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Livro_TO e Universidade vol 1

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978-85-66980-03-5
m
un
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Um dos grandes aprendizados que tivemos com nosso supervisor no Programa 
de Pós-graduação da UNIRIO, Prof. Dr. Zeca Ligiéro, foi a prática de reunir 
mensalmente os pesquisadores do NEPAA - Núcleo de Estudos da Performance 
Afro Ameríndia - para que eles apresentassem o estado de suas pesquisas uns 
para os outros; seja através de exposição oral ou na forma de uma celebração 
festiva de um sarau. Assim, foi criado o GESTO - Grupo de Especialização em 
Teatro do Oprimido - uma espécie de “clube de bicagem” de orientandos 
do Teatro do Oprimido onde todos opinavam e auxiliavam as investigações 
entre si, com a missão de difundir as ideias e pensamentos boaleanos sobre 
as funções sociais, educativas, terapêuticas, políticas e artísticas do TO – hoje 
praticado em mais de setenta países. 
Em cinco anos, o GESTO cresceu e passou a propor novas ações, cursos e 
atividades dentro e fora da UNIRIO, oferecendo as disciplinas Introdução 
ao Teatro do Oprimido (para alunos dos cursos de graduação) e “De Brecht 
a Boal” e “Estudos de Teatro do Oprimido” (para a pós-graduação da escola 
de teatro) e um evento internacional denominado Jornadas Internacionais de 
Teatro do Oprimido e Universidade. 
Este livro reúne artigos, ensaios e parte de pesquisas de mestrado e doutorado 
(produzidas pelos investigadores que criaram ou ajudaram a criar o GESTO 
na UNIRIO) que tratam de estudos da metodologia criada pelo brasileiro 
Augusto Boal, buscando compreender a sua dinâmica interna, propondo 
desdobramentos da mesma. São leituras e interpretações preciosas de 
como se deu o desenvolvimento das ramifi cações da Árvore do Teatro do 
Oprimido, da construção da Estética do Oprimido, da função e formação de um 
Curinga, da importância da especifi cidade do Laboratório Madalenas e, ainda, 
ensaios teóricos sobre o pensamento e a prática do seu criador, memória e 
fatos ocorridos nos trinta anos de história do Centro de Teatro do Oprimido 
narrados por curingas que trabalharam diretamente com Boal e também por 
pesquisadores colaboradores do NEPAA.
Equipe GESTO
T
ᴇᴀᴛrᴏ ᴅᴏ O
ᴘriᴍiᴅᴏ ᴇ U
niᴠᴇrsiᴅᴀᴅᴇ: experim
entos, ensaios e investigações
O GESTO - Grupo de Especialização 
em Teatro do Oprimido (TO) formado 
pelos professores-pesquisadores 
Cachalote Mattos, Jussara Trindade, 
Flavio Sanctum, Helen Sarapeck e 
Licko Turle (foto acima) tem por 
objetivo a formação aprofundada 
na teoria e prática do TO em diálogo 
com outros autores e metodologias 
que visam a emancipação e a 
autonomia do cidadão.
Desde 2011, o GESTO mantém 
Cursos de Extensão e disciplinas em 
Teatro do Oprimido direcionadas 
a graduação e pós graduação 
em parcerias com organizações 
e universidades brasileiras e 
estrangeiras. 
A partir de 2012, o GESTO organiza 
as Jornadas Internacionais de Teatro 
do Oprimido e Universidade, evento 
acadêmico que reúne, anualmente, 
para comunicações, discussões 
e refl exões, pesquisadores e 
praticantes da metodologia criada 
por Augusto Boal. 
O livro Teatro do Oprimido e 
Universidade – Experimentos, 
Ensaios e Investigações é parte da 
história do longo caminho de entrada 
do pensamento criativo de Augusto 
Boal na universidade brasileira. Se 
ele havia entrado individualmente 
por obra de pesquisadores isolados, 
nós apresentamos este livro, como 
um marco de entrada de Boal 
como um coletivo, o GESTO - Grupo 
de Especialização em Teatro do 
Oprimido, criado dentro do NEPAA - 
Núcleo de Estudos das Performances 
Afro Ameríndias da UNIRIO - como 
uma contribuição para todos aqueles 
que fazem teatro de resistência, 
que buscam uma pedagogia para os 
tempos das mudanças necessárias, 
para transformar a maneira arcaica 
como a educação tem sido tratada 
no Brasil e lutar contra aqueles 
que querem torná-la ainda mais 
retrógada, sem partido!
ZECA LIGIÉRO, artista, encenador, 
criador e coordenador do Núcleo 
de Estudos das Performances 
Afro-ameríndias – NEPAA, 
pesquisador do PPGAC-UNIRIO.
Copyright © 2016, Mundo Contemporâneo Edições
Editora
Léa Carvalho
Capa
Design: MaLu Santos
Foto: Luiz Moura
Projeto gráfi co
MaLu Santos
Gislene Espera
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
T248
Teatro do oprimido e universidade : experimentos, ensaios e investigações / 
Cachalote Mattos... [et al.]. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Metanoia, 2016.
338 p. : il. ; 23 cm.
Inclui bibliografi a
ISBN 9788566980035
1. Teatro e sociedade. 2. Teatro - Aspectos psicológicos. 3. Teatro - Brasil 
História - séc. XX. I. Mattos, Cachalote. II. Vannucci, Alessandra. III. Sanctum, 
Flávio. IV. Chiari, Gabriela. V. Sarapeck, Helen. VI. Trindade, Jussara. VII. 
Turle, Licko. VIII. Ligiéro, Zeca.
16-36694 CDD: 792.0981
 CDU: 792(81)
Ficha Catalográfi ca elaborada pela bibliotecária Lioara Mandoju CRB-7 5331
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da Editora 
poderá ser utilizada ou reproduzida - em qualquer meio ou forma, seja mecânico ou eletrônico, fotocó-
pia, gravação, etc. - nem apropriada ou estocada em sistema de bancos de dados.
www.metanoiaeditora.com
Rua Santiago, 319/102 - Penha
Rio de Janeiro - RJ - Cep: 21020-400
faleconosco@metanoiaeditora.com
21 3256-7539 | 21 4106-5024
Associada:
 Liga Brasileira de Editoras - www.libre.org.br
Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) - www.snel.org.br
Impresso no Brasil
“Ao nosso primeiro e eter o mest e, Aug sto Boal.”
SUMÁRIO
ALFABETIZAÇÃO TEATRAL:
O ENCONTRO DO TEATRO POPULAR COM 
A PEDAGOGIA DO OPRIMIDO
15
A ESTÉTICA DO OPRIMIDO:
33
LABORATÓRIO MADALENAS
TEATRO DAS OPRIMIDAS
89
MINHA CASA NA ÁRVORE
UM MEMORIAL DE EXPERIÊNCIAS COM O 
TEATRO DO OPRIMIDO
145
OS CURINGAS DE BOAL
247
O TEATRO DO BOAL E A 
COMUNIDADE EMANCIPADA
313
NOTAS SOBRE A CRIAÇÃO DO 
GESTO
327
PREFÁCIO
9
LICKO TURLE
O JOGO (DE IMAGEM) NO TEATRO FÓRUM
CACHALOTE MATTOS GABRIELA CHIARI
HELEN SARAPECK FLAVIO SANCTUM ALESSANDRA VANNUCCI
JUSSARA TRINDADE
BOAL NA UNIVERSIDADE
ZECA LIGIÉRO
PREFÁCIO
BOAL NA UNIVERSIDADE
 ZECA LIGIÉRO1
A primeira vez que vi Boal foi em 1985, na New York University. Eu havia chegado nos EUA para fazer o mestrado. Richard Schechner, que era 
meu orientador na época e, também, amigo pessoal dele, comentou que na-
quele momento ele estava no terceiro piso do prédio, ministrando um curso 
para os alunos de Interpretação. Fui até lá e fi quei no fundo da sala, assistin-
do um pouco da aula. Boal gesticulava e se expressava muito bem em inglês; 
fi quei admirado, porque eu ainda tinha difi culdades com aquela língua. Não 
esperei a aula terminar, e por pura timidez, não fui falar com ele, que parecia 
muito à vontade com o grupo de estudantes norte-americanos, e com a fun-
ção de professor universitário. Alguns dias depois, quando fui até a livraria da 
NYU comprar os livros recomendados para o meu curso, observei que havia, 
na estante reservada aos cursos de graduação e pós em teatro, vários livros de 
Boal. Lembro-me da capa de, pelo menos, dois deles: Teatro do Oprimido e 
outras poéticas políticas e 200 jogos e exercícios para atores e não atores com 
vontade de dizer algo através do teatro, ambos em versões inglesas. No fi nal 
da década de 1980, as ideias de Boal já estavam, defi nitivamente, inseridas 
no meio universitário norte-americano. O mesmo ocorria na França e na 
Inglaterra, como pude verifi car muitos anos depois.
