Buscar

Economia sem Truques O mundo a partir das escolhas de cada um

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 100 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 100 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 100 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Economia sem truques
O mundo a partir das escolhas de cada
um
Carlos Eduardo Gonçalves e Bernardo Guimarães
Índice
Prólogo
1. O pobre não é burro
2. A feia fumaça e o casaco verde-chiclete
3. A lei que proíbe cobrar menos
4. A lei que aumenta o salário
5. De caçadores-coletores a guias de turismo lunar
6. E eu vos declaro marido e mulheres
7. O preço do futuro
8. Vegetarianos, preços e bois
9. As árvores da Ilha de Páscoa e as ruas de Londres
10. O mercado das almas
11. 289 dias
12. O poder mágico da cerveja
13. Casas esquisitas
14. As cigarras
15. Os ombros dos gigantes
16. O milagre da transformação do suco de laranja em vinho
17. O mercado de promessas
18. Faxineiro ou aviãozinho
19. Pedreiros e políticos
20. As leis da economágica
Índice didático
Prólogo
1. Escolhas
2. Externalidades
3. Preços
4. Salários
5. Produção e empregos
6. Restrição orcamentária
7. Taxa de juros e trocas intertemporais
8. Sistema de preços e equilíbrio
9. Falhas de Mercado
10. Desigualdade
11. Falhas de governo
12. Noções de econometria
13. Taxação
14. Previdência
15. Educação
16. Comércio
17. Crédito
18. Mercados ilícitos
19. Instituições políticas
20. As leis da economágica
Prólogo
Este é um livro que ensina economia a partir de seus princípios mais básicos, usando exemplos lúdicos, mas
voltado a questões práticas e importantes. Ao nosso ver, a ciência econômica moderna fornece instrumentos que nos
permitem compreender os fenômenos socioeconômicos e encontrar soluções que melhoram concretamente a vida
das pessoas. Contudo, talvez pelo caráter hermético das técnicas estatísticas e matemáticas empregadas ou pelo
linguajar específico dos economistas acadêmicos, esse entendimento normalmente não chega ao público. Nós
acreditamos que é possível ensinar a todos aqueles interessados nos debates sobre políticas públicas a maneira do
cientista econômico analisar os diversos fenômenos sociais. Este livro busca justamente estabelecer esse elo entre o
economista acadêmico e a discussão cotidiana.
O livro desenvolve e aplica a questões concretas o substrato da lógica econômica, buscando consolidar ao longo
dos capítulos os pilares dessa lógica ao invés de entrar em detalhes específicos das discussões dos jornais. Aqui, o
leitor não encontrará nada sobre a reunião do Copom, nem os últimos dados da cotação do dólar. Para ensinar
economia, falamos de coisas como o colapso da civilização que habitava a Ilha da Páscoa, a fabricação de vinho
francês a partir do suco de laranja, e as casas com janelas cobertas por tijolos. Não parece economia? Apenas por
enquanto.
Em termos de estrutura, o livro está dividido em duas partes. A primeira lança as bases teóricas do pensamento
econômico moderno, enquanto a segunda se dedica a aplicar esta lógica, este arcabouço de raciocínio, ao
entendimento de temas particularmente caros ao país, como educação, comércio e mercados de crédito. Os doze
primeiros capítulos tratam dos fundamentos, enquanto os oito capítulos restantes focam em aplicações.
O ponto de partida de toda nossa análise está nas escolhas das pessoas e em sua interação com o mundo ao
redor. Raciocinando a partir das escolhas individuais, mostraremos como são determinados os preços, os salários, os
empregos e a produção da economia. Falaremos sobre a feia fumaça que sobe apagando as estrelas, as leis que
apenas parecem aumentar os salários, o problema do pai do Woody Allen, e muitos outros casos. Em seguida,
explicaremos quando e porque o governo deve intervir na economia e os princípios básicos que nortearão as
decisões sobre políticas públicas. Ficará claro porque o governo não deve interferir com os impactos sobre o preço
do ouro de uma charge ofensiva a Maomé feita por um cartunista dinamarquês, e porque o governo deve intervir a
fim de reduzir o congestionamento nas ruas de Londres.
Entendida a teoria, passaremos a questões ligadas ao debate corrente no Brasil, como tributação, e instituições
políticas. Não falaremos sobre as particularidades das reformas discutidas na conjuntura, o que importa para nós é a
lógica econômica por trás de cada assunto. Por exemplo, se queremos saber sobre as políticas públicas adequadas
para a previdência, vamos antes entender o problema das cigarras e das formigas. Isso, no entanto, não significa que
trataremos desses temas de maneira abstrata. Para discutir estas questões, é necessário atentar para a realidade, e o
livro está recheado de dados reais e de histórias concretas como a de um banqueiro que ganhou o Prêmio Nobel da
Paz.
Algumas passagens do livro podem parecer óbvias, mas o óbvio com freqüência desemboca no surpreendente.
Por exemplo, o fato de o traficante de drogas não emitir notas fiscais nas suas vendas é óbvio, mas é bem menos
claro que é por causa disto que há tanta violência associada ao tráfico.
O Brasil tem constantemente recorrido a truques de economágica para tentar resolver seus problemas,
implementando políticas públicas que tentam remediá-los sem tocar em suas causas fundamentais. Claro está, os
coelhos não têm saído da cartola. Ao longo deste livro, usaremos o arcabouço econômico tanto para desvendar os
truques da economágica, como para pensar e propor soluções que de fato funcionem.
1. O pobre não é burro
Bangladesh é um país muito pobre, bem mais pobre que o Brasil. É também um dos maiores exportadores do
mundo no setor têxtil, onde se empregam mais de um milhão de pessoas. Em 1992, mais de 50 mil destes
empregados eram crianças de até 14 anos, meninas em sua maioria. Crianças que não estavam estudando nem
brincando, crianças cuja infância se resumia a produzir roupas que seriam vestidas por estrangeiros, e cujo salário
mensal não era suficiente para pagar a conta de alguns jantares dos estrangeiros que vestiam as roupas por elas
produzidas. O trabalho infantil era proibido por lei em Bangladesh, mas a lei não pegou.
Foi então que uma lei americana proibiu a importação para os Estados Unidos de produtos que utilizavam
trabalho infantil. A lei americana pegou e, consequentemente, o trabalho infantil nas indústrias têxteis de
Bangladesh foi drasticamente reduzido. Cerca de 50 mil crianças foram dispensadas da dura vida nas fábricas.
Mas por que será que as crianças estavam trabalhando nas fábricas? Seria essa uma escolha de pais cruéis,
imposta às crianças indefesas? Bem, pais normalmente se importam com os filhos, e ainda que alguns não se
importem, é difícil imaginar que 50 mil crianças estivessem sendo escravizadas pelos seus pais. O que estava
motivando esta escolha? 
Na nossa vida, estamos sempre buscando escolher o que é melhor para nós. O processo decisório não é fácil,
simples ou indolor, e o ato da escolha não raro causa angústias, suscita dúvidas e é penoso para quem decide. Mas,
apesar disto, a verdade é que nós, você e a população pobre de Bangladesh estamos todos sempre escolhendo,
tentando buscar o melhor para nossas vidas. Até mesmo quando optamos por delegar nossas escolhas a alguém,
estamos decidindo não escolher, e arcando com os custos e benefícios desta opção.
Mas estas escolhas não são totalmente livres. Inúmeras restrições as condicionam, delimitam e influenciam,
como, por exemplo: (i) as limitações de ordem financeira que todos enfrentamos (o salário de professor universitário
não nos permite escolher viajar para o exterior de primeira classe); (ii) os impedimentos de natureza jurídico-legal
que nos cercam (podemos acabar presos se, para comprarmos o ticket de primeira classe, resolvemos assaltar um
banqueiro em sua mansão); (iii) a nossa falta de informação sobre diversos temas (quanto dinheiro será que o
banqueiro guarda em sua casa? Ela é fortemente vigiada por câmeras de segurança?), (iv) as normas morais que
regem nosso padrão de comportamento social (mesmo se a mansão estiver desprotegida e a probabilidade de sermos
pegos pela polícia for muito baixa, não achamos correta a escolha de assaltar o banqueiro); etc.
Em resumo, as escolhas são em larga medida determinadas pelo conjunto de restrições. Entretanto, estar restritoem suas opções não é o mesmo que não ter opção, é analiticamente diferente de não escolher. As crianças e seus pais
em Bangladesh não escolheram o infeliz destino de trabalharem em tenra idade e sob condições ruins por mera
ignorância. O pobre não é burro. Se eles assim o fizeram foi por ser esta sua melhor opção disponível entre as várias
e péssimas alternativas possíveis.
O problema das crianças em Bangladesh era o conjunto de alternativas disponíveis, e não a escolha de trabalhar
na fábrica em si. Mas por que esta distinção importa?
Em 1992 mais de 50 mil crianças estavam escolhendo trabalhar para a indústria têxtil de Bangladesh, escolha
esta que a lei americana as impediu de manter. As conseqüências da lei foram trágicas para as crianças. Elas não
deixaram o trabalho para ingressar na escola, nem tampouco passaram a curtir as tardes brincando nos parques. A
realidade mostrou-se menos idílica: elas se tornaram prostitutas, trombadinhas, ou foram trabalhar quebrando pedras
na pedreira. Em suma, saíram da fábrica para se envolver em atividades ainda piores. Além disto, algumas mães
tiveram que abandonar seus empregos para cuidar dos filhos, acentuando o problema de pobreza destas famílias.
Se os propositores da lei proibindo a importação de produtos que utilizam trabalho infantil tivessem pensado
que a escolha prévia das crianças era fruto de um restrito conjunto de alternativas disponíveis e não de burrice, eles
não teriam se surpreendido com o fiasco que se mostrou a lei. Afinal de contas, se fosse uma opção viável para as
famílias pobres de Bangladesh mandarem seus filhos para as escolas e parques, elas o estariam fazendo antes da
entrada em vigor da lei norte-americana.
