta enquanto jogava seu pescoço para trás. Um braço rodeou sua cintura, imobilizando-a. Foi estranho não sentir o desejo de gritar, mas não havia necessidade. Não serviria para nada. Sabia quem era seu captor. —Elisabeth —escutou-o sussurrar seu nome. Fechou os olhos enquanto seu coração galopava, desesperadamente, no peito. O poderoso braço masculino a estreitou, até ficar, totalmente, esmagada contra seu peito duro. Respirou fundo ao ver que seus sentidos despertavam. Calafrios traidores percorriam-na de cima abaixo. Não podia concentrar-se em escapar, pois sentia a pressão de seu torso largo nas costas, e seu aroma embriagador embotava seus sentidos. —Edward —gemeu ao mesmo tempo em que a mão masculina se movia sobre seu ventre. Edward Sinclair, aquele homem misterioso com um ricto imperturbável e permanente em seu rosto, a fez saber, mais uma vez, que ela não detinha o poder de dominar a situação. —Senhorita Holmes —repetiu mais sensual desta vez. —O que faz uma pomba como a senhorita, fora de seu ninho, a estas horas? Não respondeu, mas escutou as palavras se derramarem em seu ouvido, como se quisesse seduzi-la com isso. Oh, deuses! E ele estava conseguindo. Sim, seduzida podia ser uma palavra muito apetitosa, se quem a pronunciasse fosse um homem como o conde Carlyle. Elisabeth umedeceu os lábios ante as reações que despertavam em seu corpo, sem que pudesse evitar. A mão direita do homem desaparecera de sua garganta e deslizava, brandamente, até um de seus seios. Sua respiração parou, mas não fez absolutamente nada para detê-lo. Baixou o olhar e viu aquela mão enluvada, forte e masculina. Viu-a deslizar-se sobre seus seios e mais para baixo, até que ambas as mãos se juntaram sobre seu ventre. Apertou-a mais contra si. Notou cada parte do corpo masculino que a assediava, com cuidados que não pedira, mas os quais, tampouco, estava disposta a renunciar. Reagiu acariciando seus braços fortes, sem sentir o horror ou a vergonha, que toda dama deveria sentir naquela situação. Pelo contrário, aquele homem a fazia desejar o que sua mente, nem sequer, se atrevia a sonhar. —É uma desavergonhada, senhorita Holmes. Ela quis negar quando seu coração começou a palpitar entre suas pernas, mas um ofego, traidor, lhe escapou dos lábios avermelhados e inchados. E antes que pudesse saber que acontecia, esses mesmos lábios foram beijados de uma maneira ardente e apaixonada. Edward Sinclair conseguiu virá-la sem que se desse conta. Seu abraço se estreitou, até que Elisabeth se viu apanhada entre a parede e o incrível torso do homem que a envolvia, roubando-lhe o fôlego e o juízo. Moveu os lábios, ardentemente, sobre sua boca. Esse homem não beijava, possuía. Não acariciava seus lábios com uma ternura virginal, não, esse homem lambia, sugava e mordia, dobrando-a, completamente, a sua vontade. Beijava como um professor e ela se deixava ensinar, como uma boa pupila, atenta à lição que lhe ditava o homem experiente. Suas bocas se entregaram à paixão e enquanto suas línguas se esfregavam em busca do mais absoluto deleite, lhe abriu as pernas e se situou, sem esforço, entre suas coxas. Quão fácil acabara se tornando com aquelas calças de homem. Notou, em seguida, quanto o desejava. Sentiu-se triunfante. Todo recato se evaporou com a escassa prudência que restava. Então, sem saber muito bem como, encontrou-se nua sob o corpo musculoso desse homem. Gemeu frustrada, porque em algum lugar de sua mente reconheceu que aquilo não estava certo. —Não, não, não... —Gemeu. —Não desperte. Suas bocas voltaram a se juntar, desta vez em um combate, sem trégua. A língua de Edward parecia ser feita de fogo líquido, no instante que começou a lhe percorrer o corpo inteiro. Elisabeth gemeu, arqueando-se contra suas costas. Sabia como aquilo acabaria. Sabia que no fim ele a seduziria e a faria sua, sem restrições. E o desejava. Desesperadamente. Apesar do muito que a desagradava durante o dia, à noite, em seus sonhos, Elisabeth Holmes esquecia quanto se aborrecia com o déspota que era o conde Carlyle. Sentiu a carícia da língua no centro de seu desejo e se retorceu sobre a cama, arqueando-se e gemendo em busca do prazer que somente ele podia lhe proporcionar. Apertou os punhos, mordendo seus próprios lábios para não gritar quando um orgasmo abrasador lhe queimou o corpo inteiro, fazendo-a abrir os olhos de repente. —Maldito seja! Elisabeth se incorporou com a respiração acelerada, ofegando entre os lençóis úmidos de sua cama. Estava suando, vítima daquele sonho tórrido que se repetia sem sua permissão uma e outra vez. Apoiou os cotovelos nos imaculados travesseiros, brancos, enquanto se dava conta do que realmente ocorria. Um maldito sonho! Seu amante havia desaparecido, pelo simples feito de que nunca estivera ali. A camisola estava empapada e juntou as pernas para conservar a deliciosa sensação da língua de Edward. —Já basta —gemeu cheia de frustração. Deixou-se cair de costas e estendeu os braços e pernas, procurando sentir o pouco alívio que o ar da noite administraria a seu corpo, ainda, quente. —Maldito homem —resmungou, precipitando o punho fechado contra o colchão de plumas. O calor abrasava suas bochechas. Que vergonha! Sentiu palpitar seu corpo, novamente, em lugares nos quais uma mulher virginal como ela nãodeveria nem sequer pensar. Girou o corpo e enterrou seu rosto ruborizado no travesseiro. Elisabeth não estava zangada com esse fato, mas não podia evitar zangar-se consigo mesma, por ser incapaz de tirá-lo da cabeça. Edward Sinclair a fascinava. Era tão misterioso e profundo, que não podia menos que cair rendida a seus pés. Ali sim, sempre em seus sonhos, porque na vida real não podia permitir-se o luxo de se aproximar dele, sem que todos seus planos se fossem ao lixo. Voltou a pousar as mãos sobre o corpo, enquanto a figura de Edward Sinclair se desenhava outra vez em sua mente. Quão perigoso era esse homem, na realidade? E quanto tempo ela demoraria para descobrir? Capítulo 2 —Esqueça! Não penso me casar. A poderosa voz de Edward Sinclair ecoou pelo salão e parte da casa, sacudindo os criados que faziam suas tarefas matinais. Na casa do sétimo Conde de Carlyle havia sempre coisas para fazer, e quando não havia nenhuma, os responsáveis pela manutenção conseguiam se manter ocupados e evitar o mau humor que sua excelência mostrava recentemente. Os criados estavam cientes de tudo o que estava acontecendo ali, então a visita de Amanda Sinclair, a irmã do Conde, não surpreendeu ninguém. Após os esforços de sua mãe no casamento de seu filho primogênito, e a forma sutil, porém firme, com que ele respondeu a tais avanços, todos esperavam que Amanda colocasse algum sentido entre eles. Não era da conta de ninguém, embora todos soubessem: Catherine Sinclair, a viúva do antigo conde, e seu filho não se davam bem. A razão era óbvia, Edward estava em pânico quanto ao compromisso e tinha uma profunda aversão à palavra casamento. Como se isso não fosse suficiente, o conde não tentou esconder seu desgosto pelas insípidas debutantes em roupas brancas e impolutas. Mas não era culpa da Sra. Amanda Sinclair. No entanto, como sempre, foi obrigada a aturar o mau humor de seu irmão e de sua mãe. Apesar dos gritos de Edward à Amanda, adorava sua irmã mais nova, e assim obrigou-se a suavizar a voz quando percebeu o quão inadequado era. Afinal de contas, a doce Amanda não era a harpia manipuladora. Não, essa era a mãe dela. Claro, Catherine Sinclair nunca teria pensado em aparecer por lá, então por enquanto estava a salvo de seus olhos penetrantes e língua bifurcada. —Edward não fale assim. —Amanda tentou acalmá-lo, sem muito êxito. —Maldita manipuladora... —Edward! —Amanda sufocou um grito. —Está falando de nossa mãe! Edward prometeu a si mesmo, que desta vez sua encantadora irmã não o aplacaria. —Ela quer apenas que se case e tenha um herdeiro, isso não é nada ruim, —atravessou Amanda. Sem saber porque, percebeu um rogo na voz de sua irmã. Viu-a pequena e pálida, aconchegada, no cômodo sofá em que descansava diante da lareira e isso o fez mover a cabeça, exasperado. Pobre de sua irmã, era uma doce menina inocente, apesar de já ter idade para se casar. Seu cabelo dourado derramava-se em suaves ondas sobre seus ombros. Era uma ninfa, apenas sem vontade própria, pois todo seu caráter era anulado por sua mãe. No entanto, aquela era somente a visão de um irmão, que preferia continuar pensando que a doce Amanda não desenvolvera o caráter e os dons que ostentavam as mulheres que deixavam de ser meninas. —Sei perfeitamente o que minha mãe quer —disse Edward em um tom muito elevado, com a intenção de não se deixar manipular. Amanda engoliu um bufo. Não estava nada disposta a lhe permitir esse comportamento. Fez todo o possível para controlar seu caráter, tal e como lhe recomendara sua mãe. Passiva e patética, Amanda agitou-se no sofá macio da sala de estar. Podia mostrar-se tão ingênua quanto quisesse, mas sua paciência tinha um limite, e por dentro fervia de frustração com a teimosia de Edward. —Irmãozinho, em minha vida nunca conheci alguém tão irritantemente teimoso. —Depois, encheu os pulmões de ar e sem avisar soltou. —Tem trinta e quatro anos! Quantos mais vai esperar para se casar com uma garota decente e deixar de frequentar as vadias, com as quais se amarra, ultimamente? É isso! Acabou-se o fingimento! Até ela se surpreendeu de ter perdido a paciência através daquela explosão não anunciado. —Amanda! Edward virou-se ligeiramente para ela com a boca aberta. Estava escandalizado. Sua querida irmã não tinha mais que dezoito anos, não poderia falar de vadias. Não restava a menor dúvida de que quando se enfurecia a língua