1. ar sta, encenador, criador e coordenador do Núcleo de Estudos das Performances Afro-ame-
ríndias – NEPAA, pesquisador do PPGAC-UNIRIO.
10
No fi nal da década de 90, quando eu estava organizando com Diana 
Taylor (então coordenadora do Departamento de Performance Studies da 
NYU) o primeiro encontro de Performance e Política das Américas a ser 
realizado na UNIRIO (2000), ela apresentou-me a lista dos artistas brasi-
leiros que julgavaserem imprescindíveis para o nosso Encuentro, e frisou: 
“não pode faltar Augusto Boal!” Percebi que em nenhum momento ela 
pensava no trabalho do dramaturgo ou do encenador, mas em sua pedago-
gia voltada para o ativismo político característico primeira fase do Teatro 
do Oprimido, cujo curso ele oferecia anualmente na NYU. Além disso, 
este era também um dos tópicos mais importantes daquele encontro. O 
Teatro do Oprimido fez-se, então, presente pela primeira vez na UNIRIO 
através de nosso evento. Boal fez questão de que sua participação pessoal 
ocorresse na sede do Centro de Teatro do Oprimido, para promover in-
ternacionalmente esse centro de pesquisa. Mas, logo na abertura, ele nos 
visitou. 
Em 2000, quando iniciou o Encuentro de Performances, fi nalmente 
apertei a mão de Augusto Boal; por coincidência, na entrada da UNIRIO 
onde ele, ainda muito jovem, fi zera a Faculdade de Engenharia Química. 
O local havia sofrido mudanças radicais e abrigava, agora, uma das mais 
importantes escolas de teatro do Brasil, oriunda do antigo Conservatório 
de Teatro, que hoje pertence ao Centro de Letras e Artes da UNIRIO. 
A Escola de Teatro, tradicionalmente voltada para o ensino do teatro 
ortodoxo, até aquela época não conhecia o Teatro do Oprimido (embora 
tivesse em seu quadro de professores nomes como o de José Renato, um 
dos fundadores do Teatro de Arena, e de alguns estudiosos do chamado 
Moderno Teatro Brasileiro), que ainda era visto como algo de menor rele-
vância dentro da carreira do eminente dramaturgo e diretor, ou como um 
conjunto de experiências cênicas de certo modo “contaminadas” pelo seu 
excessivo engajamento político. 
Em 2004, o meu convite para dar uma aula no curso Teatro e Co-
munidade do Programa de Pós-Graduação - PPGAC, fez Boal pisar pela 
primeira vez numa sala de aula da UNIRIO (Sala Roberto de Cleto), quan-
do nos ofereceu uma deslumbrante palestra, publicada na sua totalidade 
no livro Teatro e Dança como Experiência Comunitária, o qual organizei 
em parceria com os pesquisadores Victor Hugo Adler e Narciso Laranjeira 
(Editora EDUERJ, 2009). 
Teatro do O
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11
Depois disso, ele voltaria à Escola de Teatro em 2008, durante as co-
memorações dos 10 anos do NEPAA, e protagonizou com Amir Haddad 
um memorável encontro, num debate que tive o prazer de coordenar. No 
período compreendido entre estes dois eventos, começamos a planejar a 
vinda do seu acervo pessoal para UNIRIO, fato que começou a se consoli-
dar nos últimos meses antes da sua morte, mas somente concluído no ano 
posterior.
Mas por razões diversas, muitas foram as difi culdades da implantação 
do Acervo de Boal na UNIRIO: a falta de apoio institucional, o desco-
nhecimento da importância do trabalho internacional, a morosidade da 
burocracia; enfi m, quando tínhamos feito o levantamento de todo o ma-
terial, separado em pastas, digitalizado grande parte de fotos e vídeos, e o 
projeto arquitetônico traçado (mesmo a contragosto da própria diretoria 
da Biblioteca), a família Boal entendeu que seria melhor retirar o acervo da 
UNIRIO e alocá-lo em outra instituição, para maior rapidez na digitaliza-
ção das fotos e documentos. Em princípio, o Acervo iria para a Fundação 
Darci Ribeiro, e por fi m foi para a Faculdade de Letras da Universidade 
Federal do Rio de Janeiro. O fato é que, decorridos pouco mais de dois 
anos da morte de Boal, sua memória física seguia outro curso, diferente do 
desejado por ele e por nosso grupo de pesquisadores.
Paradoxalmente, outro acervo vivo, deixado pela morte do grande 
mestre, os curingas e ex-curingas do Centro do Teatro do Oprimido (res-
ponsáveis igualmente pelo desenvolvimento do Teatro do Oprimido e 
da Estética do Oprimido, os seus coautores como pensava e escreveu seu 
criador), foram se aproximando pouco a pouco da UNIRIO e, então, eu 
pude entender porque Boal a escolhera para depositar o seu acervo, sua 
memória. Ele imaginava que seria aqui o local ideal para serem travadas 
as grandes discussões em torno das suas praticas mais recentes. Pois o Tea-
tro do Oprimido, segundo Richard Schechner (prefácio do livro Augusto 
Boal: Arte, Pedagogia e Política de Zeca Ligiéro, Licko Turle e Clara de 
Andrade, Editora Mauad, 2013), é a grande contribuição de Boal para o 
teatro universal. 
Mesmo sem a referência pedagógica e fundamentação fi losófi ca do cria-
dor do método, seus discípulos quiseram dar continuidade científi ca de 
suas próprias práticas. Boal, além dos livros, deixou um legado signifi cativo 
sobre processos libertários em práticas coletivas de teatro e de criação artís-
tica em geral. E como sabemos, ao longo dos anos o pensamento de Boal 
12
apresentou mudanças substantivas, provocadas por seus sucessivos exílios e 
pelos contextos sociais dos países em que viveu. 
Daí, minhas pesquisas se diversifi caram, pois o meu próprio trabalho de 
passou a ser infl uenciado por esta aproximação; e um leito de orientação foi 
se abrindo para o fl uir de pesquisadores ligados ao pensamento boaliano. 
Eu já havia trabalhado com Licko Turle, um dos mais importantes co-
labores de Boal e um dos criadores do Centro de Teatro do Oprimido no 
Rio de Janeiro, em sua primeira formação (1986). Licko havia entrado 
no curso de mestrado, mas abandonara a defesa da dissertação em função 
de controvérsias com sua orientadora, que não era simpática ao Teatro do 
Oprimido. Eu o encorajei para terminar o mestrado, assumindo a orien-
tação da sua pesquisa, intitulada Teatro do Oprimido e Negritude: O 
processo de construção de O pregador (defendida em 2003 e publicada 
em 2015 pela E-papers). Depois de ter investigado o grupo Tá na Rua, 
de Amir Haddad, sob minha orientação no seu doutorado, com a tese 
“Teatro de Rua é Arte Pública: uma proposta de construção conceitual” 
(2007), Licko retomou a sua pesquisa sobre o TO, e com uma bolsa da 
FAPERJ - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro 
- realizou seu pós-doutoramento como professor residente no Programa 
de Pós-Graduação em Artes Cênicas de Pós-Doc sob a minha supervisão, 
passou a dividir comigo as orientações dos alunos pesquisadores/curingas 
que foram formados diretamente por Augusto Boal no CTO. 
A primeira defesa com orientação conjunta foi a da Gabriela Chiari 
com a dissertação Laboratório Madalenas - Teatro das Oprimidas: Ino-
vação Pedagógica para o Gênero Feminino, que abordou a questão do 
grupo feminista “Madalenas”. Depois, foi o doutoramento de Flavio Sanc-
tum - O Curinga como dinâmica nos processos pedagógicos, artísticos 
e políticos do Teatro do Oprimido (2016) - no qual ele se propôs a dis-
cutir a importância da fi gura do curinga dentro do Teatro do Oprimido, 
desenvolvendo suas pesquisas em Moçambique e na Índia. A partir daí, 
Helen Sarapeck e Cachalote Mattos, antigos colabores de Boal, trouxeram 
respectivamente os fundamentos do Teatro do Oprimido por meio do sim-
bolismo da Árvore do TO e a aplicação prática da Estética do Oprimido. 