Não demorou para que as conseqüências negativas da lei fossem percebidas e, em 1995, após dois anos de
penosa negociação, um novo e melhor acordo foi firmado entre a associação das industrias têxteis de Bangladesh e a
UNICEF. Este acordo tinha como ponto principal prover melhores alternativas às crianças. O documento
explicitamente solicitava que, para o bem das próprias crianças, as fábricas não as demitissem até que estas tivessem
disponível uma alternativa melhor. Com o apoio financeiro internacional e trabalho das organizações locais,
alternativas começaram a ser desenvolvidas. A boa noticia é que já se detectam melhoras.[1]
A todo instante, dezenas de indivíduos escolhem ser assaltantes, entrar na prostituição, trabalhar incontáveis
horas no canavial sob sol inclemente, ou em condições precárias na indústria têxtil. Nenhuma destas escolhas nos
soam como minimamente desejáveis. A muitos de nós elas causarão, com plenitude de razão, indignação e revolta
contra o grau de injustiça social que refletem. Quais as escolhas que se apresentam, por exemplo, a um indivíduo
nascido em uma favela violenta de uma grande metrópole ou no interior de um estado pobre do Nordeste brasileiro?
Saber que ele tentará escolher da melhor maneira possível dentre suas opções, todas muito ruins, não soa nada
animador, mas é importante ter em conta que o problema de fundo não se resolverá atacando as escolhas em si, e
sim melhorando o leque de opções disponíveis para os mais desprovidos. Alterar forçosamente as escolhas destas
pessoas, ao invés de focar na melhora das possíveis alternativas, nada resolve e provavelmente apenas piorará uma
situação que já é em si ruim. 
Semelhante idéia se aplica ao caso da prostituição voluntária de adultos. Todo ano vários turistas desembarcam
no Brasil motivados pelo clima, pelas praias e pelo turismo sexual. Ao mesmo tempo, há inúmeras campanhas
contra o turismo sexual em várias cidades onde a atividade turística é parte relevante da economia local.
A escolha da prostituição como profissão está, de acordo com alguns especialistas, ligada a complicados fatores
familiares e psicológicos. Mas, como no exemplo anterior, parte da explicação para a decisão de vender o corpo
decorre da falta de alternativas melhores e não de ignorância sobre o fardo da profissão. Sendo assim, proibir a
prostituição de adultos pode agradar aos que querem uma cidade livre de prostitutas, mas não vai contribuir para
melhorar a vida delas. Por quê? Porque a proibição não cria magicamente postos de trabalho em outros lugares, não
aumenta o nível educacional da prostituta, e nem transfere renda para ela poder alimentar seus filhos. Como
anteriormente, entender que uma escolha que julgamos ruim decorre, com alta probabilidade, das alternativas ainda
piores a que uma pessoa tem acesso, é primordial para desenhar estratégias de políticas públicas que gerem bons
resultados.
Neste livro, estaremos sempre raciocinando a partir das escolhas individuais. A lógica empregada pela ciência
econômica moderna para analisar os diversos fenômenos que nos cercam centra-se nas escolhas dos indivíduos e nas
restrições que afetam e limitam estas escolhas. O que motiva esta abordagem metodológica?
Em um plano mais teórico, são dois os motivos que nos levam a partir do pressuposto que o indivíduo escolhe o
que é melhor pra si. A primeira é mais filosófica e tem a ver com a ideia primária de respeito às preferências e
liberdades individuais. Os nossos pais gostam mais de picadinho com jiló do que de sashimi de salmão. Esta
preferência nos soa estranha, esquisita, mas forçá-los a comer o sashimi não vai ajudá-los, não vai torná-los mais
felizes.
A segunda é mais prática e está relacionada ao fato de os indivíduos terem melhor informação a respeito de suas
alternativas e de toda sorte de restrições que os acometem, do que o têm governante, o político e o estudioso. O
trabalhador de Bangladesh e a prostituta brasileira conhecem melhor do que ninguém o seu mundo e as suas opções.
Apesar de na grande maioria dos casos ter mais opções é melhor do que ter menos, existem certas
circunstâncias onde restringir seu próprio campo de escolha pode acabar sendo benéfico. Em geral, isto é verdade
nas situações onde é difícil resistir ao que chamaremos genericamente de “tentações”, mesmo sabendo que ceder a
elas pode gerar perdas significativas para o indivíduo. 
Ulisses, o navegador da Odisséia de Homero, mostrou ter entendido bem esta questão. Ao navegar por mares
povoados por sereias, sedutoras porém mortais, e sabendo que não poderia resistir a seu chamado uma vez escutada
a doce melodia de seu canto, ele pede a seus auxiliares que amarrem suas próprias mãos à haste do navio.
Basicamente, ele pede, para seu próprio bem, que lhe retirem uma opção: a de mergulhar para encontrar as sereias.
Ao amarrar as próprias mãos, Ulisses sai ileso da aventura.
Da mesma forma, em casa de diabético, é melhor não entrar doce. Pode ser difícil resistir à tentação de comer
um bombom, mas é extremamente importante que o diabético não os saboreie. Alguns diabéticos mais racionais e
controlados não vão comer doce mesmo que haja uma caixa de deliciosos chocolates na estante da sala. Mas retirar
esta opção do alcance do diabético pode ajuda-lo a não ceder a esta tentação. Um dos autores deste livro tem
dificuldades enormes de não comprar livros ao entrar em uma boa livraria. Uma saída que ele encontrou para evitar
gastar parte importante do seu orçamento com esta compulsão foi buscar passar bem longe da livraria - amarrando
as próprias mãos (pés?) como Ulisses. O nó não está se mostrando dos mais firmes, contudo, pois uma vez no
shopping center onde se encontra a dita livraria, é quase impossível para ele manter o compromisso de não entrar (e
é impossível entrar livraria e sair sem livros!). Sua próxima tentativa é abolir os jantares de fim de semana em
restaurantes do shopping onde se acha a famigerada livraria.
Mas mesmo nos poucos casos onde o indivíduo escolhe em prejuízo próprio, é importante analisar os
fenômenos socioeconômicos a partir de sua decisão individual. Quando levamos a sério a ideia de que trabalhadores,
consumidores, empresários, cidadãos e governantes estão sempre escolhendo e reagindo aos incentivos, fica muito
mais fácil entender o funcionamento da economia eanalisar o impacto de políticas públicas. Por outro lado, quando
se abandona este pressuposto, descamba-se para o que apelidamos aqui de economágica, com sérias consequências
adversas para a economia.
Nossas escolhas se alteram de acordo com as condições do ambiente que nos cerca, ou mais precisamente, com
as diversas variáveis que afetam os custos e os benefícios de cada uma de nossas possíveis escolhas. Essas mudanças
em face de modificações no ambiente estão na raiz do entendimento do funcionamento de uma economia de
mercado.
O exemplo mais típico e usual de reação a mudanças no ambiente tem a ver com o impacto de variações dos
preços dos bens que consumimos. Quando sobe o preço da manteiga, por exemplo, os consumidores aumentam a
procura por margarinas, um substituto razoavelmente próximo para muitos. Já quando o pãozinho francês fica mais
caro na padaria e as pessoas passam a consumi-lo em menor escala, cai também a demanda por manteiga, dado que
ambos são em geral consumidos em conjunto.
Além de escolher o que compramos, escolhemos trabalhar ou não, como e onde.
Em um feriado prolongado de muito calor, quando a volta de milhares de carros do litoral congestiona as
estradas, rapidamente aparecem, como que surgidos do nada, grupos de vendedores ambulantes de água e
refrigerante. Essas pessoas estão escolhendo trabalhar no feriado, reagindo à oportunidade temporária de ganhos
mais altos propiciada pela combinação de calor e engarrafamento. 
Nossas opções de trabalho dependem de nossa formação, que também é fruto de uma escolha. Todos os anos,
entre 800 e 1500 alunos saídos dos cursos de graduação em economia prestam uma espécie de vestibular para
ingressar nos programas de mestrado de economia oferecidos pelas diversas escolas do país. Em anos em que o
mercado de trabalho para economistas juniores encontra-se aquecido, muitos deles deixam de lado a escolha de
estudar para a prova de ingresso no mestrado e decidem entrar no mercado de trabalho. Nestes anos, os candidatos
inscritos para a prova nacional do mestrado em economia raramente passam de 1000. Mas quando a economia do
país vai mal, e o mercado de trabalho por conseqüência torna-se temporariamente menos atraente para os formandos
da graduação em economia, a demanda pelos cursos de mestrado cresce vigorosamente, podendo alcançar o teto do
intervalo acima sugerido. Os recém formados estão escolhendo de acordo com as condições do ambiente que os
cerca, adiando a entrada no mercado de trabalho para um momento mais propício, e aproveitando o interregno para
aprimorar suas habilidades no curso de mestrado.
Produtores e vendedores escolhem produzir e vender de acordo com as características da demanda. Ambulantes
e pequenos comerciantes encontrados nas calçadas das grandes ruas e avenidas, que costumeiramente ofertam ao
público passante múltiplas bijuterias, capas de celular, e até funcionam como intermediários financeiros comprando
tickets refeição, rapidamente reaparecem nas esquinas com pencas de guarda-chuvas, de R$ 5 e R$ 10, quando a
chuva pega o transeunte no contra-pé oferecendo uma boa oportunidade de lucro para os vendedores. A decisão do
que ofertar dos ambulantes não é, portanto, rígida: ela muda quando muda o ambiente.
O inchaço dos departamentos financeiros das empresas em países que vivenciam períodos de inflações altas e
crônicas é outro exemplo de reação às condições do ambiente. Quando a inflação é muito alta, tão ou mais
importante que produzir com qualidade, ter uma boa estratégia de marketing, selecionar com cuidado os
fornecedores, ou desenvolver novos produtos, é ter um departamento de finanças que seja bastante eficiente em
proteger as receitas da firma da erosão inflacionária, utilizando para tal os mais diversos instrumentos financeiros
disponíveis. Mas quando a inflação cai, o tamanho e a importância estratégica dos departamentos de finanças nas
empresas diminui a olhos vistos. Mais recursos (humanos e financeiros) passam então a ser alocados para os
departamentos de criação de novos produtos, ou para os de vendas. Empresários e acionistas estão constantemente
decidindo em que departamento focar mais recursos em função da alteração do entorno macroeconômico.