de Amanda podia ser muito afiada, mas... —Onde aprendeu semelhante vocabulário? —Não se escandalize, digo somente a verdade —expôs cortante, embora seu tom tenha vacilado ante o fixo olhar de Edward. Abaixou a cabeça e tentou distrai-lo para que esquecesse sua indecorosa pergunta. —É o único varão da família —indicou em um tom muito mais calmo e compungido. —Quando papai morreu, herdou o título. Então pensávamos assentaria a cabeça de uma vez por todas e deixaria de lado as correrias com seus amigos de Eton. Mas fez isso? Não! —Amanda se levantou, deixando que seus cachos dourados se balançassem sobre suas costas. —Nada disso! Continua sendo o mesmo. —Acho que não tenho andado por aí ultimamente, Amanda. Ele sabia onde estava e o que fazia. Ela pareceu duvidar de suas palavras, mas em seguida se recompôs. Não podia sentir pena dele, ou não o convenceria de que o melhor era se assentar, de uma vez por todas. Sacudiu a cabeça de lado, comprimindo os lábios num gesto claro de repugnância. Edward piscou. Como podia ser tão semelhante à sua mãe? —Deu à mãe mais de um aborrecimento, está na hora de compensar. As palavras de sua irmã não agradaram a Edward. —Que aborrecimentos lhe dei? —perguntou entre dentes. Se sua irmã e sua mãe acreditavam que passava as noites com amantes e embebedando-se com seus amigos de sua juventude, equivocavam-se. Ninguém poderia acusá-lo de nada disso. —Desde que voltou da guerra... —Amanda olhou-o condoída e vacilou ao continuar falando. —Já não é o mesmo. —A guerra transforma os meninos em homens e os homens na sombra do que eram, —disse, afastando o olhar. Fechou os olhos e respirou fundo. —Desculpe-me por não ser o mesmo. Mas não por não ser o que minha mãe espera que eu seja, não permitirei que ela me sacrifique. Não podia se casar. Fazê-lo era muito arriscado e jamais poria em perigo sua família. —Maldito seja... —Ao dar-se conta do que acabava de soltar, Amanda tampou a boca com a mão enquanto os olhos de seu irmão se arregalavam. Apressou-se a continuar antes que Edward, com aquele ameaçador dedo indicador apontado para ela, começasse a enumerar seus múltiplos erros de comportamento. —Edward —pronunciou seu nome, resolvida, —se não quiser se casar... Pois não se case! Mas... Eu sim quero me casar! A tensão que acumulara durante a última semana explodiu, terminando em um ataque de nervos. Edward ficou boquiaberto ao ver as lágrimas não derramadas que Amanda tinha nos olhos. —Não chore, maldição. —Sentiu uma pontada de remorso quando viu aquele rosto indefeso na sua frente. —Eu nunca chorei —explicou soluçando abertamente. — Mas encontrei quem poderia ser um bom marido e mamãe não está disposta a permitir que me case com ele, se meu irmão ainda estiver solteiro. Ela quer um herdeiro para o condado e eu um marido e filhos. —O olhar azul de sua irmã o atravessou. —E isso depende de uma atitude sua. Recolheu sua saia lavanda para não tropeçar e saiu correndo da sala, deixando-o sozinho e indo para a cozinha para dizer à cozinheira o quanto seu irmão era desconsiderado. Edward observou a porta enquanto se fechava. Suspirou mortificado. Amanda era, sem dúvida, uma das mulheres mais inteligentes que conhecia. Essa era a razão pela qual sua explosão emocional o tinha pegado de surpresa e, se aquilo fora premeditado para que acabassem as dúvidas a respeito de sua decisão, devia aceitar que funcionara. —Senhor. —Jeffries, o fiel e impertinente mordomo, entrou no salão com o jogo de chá. Depois de longos anos de serviço, naquela casa, o homem se permitiu o luxo de lhe lançar um olhar reprovador por ter feito a moça chorar.Edward se limitou a apertar, fortemente, os lábios. —Pode levar isso, não tomaremos chá. —Agarrou a elegante jaqueta que havia deixado sobre a cadeira momentos antes, quando entrara feito uma fúria em sua própria casa, e deu meia volta para dirigir-se à saída. —Mande alguém para comprar um buquê de rosas para Amanda. Minha irmã está muito deprimida. —O senhor acha mesmo? —Perguntou Jeffries ironicamente. O leve erguer na sobrancelha elegante do Conde Carlyle foi uma resposta suficiente. —Como o senhor desejar. Embora, tendo em vista o desgosto monumental da senhorita, tenho certeza de que é totalmente justificado, gostaria que eu acrescentasse alguns doces? Edward fechou os olhos por um momento e depois lançou um olhar de censura sobre o ancião. O mordomo, que havia criado Edward, não vacilou. Jeffries já ultrapassara o limiar dos setenta anos e era como família, ou assim pensava o conde. Por outro lado, o afeto do velho por ele era inegável. Ao longo dos anos, tornou-se seu guardião e conselheiro. Além de encobrir sua embriaguez e cuidar de suas ressacas pela manhã, tentou, com seu sábio conselho, evitar que seu mestre se metesse em mais problemas do que era aconselhável. Portanto, ficar do lado de sua mãe e apoiá-la nessa espinhosa questão do casamento deixou Edward frenético. —Traidor —sussurrou deixando o ancião a suas costas. — Vou ao clube, envie uma nota a minha mãe e lhe diga que amanhã vou visitá-la. —Esperará impaciente... Com a lista pronta. Edward sabia que não deveria perguntar, mas a curiosidade foi superior à sua ânsia de não saber. —Que lista? —Aquela que confeccionou com as possíveis candidatas a condessa, é obvio. Jeffries deu meia volta e o bule que levava nas mãos tilintou ante o estrondo da batida da porta. Duas horas depois, o humor do conde de Carlyle não havia mudado nem um ápice. Não obstante, no Clube White tentava aplacar seu mau gênio, com um copo de uísque e a companhia de seu amigo, o duque de Crasbury. —Imagine —disse Edward, —sentando-se na acolchoada poltrona do Whites. —Vê-lo casado? Não, não posso —respondeu Henry, com uma careta de fingido pavor. Ao ver a expressão de Edward não conseguiu evitar soltar uma gargalhada. —Não me parece nada divertido. A discussão com sua irmã Amanda ainda era recente. Precisava se distrair, e foi também por isso que trouxe Henry ao seu prestigioso clube de cavalheiros. Bastante incomum nesses últimos dias, pois a gravidez da duquesa havia feito com que seu amigo passasse muito tempo enclausurado em sua casa por medo de perder a notícia de que já era pai. Edward, sentado na elegante poltrona estofada em Bordeaux, observou seu amigo pelo canto do olho. Henry estava encostado na elegante lareira do clube, com um copo de licor em sua mão. Ao ver sua expressão, mais uma vez ausente, Edward não podia sentir nada além de inveja. Embora ela nunca tivesse tido a necessidade de começar uma família, houve um tempo em que desejou que Francesca concordasse em fazê-lo. Sacudiu a cabeça com repulsa pela direção que seus pensamentos estavam tomando. Não deveria continuar pensando naquela mulher. Ainda que o amor não estivesse em seus planos, a necessidade de um herdeiro ainda existia. E por que não admitir, essa picada de inveja tinha muito a ver com a felicidade que um certo tipo de casamento poderia trazer a um homem. Sempre que via Henry com sua esposa, pensava inevitavelmente que talvez, se encontrasse a mesma felicidade, ousaria colocar as pesadas algemas do compromisso. Mas a felicidade conjugal de seus amigos se baseava no amor mútuo e recíproco e, acima de tudo, na confiança. Era, sem dúvida, um amor que acontecia apenas uma vez em cada século, no máximo. Esse amor parecia ser dedicado apenas a algumas pessoas privilegiadas, e certamente Edward não estava entre aquela elite tocada pela varinha de condão do Cupido. Frustrado, pegou a garrafa de vinho do Porto à sua direita e encheu seu copo até que o líquido âmbar passou pela borda. —Velha chantagista —murmurou, referindo-se à sua mãe. Edward decidiu retomar o assunto que o preocupava, pois pensar no matrimônio de seu amigo lhe afligia. —Edward, a quem pretende enganar? —Henry olhou o crepitante fogo que ardia na lareira, e depois pousou a vista sobre seu abatido amigo. —Ambos sabemos que adora a sua mãe e que... enfim... Já tem idade para se casar e formar uma família. Além disso, tem que proporcionar um herdeiro ao título. —Nãoooooo —resmungou, assinalando-o com um dedo acusador. —Também vem me pressionar? Edward voltou a encher a taça que acabava de esvaziar, antes de adicionar: —Se estou aqui é para não ouvir minha mãe me jogar o sermão de cada dia, nem ver minha querida irmã desfeita em lágrimas enquanto me recorda o péssimo irmão que sou... —Amanda chorando? Não acredito —disse Henry cético. —Acredite nisso, até Amanda se voltou contra mim. Não sei se o faz para que me sinta culpado, ou para ver se repenso sobre o assunto do matrimônio. Mas se for o primeiro, juro que funcionou. Depois de alguns momentos de observação, Henry não pôde deixar de compará-lo com Elisabeth. Sua própria relutância em se casar faria deles um casal muito peculiar e, por que não dizer que essa era uma ideia bem interessante. —Sabe? É estranho que tenhamos esta conversa. —Não é tão estranho —disse, olhando-o diretamente nos olhos —Ultimamente, mencionou isso demasiadas vezes. Não tem pena de seu amigo mesmo durante a temporada, que é quando tenho mais trabalho tentando evitar as matronas que saem à caça. Apesar da imagem engraçada de Edward sendo perseguido na pista de dança por algumas mulheres grandes tentando amarrá- lo em fitas de seda rosa, Henry não esqueceu sobre quem pretendia falar. —Sinto muito —disse sem muito entusiasmo, —estava pensando que hoje mesmo, mantive esta mesma conversa com outra pessoa. —Outro, a quem sua família empurra ao aborrecido mundo matrimonial? —Melhor, outra. As pupilas que se aninhavam nos olhos verdes de Edward cresceram à medida que sentia uma picada de curiosidade. Em sua opinião, uma mulher que não estava