Helen escreveu Abraçando a Árvore do Teatro do Oprimido: pesqui-
sa e memorial de experiências com o símbolo do método. Cachalote 
Teatro do O
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13
Mattos, apresentou a dissertação “A Estética do Oprimido de Augusto 
Boal no processo de criação de imagem do espetáculo de Teatro-Fórum 
Cor do Brasil”, ambas defendidas em 2016.
Toda a historia do Teatro do Oprimido e o NEPAA, cruza também com 
a própria história da pesquisadora, encenadora e professora Drª Alessandra 
Vannucci, italiana que deslumbrada pela vivência do Teatro do Oprimido 
vem para o Brasil estudar com o próprio Boal, e em seu anseio acadêmico 
resolve fazer o mestrado na UNIRIO (justamente no ano em que criei o 
NEPAA). 
Anos depois, torna-se uma das criadoras do Laboratório Madalenas do 
TO. Aqui, neste livro, Alessandra retorna para o lugar onde sempre esteve, 
com sua pesquisa viva e um profundo entendimento da criação e do pen-
samento fi losófi co de Boal.
Este livro é, portanto, parte do longo caminho de entradaao pensa-
mento criativo de Boal na universidade brasileira. Se ele havia entrado 
individualmente no espaço acadêmico por obra de pesquisadores individu-
ais - como foi o caso de Antônia Pereira na Universidade Federal da Bahia, 
ou na Universidade Federal do Rio Grande do Sul pelo trabalho incansável 
de Silvia Balestreri - apresentamos este livro como um marco da entrada 
de Augusto Boal como um coletivo: o GESTO - Grupo de Especializa-
ção em Teatro do Oprimido, criado no contexto do NEPAA - Núcleo 
de Estudos das Performances Afro Ameríndias da UNIRIO - como uma 
contribuição para todos aqueles que fazem um teatro de resistência, que 
buscam uma pedagogia para os tempos das mudanças necessárias, para 
transformar a maneira arcaica como a educação tem sido tratada no Brasil 
e lutar contra aqueles que querem torná-la ainda mais retrógada, “sem 
partido”!
 
Este ensaio tenta identifi car a experiência pontual que possibilitou a Au-gusto Boal desenvolver a sua pedagogia teatral – o Teatro do Oprimi-
do - uma vez que encontramos duas linhas explicativas para o seu suposto 
“nascimento”: a) a estreita relação entre o pensamento de Paulo Freire e o de 
Boal; e, b) as histórias contadas por Boal a respeito de seus encontros com um 
camponês nordestino, um operário do ABC paulista e uma indígena peruana 
analfabeta que o fazem, segundo ele mesmo, “descobrir” o método.
Ambas vertentes procuram estabelecer elos ou evidências para um possível 
ponto de partida para a criação do Teatro do Oprimido1. Contudo, elas não 
levam em conta uma importante experiência pedagógica, realizada no Peru 
em 1973, da qual Boal foi convidado a participar coordenando o Setor de 
Teatro Popular. Refi ro-me à experiência prática proporcionada pela Opera-
ção Alfabetização Integral – ALFIN, mais especifi camente pela educadora 
Estela Liñares, e a metodologia singular por ela empregada no Setor de Foto-
grafi a (um dos vários setores do Programa). Nesta, câmeras fotográfi cas eram 
entregues aos alfabetizandos para que respondessem, por meio de imagens fo-
tográfi cas, às questões levantadas por Liñares e sua equipe durante o processo 
de alfabetização. Deste modo, seria possível a produção de “foto-respostas” 
através de uma articulação entre a linguagem visual, a tecnologia do campo 
fotográfi co e o desenvolvimento do senso crítico sobre a realidade. Através do 
1. Daqui por diante será grifado TO.
ALFABETIZAÇÃO TEATRAL:
O encontro do Teatro Popular com a Pedagogia do Oprimido
LICKO TURLE
16
uso do equipamento, o mundo do alfabetizando pode ser revelado, analisa-
do e, se possível, transformado por ele mesmo – mais importante objetivo 
a ser alcançado dentro das ideias veiculadas pela Pedagogia do Oprimido 
de Paulo Freire, para quem a alfabetização não pode existir em separado do 
desenvolvimento da consciência política.
 No Setor de Fotografi a, portanto, os alunos não aprendiam apenas a 
conhecer e manipular técnicas mas, sobretudo, a treinar o olhar sobre o 
mundo à sua volta, fazendo da máquina fotográfi ca um meio privilegiado 
de produção ao qual podiam, agora, ter acesso. Ou seja, os alunos eram 
elevados à condição não mais de meros consumidores de ideias, mas de 
produtores de um discurso emancipatório, libertador.
O contato de Boal com esta metodologia original foi o que, a meu ver, 
permitiu ao brasileiro criar o seu sistema teatral, que ele descreve em seu 
livro-conceito, O Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas, publicado 
imediatamente após o fato acontecido.
Por que seria isso, importante?
Creio que, embora válidas, as duas correntes acima citadas tendem a 
induzir, tanto aos artistas-ativistas quanto aos jovens pesquisadores, a pular 
uma etapa importante no processo de compreensão e interpretação desta 
pedagogia teatral, levando-os ou a seguir um caminho puramente teórico 
trilhado por alguns estudiosos do marxismo e da pedagogia freireana, ou a 
reduzir uma proposta de grande complexidade, racionalmente construída, 
ao mero acaso fortuito desvelado por fatos (maravilhosamente ilustrados 
pelo fi ccionista Boal2, diga-se de passagem), a nosso ver, utilizados somen-
te como exemplifi cação para fazer com que o não especialista, ou seja, o 
“não-ator”, se aproprie dos meios-de-produção do teatro – seu objetivo 
político.
Tânia Baraúna faz um estudo comparativo entre as teorias e práticas de 
Freire e Boal e afi rma que “Efectivamente la principal creación de Augusto 
Boal há sido el Teatro do Oprimido, que nace del encuentro entre el tea-
tro popular y la pedagogia del oprimido de Paulo Freire.” (BARAÚNA & 
MOTOS, 2009, p. 55)
2. Não podemos esquecer que os primeiros estudos de Boal foram sobre a obra de Constan n 
Stanislavski que, de uma forma ou de outra, é um romance fi ccional onde personagens “vi-
vem” histórias e aventuras durante um curso de formação teatral.
Teatro do O
prim
ido e U
niversidade
17
Em sua tese, a pesquisadora quer provar que existe uma relação direta 
entre os dois, mesmo que um jamais tenha trabalhado diretamente com o 
outro, e que Boal nunca tenha feito alguma referência direta sobre Freire 
em seus livros. Em busca de aproximar o pensamento dos dois, Tânia co-
menta uma entrevista que Boal lhe concedeu:
En la entrevista que realicé a Boal declaró que su metodologia incor-
pora aspectos de la de Freire, a quien admira y respeta y com el que 
coinciden la utilización de los constructos oprimido y opresor, pero 
también de otras fuentes.” (...) Declaró que compatieron ideologias 
similares em sus atividades y em sus vidas, aunque nunca realizaron 
ningún proyeto em común. En este sentido manifestó que “...el Tea-
tro del Oprimido incorpora de la metodologia de Freire la propuesta 
de que cada persona construya su conocimiento com libertad, com 
autonomia y com um método aberto que permita a cada uno poder 
construir su caminho ...” .(BARAÚNA & MOTOS, 2009, p.79-80)
Clara Andrade, em O Exílio de Augusto Boal, ao pesquisar a obra do 
teatrólogo no exílio, segue a segunda corrente quanto à explicação sobre 
onde, como e quais as condições para o surgimento do método, ressaltando 
também os fatos relatados pelo próprio Boal: o do camponês nordestino 
Virgílio, o do operário “fura-greve” Magro em Santo André e, ainda, o epi-
sódio da mulher peruana que entra no lugar da protagonista, durante um 
espetáculo que usava a técnica da dramaturgia simultânea. 
E cita o próprio Boal, que explica a “descoberta” do T.O. por meio de 
três “encontros”.