Nos Estados Unidos, um país de muitos obesos, existe uma quantidade enorme de lojas ofertando roupas apenas
para pessoas que pesam mais de uma tonelada; no Brasil, onde o ambiente é outro – com menos obesos – estas lojas
são muito mais raras. A decisão sobre o que produzir depende das características dos consumidores.
Os políticos, representantes do povo, também estão escolhendo. Nas democracias do início do século XIX,
apenas os ricos e os instruídos votavam. As escolhas das plataformas de campanha dos políticos levavam isto em
consideração e, consequentemente eram ainda muito incipientes programas de transferência de renda aos pobres, ou
escolas públicas gratuitas. Mas então se deu uma mudança de ambiente: os pobres passaram a votar também. O que
aconteceu com as escolhas dos políticos? Elas mudaram de acordo com a mudança dos incentivos. Se o pobre vota,
os olhos do político a ele se voltam. E com a extensão do sufrágio, os governos começaram a financiar escolas,
hospitais públicos e programas de transferência direta de renda com impostos (majoritariamente pagos pelos mais
ricos).
De maneira similar, o aumento da longevidade das pessoas aumentou ao longo do século XX a participação de
idosos na população total. Apoiar programas de transferência de renda para um grupo amplo de eleitores – os idosos
– foi-se tornando cada vez mais uma escolha interessante para os políticos, e deu-se como consequência um
aumento dos gastos públicos com pensões na segunda metade do século XX.
Em resumo, as pessoas estão escolhendo a todo instante. No entanto, como vivemos em sociedade, decisões
individuais frequentemente geram consequências que não se limitam a quem as toma, afetando outros no seu
entorno de maneira negativa ou positiva. Este fato gera importantes consequências econômicas e é o tema do nosso
próximo capítulo.
2. A feia fumaça e o casaco verde-chiclete
É da escritora americana Fran Lebowitz a frase: “o seu direito de usar um casaco de poliéster verde-chiclete
termina onde começam os direitos do meu olho”. Se ela fosse economista, provavelmente exporia o mesmo
pensamento de maneira diferente, ressaltando que nossas escolhas podem afetar os outros. No caso específico, que a
roupa que escolhemos propicia uma visão agradável ou não aos olhos daqueles que nos vêem passar. Sim, a frase
não soaria muito divertida, mas chamaria atenção para o fato de que embora estejamos sempre escolhendo o que
preferimos, não necessariamente estamos escolhendo o que é o melhor levando-se em conta todas as pessoas
envolvidas e afetadas pela nossa decisão.
Caetano Veloso, na música Sampa, apresenta queixa contra “a feia fumaça que sobe apagando as estrelas”.
Quando as fábricas poluentes e os donos de automóveis velhos escolhem lançar no ar enormes nuvens de fumaça
negra, o nosso céu fica mais triste e o ar menos saudável. No capítulo 1, argumentamos que interferir diretamente
nas escolhas dos indivíduos lhes era prejudicial. Mas e neste caso, devemos respeitar a decisão individual das
empresas de poluir o ar?
Nosso bom senso nos diz que não, e ele está correto. Mas é importante entender exatamente porque. O diferente
aqui em relação aos exemplos do capítulo anterior é que a emissão de fumaça gera um dano para os outros que não é
ressarcido pelos agentes poluidores.
Quando decidimos, comparamos os custos e os benefícios que obteremos em cada uma das alternativas que se
nos apresentam. Entretanto, como estamos interagindo o tempo todo em sociedade, às vezes os custos e benefícios
das nossas escolhas recaem sobre outros, seja de maneira positiva, ou de maneira negativa. A estes impactos da
escolha individual, que transcendem os limites do indivíduo, os economistas dão o nome de “externalidades”.
Nossa escolha de sujar ou limpar nossa casa deve ser respeitada, pois arcamoscom todos os custos e
conseqüências desta opção. A nossa decisão de sujar o mundo, poluindo o ar, não. Ela não pode receber o mesmo
tratamento, pois os custos de um mundo mais poluído não incidem apenas sobre quem decide poluir.
Quando uma empresa produtora de papel lança dejetos tóxicos oriundos do processo de produção em um rio,
matando seus peixes e contaminando sua água, sua ação gera prejuízos para a população ribeirinha que nele costuma
pescar, recolher água doce, ou banhar-se, e até mesmo para o cidadão que fica desagradado ao presenciar a triste
cena de dejetos ou espuma química navegando rio abaixo. O ato da empresa prejudica pessoas não envolvidas na
decisão de poluir. Ele gera externalidades negativas.
Também há uma externalidade negativa quando um proprietário de terras do Mato Grosso promove uma
queimada em seu terreno com vistas a abrir espaço para futuras plantações. Ao fazê-lo, ele lança no ar uma
quantidade de gás carbônico que leva a uma deterioração da qualidade de vida de outras pessoas. É verdade que a
pior qualidade do ar também afeta o proprietário, mas isto não constitui uma externalidade negativa. Externalidade é
apenas a parte do impacto que incide sobre os outros.
E os exemplos não param por aí: jogar bituca de cigarro pela janela; não desligar o celular no cinema; andar no
ônibus lotado sem usar desodorante; dirigir perigosamente; sair de carro em um horário de trânsito intenso
(aumentando o tráfego para os que já estão tentando chegar no trabalho); entrar no elevador e apertar o sétimo
quando alguém no elevador se dirige ao décimo andar (e, portanto, é “atrasado” pela sua parada no sétimo); roubar;
conversar alto na biblioteca; buzinar no trânsito; fumar em lugar fechado, são todos casos de externalidades
negativas. São instâncias onde a ação privada afeta adversamente o bem-estar de outros.
O fato de uma ação provocar externalidades negativas não significa que ela não deva ser tomada. Por exemplo,
a ambulância que passa correndo na minha frente para chegar um pouco antes ao seu destino atrasa a minha viagem
em alguns segundos. Mas os segundos para a pessoa que precisa de atendimento médico são mais importantes do
que para mim. Então, a ação do motorista da ambulância não deve ser coibida porque seus benefícios compensam
suas externalidades negativas. Da mesma maneira, aviões poluem o ar, mas a viagem de avião deve ser evitada
apenas se os custos para todos provenientes da externalidade negativa – a poluição – superarem os benefícios
líquidos diretos da ação para os passageiros – ou seja, o benefício do transporte menos os outros custos da viagem.
Um exemplo sério e bastante importante de externalidade negativa, que recebe a alcunha de “tragédia dos
comuns”, ocorre quando a ação privada e desarticulada de vários indivíduos exaure, rapidamente, algum precioso
recurso que é comum a todos.
Imaginemos o caso de um pasto público, onde todos os criadores de gado de uma certa região podem levar seus
bezerros para engorda. Se o pedaço de terra em questão fosse propriedade de um único fazendeiro, ele procuraria
economizar um pouco dos recursos do pasto para o futuro, e decidiria quantos bezerros a ele levar tendo em conta
que um número excessivo de bezerros hoje exauriria os recursos disponíveis para os bezerros de amanhã. Mas se
outros fazendeiros podem também ali alimentar seus respectivos rebanhos, a economia feita por um dado fazendeiro
pode ser facilmente apropriada pelos bezerros dos outros. Em vista disto, se o fazendeiro considera apenas os custos 
e benefícios que recaem sobre si mesmo, ele optará por levar o máximo possível de bezerros ao pasto, antes que o
capim disponível seja consumido por outros rebanhos.
Onde exatamente encontra-se a externalidade negativa neste exemplo? No fato de que cada bezerro a mais que
um certo fazendeiro opta por levar ao pasto se traduz em menor quantidade de grama disponível para os outros
rebanhos, prejudicando assim os outros fazendeiros.
Se todos fazendeiros desconsideram as externalidades na sua tomada de decisão, todos tentarão extrair o
máximo possível do pasto no curtíssimo prazo. O resultado desta falta de coordenação entre os fazendeiros é que os
recursos do pasto se deterioram muito rapidamente.
O problema da tragédia dos comuns, exemplificado no parágrafo precedente é, em muitos casos concretos,
extremamente sério, podendo levar países ao caos econômico-social e a guerras civis. É o caso, por exemplo, de
muitas nações que possuem grande quantidade de preciosos recursos naturais. A guerra dos diamantes em paises
africanos como Serra Leoa é uma triste ilustração de como os incentivos e escolhas individuais (ou de grupos) – que
tentam vorazmente se apropriar dos diamantes que jazem nas minas do país – podem levar a um rompimento
completo do tecido social. Para os habitantes de Serra Leoa, os diamantes são uma maldição, não uma benção.
Mas os reflexos das ações privadas que ultrapassam os limites do indivíduo também podem ser positivos.
De fato, muitas decisões pessoais podem aumentar o bem-estar de pessoas alheias ao processo de escolha
privado. Por exemplo, a decisão individual de se educar é um dos mais citados atos geradores de externalidades
positivas. Pessoas mais educadas (no sentido amplo da palavra) convivem melhor em sociedade, votam melhor nas
eleições onde se escolhem os representantes que tomarão decisões afetando a todos, disseminam parte de seus novos
conhecimentos a seus colegas de trabalho, criam filhos mais educados, respeitam mais as leis de trânsito, etc.
Outros exemplos de externalidade positiva são: cuidar do quintal, ou enfeitá-lo para a semana de Natal,
propiciando uma visão agradável aos transeuntes; organizar a comunidade para realização de tarefas coletivas;
convidar os amigos para desfrutar de um saboroso jantar na sua casa, etc. 