disposta a caçar um homem e arrastá-lo até o altar parecia uma mulher incomum na época. —Se estiver sendo obrigada a se casar com um velho sujo, não admira que se recuse. Essa deveria ser a razão, pensou Edward. Estas mães envolventes e manipuladoras eram capazes de ligar suas próprias filhas a uma múmia, se isso lhes trouxesse mais prestígio social, títulos ou riqueza. Por um momento, Edward teve pena da pobre moça. —Bem, não. O homem em questão não é velho ou decrépito, na verdade, ele é um amigo de infância. No entanto, é o próprio conceito de casamento que a impede de se casar. Como ela mesma me disse, considera que não é melhor do que uma prisão. —Deveria me apresentar a ela. —No rosto de Edward apareceu um sorriso pícaro. —Quem é essa mulher tão atípica? — Perguntou com curiosidade. —Elisabeth Holmes. Para Edward aquele nome disse muito mais do que esperava. A reputação de Elisabeth Holmes como uma boa anfitriã na sociedade londrina era bem conhecida. Ou devo dizer a de sua tia Fanny? No fundo, foi rápido em amaldiçoar. Foi convidado em inúmeras ocasiões para as festas na casa da Fanny Lochart, com a intenção de apresentar sua sobrinha à sociedade. Mas os eventos sociais a que o Conde de Carlyle compareceu foram escassos e espaçados. E embora Edward soubesse que estar em sua lista de convidados era um privilégio, não pôde deixar de balançar a cabeça com repulsa pelo fato de não ter sido apresentado à mulher. Henry, sentindo o interesse nos olhos de seu amigo, aventurou-se a perguntar: —Não se conhecem, não é verdade? —inquiriu, apesar de conhecer a resposta, dado que tanto Edward, quanto Elisabeth, se encontravam em seu círculo de amigos mais íntimos e, portanto, se fosse assim, saberia. De repente se deu conta de que não tivera a ocasião de apresentá-los. Quando Elisabeth passou uma longa temporada com eles, Edward estava na guerra, e quando, este retornou, Elisabeth já havia retornado para juntode seu pai opressivo. —Sabe de sobra que não há ninguém em toda a Londres que não tenha ouvido falar dela. Inclusive você e Lucy a mencionam a toda a hora. —Edward lançou um olhar suspicaz a seu amigo. — Se eu não soubesse o quanto é nojentamente feliz com Lucy, eu pensaria que fosse amante dessa mulher. Henry riu alto. —Permita que eu comente isto com ela. Achará muita graça. É das que sabem desfrutar de uma boa intriga quando a escuta. Sem dúvida queria muito a Elisabeth. Era sua melhor amiga, desde a mais tenra infância, e por isso, lhe havia custado, muitíssimo, dar-se conta de que se convertera em uma mulher. Quando o pai de Elisabeth insinuou ao dele, que talvez pudessem concretizar um compromisso entre seus filhos, Henry colocou o grito no céu. Queria Elisabeth e sabia que com seu caráter vivaz, seu matrimônio não seria em nada aborrecido. Mas a ideia de meter-se na cama, com ela, o deixava frio. Aqueles foram meses horríveis para ele, já que foi a primeira e única vez que desobedeceu aos desejos de seu pai. Algo que lhe custou muito caro, pois o anterior duque de Crasbury, seu pai, enviou-o para Londres, lhe proibindo de retornar, a não ser com uma esposa do braço. Quando seu pai lhe negou o apoio econômico, apareceu Edward, disposto a cobrir seus gastos e a continuar suas correrias junto a seus colegas do Eton. Graças a Edward e a ter sujado as mãos, com alguns negócios lucrativos que empreenderam juntos, transcorrido um ano não necessitou mais do capital de seu pai, visto que fizera fortuna própria. Assim, o velho duque não pôde fazer outra coisa que o perdoar. Algo que não lhe supôs muito esforço, tendo em vista que Henry era seu único filho. No final, o bom senso prevaleceu e dez anos depois casou- se com Lucy, sem imposições e por amor. Nunca seria capaz de agradecer a Elisabeth Holmes o entusiasmo que colocou naquela feliz união. Olhou novamente para Edward, tentando adivinhar o que lhe passava pela cabeça. E, é claro, adivinhou. —Deveriam ter sido apresentados faz muitíssimo tempo. Principalmente, sendo eu e minha esposa seus íntimos amigos... — Henry torceu o gesto. —Teremos que solucionar esse detalhe. Edward ficou preso em sua memória, que distinguia uma silhueta entre as pessoas. Certamente tais curvas eram algo que um homem não podia ignorar e que levaria tempo para esquecer. Henry ficou satisfeito ao ver que Elisabeth despertou interesse em Edward. Não gostava de brincar de casamenteiro, mas um possível casamento entre seus dois melhores amigos resolveria muitos de seus respectivos problemas: Elisabeth seria salva de um casamento indesejado, que seu pai insistia em lhe impor, e Edward teria uma pausa com sua mãe e, como se diz, uma certa paixão pela vida. Que ideia tinha acabado de ter! Estava ansioso para chegar em casa e contar à esposa sobre isso. —Do que ri? —perguntou Edward, apoiando-se sobre o suporte da lareira. —São iguais —opinou Henry sem duvidar. —Sente a mesma repulsa pelo matrimônio. E o irônico... —acrescentou olhando-o por cima do vidro esculpido, —é que isso os faz perfeitos um para o outro. Aquela foi a última frase que pronunciou, antes que Edward se engasgasse com o licor de sua taça. Capítulo 3 Catherine Sinclair, com olhar atento, leu a carta que seu investigador particular lhe enviara a poucos minutos. Querida Senhora: Referente às averiguações sobre a vida amorosa de seu filho, estas concluem que: é provável que tenha uma amante. Cada sexta-feira, à mesma hora, frequenta a mesma casa. Disponho-me a entrar na propriedade em breve e lhe transmitir a informação que me solicitou. Smith. Com dedos firmes, a viúva aproximou a carta ao fogo que crepitava na lareira. —Não posso deixar provas —murmurou a condessa para si enquanto via o papel enrugar e arder diante seus olhos. Ficou decepcionada, pois embora fosse verdade que o detetive que havia contratado era o melhor da Bow Street, também era verdade que não havia descoberto muito sobre a vida de seu filho Edward. Estava convencida de que Edward estava metido em algum assunto obscuro. Seu caráter se tornou melancólico. Possivelmente se tratasse de feitos que escapavam a seu entendimento, ou, simplesmente, eram assuntos do coração. Suspirou zangada. Não era que fosse uma mãe cruel, a quem não importasse os sentimentos de seu filho, mas desejava um herdeiro para o condado e o cabeçudo do Edward, estava dificultando isso. Entrecerrou os olhos e tentou imaginar como seria a mulher que afastava seu filho de cumprir com seus inevitáveis deveres. Esperava que o dinheiro que regularmente desembolsava para o desconhecido Sr. Smith frutificasse e lhe fornecesse um nome, um rosto e um endereço. Tinha feito bem em contratá-lo, apesar de alguma relutância inicial. Amanda, sua filha, tinha sido muito útil. Foi quem a informou que algumas damas da alta sociedade estavam confiando assuntos de natureza pessoal a um homem muito experiente e discreto chamado Smith. Ele trabalhou para damas abastadas, investigando seus maridos e descobrindo infidelidades. Foi então que Catherine, com sua audaz inteligência, decidiu espionar seu filho. Fazia meses que não era o mesmo. Logicamente a guerra o havia marcado, mas de um tempo para cá, estava com um humor, ainda mais, sombrio. Suas aparições em atos sociais se reduziram, até quase desaparecer, e desse modo jamais teria a oportunidade de apresentá-lo a uma candidata adequada. Sua preocupação com o condado exasperou Eduardo, mas o que poderia fazer com um filho que estava arrastando seus pés e não cumpria suas obrigações? Não! Não concordaria em vê-lo envelhecer, sem antes ter um herdeiro. Já era hora de que se casasse e formasse uma família. Não sabia o que, mas algo o impedia, talvez estivesse enrabichado com alguma prostituta da rua. Pouco importava, o dito investigador prosperara muito naqueles últimos meses. Era eficaz na hora de seguir seu filho e tinha averiguado muito sobre os negócios em que andava metido; suas contas e suas amizades, entre outras coisas. Faltava saber somente o nome da mulher. Soprou em um fracassado intento de conter seu mau humor. Logo descobriria o que escondia. Faltava somente averiguar a quem visitava naquela casa todas as sextas-feiras à noite. Catherine se ajeitou na poltrona de sua pequena biblioteca particular. Certamente poderia ter economizado o próximo pagamento, porque estava mais que convencida de que era aquela mulher, e não outra coisa, o que arrebatara o juízo de seu filho. Assim, estava mais que disposta a mover alguns fios, para salvá-lo das garras de dita fulana. A única coisa que precisava fazer era ir lá. e lhe pagar uma soma tão impactante, que conseguiria fazê-la desaparecer de suas vidas, para sempre. Por sua tranquilidade valia a pena. Possivelmente assim, Edward Sinclair, conde de Carlyle, deixasse de lado os sentimentalismos para dedicar-se a conceber um filho, com uma mulher de sua mesma classe e nível social. Elisabeth não se recordava ter estado mais nervosa em toda sua vida. Passara quase a semana toda em contato com o advogado, e logo trariam suas sobrinhas. A morte de sua irmã e seu cunhado, dois anos antes, deixara-a em um profundo pesar. O irmão de seu cunhado se encarregara delas, mas, ao que parecia, o caráter indomável das pequenas não as fazia aptas para compartilhar seu teto. Acreditava que a decisão de ceder sua custódia a tia Fanny se devia a esse fato. Estava observando a chuva cair através do vidro embaçado da janela, e um calafrio lhe percorreu a coluna. Embora a primavera tenha sido benevolente, aquele dia amanheceu cinza. Apressou-se a segurar o xale sobre os ombros, mas isso não a ajudou a desfazer-se daquela sensação de frio. Desde que recebeu a carta onde se anunciava a iminente