Boal afi rma assim não ter criado o Teatro do Oprimido, mas sim, des-
coberto o Teatro do Oprimido. Para ele, a descoberta se deu a partir 
de três momentos decisivos: o encontro com o camponês Virgílio no 
início da década de 60, citado anteriormente, o Seminário de Dra-
maturgia em Santo André e, fi nalmente, o evento que acabamos de 
narrar no Peru, onde teria enfi m começado “a verdadeira democracia 
do Teatro do Oprimido”: “O Nordeste me alertou, Santo André me 
mostrou o problema; Chaclaclayo, a solução”. (BOAL, 2000ª, p.197 
in ANDRADE, 2014, p. 66)
Flávio Sanctum também “recorta” estes episódios reforçando a ideia de 
“descoberta” com o signifi cado de “achado”, “encontrado ao acaso”. Após 
recontar a história do camponês Virgílio durante a turnê do Teatro de Are-
na pelo Nordeste, apresenta a história da peruana.
18
Numa apresentação de seu elenco na cidade peruana de Chaclacayo, 
uma senhora gorda, que estava na plateia, sugeriu que uma atitude 
fosse tomada pelo opressor (...). Boal sentiu o rosto rubro e infl ama-
do; sugeriu que a própria mulher entrasse em cena e representasse 
o papel da esposa oprimida. Quem sabe assim, ela se colocando no 
lugar da protagonista, fi caria “clara” a sua proposta. A mulher subiu e 
não só conversou claramente, mas agindo como se vivesse a opressão, 
agarrou o marido pelo colarinho e com um cabo de vassoura na mão 
mandou-o pegar a sua comida, pois ELA estava com fome.
Naquele momento o Teatro-forum foi descoberto! (SANCTUM, 
2012, p. 36-37)
Rosamaria GiattiCarneiro também entende que o T.O. é construído 
no Peru e, em sua leitura, interpreta que o método nasce por causa do 
episódio da senhora gorda indígena e vaticina: “O Teatro do Oprimido 
nasceu em uma cidade peruana, Chaclacayo, em 1974, a partir de um epi-
sódio especial, assim relatado:” (CARNEIRO, 2012, p. 167).
E também cita Boal para justifi car esta sua interpretação: 
... no Peru, nasceu o teatro-fórum e sistematizei o teatro-imagem. O 
teatro do Oprimido virou livro. (...) Meu teatro seria, daí, por diante, 
o teatro das perguntas. Sócrates, maiêutico. Quem deveria respon-
der seriam os espect-atores!” (BOAL, 2000, p. 298, in CARNEIRO, 
2012, p. 167)
Com certeza, estes episódios levam Boal a pensar, a teorizar sobre sua 
prática. O da “senhora gorda peruana” o auxilia a desenvolver o teatro-
-fórum enquanto técnica teatral, mas o que procuramos não é o momento 
de vislumbre da metodologia, ou de uma técnica em particular, ainda que 
esta seja a referência emblemática do método em questão e, sim, aquele em 
que se defi ne a pedagogia - um ideário fi losófi co sobre um modo de ensinar. 
Nessa perspectiva, o teatro-fórum é uma dentre várias técnicas dessa meto-
dologia – que, por sua vez, se situa dentro de um corpo teórico-fi losófi co 
mais amplo, um pensamento norteador sobre o ensino do teatro; enfi m, 
um ideário que articula teoria e prática – ou seja, uma práxis. Para Boal, 
o teatro é um instrumento de libertação contra a opressão (uma “arma”, 
como afi rmará mais tarde em O teatro como arte marcial) e o teatro-fórum 
é apenas uma das várias técnicas (meios) criadas para atingir esse objetivo.
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Boal, o pedagogo, nos mostra em seus livros os primeiros passos, o ca-
minho a ser percorrido. É necessário refazer o seu percurso, encontrando e 
elucidando as evidências por meio das quais ele nos deixa perceber o início 
do processo de construção do método. Estes episódios ao longo da sua 
biografi a são marcas que o engenheiro Boal usa para demarcar o tempo-
-espaço fundante onde irá construir os alicerces de seu objeto. São somente 
analogias explicativas utilizadas como estratégia de ensino para apresentar 
ao aprendiz, de modo direto e objetivo, sem lançar mão de jargões acadê-
micos, os princípios marxistas que pretende disseminar.
Para Néstor Garcia Canclini, a sistematização do método de Boal, que 
segundo ele tem seus primórdios nas experiências com o Teatro Invisí-
vel em 1971 na Argentina, vai se consolidar defi nitivamente com a sua 
participação na Operação ALFIN, quando preparou alfabetizadores para 
utilizarem a linguagem teatral como recurso de alfabetização. 
Essas experiências de Boal alcançaram, em 1973, uma organização 
sistemática e uma reformulação radical das bases do trabalho dramá-
tico, graças a sua participação na Operação Alfabetizadora Integral, 
iniciada pelo governo peruano. Essa Operação fundamentou-se em 
dois pressupostos: em primeiro lugar, levando-se em conta o enorme 
número de línguas e dialetos falados no Peru, alfabetizava-se na lín-
gua materna e em castelhano, sem forçar o abandono da primeira em 
benefício da segunda; além disso, procurava-se alfabetizar em todas 
as linguagens possíveis, especialmente as artísticas, como teatro, foto-
grafi a, marionetes, cinema e jornalismo. Se os homens se expressam e 
se comunicam em muitas linguagens, por que lhes dar apenas a opor-
tunidade de desenvolver a forma escrita? Se, nas classes populares, a 
linguagem corporal é tão importante para a comunicação, por que 
não empregar os recursos teatrais para expandir esse campo expressi-
vo? (CANCLINI, 1980, p. 167) 
Em Teatro do Oprimido e outras Poéticas Políticas, a proposta de uma 
“Poética do Oprimido” está dividida em duas partes: A. Uma experiência 
de Teatro Popular no Peru; e, B. O Sistema “Coringa”. Na introdução da 
primeira parte, Boal já informa que o seu contato com Paulo Freire não 
é direto, mas, se dá na própria prática do uso da Pedagogia do Oprimido 
desenvolvida por uma equipe da qual fez parte, e que atuava em setores 
artísticos como fotografi a, bonecos, serigrafi a, gravação de áudio, imprensa 
popular e teatro. Agradece à sua colaboradora, a professora peruana Alicia 
20
Saco, que deu continuidade ao processo supervisionando os alfabetizado-
res e visitando seus locais de trabalho pelo interior do Peru.
Esta experiência foi realizada com a inestimável colaboração de Alice 
Saco, dentro do Programa de Alfabetização Integral (ALFIN) dirigido 
por Alfonso Lizarzaburu, e com a participação, nos diversos setores, 
de Estela Liñares, Luis Garrido Lecca, Ramón Vilcha e Jesus Ruiz 
Durand, entre outros, nas cidades de Lima e Chaclacayo. O método 
de alfabetização utilizado por ALFIN era, naturalmente, inspirado 
em Paulo Freire – março, Buenos Aires, 1974. ( BOAL, p. 122. 2013)
Este trecho demonstra que o convite feito na ocasião a Boal para parti-
cipar do projeto não foi aleatório, mas deu-se em função da estreita relação 
ideológica que o seu trabalho já estabelecia com a pedagogia de Freire e a 
corrente de pensamento latino-americano naquele momento.
Em uma pesquisa de campo que realizei no Peru em junho de 2013, 
entrevistei a professora Alicia Saco, citada por Boal como sua assistente no 
setor de Teatro. Aqui, ela fala sobre a coordenação do projeto e o sistema 
político do Peru, à época, o que criou um ambiente favorável para a parti-
cipação de Boal na Operação: 
Então, Boal foi convidado para que trouxesse suas ideias, seu método 
e eu fui contratada para ser sua assistente. Ele tinha 45 anos quando 
veio aqui. O projeto ALFIN estava baseado na Pedagogia do Oprimi-
do de Paulo Freire, por isto Boal fazia parte. Havia o setor de jornal, 
da radio, tudo! Lembro-me que nós não trabalhávamos diretamente 
com os analfabetos, mas, sim, com os alfabetizadores. Concentramos 
em Chaclacayo, uma pequena cidade fora de Lima e, ali, vivemos 
por algum tempo imersos no trabalho de treinar os alfabetizadores 
através de diversas ofi cinas, uma era a de teatro! Fazíamos ofi cinas 
com os futuros alfabetizadores para que aprendessem teatro imagem, 
teatro jornal e o teatro-foro que começava a se desenhar. Os alfabeti-
zadores aprendiam o método e iam para o interior de Peru alfabetizar. 