Uma vez estabelecido o conceito de externalidades negativas e positivas, a pergunta que se segue naturalmente
é se levamos estes impactos sobre os outros em consideração quando estamos decidindo. Quando não levamos, a
escolha privada difere da escolha que seria ideal para a sociedade como um todo.
Conta a Bíblia que Jesus Cristo aconselhava ao ser humano “amar o próximo como a si mesmo”. Em linguagem
mais mundana, o conselho era considerar os custos e benefícios de suas ações nos outros como se estes incidissem
sobre si mesmo. 500 anos antes de Cristo, Confúcio ensinava a “jamais impor aos outros o que você não escolheria
para si”.[2] No linguajar do economista, o mandamento cristão e a filosofia de Confúcio poderiam ser expressos
como: “atribua às externalidades de seus atos o mesmo valor que você atribui aos efeitos de suas ações sobre si
mesmo”.
Os exemplos pouco animadores citados acima deixam claro que o conselho cristão não é seguido à risca. Claro,
não somos todos inveterados egoístas que pensamos sempre, e exclusivamente, em nós mesmos. Considerações
altruístas explicam em alguma medida o cuidado de muitas pessoas em preservar o meio-ambiente, e a realização de
doações financeiras de variadas naturezas. Mas tampouco levamos sempre em conta na sua integridade os efeitos de
nossas escolhas sobre os outros. Caso contrário, como explicar a ação do motorista que lança guimba de cigarro pela
janela e dirige de modo irresponsável, a poluição dos rios pelas fábricas, pessoas roubando as outras, a guerra por
diamantes em alguns países da África ou os 1000 assassinatos que ocorrem semanalmente no Brasil?
Como veremos em capítulo futuro, quando os efeitos de uma dada externalidade forem de fato relevantes,
torna-se necessária e desejável a intervenção do ente governamental para coibi-la. Dito de outro modo, confiar no
bom coração dos donos das fábricas para deter a poluição do ar não é boa solução. Cabe ao governo tentar fazer com
que o dono da fábrica leve em conta nas suas decisões os efeitos indesejáveis da poluição no ar.
Levando a definição de externalidades ao pé da letra, a verdade é que a grande maioria de nossas ações afeta o
bem-estar das outraspessoas, ainda que apenas superficialmente. Em vista disto, e como veremos em capítulo
futuro, para que a intervenção governamental faça sentido na prática, os efeitos das ações de alguém sobre o bem-
estar dos outros precisam ser significativos. Poluição encaixa-se nesta definição prática, roubar e fumar em espaço
fechado também, mas e casacos verde-chiclete? Não entendemos muito de moda, mas somos contra o governo
interferir na decisão de alguém vestir uma roupa mais exótica porque ela não agrada o transeunte que se veste mais
conservadoramente. De uma maneira geral, quando a intervenção do Estado depende de um juízo de valor deste
tipo, nossa primeira reação é desaprová-la. Voltando à música de Caetano, é preciso distinguir a feia fumaça que
sobe apagando as estrelas da deselegância discreta das meninas de Sampa.
3. A lei que proíbe cobrar menos
Em 1992, transitou pela Assembleia Legislativa de São Paulo um projeto de lei que obrigava cinemas, teatros,
circos e casas de espetáculo a cobrarem o dobro do preço do ingresso de todas pessoas que não tivessem a
carteirinha de estudante. Cobrar mais barato, qualquer valor inferior ao dobro do preço cobrado aos estudantes, seria
ilegal.
Esta lei da entrada-dobrada para os não portadores de carteirinha foi aprovada no dia 13/05/1992 e vigora até os
dias de hoje, sendo mais conhecida pelo nome de lei da meia-entrada. O texto da lei coloca que todo estudante tem
direito a pagar metade do preço cobrado às demais pessoas em cinemas, circos, espetáculos teatrais, esportivos,
musicais e de lazer. Para entendermos porque a lei da meia-entrada tem impactos idênticos a uma lei que
estabelecesse entrada dobrada para os não estudantes, precisamos antes entender como os preços são formados em
uma economia de mercado, quais são os fatores que os afetam.
Os preços dos bens em uma economia de mercado são uma escolha das firmas. Lembrando que as escolhas
variam com as condições do ambiente, neste capítulo focaremos nossa análise nas variáveis que jogam papel
fundamental na determinação dos preços.
O principal objetivo de qualquer empresa é a obtenção de lucro. Às vezes, porém, elas tomam decisões que
parecem não estar diretamente ligadas a este objetivo. Por exemplo, algumas ações visam estabelecer reputação de
longo prazo e ampliar a fatia de mercado da empresa. Uma maneira de fazê-lo é vender temporariamente o bem a
preço inferior ao seu custo de produção. Esta ação de fato prejudica a lucratividade da empresa no momento
presente, mas ao mesmo tempo, contribui para maior lucro no futuro, pois atrai mais clientes, alguns dos quais
continuarão comprando o bem quando seu preço voltar ao normal.
A decisão sobre o preço de venda, assim como as outras escolhas importantes da empresa, se pautará pelo
objetivo de obter os maiores ganhos possíveis.
Mas se em uma economia de mercado, as empresas são livres para escolher o preço de seus bens e têm em vista
somente o lucro, não é natural esperar que elas escolham preços excessivamente altos, prejudicando o bem-estar do
consumidor final?
Vejamos. Quanto mais alto o preço de um bem, maior é a receita obtida por unidade vendida do mesmo. Mas
como os consumidores reagem a um preço mais alto escolhendo outro bem substituto, ou simplesmente escolhendo
comprar o mesmo bem em menor quantidade, menor será também o número de unidades vendidas. O resultado
líquido de uma elevação de preços sobre o lucro é, portanto, em princípio, incerto. Assim um aumento exagerado do
preço não acarretará em lucro maior para a firma porque a queda nas vendas mais que compensará a elevação do
ganho por unidade vendida. Portanto, a empresa nunca escolherá preços excessivamente alto que não maximizam
seu lucro.
Um exemplo concreto relacionando o preço da entrada no cinema com o lucro dos donos do cinema ilustra este
ponto. Se o preço do ingresso cobrado for muito baixo, digamos de R$ 2, o faturamento será pequeno mesmo que o
cinema fique cheio. Já se o valor do ticket for de R$ 100, o cinema ficará vazio e a receita também será pífia.
Nenhuma das duas estratégias levam a um bom lucro. Para maximizá-lo, a empresa escolhe um preço intermediário
que gera uma boa receita por unidade vendida e é ao mesmo tempo capaz de atrair uma boa clientela. Este preço no
Brasil gira hoje em torno de R$ 30 para não-estudantes, e R$ 15 para estudantes.
Mas dizer que a empresa escolhe o preço para maximizar seu lucro não nos esclarece lá muita coisa. É
importante entender que condições do ambiente afetam esta relação entre preço e lucro porque mudanças nestas
condições são a base da explicação para as diferenças nos preços escolhidos pelas empresas. De uma maneira geral,
o preço escolhido pela empresa dependerá crucialmente de dois fatores: (i) o custo do produto para a empresa e (ii) a
sensibilidade da demanda dos consumidores aos preços.
Vejamos primeiro o impacto do componente custo. Custos mais altos comprimem o lucro por unidade, e à
medida que este diminui, torna-se mais interessante para a empresa aumentar o preço, ainda que isso implique em
alguma redução da quantidade vendida.
Um exemplo numérico ajuda a entender este ponto. Pensemos em uma empresa cogitando elevar seu preço de
R$20 para R$21. Ela considera que este aumento causará uma redução de 20% na demanda pelo seu bem. Vale a
pena então aumentar o preço?
A resposta depende do custo unitário de produção. Se este, por exemplo, é de R$19, o lucro por unidade é R$1
ao preço de R$20. Se o preço sobe para R$21, o lucro por unidade passa a ser R$2. Portanto, com a elevação, o
lucro por unidade dobra e a quantidade vendida se reduz em 20%: neste caso vale a pena subir o preço para R$21.
Agora, suponha que o custo unitário de produção é R$10. Sendo o preço R$20, o lucro por unidade vendida é
R$10. Com o preço de R$21, o lucro por unidade vendida é R$11. Assim, ao preço de R$21 a quantidade vendida é
20% menor e o lucro por unidade é 10% maior que no caso do preço a R$20. Com o custo mais baixo, portanto, não
vale a pena subir o preço. 
O ponto ressaltado pelo exemplo acima vale em geral: dado um certo comportamento da demanda, custos
maiores fazem com que seja interessante para a empresa cobrar preços maiores.
A empresa não repassa a variação dos custos aos consumidores porque considera “justo” que eles paguem pelo
aumento, ou, no caso simétrico, porque elas vêem como “coerente” que eles compartilhem dos benefícios de uma
redução dos custos. Nada disso foi levado em conta no exemplo acima. A relação positiva entre preços e custos não
depende dos sentimentos da empresa por seus clientes. Uma empresa que apenas objetiva maximizar o lucro cobra
preços mais altos quando os custos são maiores.
Um importante fator que afeta o custo do bem é a produtividade da empresa - a medida de quanto ela produz
por unidade de insumo empregado.
Há algumas décadas, dizia o Barão de Itararé que “pobre, quando come frango, um dos dois está doente”. O
frango, antes caro e inacessível ao pobre, hoje é a carne mais barata à disposição dos consumidores. O motivo? Não
a benevolência do avicultor, mas os fortes ganhos de produtividade vivenciados no setor.
Da mesma maneira, os avanços tecnológicos têm aumentado a produtividade na fabricação de aparelhos
eletrônicos. Isto reduz custos e, consequentemente, o preço dos produtos. Por exemplo, televisores com tela plana,
que antes não eram viáveis comercialmente, hoje já são encontrados nas lojas e, no futuro, provavelmente, custarão
ainda menos.
Avanços tecnológicos não são a única maneira que as empresas encontram para reduzir custos. Por exemplo,
grandes redes de supermercado, como Carrefour e Wal Mart, têm alto poder de barganha com seus fornecedores e
assim conseguem comprar destes a preços mais baixos. É por isto que seus preços aos consumidores tendem a ser
menores que os dos pequenos armazéns.