chegada de suas sobrinhas, Elisabeth não fizera outra coisa a não ser pensar em quanto toda aquela situação mudaria sua vida. No entanto, no fundo, era consciente de que por mais que pensasse nisso, tudo o que sua imaginação pudesse reproduzir não seria mais que um resquícioda realidade. —Acalme-se —falou sua querida tia Fanny de sua confortável poltrona. Bordava, cuidadosamente, um lenço enquanto a olhava de esguelha. —As pequenas chegarão hoje —assinalou Elisabeth sem deixar de olhar à rua. —Certo, mas seu nervosismo não fará com que cheguem antes. A anciã, uma mulher cheia de vitalidade, continuou com seus pontos. Fazia mais de seis meses que Elisabeth havia visto suas sobrinhas e seu coração transbordava de alegria com a perspectiva de finalmente tê-las em casa. Recordava-se da pequena Anne, com seu cabelo negro e seus intensos olhos azuis. A pequena era tão tímida e encantadora que dava vontade de embalá-la entre os braços até que dormisse. Depois estava o terremoto da Susan —Elisabeth sorriu divertida ao evocar sua imagem. —Era a sua própria imagem, com cabelos avermelhados, uma mente aguçada e uma língua afiada. Ficou claro que a maior preocupação da família Stuart, para não mencionar o embaraço, era a sua amada Susan. Tinha mais do que a certeza de que seu cunhado e sua esposa haviam perdido a paciência com ela. Sorriu ao pensar nela. Estava ciente de que tinha sido proibida de ter um determinado tipo de leitura, então, em sua décima primeira primavera, a menina tinha gritado em alto e bom som. Para muitos era inaceitável que uma criança de sua idade lesse manuais sobre botânica, ciências naturais e, é claro, criação de cavalos e gado em geral. Elisabeth já estava imaginando a pequena vingança de sua sobrinha, algo como encher a saleta com sapos ou a cama de sua amada tia adotiva com aranhas. Aquela visão lhe fez sorrir. Sem dúvida, sua tia esnobe merecia. Fez uma careta. A incessante chuva ameaçava prejudicar um dos dias mais felizes de sua vida. Durante as semanas anteriores tivera muito tempo para pensar. Até que ponto seria boa no trabalho de criar duas pequenas damas? Estava claro que, oficialmente, sua tia Fanny se encarregaria de tudo, mas, na realidade, Elisabeth desejava poder exercer o papel de mãe, e estava decidida a fazê-lo. Seus temores foram aumentando, à medida que se aproximava o momento. «Não dê ouvidos a seu pai, será uma influência maravilhosa sobre elas», seu querido amigo Henry, Duque de Crasbury, lhe havia dito. Mas... Seria realmente assim? Talvez precisasse de um marido. Pelo menos para que a sociedade a deixasse em paz por um tempo. Mas que homem permitiria que as mantivesse? Por outro lado, que homem seria capaz de suportá-la em sua vida? Especialmente quando seu coração gritava em rebeldia diante da própria ideia de casamento. Embora possivelmente tudo seria muito mais fácil com um par de mãos amorosas e um homem que agisse como um pai. Então arregalou os olhos e viu a silhueta feminina que corria para a porta principal. —É a donzela de Lucy! —Exclamou, virando-se para tia Fanny. Com rapidez, a anciã deixou o bordado de um lado e se aproximou da janela, mas a moça desaparecera. Escutaram, imóveis, passos no corredor, até que a porta se abriu depois de um breve golpe. —Senhorita Elisabeth. —A donzela da duquesa de Crasbury entrou correndo, tropeçando ligeiramente no tapete. Quando se incorporou e endireitou sua touca, esboçou um amplo sorriso, enquanto, com grandes baforadas, tentava recuperar o fôlego. A água escorria por seu rosto, embora isso não apagasse a expressão de felicidade da jovem. Então a expressão de Elisabeth se iluminou. —O herdeiro está vindo! Elisabeth começou a mover-se e segundos depois corria pela rua junto à donzela. —Elisabeth! —Gritava tia Fanny da porta da casa. —O guarda-chuva! Está chovendo! —Sei —respondeu jubilosa enquanto corria como se a perseguissem dezenas de ferozes animais. Mas não se deteve. —Oh!! Menina, não corra. A governanta ficou ao lado de sua senhora. Olhou à sobrinha da duquesa viúva e suspirou. —É indomável. —Como senhora era. —Anos a seu serviço davam confiança à Senhora Potter para fazer suas afirmações, sem temor a represálias. Fanny sorriu ante o comentário. Era certo, e esperava que ninguém aplacasse esse espírito rebelde. Elisabeth correu pela rua empedrada deixando-as para trás. Esperava-lhe um sermão, quando voltasse, mas Lucy precisava dela, a criança estava a caminho. Chegou à casa com agudas pontadas no quadril. Subiu os degraus de dois em dois e a porta se abriu, antes que Elisabeth pudesse bater. Tobias, o mordomo, olhou-a com fingida desaprovação. Antes que pudesse detê-la, já estava no meio do saguão e em quatro passadas mais, entrou no salão. —Oh! —Exclamou parando em seco. Não esperava encontrar a ninguém mais, que a seu amigo, o duque, em um estado de nervos lamentável. Mas ali estavam, sem dúvida, inesperados convidados. A notícia de sua iminente paternidade surpreendera o duque de Crasbury no clube, e Edward sentiu a necessidade de acompanhá-lo nessa nova etapa. Depois de atravessar a porta se arrependeu de sua decisão. Foram recebidos pelo agudo grito da mulher que estava trazendo ao mundo uma criatura, em alguma habitação do andar superior. No salão, ouvindo com um rosto pálido, estava Amanda, cujas contrações a surpreenderam durante uma visita. A partir daquele momento, Henry ignorou completamente todo o resto. Entrou na casa tropeçando sobre seus próprios pés e não perdeu tempo para subir a escadaria central com grandes passos. No quarto estava Lucy, ao lado da parteira, que, assim que ele pôs a cabeça lá dentro, o expulsou imediatamente, murmurando algo como «isto é coisa de mulher». Então começou o calvário do Duque, que se sentou desanimado na poltrona macia, esperando por boas notícias. Edward lhe entregou um copo de conhaque. —Beba. —Sem dúvida seus nervos agradeceriam. O futuro pai não se fez de rogado, agarrou a taça de conhaque, que de um só gole, deslizou por sua garganta, deixando- lhe uma queimação agradável e relaxante. —Tranquilize-se —pediu Amanda com um doce sorriso. Edward contemplou sua irmã, que se encontrava olhando pela janela do salão, como se estivesse esperando a chegada de alguém. Edward não se surpreendeu ao encontrá-la ali, pois sabia da amizade entre Amanda e a duquesa. Junto de Elisabeth Holmes, as mulheres se tornaram inseparáveis. Dez minutos depois, quando Henry pediu uma segunda taça de conhaque, abriu-se a porta e entrou um torvelinho vestido com musselina azul. Isso lhe fez franzir o cenho, embora os outros pareciam ter esperado aquela entrada tão desprovida de maneiras. Quando a senhora em questão parou no meio do salão, o conde ficou boquiaberto. Custou-lhe muito reconhecê-la, mas ao fim, caiu na conta de que já vira aquelas curvas e a desordenada cabeleira avermelhada, em alguma ocasião. A donzela de Lucy entrou atrás dela, mas a ignorou porque não podia afastar os olhos daquela visão: uma mulher coberta por um vestido de um azul intenso, que deixava ver claramente uma cintura estreita e uns seios que se apertavam contra o tecido molhado, subindo e descendo depois do esforço da corrida. A cor do tecido contrastava com o vermelho de seus cabelos, encaracolados, até onde conseguiu deduzir. Mas com os cabelos molhados, as ondas macias foram esmagadas pelo peso da água. Das longas mechas de cabelo que se projetavam de um coque, quase despenteado, salpicavam pequenas gotas sobre as tábuas de madeira que cobriam o piso. Arqueou uma sobrancelha ao se imaginar enterrando os dedos naqueles cabelos, e conteve o fôlego ante a súbita visão. Não sem alguma relutância, Edward deixou de contemplar seu vestido e as curvas que evidenciava, para olhar a beleza exótica de seu rosto. Agora soube porque Henry costumava dizer que ela era capaz de tirar o fôlego de um homem. Seus lábios grossos e seu rosto foram salpicados com pequenas gotas de chuva. Pressionou seus lábios e tentou ser tão imperturbável quanto quando fazia seu trabalho remunerado pelo governo. Mas foi difícil não ser seduzido por aqueles impressionantes olhos cinzentos; olhos que nem mesmo o notaram, já que estavam fixos em Henry, que ainda tremia em sua poltrona. —Elisabeth. —Amanda o tirou de seu estupor com a mençãode seu nome. Ela girou a cabeça e a contemplou com inquietação, como se esperasse boas novas. Mas ao ver que sua amiga negava com a cabeça, aproximou-se dele. Elisabeth conseguiu ver como os nódulos de Henry embranqueciam pela pressão que exerciam seus dedos ao redor do copo cheio de licor. —Oh, Henry! —Sussurrou entre preocupada e divertida, ante aquela demonstração de inquietação. Aproximou-se da poltrona onde se encontrava seu amigo e se inclinou sobre ele, enquanto apertava sua mão com carinho. —Tudo passará logo. —Assim espero, acabamos de chegar do clube e já não posso suportar mais. —Acabamos? —Perguntou Elisabeth ao dar-se conta de que não se encontravam sozinhos. Seu olhar varreu o salão e o viu, imediatamente. Sua respiração foi cortada, e fez um esforço soberano para que a expressão em seu rosto não mudasse. É obvio que não era a primeira vez que via o conde Carlyle, mas, sim, era a primeira vez que aqueles olhos verdes se cravavam nos seus, com tal descaramento. «Deus meu» Elisabeth se deu conta de quão acertadas eram as falações das viúvas, atrevidas, sobre ele. O conde se ergueu ainda mais, se é que aquilo era possível, e ela conseguiu contemplar um firme e vigoroso corpo. Ali estava ele, disse a si mesma, o demônio que se metia em seus sonhos e lhe acelerava o pulso. Elisabeth inspirou tão profundamente quanto o condenado espartilho lhe permitiu. Era