Boal fi cou conosco por três meses, depois, eu assumi o programa. O 
meu trabalho era viajar aos locais onde estavam os alfabetizadores e 
ver como trabalhavam e auxiliá-los diretamente. Na época, havia no 
Peru, um governo militar politicamente “Ni-Ni” (nem ...nem...) nem 
socialista, nem capitalista, mas tinha elementos dos dois como o fi ló-
sofo Augusto Salazar que coordenava o Programa ALFIN. Eu cheguei 
no ALFIN depois que Boal já havia sido contratado, não sei como 
chegaram a ele. (Entrevista concedida ao autor)
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Boal fora indicado para atuar no ALFIN pelo jornalista brasileiro Paulo 
Cannabrava Filho que trabalhou no Ministério de Educação do Peru, onde 
integrou a equipe do ministro, o fi lósofo Augusto Salazar Bondy, elabora-
dor do plano “Estratégia para Alfabetización Integral” (Operación Alfi n). 
Cannabrava projetou e coordenou a execução do Projeto de Difusão da 
Operación Alfi n entre os anos 1973 e1975. Em seu artigo “Augusto Boal - 
O subversivo maravilhoso”, publicado na revista virtual “Outras Palavras” 
em 8 de setembro de 2014, por conta da estreia do espetáculo Crônicas de 
Nuestra América no Rio de Janeiro, conta como isto ocorreu:
Quando o governo revolucionário de Velasco Alvarado, no Peru, 
iniciou a reforma na educação, na realidade uma revolução cultural 
que começava com uma estratégia de alfabetização e outra de educa-
ção, sugeri a Salazar Bondy que convidasse Boal para nos ajudar na 
formação dos quadros que formariam o contingente de educadores. 
Salazar Bondy, educador, fi lósofo, epistemologista, era o executivo 
do Ministério de Educação, e quem tocava o principal projeto da re-
volução peruana: a formação do homem novo. Forammomentos ma-
ravilhosos, conviver com Salazar Bondy, assim como poder interagir 
com lideranças de uma cultura milenar como a andina. Sei que essa 
experiência infl uenciou profundamente o Boal. Foi aí que, aplicando 
a técnica do Teatro Invisível, criou o Teatro Fórum para trabalhar os 
confl itos intererrelacionais. (CANNABRAVA, 2014)
Boal foi convidado, então, diretamente pelo intelectual Augusto Salazar 
Bondy, para treinar os alfabetizadores oriundos da rede de promotores so-
ciais do SINAMOS - Sistema Nacional de Apoio à Mobilização Social - do 
governo revolucionário chefi ado pelo general Juan Velasco Alvarado. Este 
militar afi rmava, peremptoriamente, que o regime que ele criara para a re-
volução no Peru não era nem capitalista, nem socialista - o que lhe rendeu 
o apelido de governo Ni-Ni (em espanhol).
Rezende Carvalho nos informa que o idealizador da Operação ALFIN, 
o peruano Augusto Salazar Bondy (1925-1974), foi um dos protagonistas 
da polêmica sobre a existência ou não de uma fi losofi a latino-americana - 
lançada em meados do século XIX, pelo pensador argentino Juan Bautista 
Alberdi (1810-1884) – que foi retomada e travada em 1968-1969 entre 
o fi lósofo mexicano Leopoldo Zea (1911-2004) e o peruano a partir da 
publicação, em 1968, do seu livro intitulado ¿Existe una fi losofía de nuestra 
América? E o de Zea, publicado no ano seguinte, La fi losofía americana 
como fi losofía sin más.
22
Segundo o pesquisador, Salazar Bondy buscou identifi car a expressão de 
uma fi losofi a original, genuína ou peculiar, conforme a defi nição que deu a 
esses termos partindo da descrição de alguns expoentes do pensamento his-
pano-americano como o boliviano Guillermo Francovich, os panamenhos 
Diego Dominguez Caballero e Ricaurte Soler, o mexicano Abelardo Villegas 
e o uruguaio Arturo Ardao, entre outros. Após analisar as posições contrárias 
e favoráveis à existência de uma fi losofi a hispano-americana, Bondy formula 
uma resposta ao título do seu próprio livro. Esta, sintetizada em um con-
junto de pontos que vão do diagnóstico do problema à prescrição de sua 
solução, aponta as condições para se desenvolver um pensamento genuíno 
e original na Hispano-América, que dependeria do fi m da condição de sub-
desenvolvimento e de dominação a que, segundo ele, estavam submetidas as 
sociedades dos países desta região sócio-cultural-econômica.
A polêmica indicou um caminho para o movimento latino-americano 
da história das ideias em direção à fi losofi a da história latino-americana e, 
progressivamente, à fi losofi a da libertação, o que se pode denominar como 
uma nova orientação comprometida com a causa da libertação da América 
Latina, em razão de sua histórica condição de dependência.
Para Castro-Pozo, 
Outra questão de ordem diz respeito ao estatuto epistemológico do TO, isto 
é, pode-se apreciar que o TO é nomeado indistintamente de método, meto-
dologia ou técnica. Porém o que seria uma impropriedade conceitual adveio 
de uma práxis engajada, desvendando a tragédia humana do terceiro mun-
do, que se fi lia a um horizonte gnosiológico do oprimido. Nesse paradigma 
inscrevem-se obras pioneiras tais como Pedagogia do Oprimido [1968*]3, 
de Paulo Freire; Teoria da Libertação [1971]*, de Gustavo Gutierrez; Psico-
terapia do Oprimido, de Alfredo Moff att [1974]*; Filosofi a do Oprimido, 
de Enrique Dussel [1972]*; e, nas artes cênicas a projeção deste paradigma é 
sistematizada no livro O Teatro do Oprimido e Outras Poéticas Políticas, de 
Augusto Boal.”[1974]* (CASTRO-POZO, 2011, p. 16)
Baseado nas ideias da Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire, Sa-
lazar desenvolveu e implementou o seu plano de alfabetização. Em dois 
anos e meio foram alfabetizados 250 mil camponeses e operários pe-
ruanos. Segundo o educador-alfabetizador Alfonso Lizarzaburu (diretor 
do ALFIN, também citado por Boal), a formação dos promotores de 
3. * As datas foram inseridas pelo autor com o obje vo de demonstrar o intervalo temporal 
de sua publicação.
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base/alfabetizadores se realizavam em duas fases: a inicial e a de aper-
feiçoamento. A fase inicial de caráter teórico-prático se realizava dentro 
da modalidade de internato ou concentração no Centro Vocacional de 
Huampaní, em Chaclacayo, distante 25 quilômetros de Lima. Os obje-
tivos desta fase eram três, sendo um deles o aprendizado e manejo dos 
meios de comunicação social, tradicionais (rádio, televisão, jornal) e não 
tradicionais (bonecos, teatro popular, gravação de áudio, fotomontagem, 
serigrafi a, imprensa popular, etc.), com o propósito de serem utilizados 
como instrumento de analise critica da realidade social dos alfabetizandos 
(desmontagem ideológica) e como meios de expressão de suas próprias 
mensagens e discursos (Área de Comunicação Dialógica).
O curso de formação se realizava dentro das seguintes formas de traba-
lho: Grupos de Discussão, Ofi cinas de Expressão Criativa, Laboratórios de 
Análise Crítica e Atividades Artísticas e Recreativas. O trabalho no setor 
de expressões criativas tinha por objetivo possibilitar que os alfabetizadores 
conhecessem diferentes técnicas que os permitissem implantar o Método 
ALFIN. O trabalho era feito em grupos, organizados em cinco ofi cinas: 
fotografi a, gravação, teatro popular, bonecos e serigrafi a. Pretendia-se que 
o conhecimento destas técnicas respondesse, simultaneamente, à necessi-
dade de instrumentalizar os alfabetizadores em sua comunicação com a 
comunidade no processo pedagógico, e que as técnicas fossem também 
apropriadas pela população. Foram formados, em três cursos, cerca de 750 
alfabetizadores, com uma média de 250, por curso.