Além do custo, o outro fator que determina os preços é a chamada elasticidade-preço da demanda. Diz-se que a
demanda pelo bem é “elástica” quando um aumento do preço acarreta forteredução de vendas, e “inelástica” no
caso oposto. Quanto maior a elasticidade, menor será o preço de venda escolhido pela empresa.
Um exemplo numérico ilustra este ponto. Consideremos novamente uma empresa cogitando elevar o preço do
seu bem de R$20 para R$21. O custo de produzir uma unidade do bem é igual a R$19, independentemente da
quantidade produzida. Note que a mudança aumentará o lucro por unidade de R$1 para R$2. Vale a pena então
aumentar o preço?
A resposta depende da elasticidade, ou seja, de quanto a demanda reage a uma mudança no preço. Se com o
preço a R$21, a demanda se reduz em 20%, vale a pena cobrar mais caro. Neste caso, o lucro por unidade dobra,
mais do que compensando a queda de 20% nas unidades vendidas.
Por outro lado, se o aumento do preço derruba a demanda para um terço do seu valor inicial, cobrar mais barato,
R$ 20, é mais lucrativo. Com a demanda mais elástica, apesar de o lucro por unidade dobrar, as vendas caem para
menos da metade e, portanto, o lucro total se reduz.
Novamente, o ponto estabelecido pelo exemplo é geral: quanto menor o impacto dos preços na demanda,
maiores serão os preços que maximizam o lucro. Se aumentos de preço acarretam grande perda de vendas, é melhor
para a empresa cobrar preços baixos.
Um fator muito importante para determinar a elasticidade da demanda de um determinado bem é o grau de
concorrência enfrentado pela empresa. Se a concorrência é acirrada, um pequeno aumento de preços leva a grande
queda na demanda e uma queda dos preços atrai grande numero de compradores. Neste caso, as empresas escolherão
vender seus produtos a preços próximos dos seus custos.
Quando a concorrência é acirrada, as empresas que não conseguirem produzir a um custo próximo do das
empresas mais eficientes acabarão sendo varridas do mercado. Por quê? Sendo o preço de venda próximo ao custo
de produção, as empresas com custos menores venderão seus produtos a preços inferiores aos custos de produção
das empresas menos eficientes. Para que estas obtenham um lucro por unidade vendida razoável, o preço de venda
precisaria ser significativamente mais alto que o das mais eficientes, implicando, portanto, em uma quantidade
vendida muito baixa.
Em alguns casos, a concorrência é tão grande que a escolha da empresa é praticamente ditada pelo mercado.
Isto geralmente ocorre quando muitos produtores fabricam bens praticamente idênticos. Por exemplo, um exportador
de laranjas pode vender grandes quantidades de seu produto ao preço vigente no mercado, mas não conseguirá
vender quase nada se tentar cobrar preços um pouco maiores porque laranja é laranja mesmo.
Já se há pouca concorrência, seja porque os consumidores não têm boas informações sobre opções alternativas,
seja porque os concorrentes estão localizados geograficamente muito longe, seja porque não há outros produtores de
um certo bem, os preços serão significativamente mais altos que os custos.
Produtos difíceis de serem substituídos devido a alguma característica específica que os tornam únicos sob os
olhos do consumidor são mais caros justamente porque mudanças de preço têm menor impacto sobre as vendas. Se o
preço de um prato especial que só aquele restaurante francês de seu bairro serve se eleva, suas idas ao restaurante,
caso você goste muito de comida francesa, diminuem pouco. Porque o prazer de uma refeição lá é praticamente
insubstituível, a elasticidade aos preços é baixa, e a comida é cara. Note que restaurantes não são escassos em um
determinado bairro, mas bons restaurantes franceses sim. E é justamente esta escassez no quesito qualidade que lhe
confere o poder de cobrar bem acima do custo do prato.
De um modo geral, as empresas tentam diferenciar seus produtos, seja por meio de inovações tecnológicas que
dão características especiais ao produto, seja via anúncios publicitários que valorizam a marca, justamente para
convencer os seus clientes que o que oferecem é um bem ou serviço diferente da concorrência. Esta diferenciação
faz com que aumentos de preços não causem grandes quedas na demanda e, portanto, possibilita à empresa cobrar
mais caro e lucrar mais.
O grau de concorrência também é influenciado pelo comportamento dos consumidores. Se as pessoas procuram
bastante antes de comprar, as vendas serão mais afetadas pelo preço e, portanto, as lojas cobrarão preços mais
baixos. O advento da internet tornou mais fácil, rápido e barato comparar preços, aumentando a concorrência e
reduzindo o nível dos preços de alguns produtos.
Se vários consumidores procuram bastante, de loja em loja, antes de comprar, os preços serão mais baixos para
todos os consumidores – mesmo aqueles que não se dedicam a encontrar boas barganhas. De fato, o executivo que
entra na livraria com pressa querendo um exemplar de “Economia sem Truques” para o amigo secreto da empresa
que começa em 15 minutos está disposto a pagar pelo livro mais do que um aposentado que já passou em 8 lojas
pesquisando o melhor preço. A busca do aposentado pelo preço mais baixo gera uma externalidade positiva para o
executivo, que pagaria mais pelo livro se todos fossem como ele. Se o mundo tem muito aposentado, o preço do
livro é menor; se ele é habitado por muito executivo apressado, o preço é mais alto.
Mas a externalidade positiva que o aposentado gera para o executivo só se materializa porque em geral as
empresas não podem discriminar preço, ou seja, não podem cobrar mais do executivo do que do aposentado pelo
mesmo livro.
Em algumas ocasiões, no entanto, as empresas cobram mesmo preços diferentes dependendo do cliente ou, pelo
menos, arrumam artifícios indiretos para cobrar mais de quem tem mais disposição para pagar. As montadoras de
automóveis, por exemplo, encontraram uma maneira interessante de fazê-lo, que é vender carros novos com e sem
acessórios adicionais (teto solar, pára-choques diferenciado, etc) e cobrar bem mais pelo carro com acessórios. Deste
modo, a concessionária além de vender o carro básico para grande número de compradores também consegue extrair
mais dos consumidores mais ricos, dispostos a pagar caro pelo automóvel da marca escolhida com os acessórios
desejados. Os acessórios servem para a empresa diferenciar os clientes mais sensíveis a preço (que levam o carro
sem acessório), dos menos sensíveis a preço (que optam pelo carro com acessório). O lucro dela assim é mais alto
que no caso onde ela só vendesse carros sem acessórios (sem explorar a disposição a pagar mais dos menos
sensíveis a preço), e que no caso onde ela ofertasse somente carros com acessórios (espantando os clientes mais
sensíveis a preço).
Empresas aéreas fornecem outro exemplo de discriminação de preços quando vendem tickets para a classe
executiva que custam mais que o dobro do preço do ticket da classe econômica. Alguns clientes estão dispostos a
pagar caro para viajar com mais luxo. Outros preferem preços mais baixos a maior conforto. Para a companhia aérea
interessa ter as duas classes, uma para cada tipo de cliente.
Acontece que, neste caso, a empresa concorre com ela mesma ou, melhor dizendo, a viagem na classe executiva
concorre com a passagem na classe econômica. Assim, se a viagem do passageiro da classe econômica é
desconfortável, a opção de viajar de executiva se torna mais atraente. Não é à toa que na classe econômica a cadeira
reclina pouco e seu joelho fica apertado contra as costas do passageiro que viaja na fila da frente. Se a classe
econômica fosse confortável, como o avião cumpre basicamente a função de levar o cliente de um ponto a outro,
mesmo os menos sensíveis a preço não se disporiam a pagar tanto a mais apenas para usufruir algumas regalias,
como uma comida melhor ou um vinho caro. Não seria muito custoso melhorar o assento da classe econômica, mas
a companhia aérea precisa que o passageiro da econômica tenha pouco conforto para conseguir vender assentos mais
caros na executiva, discriminando preços e extraindo um lucro maior daqueles com maior capacidade de pagar.
Se a concorrência no mercado de passagens aéreas fosse tãoacirrada quanto no mercado de laranjas, uma
companhia aérea não conseguiria discriminar preços dessa maneira, pois uma empresa concorrente teria incentivos
para criar aviões apenas com a classe econômica e com poltronas mais confortáveis, e assim atrair a clientela
disposta a pagar um pouquinho a mais pelo conforto extra.
A concorrência é menos acirrada no mercado de viagens aéreas do que no mercado de laranjas por motivos
inerentes ao tipo de atividade e por conta da legislação. De fato, é complicado e demorado entrar no ramo de
transporte aéreo, demora-se para estabelecer uma reputação com a clientela e para montar a estrutura necessária para
operar, e os ganhos de escala fazem com que empresas maiores sejam mais eficientes. Portanto, há poucas
companhias em operação. Mas aspectos da legislação colaboram para reduzir a competição ao estabelecer que a
maior parte dos vôos entre dois países só possam ser operados por companhias com base em um dos dois países –
por exemplo, vôos diretos entre Brasil e Inglaterra só podem ser operados por empresas brasileiras ou britânicas.
Há alguns anos, a União Européia aboliu este tipo de restrição para vôos entre países membros. A partir desta
liberalização, novas empresas entraram no mercado de transporte aéreo e hoje se paga muito menos para viajar de
avião pela Europa. Como dissemos anteriormente, maior competição leva a menores preços.
Em outras ocasiões, as empresas são obrigadas por lei a cobrar diferenciado dos seus clientes, como é o caso
dos cinemas, teatros e casas de espetáculos no Brasil. Estes estabelecimentos são obrigados a discriminar preço entre
os que têm e os que não têm carteirinha de estudante. De acordo com a lei brasileira, a meia-entrada em cinemas,
circos, espetáculos teatrais, esportivos, musicais e de lazer é um direito garantido a todo estudante e, portanto, ao
escolher o preço, os estabelecimentos vão levar em conta: os seus custos, a relação entre o preço e a demanda dos
dois grupos – com e sem carteirinha – e a obrigatoriedade de o preço dos com carteirinha ser metade do preço dos
sem carteirinha.