atraente como o pecado; bonito e sedutor. Quando se deu conta que a avaliava com o olhar, sentiu que lava fervente lhe percorria o corpo inteiro. Tão bonito quanto misterioso, ele usava um casaco preto que fazia sobressair a cor de seus olhos. As calças, da mesma cor, pareciam muito apertadas para que isso fosse decente. Quando percebeu para qual parte de seu corpo estava olhando, corou intensamente e desviou seus olhos dele. —Irmão —disse Amanda, atraindo a atenção de Edward enquanto caminhava até ela. —Deixe que lhe apresente, formalmente, à senhorita Holmes. Ela engoliu a saliva quando o conde se aproximou e estendeu a mão para agarrar a sua e beijá-la. —Elisabeth, este é meu querido irmão Edward. —Olhou-os, a ambos, como se estivesse a ponto de fazer uma travessura. — Provavelmente não o tenha visto muito, porque estava no continente atendendo assuntos do governo. Ela deveria ter mostrado interesse pelo assunto, mas não o fez. Sabia que ele estivera fazendo um grande trabalho para o governo britânico e que aquela era a primeira temporada que passava em Londres, depois de muito tempo de ausência. —Senhorita Holmes, enfim é um prazer conhecê-la. E assim era, pensou Edward enquanto agarrava a mão que lhe ofereceu vacilante. Quando a tocou, ela reparou em que seus dedos estavam úmidos pela chuva e se ruborizou, imediatamente, consciente pela primeira vez de seu aspecto. Embora ele não parecesse se importar. Inclinou-se e, quando os lábios tocaram sua pele, aqueles intensos olhos verdes se cravaram nos seus. Um calafrio a sacudiu da cabeça aos pés. —Digo o mesmo. —Deveria acrescentar algo, mas se via incapaz de falar enquanto esse homem continuasse olhando-a assim. Sem dúvida, conhecera cavalheiros mais ricos e bonitos que o conde de Carlyle, embora, nesse momento, não se recordasse de nenhum, mas, embora não fosse o homem mais bonito de Londres, era sim, o mais fascinante. Afastou a mão e ele a deixou ir com reticência. Ela suspirou. Não era sua beleza o que a intimidava, mas, sim, outra coisa. Esse homem tinha algo selvagem. Comprovara nas noites nas quais o seguira até sua casa, ou até aquela casa de jogo clandestino, da moda, que costumava frequentar com seus amigos. Sua forma de se mover, de agir, a desenvoltura com a qual se deslizava sigilosamente pelas ruas. Sim, certamente o senhor Sinclair tinha algo, grosseiramente, atraente. Era o tipo de descarado pelo qual Elisabeth poderia sentir certa inclinação. Olhou-a com muita intensidade, provocando que ela ficasse imediatamente em alerta. Saberia que o estava espionando? « Não. Impossível», disse a si mesma. « Ninguém sabe que...» A voz de sua amiga a tirou daquela espécie de transe. Deu- se conta de que Amanda tagarelava sobre coisas banais e sem importância, enquanto os olhava, a ambos, com suma intensidade. —Estava esperando Lucy para tomar o chá —continuou dizendo Amanda. —Esperava que ela descesse para lhe mandar uma mensagem, mas..., veja: um possível herdeiro está a caminho. Não é maravilhoso? Henry voltou a gemer lastimosamente. —Não o invejo —murmurou Edward olhando para ela, que de repente parecia ter ficado muda. Quando Henry estava a ponto de soltar um impropério, todos escutaram o berro de um recém-nascido. O orgulhoso pai se levantou de um salto, para depois sair correndo e subir depressa as escadas, enquanto os outros avançavam até o vestíbulo. —Teremos um futuro herdeiro ou a menina dos olhos do duque? —perguntou Elisabeth em voz alta. Edward a olhou e Elisabeth conseguiu notar as labaredas ardendo em suas bochechas, quando este se inclinou para ela disposto a lhe dizer algo. No entanto, pareceu pensar melhor e, embora não deixasse de olhá-la, não disse nada. « Maldito fosse. Que mistério o envolvia?», perguntou-se, tremendo de cima abaixo. Depois de alguns minutos intermináveis, os três decidiram esperar as boas notícias na biblioteca. Amanda não deixava de falar emocionada, sem dar-se conta que Edward permanecia em silêncio, já fazia um bom momento. Elisabeth também, embora ela fingisse escutar a jovem. Bateram à porta e todos ficaram em pé quando Henry entrou com seu herdeiro nos braços. Amanda chorou emocionada enquanto se aproximava do pai e filho. —Parabéns —lhe desejou Edward, aproximando-se de seu amigo. Sorriu de boa vontade e se absteve de lhe golpear as costas com gesto amistoso, ao inclinar-se para ver o recém-nascido. Elisabeth se aproximou, embora tentasse se afastar o máximo possível do conde. Apesar de seus esforços, era inevitável que seus braços se encostassem um no outro quando também se inclinava para olhar para o recém-nascido. Se esse contato o havia perturbado tanto quanto a ela, não o demonstrou. —Saúde ao pequeno Nicholas, Elisabeth. Henry, ainda reticente a deixar seu filho nos braços de alguém que não fosse sua esposa, aproximou-o de sua amiga para que o visse. Ela olhou o pequeno vulto aconchegado entre os braços de seu pai. Nicholas estava com a pele ainda vermelha pelo pranto. Uma mecha escura povoava sua pequena cabecinha, enquanto que com os punhos apertados soltava o que para Elisabeth pareceu um bocejo. Não conseguiu evitar que uma lágrima de sincera emoção lhe percorresse a bochecha. —É perfeito. —Henry, comovido, permitiu-lhe pegá-lo nos braços. —Como está Lucy? —Perguntou Elisabeth. —Feliz e descansando. Os presentes sorriram. —O pequeno Nicholas —repetiu uma Amanda sorridente, e deu um salto, apanhada pelo entusiasmo de sua juventude. Edward se aproximou para vê-lo e sua cabeça tocou a de Elisabeth. Por um momento, seus olhos se encontraram. Edward sorriu ao ver o menino gorducho que estava tão confortavelmente pressionado contra os seios de Elisabeth. Algo como um anseio envolto em ternura estava se abrindo dentro dele. Mas logo se lembrou de onde estava e se repreendeu mentalmente por sua falta de controle. —Queremos que seja a madrinha, Elisabeth. —Disse-lhe, e ela assentiu emocionada. Depois, continuou dizendo sem deixar de sorrir. —E bom, Edward... Lucy opina que ninguém melhor que você para ser o padrinho. Henri o olhou, como se não tivesse sido sua ideia, e vendo que Edward não respondia, insistiu. —Gosta da ideia? O conde alargou o sorriso enquanto assentia com a cabeça. O tempo pareceu deter-se naquela casa. Depois, Elisabeth e Amanda subiram para ver como se encontrava Lucy, mas não ficaram muito tempo depois de se dar conta de que a jovem mãe precisava descansar. Quando Elisabeth partiu da casa, olhou para trás sem saber muito bem o que encontraria. Então viu dois olhos de um verde intenso que seguiam seus passos, fixamente. Afastou o olhar, incômoda, eo coração lhe pulsou descontrolado. Pigarreou e acelerou o passo, sabendo que essa noite voltaria a encontrar aquele olhar em seus sonhos. Capítulo 4 Havia se passado um mês, mas Elisabeth recordava claramente o dia em que nasceu o pequeno Nicholas. Sentiu-se ditosa naquele momento, e continuava, ainda, ao ver a casa cheia de gente. Estavam em plena primavera, no apogeu da temporada social em Londres, e a festa para o recém-chegado não podia estar mais concorrida. A cerimônia do batismo fora singela, mas a festa era suntuosa. O amplo salão estava repleto de gente. Lucy, a duquesa de Crasbury, sua melhor amiga, era uma grande anfitriã. Normalmente, os pequenos não tinham permissão de comparecer as grandes festas, mas ela organizara de maneira que os meninos tivessem seu lugar. Transformou-se a pequena biblioteca como salão de jogos e ficou muito bom. Lucy não quis se separar de seu filho, sustentava-o nos braços sem perder o sorriso, recebendo felicitações e bons desejos. De sua parte, Elisabeth não se separou de suas sobrinhas. Por fim chegaram à casa. Tia Fanny estava eufórica e ela não podia deixar de sorrir. Ao vê-las brincar sobre o tapete com outros meninos, pensou que não era consciente da responsabilidade que seria criá-las. Não poderia seguir com sua vida dupla. Olhou-as com ternura e lhe umedeceram os olhos. As pequenas estavam a cargo de tia Fanny, mas se lhe acontecesse algo, seria uma carga muito pesada para aquela mulher que, apesar de sua vitalidade, estava envelhecendo. Precisava deixar suas atividades noturnas. Não era que fossem extremamente perigosas, simplesmente eram um jogo para ela. Bom, mais que um jogo, era sua paixão. Quando menina já brincava com Henry de ser detetive. Tudo começou seguindo a pista de um passarinho ferido, quando tinha somente seis anos. Depois, vieram o cão do senhor Foster, que havia desaparecido e ela o encontrou na casa da senhora Lamber, seguindo algumas pistas, para seus olhos, muito evidentes. Ao ficar mais velha, no povoado, começou a dedicar-se a recuperar objetos perdidos e a espionar os noivos infiéis de suas amigas. Bom, isso de espionar soava espantoso, mas... eram uns descarados. Assim, quando chegou a Londres não conseguiu resistir a continuar com certas atividades. Sua primeira cliente foi Loretta Welters. Encontrou-a chorando no reservado de senhoras porque acreditava que seu marido lhe era infiel. —Preciso averiguar quem é essa mulher —balbuciava desesperada. Elisabeth meneou a cabeça. Por experiência, sabia que às vezes era melhor não estar a par, de certas coisas, mas ante o desespero da mulher, escutou a si mesma, dizer: —Conheço alguém que pode ajudá-la. Loretta havia encontrado um colar no dormitório de seu marido, e depois de alguns dias ele não parecia ter intenção alguma de lhe dar de presente. Elisabeth só teve que fazer algumas visitas a prestigiosas joalherias de Londres, sendo o mais discreta possível. Finalmente descobriu que o colar sim, era para a senhora Welters, mas seu marido, um homem grande e pelo visto bastante rude, rompeu