Concluída a fase inicial da formação, os alfabetizadores e coordenadores 
de campo se dirigiam para suas zonas de operação e começava a segunda 
parte: o trabalho de campo, sob a supervisão e orientação dos coordenado-
res. Assim, foi implementado o plano ALFIN, com Boal desenvolvendo o 
setor de teatro popular. Alicia Saco atuou como sua assistente e, posterior-
mente, como supervisora da segunda fase da formação, acompanhando e 
orientando os alfabetizadores no uso das técnicas desenvolvidas na imersão 
em Chaclacayo.
Boal maneja e concebe o Teatro do Oprimido, fruto de uma criação 
inovadora, inédita, no âmbito terminológico-conceitual dando-lhe aporte 
genuíno e original a partir de uma análise comparativa com os experimen-
tos dos outros setores:
Neste trabalho, quero tão somente relatar o que foi minha partici-
pação no setor de teatro e contar todas as experiências que fi zemos, 
24
considerando o teatro como linguagem, apto para ser utilizado por 
qualquer pessoa, tenha ou não atitudes artísticas. Quero mostrar, 
através de exemplos práticos, como pode o teatro ser posto a serviço 
dos oprimidos, para que estes se expressem e para que, ao utiliza-
rem essa nova linguagem, descubram igualmente novos conteúdos. 
(BOAL, 2013, p. 123).
Aqui Boal já esboça a ideia de que o teatro está ao alcance de todos e 
não somente para artistas com formação, ou seja, profi ssionais. Também 
aponta que, para ele, o teatro é um meio, não um fi m em si. O teatro como 
caminho para “descobrir novos conteúdos”, ou seja, para aprender coisas 
novas.
Para explicar como o método de alfabetização de Paulo Freire - a Peda-
gogia do Oprimido - era utilizado por cada setor do ALFIN, Boal descreve 
a prática de Estela Liñares no setor de fotografi a:
Penso que todos os grupos teatrais verdadeiramente revolucionários 
devem transferir ao povo os meios de produção teatral, para que o 
povo os utilize à sua maneira e para os seus fi ns. O teatro é uma arma 
e é o povo quem deve manejá-la!
Como deve, porém, ser feita esta transferência? Quero começar, dan-
do o exemplo do que fez Estela Liñares no setor de fotografi a do 
ALFIN. Qual seria a velha maneira de se utilizar a fotografi a num 
plano de alfabetização? Sem dúvidas seria fotografar coisas, ruas, pes-
soas, panoramas, comércio, etc., mostrar estas fotos aoalfabetizandos 
e discutí-las. Quem tiraria as fotos? Os alfabetizadores, capacitadores, 
instrutores. Mas quando se trata de entregar ao povo os meios de 
produção, deve-se entregar, nesse caso, a máquina fotográfi ca! Assim 
se fez no ALFIN. Entregava-se [Estela] uma máquina às pessoas do 
grupo que se estava alfabetizando, ensinava-se a todos a utilizá-la e se 
faziam propostas: “Nós vamos fazer perguntas a vocês. Nossas per-
guntas vão ser feitas em castelhano, e vocês vão nos responder. Mas 
vocês não podem responder em castelhano: vocês têm que “falar” em 
fotografi a. Nós vamos perguntar coisas na língua castelhana, que é 
uma linguagem. E vocês vão nos responder em fotografi a, que tam-
bém é uma linguagem. (BOAL, 2013, p. 124)
Após relatar as várias fotos-respostas produzidas pelos alfabetizandos, 
Boal passa a fazer a analogia, da experiência com a máquina fotográfi ca 
como meio de produção da fotografi a, com o corpo humano - para ele o 
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meio de produção do teatro. Nasceria, aí, o Teatro do Oprimido? Sigamos 
o raciocínio de Boal:
É fácil dar uma máquina fotográfi ca a uma pessoa que jamais tirou 
uma foto, dizer-lhe por onde deve olhar para poder enfocar e que 
botão deve apertar. Basta isso e os meios de produção da fotografi a 
estarão nas mãos desta pessoa. Mas como proceder no caso específi co 
do teatro? Os meios de expressão da fotografi a estão constituídos pela 
máquina fotográfi ca, que é relativamente fácil de manejar, mas os 
meios de produção do teatro estão constituídos pelo próprio homem, 
que já não é tão fácil de manejar. Podemos afi rmar que a primeira 
invenção do vocabulário teatral é o corpo humano, principal fonte de 
som e movimento. Por isso , para que se possa dominar os meios de 
produção teatral, deve-se , primeiramente, conhecer o próprio corpo, 
para poder depois torná-lo mais expressivo. Só depois de conhecer o 
próprio corpo e ser capaz de torna-lo mais expressivo, o “espectador” 
estará habilitado a praticar formas teatrais que, por etapas, ajudem-
-no a liberar-se de sua condição de “espectador” e assumir a de “ator”, 
deixando de ser objeto e passando a ser sujeito, convertendo-se de 
testemunha em protagonista. (BOAL, 2013, p. 128)
Aqui, Boal revela um insight. Através da fotografi a, ele percebe que é 
possível construir uma lógica de aprendizagem (uma metodologia, por-
tanto) para se obter o conhecimento do teatro, enquanto produto a ser 
“analisado” e “produzido” pelo homem do povo.
A partir desta dedução, Boal passa a sistematizar, através de um plano 
geral, a estratégia de conversão do espectador em ator - cerne do Teatro do 
Oprimido – como sujeito produtor do seu próprio discurso. Ressalta 
a função do historicismo na tomada de consciência do próprio corpo 
e da cultura, no sentido do pensamento fi losófi co latino-americano de 
independência, desenvolvendo o texto teórico-metodológico da Poética 
do Oprimido. Elabora um esquema dividido em quatro etapas: I - Co-
nhecimento do corpo, II - Tornar o corpo expressivo, III - Teatro como 
linguagem e IV – Teatro como discurso.4 
4. No chamado “arsenal” do Teatro do Oprimido, estas etapas serão renomeadas como “cate-
gorias” e “técnicas”.
26
Ao observar e participar da experiência no setor de fotografi a em que era 
utilizada a metodologia de Paulo Freire, Boal percebe que é possível aplicar 
a mesma lógica na construção de um teatro popular, em que os meios-de-
-produção são entregues aos operários e camponeses para produzirem as 
“armas”, ferramentas necessárias para levar a cabo a revolução. E a partir 
da análise do funcionamento da máquina fotográfi ca começa a se desenvol-
ver um novo sistema, reutilizando diversas práticas oriundas do Seminário 
de Dramaturgia e Laboratório de Interpretação que produziram o “Sistema 
Curinga” dentro do Teatro de Arena, também aplicadas por ele em 1973.
O ato de transferir para o teatro uma experiência realizada com um 
aparato técnico é totalmente científi co; e não é simples. Mas, lembremos 
que Boal teve uma sólida formação acadêmica como engenheiro químico 
e conhecia normas e procedimentos técnicos necessários para validar cien-
tifi camente uma invenção, uma descoberta científi ca. 
O primeiro apontamento que o cientista Boal faz na “experiência de 
teatro popular no Peru” é defi nir que o meio de produção teatral é o corpo 
humano; logo, este precisa ser apropriado pelo artista-trabalhador porque, 
do contrário, esta “máquina” (re)produzirá a serviço do capital e da ex-
ploração pelo opressor. É este, o primeiro fundamento do método que 
norteará o quadro geral do T.O.; não à toa, um dos exercícios mais aplica-
dos no início de uma ofi cina do método é a “máquina de ritmos” (BOAL, 
1998, p.129), na qual o corpo humano se expressa, em termos de movi-
mento e som, como uma peça mecânica que se articula com outras peças, 
reproduzindo uma máquina em ação, acrescida de uma emoção e, depois, 
um tema próprio aos participantes.
Boal desenvolve a sua teoria durante todo o exílio, passando pelo Chile, 
Argentina, Portugal e França, mas só irá retomar e aplicar a experiência 
do Peru em 1986, noutro projeto chamado Programa Especial de Edu-
cação – PEE (muito similar à Operação de Alfabetização Integral, de 
Salazar Bondy), nos chamados Centros de Integrados de Educação Pública 
Brasil – os CIEPs. O PEE foi desenvolvido no ambiente da democracia 
trabalhista de Leonel Brizola, no Rio de Janeiro, recém-eleito governador 
deste estado brasileiro nas primeiras eleições diretas durante a vigência da 
Lei da Anistia (lenta, gradual e irrestrita) feita ainda sob o regime militar. 