A escolha do preço se dará seguindo a mesma linha de raciocínio desenvolvida acima, com a única diferença
que a empresa escolherá um preço para estudantes e outro preço para os não-estudantes, sendo este obrigatoriamente
o dobro daquele.
Dadas as elasticidades das demandas dos dois grupos e os custos, adicionar uma condição adicional que a
empresa precisa respeitar do tipo “preço dos estudantes deve ser metade do dos outros” gera o mesmo resultado final
que adicionar uma condição do tipo “preço dos outros deve ser o dobro do dos estudantes”. O impacto nos preços da
lei da meia-entrada para os estudantes é idêntico ao impacto da lei da entrada-dobrada para os outros.
Seguindo o mesmo raciocínio, estipular meia-entrada para todos é o mesmo que abolir a meia-entrada, e de fato
a UNE tem se mostrado veementemente contra qualquer iniciativa de meia-entrada para todos.
Tomando um exemplo concreto: um ingresso na pista do show da Ivete Sangalo, realizado em São Paulo no dia
30/10/2006 custava R$60 para estudantes e R$120 para os outros. Se não houvesse a lei da meia-entrada, a casa de
shows escolheria um preço apenas, a ser cobrado igualmente de todos. A R$60, o faturamento seria pequeno porque
muita gente querendo entrar não encontraria ingresso, e a R$120 para todos haveria pouco público. O preço
escolhido no dia após a abolição da lei da carteirinha estaria entre R$60 e R$120.
Qual a lógica por trás da lei da meia-entrada? A justificativa comumente apresentada é que os eventos culturais
complementam a educação dos estudantes. Seria benéfico, portanto, que os estudantes pudessem frequentar mais
eventos deste tipo. Entretanto, a lei não cria os eventos culturais num passe de economágica, não reduz custos, nem
cria recursos para os estabelecimentos que proveem estes serviços. O que ela faz é simplesmente transferir parte do
custo dos estudantes para os outros consumidores. Ou, colocado de outro modo, os não portadores da carteirinha
subsidiam a entrada dos que a possuem.
Portanto, para decidirmos sobre a propriedade ou não da lei da meia-entrada para estudantes (ou,
equivalentemente, lei da entrada-dobrada para os outros), temos que pensar se julgamos correta ou não essa
transferência de custos que aumenta o acesso de estudantes a eventos culturais às custas do afastamento de não
estudantes destes mesmos eventos.
No Brasil, uma pequena parte da população tem acesso à educação superior. Com a lei da meia-entrada, essa
pequena parte da população paga em shows, teatros e cinemas metade do preço pago pelos que já se formaram (e
não falsificaram a carteira de estudante) e pelos que nunca tiveram acesso à educação superior. A maior parte
daqueles que não tiveram a oportunidade de fazer um curso universitário – que em geral estão em estratos de renda
menos favorecidos – vão achar difícil desembolsar de R$ 120 a R$ 200 para assistir a Ivete Sangalo. Mais ainda, os
poucos que o fizerem estarão de fato pagando parte da conta dos estudantes que assistem a Ivete de camarote por R$
100. Faz sentido uma política pública que implementa este tipo de transferência?
Muitos dos que nunca entraram na universidade escolhem não ir ao cinema assistir a um bom filme por conta
do preço do ingresso. Alguns reais a menos no preço do cinema trariam um pouco mais educação, cultura e
divertimento justamente àqueles que menos recursos tem. Por conta disto, não nos agrada uma lei que obriga os
cinemas, teatros e casas de espetáculos a transferir parte do preço do lazer dos estudantes aos que nunca tiveram a
chance de estudar.
É um erro comum achar que uma lei estabelecendo que os estudantes portadores de carteirinha pagarão metade
do preço do ingresso não alterará o preço para os outros. Os defensores de tal política parecem raciocinar
erroneamente da seguinte maneira: a medida baratearia a entrada para os estudantes sem piorar a situação dos não-
estudantes, que pagariam o mesmo que antes. Mas os preços não estão fixos! São as empresas que escolhem os
preços e as quantidades dos seus produtos em uma economia de mercado, não o governo. Se uma lei obriga a
empresa a cobrar menos de certo grupo, ela se ajustará cobrando mais de outro.
Há várias “leis de carteirinha de estudante” por aí. Outras propostas de políticas públicas também parecem se
basear na ideia de que as empresas não reagirão a elas. Por exemplo, as leis que congelam os preços dos produtos
não mudam os custos de produção nem as demandas dos consumidores, mas proíbem as empresas de vender seus
produtos a um preço mais alto. Se a empresa decide respeitar a lei, ela reagirá produzindo menos, o que gerará
racionamento e filas. Um litro de leite que custaria R$2,20, custará, por exemplo, R$1,90 mais trinta minutos na fila
para os que conseguirem comprar.
Se para não deixar muitas famílias sem acesso ao leite a compra de mais de um litro por família é proibida, ou
seja, se há racionamento, a primeira unidade custará R$2,20 e a segunda não poderá ser comprada (o que é o mesmo
que dizer que seu preço é infinitamente elevado). Como no caso dos cinemas, as leis podem regular o preço do leite,
mas não dão origem a mais vacas, não criam leite do além.
Além destes transtornos, o congelamento afetará as decisões futuras sobre preços, investimentos, quantidade
produzida, etc, que refletirão os medos de um próximo congelamento.
Como já dito, as empresas escolhem o preço de acordo com seus custos e com a demanda dos consumidores.
Assim, leis que aumentam os custos das empresas encarecerão seus produtos. Por exemplo, uma lei que
efetivamente proíba as fábricas de autopeças de utilizar uma tecnologia que polui o ar tem como resultado um
mundo mais limpo e carros mais caros. Talvez queiramos como sociedade que esta lei seja implementada, mas é
preciso ficar claro que ela não traz benefícios de graça.
O estatuto do idoso fornece um outro exemplo. Ele permite que certas pessoas viajem gratuitamente em ônibus
interestaduais,mas visto que a lei não cria ônibus nem reduz o preço do petróleo nos mercados internacionais, os
outros passageiros acabam arcando com a maior parte dos custos, subsidiando assim a passagem mais barata do
idoso. Novamente, não estamos neste caso tecendo juízo de valor, mas é importante ter em mente que o preço para
os outros passageiros não está fixo, não é imune à lei.
Por outro lado, algumas leis contribuem para reduzir preços. As leis que obrigam restaurantes a exibirem os
preços de seus pratos na porta, ou postos de gasolina a apresentarem seus preços em lugar visível e letras garrafais,
facilitam a aquisição de informação pelo consumidor. Sendo mais fácil obter informação sobre a concorrência, o
consumidor reage mais a preços e, portanto, passa a ser mais lucrativo para as empresas cobrar preços menores.
As leis que impedem a empresa de vender “gato” por “lebre” através de manipulação de informação, além de
importantes em si, também estimulam a concorrência. Ao reduzir a quantidade de informação falsa divulgada pelas
empresas, a lei permite que o consumidor experimente produtos de outras marcas não estabelecidas e não precise
ficar preso a uma única empresa em que confia. É um importante papel do governo, portanto, assegurar a
transmissão de informações relevantes nas relações comerciais e garantir o cumprimento dos contratos. Desta
maneira, o consumidor pode escolher com menos receio, forçando indiretamente um aumento da competição entre
as empresas.
Em resumo, para entender a formação de preços é preciso centrar a atenção em custos e na relação entre
demanda e preços. Impostos sobre os produtos têm impactos em custos e, portanto, afetam os preços. Não é à toa
que a empresa que sonega impostos pode escolher cobrar menos pelo seu produto para ganhar um cliente que busca
preços mais baixos – alguém já ouviu falar de algum médico ou dentista que cobra preços diferentes “com recibo” e
“sem recibo”? Já o custo de um escova de dente na farmácia do aeroporto em São Paulo custa muito mais que na
farmácia da esquina não porque os custos são mais altos naquela, mas porque a falta de alternativas para quem se
encontra prestes a embarcar sem uma escova de dente torna a demanda pouco sensível ao preço. Leis ou mudanças
no ambiente afetando alguma destas duas variáveis afetarão, pois, os preços. O resto é economágica.
4. A lei que aumenta o salário
A Constituição Brasileira, promulgada em 1988, menciona como um direito dos trabalhadores urbanos e rurais,
o gozo de férias anuais remuneradas com um terço a mais do que o salário mensal normal (artigo 7º, inciso XVII).
Os trabalhadores já tinham direito a férias remuneradas antes de 1988, mas sem receber o adicional de um terço do
seu salário mensal. Passados aproximadamente vinte anos da promulgação da lei, qual o seu impacto sobre os nossos
salários? Estamos ganhando anualmente equivalente a um terço de um salário mensal a mais?
O salário é um preço, o preço do trabalho. No capitulo anterior, examinamos como as empresas escolhem os
preços dos bens que vendem. Neste capítulo, é a vez de nos perguntarmos como é determinado este preço especial
chamado salário. A lógica é similar a da determinação dos preços dos bens.
Salários dependem da interação entre empresas e trabalhadores. E são três os fatores jogando papel importante
nesta interação, a saber: (1) as escolhas das empresas que demandam trabalhadores; (2) as escolhas dos
trabalhadores, que vendem seu trabalho; e (3) o processo de barganha entre empresas e trabalhadores.
A demanda das empresas por mão-de-obra depende do balanço entre custos e benefícios trazidos pelos
empregados, de seu efeito líquido sobre o lucro da empresa. Para ela, o custo de um trabalhador a mais é o seu
salário acrescido de todos os impostos atrelados ao pagamento do funcionário e demais custos indiretos (custos de
contratação, administrativos, etc). Já o beneficio de um trabalhador adicional na empresa depende de quanto ele
ajuda a empresa produzir mais, ou reduzir os custos de produção, melhorar a distribuição e o marketing, etc. Se os
benefícios de contratar esse trabalhador superarem os custos, a empresa escolhe contratá-lo.