o broche antes de entregar-lhe e teve que mandar repará-lo. O que o "investigador particular" disse à dama resultou ser verdadeiro, e a história teve um final feliz. Mas a maioria de vezes não era assim. Seus seguintes trabalhos não foram nada perigosos, limitou-se a investigar, perguntar discretamente e visitar os lugares adequados. Em poucas ocasiões saía à noite, mas os maridos infiéis possuíam suas amantes em bairros respeitáveis, assim, não corria nenhum risco ao entrar em certos becos. Somente Edward Sinclair a colocara em perigo, é que esse homem estranho e misterioso não agia como os outros. Não falava abertamente com seus amigos de sua amante, não a visitava com frequência e, sempre, sempre observava a rua e cada escuro canto que o rodeava, como se pressentisse que realmente alguém o estava seguindo. Sim, Edward Sinclair era perigoso. É por isso que tinha que terminar essa tarefa o mais rápido possível e se afastar dele. Suspirou, cheia de pesar. Seria o último. Averiguaria quem era a amante do conde de Carlyle e contaria à velha dragona, para que ficasse satisfeita. Depois deixaria suas investigações. Catherine Sinclair estava se impacientando pela falta de resultados, assim, em uma dessas noites teria que introduzir-se naquela casa para descobrir quem era a dama. Possivelmente o faria nessa mesma semana. —Cem libras por seus pensamentos —disse sua amiga, tirando-a de seu devaneio. A duquesa estava deslumbrante com seu vestido azul de musselina, cujo decote era mais que provocador. Com total segurança Henry a admoestara, como sempre fazia, quando os encantos de sua mulher ameaçavam monopolizar a atenção de qualquer cavalheiro que não fosse ele. Elisabeth pensou que sua amiga não necessitaria muito tempo para recuperar sua deslumbrante figura. A formosa cabeleira negra estava recolhida em um coque alto, mas mechas rebeldes, estrategicamente colocadas, desciam sobre seus ombros. Seus olhos, de um azul intenso, olharam-na com atenção. —Desembuche. Elisabeth não conseguiu conter o sorriso. —Só estava pensando na responsabilidade que implica ser mãe. Lucy olhou para seu filho com carinho, e depois às duas sobrinhas de Elisabeth. —Não posso acreditar que não as quisessem —lamentou- se Elisabeth, pensando em seu autoritário tio. Embora, como a tia Fanny, continuasse a ser o guardião legal das meninas, recusou-se a criá-las com sua família demasiado conservadora e tensa para o gosto da jovem mulher. —Possivelmente o destino tinha outros planos —a animou a duquesa. —Um melhor. —Elisabeth lhe roçou o braço agradecendo suas palavras. —Perderam seus pais, estão zangadas com o mundo. — Olhou para sua sobrinha ruiva, e esta, por sua vez, a olhou pelo canto do olho como se ele não confiasse nela. —Acredito que pensam que também as abandonarei. —Acrescentou cheia de tristeza. —Não pense isso, amiga. —Lucy embalou o pequeno Nicholas quando ficou a grunhir pela falta de alimento. —Estamos aqui para o que necessitar. Nós também somos sua família. — Disse, incluindo seu marido Henry. —Sei. —E agora, se me desculpar, é hora de dar de comer ao Nicholas —indicou ao ver que seu filho se retorcia entre seus braços. Lucy se retirou e Elisabeth pensou em ir ver como se encontrava tia Fanny. Deveria lhe levar um pouco de ponche, disse a si mesma, lançando ao mesmo tempo, um olhar significativo para a governanta, para que se encarregasse das meninas, enquanto visitava a habitação contígua. Elisabeth cruzou o salão abarrotado de gente, em busca de um pouco de ponche. Ali conseguiu ver Amanda e sua mãe, que sorriam, alegremente, conversando com um grupo de convidados. Sem querer, Elisabeth se surpreendeu tentando achar o padrinho do pequeno Nicholas. Edward fora à casa do duque pela manhã, cedo. Com uma deslumbrante casaca negra e uma camisa branquíssima, vestido para a ocasião. Durante a cerimônia, se esforçara para não o olhar, embora não conseguisse totalmente. Era impossível afastar os olhos daquele homem quando ele estava perto. Mas não o via há uma hora; quando os refrescos começaram, ele já tinha ido embora. Suspirou sem saber muito bem o porquê de estar tão inquieta com a falta de sua presença. A tarde passou rapidamente e a entrada à noite começou o pequeno baile, depois que os convidados enviaram os meninos para casa com suas governantas. Já era quase onze da noite, quando, depois de algumas danças, Elisabeth começou a se sentir esgotada. Procurou de novo a tia Fanny, a quem deixara na companhia de duas de suas melhores amigas, para lhe dizer que partia para casa. Viu-a no outro extremo do salão, envolvida em uma animada conversa, desta vez com um par de cavalheiros. Sem dúvida, estaria lhes dando sermões sobre algum projeto de lei com o qual não concordava ou defendendo a liberdade das mulheres. Sorriu, enquanto seus passos se dirigiam para a mulher. De repente, uma poderosa mão agarrou fortemente seu braço, sem intenção de deixá-la partir. Ao virar-separa saber quem era a pessoa que lhe impedia de avançar, apertou sua mandíbula pelo aborrecimento. —Está encantadora esta noite, Elisabeth. —Essa voz, tão familiar quanto repulsiva, arrepiou seus cabelos. Não era uma sensação agradável. Rezou para estar equivocada, mas ao ver aqueles olhos maliciosos cravados nela, teve que aceitar a realidade: Lorde Richmord estava à espreita, outra vez. Usava o gordurento cabelo castanho penteado para trás, e o suor que gotejava em sua testa a fez retroceder um passo, repelida pelo desagrado que lhe provocava o homem. —Lorde Richmord... —Elisabeth não mentiria para dizer que era um prazer vê-lo. Logo especulou uma desculpa para sair. Não intencionava perder o tempo com esse conhecido de infância, que lhe provocava tão más lembranças. Em seguida olhou o braço que ele ainda agarrava. Ao dar-se conta do desagrado que refletiam os olhos de Elisabeth, Charles Esmont Richmord sorriu. Afastou a mão, sem deixar de olhá-la com aquela inquietante intensidade. Charles Richmord, senhor e Dandy ainda por cima, deu um passo atrás para não a deixar muito desconfortável. Não parecia ofendido pela sua atitude; sabia como era relutante em receber suas atenções. Ela mesma lhe disse depois que a pediu em casamento. Elisabeth o havia rejeitado, mas não seu pai, que havia dado aval para formalizar o noivado. Charles sorriu vitorioso. Não possuía muitas alternativas, embora tivesse fugido para Londres, para passar a temporada na casa de sua tia Fanny. —Deixe que desfrute um último ano —dissera o pai de Elisabeth quando Charles foi exigir que se celebrassem as bodas. —A obrigarei a se casar, quando o calor de agosto a faça retornar ao campo. Lorde Richmord esperava impaciente. Longe de sua tia Fanny, Elisabeth seria vulnerável e se submeteria aos desejos de seu pai, por mais ênfase que colocasse em rechaçá-lo. Obviamente, a vontade do conde prevaleceria. Os olhos castanhos a contemplavam avidamente, observando seu decote pronunciado; ele não queria mais desviar seus olhos. Não estava vestida como debutante, disse a si mesma, nunca o fez. Era uma beleza ruiva indomável e nunca se curvava diante dos caprichos ou regras impostas pela sociedade. Seu vestido era um verde deslumbrante; uma tonalidade que realçava seus olhos. Elisabeth bufou para ele quando começou a falar sobre a boa saúde de seu pai. Eles tinham se tornado amigos próximos, ao que parecia, e tinham planos para o futuro dela. Ante aquele pensamento, lançou uma exclamação abafada. Não queria fazer uma cena, mas aquela situação estava se tornando seriamente desagradável. —Não respondeu minhas cartas —disse Charles, fingindo- se magoado por esse fato. —Sei —respondeu direta. —Deveria ter feito. Elisabeth arqueou uma sobrancelha e esteve a ponto de lhe mostrar quão afiada podia chegar a ser sua língua. —Não tinha por que fazê-lo. —Não? Seu sorriso zombeteiro a deixava nervosa; o fazia desde que era pequena. E aquilo a fez engolir a saliva. Aquele homem sem tato, tão arrogante e seguro de si mesmo, era um espinho cravado em seu quadril, desde o dia que começou a ter curvas de mulher. Seu olhar lascivo lhe provocava um profundo desagrado, e apesar de possuir apenas seis anos a mais que ela, parecia um velho falcão, sempre vigilante... Espreitando-a. Sentia-se pequena e indefesa ao seu lado, e nada a enfurecia mais que sentir-se vulnerável diante de um homem. Olhou-o, sem ocultar seu desagrado. Apesar de que não era seu aspecto o que mais a desagradava em Richmord, nos últimos anos, sua figura mudara. Seu cabelo lubrificado com pomada começava a ser escasso nas têmporas, e embora não se podia dizer que fosse um homem gordo, suas bochechas inflaram, igualmente a seu abdômen. Elisabeth lamentava que não se fixou em outra; mais de uma moça estaria encantada com seus cuidados. Lorde Richmord soubera investir e agora era um lorde tão rico quanto um rei. Isso, aos olhos de seu pai, o fazia um candidato a genro perfeito. —Posso recomendar que não continue perdendo tempo, escrevendo missivas, senhor —disse sorrindo de maneira forçada. —Estou convencida de que encontrará outros afazeres, mais produtivos, nos quais ocupar seu tempo. Odiava as cartas que Charles lhe enviava, recordando que seu pai lhe dava pleno consentimento para que se casassem. Sentiu como seu corpo perdia calor. Preferia sofrer as mordidas da pobreza, antes de se vender a um homem como aquele. —Destroçou-me o coração quando abandonou Yorkshire para vir à buliçosa Londres. —Charles voltou para o tom íntimo que tanto gostava de utilizar. Ela tratou de manter-se serena. —O campo me aborrece, e todos os que vivem nele também. Ele fez como se não tivesse ouvido o comentário. —Deixou-me com os preparativos