O idealizador e coordenador do programa também era um intelectual, o 
antropólogo e vice-governador Darcy Ribeiro, que convidou Boal a fazer 
parte da equipe treinando os chamados “animadores culturais” - mais uma 
semelhança com os promotores sociais do SINAMUS que atuaram como 
alfabetizadores no ALFIN.
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Darcy Ribeiro cria em 1984 o PEE - Programa Especial de Educação, que 
teve por base a construção de 500 CIEP’s - Centros Integrados de Educa-
ção Pública - projetados pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Os estudantes dos 
CIEPs tinham acesso, além dos conteúdos regulares da Educação Básica, 
a aulas práticas e orientações sobre temas culturais diversos, enriquecidos 
com o saber e o conhecimento produzido e transmitido oralmente em sua 
própria comunidade: capoeira, samba, danças dramáticas, confecção de 
pipas, de instrumentos musicais, cortejos festivos, uso de ervas medicinais, 
brinquedos populares criados por mestres da cultura popular e artistas de 
diferentes linguagens; enfi m, animadores culturais e seus saberes. Cada 
unidade do PEE possuía em seus quadros três deles, chegando a um total 
de mil e quinhentos profi ssionais organizados em polos regionais, cujos 
projetos funcionavam em sistema de rede.
Darcy Ribeiro havia promovido, durante o seu exílio na França, reuni-
ões com professores, artistas e intelectuais, entre eles Augusto Boal, que na 
ocasião apresentara a ele o Plano Piloto da Fábrica de Teatro Popular, título 
que nos remete inevitavelmente ao seu texto “Uma Experiência de Tea-
tro Popular no Peru” e à estratégia de apropriação dos meios-de-produção 
ao Teatro Popular. Em 1986, 13 anos depois, a experiência no “Setor do 
Teatro” do ALFIN sairia fi nalmente do laboratório e iria para a linha de 
produção de uma fábrica de teatro popular produzindo obras artísticas com 
temas populares. 
Os trinta primeiros artistas-operários da “fábrica” foram os animadores 
culturais dos CIEPs de diversas regiões do estado do Rio de Janeiro, que 
produziram cinco espetáculos de teatro-forum com os temas: Gravidez na 
Adolescência, Loucura, Violência Policial x Preconceito Racial, Violência 
Sexual Intrafamiliar e a Ausência de Incentivo à Cultura Popular. Estes es-
petáculos foram apresentados nos refeitórios dos CIEPs, transformados em 
salas teatrais para alunos, professores ecomunidade do entorno das escolas.
Para mim, no primeiro número do jornal da Fábrica de Teatro Popular, 
Boal faz alusão indireta a experiência que teve na Operação ALFIN, ao 
organizar a sua ‘fábrica’ por setores, como fez Salazar Bondy:
Se chegar a ser feita, a Fábrica justifi cará seu nome. Terá uma Linha 
de Montagem pela qual passarão as Unidades de Montagem. Cada Uni-
dade será constituída por um pequeno grupo, de 10 a 20 ou 25 pessoas, 
que receberão treinamento específi co nos diferentes setores: seminário de 
Dramaturgia, Laboratório de Interpretação e Atelier de Cenografi a. Estes 
28
Setores, por sua vez, poderão funcionar em base permanente com outros 
participantes mais constantes. Assim, cada Setor formaria animadores em 
cursos rápidos e também especialistas, em tempo indeterminado. (BOAL 
apud TURLE, 2014, p. 32, grifos do autor)
Assim como o ALFIN, a “fábrica” não fi cou aberta muito tempo devido 
às oscilações políticas no país que causaram o fi m do PEE, mas ela deixou 
um produto concreto fundamental para a difusão do T.O. no Brasil e no 
mundo: o Centro de Teatro do Oprimido.
A experiência pontual propiciada pela Operação ALFIN, com Estela 
Liñares e os outros artistas que tentavam aplicar a Pedagogia do Oprimido 
de Freire através de linguagens artísticas para a alfabetização de adultos, 
foi tão marcante para Boal que ele a retomaria em 2001, com a equipe do 
Centro de Teatro do Oprimido do Rio de Janeiro.
Segundo o cenógrafo Cachalote Mattos e o pedagogo Flavio Sanctum5 
que participaram desta reedição da experiência, Boal compra máquinas fo-
tográfi cas descartáveis e pede “foto-respostas” para os alunos de um projeto 
social chamado Mãos à Arte, fi nanciado pelo governo brasileiro. Nele, os 
alunos fotografam suas próprias mãos trabalhando com técnicas de ilumi-
nação cênica, fi gurinos, cenografi a. Estas fotos-respostas são analisadas por 
todo o grupo de alunos em refl exão coletiva, para a conscientização do uso 
do meio de produção teatral, que é o corpo humano. A partir daí, Boal 
começa a desenvolver uma série de novos jogos e exercícios baseados em 
várias linguagens artísticas dentro do tripé SOM-PALAVRA-IMAGEM, 
aos quais irá denominar “Estética do Oprimido”. Será esta a base da Árvore 
do Teatro do Oprimido (BOAL, 2013, p. 15-16), título de seu último livro, 
publicado post-morten, confi rmando que ele manteve até o fi m da vida o 
aprendizado da experiência do Peru viva em sua memória, como raiz nu-
triente de seu método.
Sempre lamentamos que nos países pobres, e entre os pobres dos pa-
íses ricos, seja tão elevado o número de pré-cidadãos fragilizados por 
não saberem ler nem escrever; o analfabetismo é usado pelas classes 
clãs e castas dominantes como severa arma de isolamento, repressão, 
opressão e exploração.
5. Curingas integrantes do CTO, à época bolsistas do projeto social Mãos à Arte.
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Mais lamentável é o fato que de que também não saibam falar, ver, 
nem ouvir. Esta é igual, ou pior, forma de analfabetismo: a cega e 
muda surdez estética. Se aquela proíbe a leitura e a escritura, esta 
aliena o indivíduo da produção de sua arte e da sua cultura, e do 
exercício criativo de todas as formas de Pensamento Sensível. Reduz 
indivíduos, potencialmente criadores, à condição de espectadores. 
(BOAL, 2009, p. 15) 
No mesmo livro, a equipe do CTO publica um texto que nos permite 
interpretar que Boal manteve a mesma metodologia, já adaptada aos dias 
de hoje, para o treinamento dos alfabetizadores “multiplicadores”, utiliza-
do no ALFIN:
A pesquisa da Estética do Oprimido foi constituída por meio da ex-
perimentação prática em laboratórios teatrais e da sistematização te-
óricas em seminários. Encontros quinzenais com a equipe do CTO, 
semestrais com multiplicadores de diversas regiões do Brasil, e labo-
ratórios ampliados com participação internacional.
Nos laboratórios experimentávamos entre nós para depois repassar-
mos aos multiplicadores em formação, que assumiam a tarefa de pra-
ticar junto a grupos comunitários no Brasil, Guiné-Bissau, Moçam-
bique e Angola Estas práticas retornavam para a análise coletiva por 
meio de relatórios de atividades, alimentando um diálogo permanen-
te entre Boal, Curingas e Multiplicadores.
Surgiram exercícios, jogos e técnicas para potencializar o uso da ima-
gem, do som e da palavra. A criação – de poesias, músicas desenhos, 
pinturas, danças, esculturas, e espetáculos – ratifi cava o novo conceito 
e impulsionava radicalmente a habilidade dos integrantes dos grupos 
em criar metáforas, em apresentar a realidade a partir de suas próprias 
perspectivas. (Equipe do Centro de Teatro do Oprimido in BOAL, 
2009, 11-12)
Por fi m, este ensaio tentou fotografar os diferentes ângulos do nas-
cimento do Teatro do Oprimido durante a experiência de alfabetização 
integral realizada no Peru, com o objetivo de capturar o exato instante em 
que se revela a visão científi ca de seu criador. 
Boal faz uso do substantivo “descoberta” ao narrar episódios que o aju-
daram a processar um raciocínio lógico na sua criação. Em seu sentido 
dicionário, a palavra descoberta possui vários signifi cados, como por exem-
plo: “invenção”, “invento”, ação ou resultado de descobrir, de conhecer ou 
30
fazer conhecer o que não era conhecido; aquilo que se descobriu, por in-
venção, por pesquisa ou por acaso e, ainda, achado engenhoso ou solução 
inteligente para algo. 