Para analisar o que se passa do outro lado, o da oferta de mão-de-obra, temos que entender as escolhas dos
trabalhadores, dado que as pessoas escolhem se querem trabalhar ou não e, também, quanto querem trabalhar. O que
está por trás desta decisão?
O benefício fundamental do trabalho é o salário, mas há outros, como o aprendizado que o trabalho proporciona
- e que pode ser útil no futuro - a satisfação pessoal, etc. O custo de trabalhar para uma empresa é o tempo que se
gasta no emprego e que poderia ser utilizado em outras atividades, como: desfrutar do lazer (ir a praia, ler um livro,
namorar, jogar futebol); trabalhar para a família (cuidar das crianças, cuidar da casa e da horta); ou trabalhar por
conta própria (fazer mapa astral, vender pão de mel, realizar projetos de arquitetura). Estas atividades compõem o
que é chamado de “custo de oportunidade” do emprego e é com elas que as pessoas comparam a opção de trabalhar
para uma empresa. Assim, uma pessoa decide ofertar sua mão-de-obra às firmas apenas se os benefícios do emprego
superam o custo de oportunidade, ou seja, os benefícios da mais atraente destas opções alternativas.
O terceiro elemento que entra na determinação do trabalho é a barganha que se desenrola entre empresas e
trabalhadores. Empresas querem pagar menos, trabalhadores querem receber mais. Como no caso dos produtos, um
importante elemento para se definir o preço do trabalho (o salário) é a competição: empresas competem entre si
pelos trabalhadores e trabalhadores competem entre si pelos empregos. A competição entre as empresas tende a
elevar os salários, enquanto a por empregos tende a reduzi-los.
Em situações em que o poder de barganha das empresas é alto, por exemplo, porque não existem alternativas
disponíveis interessantes aos trabalhadores, os salários tenderão a ser mais baixos. Já em situação reversa, por
exemplo, no caso de existirem várias empresas em busca de um certo tipo de trabalhador, os salários tenderão a ser
mais elevados. Um dos papéis dos sindicatos de trabalhadores e patronais é justamente o de reduzir a competição
entre seus membros para assim aumentar o poder de barganha do grupo como um todo.
Um dos fatores que aumenta o poder de barganha dos trabalhadores é sua capacidade de migrar entre empresas
ou abrir seu próprio negócio. Alguns economistas consideram que mudanças ocorridas na economia mundial a partir
dos anos 70 alteraram a relação de barganha levando a um aumento na renda dos trabalhadores mais qualificados.
A ideia é a seguinte: no mundo inteiro, vicejavam no período entre o pós-guerra e os anos 70, empresas muito
grandes onde eram desenvolvidas inúmeras tarefas relativas ao processo de produção (as empresas eram ditas
verticalizadas). Devido a menor pressão competitiva e também ao menor fluxo de tecnologia e de comércio, cada
empresa tocava suas operações de maneira bastante própria, não havendo como hoje tanta convergência dos
processos produtivos em direção ao mais eficiente. Os trabalhadores, portanto, eram muito familiarizados com o
processo produtivo dos seus locais de trabalho, mas sabiam menos dos processos das outras empresas. Por serem
suas habilidades mais específicas à empresa a que pertencia, era mais difícil mudar de emprego.
Sair e abrir um novo negócio também não era geralmente uma alternativa viável. Os mercados de capitais eram
menos desenvolvidos, sendo mais difícil levantar recursos suficientes para se abrir uma nova empresa.
Em resumo, os trabalhadores qualificados nesta época tinham oportunidades mais restritas fora da grande
empresa e isto enfraquecia o seu poder de barganha, o que afetava adversamente seu salário e as condições de
trabalho.
Com o passar do tempo, desenvolveram-se novas tecnologias flexíveis que tornaram a empresa pequena mais
eficiente; o mercado financeiro se desenvolveu e aprofundou suasoperações de financiamento, possibilitando o
trabalhador insatisfeito com a firma sair e abrir um novo negócio; e cresceu o fluxo de tecnologia entre setores e
países, levando a certa convergência do processo produtivo que aumentou a capacidade de migração do trabalhador
de uma empresa para outra.
Todos estes fatores contribuíram para aumentar o poder de barganha dos trabalhadores qualificados, o que em
parte explica a melhora em seus salários e condições de trabalho vivenciadas desde então.
Similarmente ao caso dos preços, apenas mudanças que afetem o interesse das firmas pelos trabalhadores, o
destes em ofertar trabalho, ou a barganha entre ambos é que levarão a alterações de longo prazo, concretas, nos
salários.
A lei que estabelece a remuneração de um terço a mais que o salário normal no mês de férias dos trabalhadores
não mudou a produtividade do trabalhador, e não alterou os benefícios que ele traz à empresa. Tampouco afetou o
custo de oportunidade do trabalhador, ou o jogo de barganha entre firmas e trabalhadores. Cheira, portanto, a truque.
No curto prazo, a lei deu sim aos trabalhadores uma remuneração real extra, mas como nenhum dos três
determinantes do salário se alterou, com o passar do tempo, e à medida que empresas e trabalhadores foram se
adaptando ao novo ambiente e assinando novos contratos de trabalho, este ganho foi sumindo. O ajuste se deu no
salário mensal pago pela empresa, agora menor no montante necessário para compensar a obrigatoriedade de se
pagar um terço a mais por ano.
Em uma economia de mercado, os salários mensais, assim como os preços, não estão fixos. Portanto, vinte anos
depois, nada mudou por conta da lei obrigando as empresas a pagar este um terço a mais nas férias. Esta
insignificância econômica da lei, após alguma reflexão, não é surpreendente: ao tomar suas decisões de contratar ou
não trabalhadores, as empresas estão considerando o custo total de contratação. Da mesma forma, trabalhadores
também consideram em suas escolhas não apenas o salário mensal, mas sim todos os ganhos do trabalho, incluindo a
remuneração das férias, o décimo terceiro salário e demais benefícios.
Para a empresa, não faz diferença alguma pagar, digamos, 12 salários de R$ 1.300 reais ou 13 salários de R$
1.200 reais, ou ainda 6 salários de R$ 2.600, pois o custo anual é o mesmo para ela em qualquer destes arranjos. A
empresa vai escolher contratar o trabalhador se esperar um benefício proveniente do trabalho dele superior a esse
custo total, e ponto final. Se uma lei obriga a pagar um número maior de salários, após algum tempo o salário
mensal ajusta-se para baixo.
Da mesma maneira, para o trabalhador, o que importa é o bolo total, e não somente o salário mensal. Isto ajuda
a explicar porque, por exemplo, um funcionário público que ganha por mês menos que seu par do mercado privado
não necessariamente deixa o setor estatal pela iniciativa privada. Os outros benefícios que o trabalhador estatal tem
compensam o salário mensal menor, como, por exemplo, menor risco de desemprego e aposentadoria mais elevada.
É por uma lógica similar que, para um mesmo nível de qualificação, pessoas que desenvolvem tarefas mais
arriscadas ou mais desagradáveis, como ser mergulhador de plataforma de petróleo, ou trabalhar no turno da
madrugada, recebem salários mais elevados.
Usando nosso arcabouço básico, podemos analisar os efeitos de um imposto sobre o salário. Neste caso, a
empresa leva a taxação em conta na hora de escolher contratar ou não um outro trabalhador, já que para ela o que
importa é o custo total de contratação e não apenas o salário. Por outro lado, o imposto pago pela empresa não altera
a remuneração do funcionário e, portanto, não afeta os incentivos do trabalhador a ofertar sua mão-de-obra.
Assim, do lado das firmas o imposto gera uma menor procura por trabalho, mas do lado dos trabalhadores ele
não gera menor oferta. Esta combinação leva inicialmente a um aumento do desemprego e, posteriormente, a
diminuição dos salários. O primeiro impacto é no desemprego porque existem impedimentos a ajustes automáticos
dos salários (por exemplo, é necessário aguardar a próxima renegociação salarial, dado que os contratos fixam o
valor nominal dos pagamentos por um certo prazo). Estando as empresas impedidas, por algum tempo, de ajustar os
salários para baixo, a taxação impactará mais pesadamente a quantidade de empregados contratados, e o lucro,
ambos agora menores. No longo prazo, após os ajustes à nova situação, o impacto negativo sobre os salários passa a
ser a consequência mais importante do novo imposto sobre o trabalho.
As empresas consideram em suas escolhas não apenas os custos presentes, mas também os futuros. Por
exemplo, leis que aumentam os custos de demitir funcionários influenciam não apenas as escolhas das empresas
sobre demissões, mas também suas decisões sobre contratações.
Até aqui, viemos tratando o salário como algo homogêneo, comum a um grupo que denominamos
genericamente de trabalhadores. Mas as diferenças salariais entre as pessoas são grandes, há trabalhadores e
trabalhadores. No Brasil então, estas disparidades salariais são enormes, entre as maiores do mundo. O gerente de
informática de uma grande empresa ganha mais de 10 vezes que o faxineiro. De modo geral, na base da questão da
desigualdade de renda está o fato de que profissionais qualificados ganham salários bem maiores que profissionais
pouco qualificados. Mas além disso, há também diferenças expressivas de salários entre profissionais com
qualificação similar, mas que residem em países diferentes: a faxineira na Inglaterra ganha substancialmente mais
que a faxineira no Brasil. Por quê?
Focando na escolha das empresas, um fator chave para entender os salários é a produtividade do trabalhador. As
empresas querem profissionais que rendam bastante, que gerem lucros maiores. A concorrência entre empresas por
trabalhadores mais qualificados fará com que os salários desses profissionais sejam altos. Por exemplo, um
engenheiro que garante alta produtividade para a fábrica, um gerente de marketing que inventa uma boa maneira de
vender cigarros, um médico especialista em remover tumores serão certamente muito bem remunerados. Em média,
quanto mais qualificado for um profissional de certa área de atuação, maior será seu salário.