das bodas... —Acredito que se confunde, senhor —disse, cada vez mais chateada. —Meu pai e o senhor estavam muito ocupados com os preparativos para me atender. Como compreenderá, não são de minha incumbência planos que não me concernem. —Concernem-lhe, Elisabeth. O homem baixara a voz e ela engoliu saliva. —Seu pai poderia tê-la chamado de volta a Yorkshire, mas preferimos esperar que desfrutasse de sua última temporada. Casaremos em setembro, é um fato. —Agarrou-lhe pelo braço com força e se aproximou mais um passo dela, para lhe sussurrar ao ouvido: —será minha, assim já pode ir se acostumando com a ideia. A cautela abandonou Elisabeth. Em seus olhos, da cor do mar enfurecido, ardia uma gelada fúria, que ameaçava sair à superfície a qualquer momento, como um vulcão em plena ebulição. —Se não retornar à casa quando finalizarem as sessões do parlamento, será um autêntico prazer para mim, vir buscá-la e arrastá-la até o altar. Elisabeth viu naqueles olhos pardos, um poço de rancor sem fim. Fechou os olhos, sentindo a garra de seu braço, e respirou com dificuldade ao recordar-se porque odiava tanto a esse homem. E também a seu pai. Quando um tempo antes, Charles havia tentado mais do que palavras com ela, a razão disso era clara: ele queria assediá-la e assim forçar um compromisso com a filha de um conde. Tinha dinheiro, e agora queria um título. Quando comunicou para seu pai as intenções de Charles, este tirou a importância do assunto, dizendo-lhe que seu compromisso se selaria em breve e que teria, portanto, que permitir mais que um par de beijos roubados para que o Lorde Richmord não mudasse de opinião. Foi então que fugiu. Se não fosse pela autoridade que exercia tia Fanny na família, ele a teria levado de novo a Yorkshire. Mas, seu pai reagiu a sua fuga lhe concedendo um ano de prazo para encontrar um marido adequado, e assim, se esquivar do compromisso com Richmord. —Em Londres ela encontrará um pretendente mais rico e, é obvio, com um título mais apropriado —dissera tia Fanny para seu pai. Ao homem não restara mais remédio, que aceitar o que impunha a duquesa viúva. Contara com a avareza de seu pai para escapar desse compromisso, e até o momento conseguira. Mas se não encontrasse um homem desejável em alguns meses, fugiria à América, antes de se ver obrigada a se casar com Richmond. Era uma promessa que fez a si mesma. Jamais se casaria contra sua vontade. Jamais! Quando viu Amanda avançar para ela, pelo braço de um homem bonito, de olhos negros, seu coração se alargou de alívio. Charles não teve mais remédio, que retroceder e ela recuperou o fôlego quando já não teve as mãos dele em cima. —Elisabeth —a chamou a jovem tentando aparentar serenidade, embora se via de longe, quão alterada estava, ao ver a expressão sombria de sua amiga. —Senhorita Sinclair. —A voz desagradável de Charles voltou a flutuar no ambiente. Quando fez gesto de beijar a mão de Amanda, seu acompanhante franziu o cenho. Ela teve que fazer um tremendo esforço para não a retirar. —Lorde Richmord, não o esperávamos em Londres. —Todo o encanto juvenil de Amanda desapareceu. Sabia que era extremamente desagradável para sua amiga, apesar de suas finas maneiras. Possuía contatos nas altas esferas do parlamento, mas lhe arrepiava o pelo da nuca cada vez quevia aqueles olhos desalmados observarem Elisabeth, como se fosse uma presa de caça. —Eu me permiti me aproximar para felicitar o duque por seu herdeiro. Quando Charles se aproximou um pouco mais dela, Amanda conseguiu notar o profundo aroma adocicado que desprendia da colônia do lorde. —Acreditava que estivesse em Yorkshire. —A voz carregada de segurança transformou os rostos das pessoas presentes. Henry assustou tanto Charles que ele tropeçou quando quis voltar para o lado de Elisabeth. Lucy se situou entre as duas damas, que riram baixinho ante a reação de Lorde Richmord. —Excelência. —A saudação que Charles dedicou ao duque foi tão seca quanto breve. —Queria lhe felicitar por sua paternidade. Henry o olhou em silêncio, fazendo com que o ambiente ficasse mais pesado ainda. —Obrigado, Richmord. —Seus olhos continuavam fixos nos do homem. —Algo mais que o retenha em minha casa? —Não, não... —Disse, respirando fundo para tratar de recuperar o ar imperturbável que sempre parecia acompanhá-lo. — Se me desculparem, acredito que vou me retirar. Já está ficando tarde. Meus mais sinceros parabéns —acrescentou olhando Lucy enquanto se curvava, em uma reverência. Enxugou o suor da testa, enquanto avançava para o vestíbulo. Quando estava o suficientemente longe de Elisabeth, esta se permitiu o luxo de suspirar aliviada. —Não me diga que o convidou? —perguntou olhando para Henry. —Não! —Exclamou o duque. —Nem sequer sabia que estava em Londres, querida. Arrependeu-se, em seguida, daquele tom tão incrédulo e pela falta de decoro. —Bom, sigamos nos divertindo —disse ao grupo. — Querida, me deve esta dança. Lucy sorriu e negou com a cabeça, mas ele a arrastou à pista de dança. —Faremos devagar —lhe disse, fazendo que suas bochechas se ruborizassem. Amanda e Elisabeth riram ao ver o casal. O acompanhante de Amanda as olhou com uma expressão afável. Quando ela viu aqueles olhos negros olhando para ela com uma expressão divertida, Amanda percebeu que Elisabeth estava olhando para seu acompanhante e não demorou muito para fazer as apresentações. —Elisabeth —A voz melodiosa de Amanda cortou o ar acompanhada de uma risada jovial. —Deixe-me apresentá-la a André Garnier. Se em algum momento Elisabeth duvidara de que Amanda morria de vontade de conseguir a atenção e o afeto do senhor Garnier, todas essas dúvidas foram limpas quando, sem notar, agarrou-lhe o braço carinhosamente enquanto os apresentava. André fingiu não se dar conta e Elisabeth riu, pois, embora soubesse que Amanda queria casar-se e ter filhos, não imaginava que encontraria um pretendente por quem se apaixonaria tão rápido, e um homem de um país, até recentemente, inimigo de sua pátria. —É um prazer, senhorita Holmes —disse André, beijando delicadamente, a mão enluvada. —O prazer é meu, Monsieur. Disposta a conhecer mais a fundo o pretendente de sua amiga, Elisabeth continuou falando, enquanto tratava de cercar uma conversa agradável. —De onde é, senhor Garnier? —Da própria Paris. —Que encantador! —Verdade, não é? —O olhar risonho de Amanda não deixava lugar a dúvidas de que não estava falando da capital da França, mas sim do homem a quem estava dependurada no braço. —Referia-me ao lugar. —Eu também —se apressou a indicar Amanda, e um intenso rubor cobriu suas bochechas. —A que se dedica, senhor? —Trabalho na embaixada francesa, embora também seja comerciante —respondeu sem deixar de olhá-la. Elisabeth tentava desviar a atenção de André, para que Amanda não se sentisse tão morta de vergonha, mas não teve êxito algum, já que os olhos do homem estavam cravados firmemente nos da jovem. O pretendente de Amanda era um alto diplomata francês, com maneiras delicadas, conforme conseguiu observar, embora sua aparência fosse a de um pirata. Usava o cabelo muito comprido e aqueles profundos olhos negros lhe davam um toque perigoso que, sem dúvida, cativaria as damas. O pequeno grupo falou animadamente. Elisabeth gostou dele rapidamente, embora duvidasse que Edward Sinclair, o irmão de Amanda, o aceitasse. —Senhorita Holmes, poderia nos desculpar? —Perguntou- lhe com um acento tão encantador quanto atraente. —Eu gostaria de dançar outra peça com a senhorita Sinclair, se ela me permitir isso. —É obvio —respondeu com um sorriso. Elisabeth não acreditava possível que Amanda se ruborizasse mais, mas assim foi. Quando André a situou no meio do imenso salão de baile, ela já estava com o rosto escarlate. A jovem estava gostando muito daqueles olhos negros. Elisabeth não conseguiu fazer outra coisa, a não ser reconhecer que poucos homens possuíam a capacidade de chamar a atenção de uma mulher como o fazia o senhor Garnier. Suspirou, como se um ponto de inveja a invadisse. Olhou o casal dar voltas. André era um exemplar magnífico, possuía uma figura atlética e ombros incrivelmente largos, e era um homem de considerável estatura. Sua espessa cabeleira estava recolhida, com graça, por uma tira de couro que a segurava justamente à altura da nuca. Certamente parecia mais um pirata que um diplomata ou comerciante, mas é óbvio que não mencionaria essa observação em voz alta. Só desejava que não fosse como seu aspecto. Pois suspeitava que o senhor Garnier era um homem de grandes paixões, capaz de bater-se em duelo ao amanhecer em Leighton Field pela mínima coisa. Quem dera se equivocasse e o diplomático francês se comportasse bem com sua amiga, pois já havia muitas moças conduzidas a desonra por culpa de um homem. Quando o olhar do pirata pousou nela com desconfiança, Elisabeth pensou que talvez aquele homem fosse muito mais perigoso do que aparentava. Muito mais. Possivelmente o senhor Smith... Seus pensamentos se viram interrompidos de repente, quando olhou, distraidamente, pelas janelas que conduziam ao amplo terraço. Sua boca se abriu pelo assombro. —Meu Deus. Ali estavam suas sobrinhas, de camisola e pela mão de um homem. —Pelo amor de Deus! —resmungou entre dentes enquanto saía disparada, para o jardim do duque. —Susan! Anna! —Parou em seco em frente à alta figura. Suas sobrinhas a olharam com uma expressão entusiasmada. Elisabeth quase sentiu o coração parar, pelo assombro e excitação que sentiu ao ver que era o conde de Carlyle quem guiava as suas sobrinhas à casa. Edward se adiantou, com passo firme, sorrindo diante de uma palavra de Susan. Anna, pela primeira vez, parecia tão feliz quanto sua irmã. Os olhos do conde se cravaram nela e Elisabeth não soube o que fazer para afastar o olhar. —Boa noite, senhorita Holmes. —A voz de Edward soava rouca e sensual, tal e qual ela recordava. —Milorde —disse com o coração descontrolado, mas tentando aparentar que não se sentia perturbada por sua presença, nem porque ele estivesse com suas sobrinhas ao ar livre a tão altas horas da noite. —Sabe? —Perguntou Anna tão entusiasmada que Elisabeth sentiu vontade de chorar. —O senhor Edward vai nos convidar para sua casa de campo para que brinquemos com seus cães. Diz que tem muitos. —Sim, e também um jardim enorme —continuou Susan. Elisabeth guardou silêncio até que voltou a fixar-se no traje das meninas. —Sim... Não é... O que fazem aqui a estas horas? — Elisabeth recuperou a compostura e tentou ordenar seus pensamentos. —Não tínhamos sono —respondeu Susan um pouco compungida. Anna, entretanto, não parecia nada contrita. —Há um montão de vestidos diferentes. Cada um parece uma flor! E a música é tãooooo bonita. A vimos dançar. —Ah, sim? —perguntou ela. —E de onde? Olhou significativamente para Edward, que deslocou os olhos para uma alta árvore do jardim que crescia junto ao concorrido salão. —Oh, Meu Deus! —Sussurrou, enquanto seus olhos se fechavam a causa do pânico. —Edward sobe muito bem às árvores, tia Eli. —Meu Deus! —Repetiu um pouco mais alto. Suas sobrinhas tinham feito o conde subir em uma árvore. —Pensou que nós cairíamos —disse Anna, pondo os olhos em branco, como se aquela ideia fosse uma estupidez. —E subiu para nos salvar, como um cavalheiro com armadura —acrescentou Susan. —Mas não usa armadura —ressaltousua irmã, embora não pareceu que lhe importava esse fato. Tampouco lhe importaria, pensou Elisabeth, respirando profundamente. —Meninas, poderiam ter se machucado se tivessem caído. —Mas tia, somos peritas trepadeiras. Anna assentiu, como se pensar o contrário fosse um sacrilégio. —O certo é que não correram perigo em nenhum momento —disse Edward. —Mas as fiz prometer que nunca voltarão a fazê-lo em Londres. Não seria apropriado. —E em Yorkshire, sim? —Elisabeth reprimiu uma risadinha. O sorriso de Edward não perdeu intensidade. Ela estava muito consciente do jeito com que suas sobrinhas a olhavam. Algo assim como: « este pode ser nosso futuro tio». Mas ela nem sequer queria pensar nisso, pois se os rumores fossem verdade, Edward colocara seu coração e seus desejos em outra parte. Era incapaz de comprometer-se. Henry assegurara e sua mãe, a condessa viúva, confirmara ao contratar a vigilância do senhor Smith. Mas ao contemplá-lo de cima abaixo, Elisabeth entendeu porque todas as damas da sociedade morriam por ele. Observou seu impecável traje de noite. Mudou a formosa casaca e agora vestia uma jaqueta de um belo azul escuro, embora não tão bela quanto a cor de seus olhos. Aquele verde mar era misterioso e atraente. Muito atraente. O perfeito corte de sua jaqueta se ajustava muito bem a seu musculoso torso e a seus ombros... Elisabeth fechou a boca e olhou às meninas, em busca de uma distração. —Bom, poderemos ir? —Perguntaram as meninas. —Onde? —Elisabeth tentou recuperar o fio da conversa. —À festa do Edward —disse Susan franzindo o cenho, lhe recriminando por não a ter escutado. —Espero que nos honre com sua presença —disse o senhor Sinclair olhando-a intensamente. Elisabeth assentiu e, por um momento, tudo ficou em silêncio até que Anna puxou de sua saia. —E nós? —Nós também vamos —insistiu Susan, que não queria perder nada do recém-descoberto mundo da alta sociedade. —Claro —reagiu Elisabeth. —Se o conde as convidou... As meninas aplaudiram saltitando no chão. Elisabeth fechou os olhos, morta de vergonha ao vê-las descalças e com os pés sujos. —Mas agora, é hora de ir à cama. Fizeram uma careta de tristeza, mas agarraram a mão de Elisabeth quando ela alargou os braços. Edward reprimiu um sorriso ao ver aquela imagem. —E... Não podemos ficar a espiar a festa? Não nos verão. —Senhoritas não espionam —falou Edward e olhou a Elisabeth. Esta se ruborizou intensamente. Saberia algo de suas atividades noturnas? « Impossível», disse a si mesma. —Não é assim, senhorita Holmes? —Ora... É claro. Eu... Espionar é ruim. —Muito ruim. Elisabeth pigarreou. —São muito pequenas para assistir a bailes, e deveriam estar dormindo. As palavras de sua tia não agradaram muito a Susan, que deu um sopro muito pouco feminino. —Temo que sua tia tem razão. —Edward as olhou com cara de pena, enquanto Susan zangava o rosto. —Mas não temos sono. —E que tal se forem à cozinha para que lhes deem uma boa parte de bolo e um copo de leite quente? —Oh!! —Exclamaram as meninas ao uníssono e assentiram com entusiasmo. Edward e Elisabeth as acompanharam até a porta traseira que dava à cozinha e ali uma donzela se encarregou delas. —Depois, à cama. —Fique tranquila, senhora —disse a donzela com um doce sorriso, olhando ambas as meninas. —Eu me encarrego. —Lave os pés delas, por favor. —Sentiu-se morta de vergonha, mas teve que reprimir uma gargalhada. Não se aborreceria nunca. —Subirei depois para acomodá-las. Elisabeth se inclinou para lhes dar um beijo na bochecha. —Não somos bebês —disse Susan incomodada pelo que sua tia acabava de dizer diante do conde. —Bem, pois então, boa noite. A menina sorriu com malícia. No fundo adorava que sua tia subisse para lhes dar boa noite, desse modo, sabia que ela e sua irmã eram bem recebidas na casa. Algo que não acontecia com outros parentes. Mas, uma coisa era que gostasse, e outra, muito diferente, que quisesse que outros soubessem. Elisabeth lhes ensinara que não deviam dizer o que pensavam diante das pessoas. Enquanto viam as olhadas que davam sua tia e o conde, apressaram-se a engolir a parte de bolo que a senhora Garrett havia preparado. Edward e Elisabeth saíram, de novo, e voltaram para o salão pelo jardim. A lua não estava cheia, mas sua luminosidade fazia com que as luminárias fossem desnecessárias. Ela não soube o que dizer quando ficou a sós com Edward. Ele sorriu de maneira devastadora, tanto que Elisabeth esteve a ponto de abrir a boca, assombrada ante tanta beleza masculina. Realmente, pensou, precisava distrair-se daqueles pensamentos tão pouco apropriados. —Henry diz que nós temos muito em comum. —Edward elevou as sobrancelhas, perguntando-se por que demônios disse isso. De improviso, ofereceu o braço a ela, que aceitou sem deixar de caminhar pelo atalho de pedras. —Então... coisas em comum, hein? —Perguntou Elisabeth, retornando ao assunto do qual estavam falando. —Como o quê? E não me diga que lhe interessa a moda feminina e as últimas fofocas da alta sociedade... Edward soltou uma gargalhada sincera, coisa que fez com que ambos se convertessem no centro dos olhares de todos os convidados que tomavam ar fresco no terraço de pedra. Sem dúvida, achavam fascinante aquele estranho casal. Ficaram sob a luz das luminárias para que todos vissem que não estavam fazendo nada escandaloso. —Não sei do que está falando, senhorita Holmes. Sei de boa fonte que para a senhorita todos esses assuntos não têm importância. A expressão de Elisabeth se tornou doce. Então Henry estivera contando ao conde como era ela na realidade. Negou, com a cabeça, enquanto sorria. —Tem razão, me aborreço com tudo que deva entusiasmar uma dama. —Como etiquetas, dança, recepções... Suspirou surpresa. —Não diga em voz alta, supõe-se que tudo isso tenha que me agradar. Edward não respondeu enquanto a olhava por um longo tempo. Certamente aquela mulher era encantadora, assim como seu amigo dissera. —Uma das paixões que compartilhamos não é a moda — disse com aquele sorriso que lhe dera a fama de romper corações. Ela devolveu o sorriso. —Então, o que será? —Um amigo em comum disse que tanto você quanto eu somos perseguidos dia e noite para que tenhamos um sagrado matrimônio. Elisabeth manteve o sorriso, enquanto seus olhos ficavam brilhantes. Edward pensou que poderia perder-se naqueles olhos. Sinceramente não recordava de ter visto nada parecido. Elisabeth, sem dúvida, havia partido mais de um coração. Seu belo rosto e seu corpo, arredondado nas curvas corretas, poderiam fazer um homem perder a razão, facilmente. Depois estava sua boca, tão sensual e suculenta; o lábio inferior era muito voluptuoso para seu próprio bem. —Senhor Sinclair —soou como uma recriminação; o matrimônio não era um assunto do qual gostasse de falar. Elisabeth teve que lhe chamar a atenção e Edward quase ruborizou, ao pensar que ela conseguira notar o que lhe passava pela cabeça. Subiram ao terraço e o som da música que se filtrava através das portas abertas os envolveu. A luz mortiça das tochas os iluminou. Ela preferia ficar perto do salão, para evitar falações. Mas, sem que se desse conta, Edward já estava apoiado contra o corrimão de pedra. Seguiu-o e, com um suave balanço do vestido, colocou-se a seu lado para observar as estrelas. —Uma bonita noite —murmurou Edward, observando que Elisabeth elevava o olhar para o céu. —Sim. Sorriu para si mesma. O coração palpitava, rapidamente, em seu peito. Ele estava ali, com ela. O homem que perturbava seus sonhos lhe falava agora com uma familiaridade que deveria lhe parecer antinatural. Olhou-o de soslaio e viu que ele estava com o olhar fixo nela. O sorriso ainda permanecia em sua boca. Ao dar-se conta de que ela não afastaria os olhos, acomodou-se um pouco melhor contra o corrimão de pedra e também olhou o céu. Elisabeth sentiu que estava ficando acalorada. Não podia permitir que Edward Sinclair a seduzisse com esse olhar inocente, quando sabia que ele não era. Mas... A ideia de ser beijada pelo conde de Carlyle... Isso sim teria
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