Infelizmente, muitos brasileiros, em diversas profissões, possuem baixo nível educacional e pouca qualificação.
Isto implica em salários baixos, por dois motivos. Em primeiro lugar, sendo menos qualificados, estes trabalhadores
não serão capazes de executar trabalhos que trazem alto retorno para a empresa. Em segundo, como no Brasil a
quantidade de profissionais pouco qualificados é muito grande, seu salário é adicionalmente deprimido pelo fato de
este grupo numeroso competir pelas mesmas vagas.
Vejamos então a questão da diferença salarial entre profissionais similares de países diferentes. A faxineira na
Inglaterra ganha muito mais do que a brasileira não por limpar melhor a casa ou por ser mais produtiva, mas sim
porque há menos pessoas na Inglaterra que escolhem esse tipo de trabalho. Menos gente oferta o serviço de faxineira
e, portanto, seu rendimento, é maior. Além disto, como os salários nos outros setores da economia são mais altos lá
do que aqui, a faxineira só aceita exercer esta profissão por um ganho mais alto. Em termos do nosso arcabouço
básico, o custo de oportunidade da faxineira – dado pelo salário em outras atividades que ela poderia escolher
exercer – é mais alto na Inglaterra do que no Brasil. Aqui há muitas pessoas dispostas a trabalhar como faxineiras
porque há muitas pessoas sem qualificação suficiente para almejar outros tipos de trabalho. A grande oferta de
faxineiras reduz o rendimento obtido por cada uma e não é por outro motivo que mesmo famílias com poder
aquisitivo não muito alto contratam faxineiras para limpar suas casas. O custo – seu salário – é baixo.
Analisemos agora os possíveis impactos de uma intervenção do governo no rendimento de faxineiras.Como
uma lei garantindo um preço mínimo por um dia de faxina afetaria este mercado? A lei não muda os incentivos para
as escolhas dos patrões, nem para as das faxineiras, ela só altera a barganha entre eles: não tendo como pagar menos
que este salário mínimo legal, algumas famílias limparão sua própria casa e algumas faxineiras vão amargar o
desemprego. Portanto, a lei vai beneficiar as faxineiras que continuarem trabalhando e estavam ganhando menos que
o preço mínimo agora imposto aos patrões. No entanto, a lei tem um efeito colateral: ela é prejudicial para o grupo
das ex-faxineiras agora desempregadas, dado que ao novo preço menos famílias contratarão faxineiras.
Leis que estabelecem um salário mínimo têm, portanto, dois efeitos: elas aumentam o salário das pessoas que
continuam com seus empregos, mas tendem a gerar desemprego. No Brasil, o debate sobre o salário mínimo é muito
contagiado pelo impacto deste sobre as aposentadorias e sobre as contas do governo. Isto é uma particularidade
brasileira, que se deve ao fato de os benefícios previdenciários de muitos aposentados estarem, por lei, vinculados ao
mínimo. Em princípio, contudo, aposentadoria e salário mínimo são tópicos bem diferentes.
Recentemente no Brasil, foi aprovada uma proposta de lei que aumentou o período da licença maternidade das
mulheres que dão à luz, de quatro para seis meses. A intenção de possibilitar que as recém mamães fiquem mais
tempo com os filhos é louvável, mas como no caso do salário mínimo das faxineiras, esta proposta também tem
efeitos colaterais. Aumentar o período de licença maternidade significa, para as empresas, um aumento do custo de
contratar mulheres em idade onde a probabilidade de gravidez é mais alta. Como são as empresas que escolhem
quem contratar, elas terão menos incentivos para empregar mulheres nessa idade.
Se leis como a de um terço a mais nas férias não geram efeito nenhum no longo prazo e a imposição de um
salário mínimo elevado beneficia alguns mas prejudica outros, o que se pode fazer para aumentar de fato a
remuneração das pessoas menos qualificadas, que passam necessidades por conta de um rendimento insuficiente?
Como vimos no capítulo 3, as empresas procuram estimular a demanda por seus produtos para poder assim
cobrar preços mais altos. Da mesma maneira, para aumentar o salário dos trabalhadores, nada melhor que estimular
o interesse das empresas em contratá-los Para isso, a melhor solução é torná-los mais produtivos.
E uma política pública eficaz para torná-los mais produtivos é investir em sua qualificação, aprimorando seu
nível educacional. Isso traz benefícios em duas frentes: em primeiro lugar, o profissional mais qualificado executará
trabalhos mais rentáveis para a empresa (e que, portanto pagam mais). Em segundo lugar, ao diminuir o número de
pessoas com menor qualificação, diminui-se o contingente de pessoas dispostas a trabalhar em empregos como o de
faxineira ou lixeiro, e aumenta-se consequentemente a remuneração daquelas que seguem nestas profissões.
Outras políticas públicas têm impactos nos salários não por modificar a escolha das firmas, mas por afetar as
decisões dos trabalhadores. Por exemplo, quando o programa bolsa-escola foi implementado no distrito federal em
meados da década de 90, algumas mães de família contempladas pela ajuda financeira deixaram de trabalhar para
outras famílias. Optaram por largar as profissões de passadeira, faxineira, empregada, etc.
O programa bolsa-escola foi suspenso no governo seguinte. A então secretária da educação havia dito em
entrevista a um programa de televisão de Brasília que “pelo menos cinco amigas minhas perderam suas passadeiras
quando seus filhos começaram a receber a bolsa-escola. Ganhou o peixe, não precisa mais pescar”.[3]
Trabalhar como passadeira é uma escolha. Sem o auxílio proveniente do bolsa-escola, a estas mulheres restam
poucas opções além de trabalhar pelo pagamento que for possível obter para ajudar no orçamento familiar. Mas,
com o bolsa-escola abre-se outra possibilidade: elas podem escolher ficar em casa e cuidar dos filhos. Ao dar essa
opção às mães de famílias pobres, esses programas assistenciais reduzem o contingente de passadeiras dispostas a
trabalhar pelo salário vigente. Sobram donas de casa querendo passadeiras e, assim, a remuneração da passadeira
sobe. Consequentemente, menos donas de casa vão querer passadeiras. Contudo, algumas passadeiras decidem
seguir no ramo até porque o salário agora está mais alto (ou porque não tem filhos) e após o ajuste à nova situação,
quando não estão sobrando nem passadeiras, nem donas de casa, o salário da passadeira para de subir.
Vejamos detalhadamente o que faz o preço da passadeira subir. A dona de casa que ficou sem passadeira ao
preço antigo (por conta do bolsa-escola), mas que está disposta a pagar um pouco mais para ter suas roupas
passadas, consegue manter a antiga passadeira ou contratar uma nova, pagando um pouco mais. Simultaneamente, a
passadeira que quer continuar trabalhando começa a notar a mudança na demanda por seu trabalho: com a falta de
passadeiras no mercado, as passadeiras começam a ser mais requisitadas. O processo não é instantâneo, mas
passadeiras e donas de casa percebem logo a nova situação e não tardam a se adaptar. O resultado final é menos
passadeiras ganhando mais e mais ex-passadeiras cuidando dos filhos.
É importante notar que o bolsa-escola melhora também a vida de mulheres pobres que não têm filhos, ao
aumentar o salário das passadeiras que continuam na profissão. Esse efeito é similar ao impacto da busca do
aposentado pelo preço mais baixo no preço do livro pago pelo executivo, discutido no capítulo anterior.
O efeito do bolsa-escola é bastante diferente do efeito do salário mínimo: no caso do bolsa-escola, algumas
pessoas passam a escolher cuidar de suas famílias ou de seus afazeres ao invés de trabalhar para outras famílias; no
caso do salário mínimo, pessoas que gostariam de estar trabalhando e recebendo o salário vigente não conseguem
mais arrumar trabalho. O primeiro amplia o leque de escolhas do trabalhador, o segundo o reduz.
Portanto, o bolsa-escola reduz os incentivos dos que ganham pouco a trabalhar. Assim, os salários sobem e o
número de pessoas trabalhando cai. Essa é uma boa política pública? A importante discussão sobre quais políticas
públicas devem ser implementadas será retomada em capítulo futuro.
Por que algumas profissões pagam tanto? Ídolos do futebol e da música são extremamente bem remunerados
porque muitas pessoas estão dispostas a pagar para assistir suas performances. Basta um clique no controle da
televisão e lá está o Neymar fazendo suas acrobacias nos gramados da Europa. A tecnologia moderna permite que
milhões de pessoas possam ver o Neymar nas suas TVs, e isto explica porque os clubes estão dispostos a pagar tão
caro por ele.
A vontade, o sonho de se tornar um Neymar, ou uma Ivete Sangalo, explica porque muitas pessoas estão suando
as camisas nas equipes juvenis de futebol e cantando nos bares por cachês módicos. Elas não estão ali só pelo
dinheiro que recebem agora, mas também pelo sonho, por poucos realizados, de ganhar muito no futuro.
Além de escolherem sua profissão, as pessoas escolhem a cidade e até mesmo o país onde irão morar e
trabalhar. Como dissemos, existem grandes diferenças salariais entre pessoas de países diferentes. O que explica
estas diferenças? Estas diferenças existem, e persistem, porque há importantes barreiras à migração de trabalhadores,
como restrições legais, dificuldades com o idioma e a cultura, além da própria distância entre os países, que encarece
a migração. Já dentro de um mesmo país, as barreiras à migração são muito menores, e devido a isto são também
menores as diferenças salariais entre pessoas de qualificação similar e exercendo o mesmo trabalho em cidades
diferentes.
Mas, em alguns casos, há restrições legais à migração dentro de um mesmo país. Por exemplo, por motivos
ligados à preservação do meio ambiente, um brasileiro qualquer não pode

Outros materiais