O mais provável é que Boal tenha, conscientemente, escrito para um 
público não acadêmico, ou seja, para o povo. Afi nal, trata-se de um “arse-
nal” de “exercícios e jogos para atores e não atores dizerem algo através do 
teatro [...] (operário, camponês, estudante, paroquiano, empregado públi-
co, todos)” (BOAL, 1985, p. 9), por ele criado com a clara preocupação 
de socializar seu pensamento e de democratizar uma descoberta científi ca. 
De qualquer maneira, a sua escrita poética, metafórica e romanceada 
nos deixou pistas, fragmentos, rastros e vestígios que cabem, a nós, desve-
larmos.
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31
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TURLE, Licko. Teatro do Oprimido e Negritude: A utilização do tetro-
-forum na questão racial. Rio de Janeiro: E-papers, 2014.
Augusto Boal sistematizou sua metodologia teatral - o Teatro do Opri-mido - onde de forma bem direta incentiva a democratização, a multi-
plicação e a produção teatral baseado, simplesmente, no conceito de que o 
teatro é parte essencial do ser humano e, sendo assim, todo mundo é capaz 
de fazer teatro. Em “Jogos para Atores e não Atores”, o autor defi ne que:
O Teatro do Oprimido é teatro na acepção mais arcaica da palavra: 
todos os seres humanos são atores, porque agem, e espectadores, por-
que observam. Somos todos espect-atores. O teatro do Oprimido é 
uma forma de teatro, entre todas as outras. 
A linguagem teatral é a linguagem humana por excelência, e a mais 
essencial. Sobre o palco, atores fazem exatamente aquilo que fazemos 
na vida cotidiana, a toda hora em todo lugar. Os atores falam, andam, 
exprimem ideias e revelam paixões, exatamente como todos nós em 
nossas vidas no corriqueiro dia-a-dia. (Boal, 2006, p. ix).
O Teatro do Oprimido é um teatro com forte característica política e 
social, tratando de questões de confl ito entre oprimidos e opressores, onde 
a dramaturgia nasce de histórias reais contadas pelos próprios oprimidos. 
Ao longo da primeira fase do TO, os espetáculos de Teatro-Fórum gerados 
pelo método, muitas vezes, partiam da estética realista, que reproduzia o 
formato televisivo da maioria das novelas brasileiras e do cotidiano, não 
atingindo plenamente o seu objetivo de ativar a plateia que poderia ocorrer 
A ESTÉTICA DO OPRIMIDO
O jogo (de imagem) no teatro fórum
CACHALOTE MATTOS
34
com maior potência se todos os elementos necessários para o espetáculo 
fossem desenvolvidos a partir de sua própria estética.
Em entrevista com Claudete Felix e Licko Turle (fundadores do Centro 
de Teatro do Oprimido), uma das primeiras peças de Teatro-Fórum mon-
tadas após a volta de Boal ao Brasil (1986) depois do exílio, foi “A Família”, 
dentro do projeto “Fábrica de Teatro Popular”, para trinta animadores cultu-
rais. Segundo eles, esse espetáculo possuía essa estética realista na encenação, 
no fi gurino e no cenário, tendo, na fi cha técnica, cenógrafo e fi gurinista, pro-
fi ssionais contratados para pensar o espaço e a imagem da cena. A utilização 
desse tipo de estrutura realista foi observada também em encontros, mostras 
e festivais de Teatro Fórum no exterior como, por exemplo, nas obras dirigi-
das por Julian Boal e Adrian Jackson em um festival de teatro na Áustria em 
(2009). Estes espetáculos chamaram à atenção porque os atores entravam 
com roupas do cotidiano e todos os objetos eram usados de forma realista. 
Flávio Sanctum em seu livro “A Estética de Boal” também comenta sobre 
essa estrutura realista nas cenas de Teatro-Fórum:
Nas primeiras peças de Teatro-Fórum, por exemplo, somente a utili-
zação de uma mesa e duas cadeiras eram necessárias para transmitir 
ao público a ideia proposta pelo grupo. Posso dizer que não havia 
uma preocupação “estética” com os espetáculos como a utilização de 
elementos cênicos ou cenários elaborados, fi gurinos estilizados, inter-
pretações teatralizadas e o caminho das encenações se aproximava de 
um realismo extremado. (Sanctum, 2012, p. 69)
A partir do ano de 2001, as obras do CTO passam a ser desenvolvidas 
de forma diferente. Realizando experiências envolvendo todos os curingas 
da instituição e participantes dos grupos de TO, Boal passou a utilizar 
jogos que misturavam palavra, imagem e som – ou seja , a multilingua-
gem do teatro, das artes visuais e plásticas, poesia, música e fotografi a para 
potencializar sensorialmente a equipe e provocar a criação e a execução de 
uma estética própria.
 Para exemplifi car, utilizo como referência o espetáculo “Coisas do 
Gênero”, criado em 2004 pelos curingas do CTO. Este apresentava um 
momento de transição, porque ainda existia a função do cenógrafo, mas já 
havia uma participação do elenco na produção de imagens para o espetácu-
lo. A peça falava sobre opressão feminina e tinha como cenário uma grande 
escultura de três metros de altura, na forma de uma representação da mu-
lher com os seios de fora, vestida na parte de baixo de ‘palha da costa’, 
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representando a mãe terra, “o início de tudo”, onde de seu ventre nascem 
alguns orixás do Candomblé. Por último, surge a Orixá Nanã balançando 
uma criança. Em seguida, desse ventre, nascem a mulher e o homem. O 
espetáculo segue mostrando as opressões ocorridas contra a mulher desde 
a infância, representada por determinação de cores conhecidas socialmente 
para representar o gênero masculino e o feminino (azul para menino e 
rosa para menina) até a vida adulta com o assédio sexual no trabalho. O 
espetáculo trouxe uma proposta de estrutura de encenação nada realista, 
baseando-se somente nada imagem, eliminando o texto.
Espetáculo Coisas do Gênero. Da esquerda para direita:
Claudia Simone, Helen Sarapeck e Flavio Sanctum.
Foto: Noélia Alburquerque
Até esse momento (2001), existia a fi gura do cenógrafo, do fi gurinista, 
do especialista com formação acadêmica6 ou então acontecia um treina-
mento específi co para pensar e realizar cenários, adereços e fi gurinos. 
6. Examinando arquivos de material de divulgação no CTO, podemos observar que vários ou-
tros profi ssionais atuaram nessa parte de imagem entre 1986 e 2001. Atuaram como cenó-
grafo por lá: Luiz Vaz, que além de cenógrafo era curinga; Zé Luiz, especialista em bonecos e 
Regina Primo.
36
Em 1998, inicio um curso de cenografi a no próprio CTO. O projeto 
chamava-se “Mãos à Arte”. Funcionava de segunda a sexta, das 07 h as 12 
h e teve duração de seis meses. Os alunos recebiam uma pequena ajuda 
de custo para despesas com passagens e alimentação. No currículo: aulas 
de Teatro do Oprimido, criatividade aplicada, geografi a cultural, cenotéc-
nica, eletricidade, corte e costura, criação de cenografi a, criação de luz e 
fi gurino. Nos primeiros dois meses do curso, todos participavam de todas 
as aulas e, a partir do terceiro, optavam por uma ofi cina técnica específi ca. 
Fiz toda a formação básica e depois, optei por cenografi a. Após o fi m do 
curso, Bárbara Santos me convidou para fazer uma espécie de teste: criar 
um cenário para o grupo Marias do Brasil, um GTO7 formado por empre-
gadas domésticas. Nesse momento tive a minha primeira oportunidade de 
criação, de pôr em prática tudo o que havia aprendido. Criei uma cozinha 
toda feita de papelão, onde todos os objetos desse ambiente saiam de um 
único ponto. O fogão era a base de onde saiam a geladeira, o micro-ondas, 
a pia, os armários e as panelas. A partir desse cenário, passei a ser colabo-
rador do Centro de Teatro do Oprimido, respondendo pela cenografi a e 
fi cando nessa função durante os dois anos seguintes: 1998 e 1999.
Passo a ser responsável pela cenografi a de quase todos os grupos da ins-
tituição. Em 2000, ingresso na Universidade de Belas Artes para estudar 
cenografi a pela UFRJ, e continuo responsável pelos cenários dos grupos. 
A partir de 2001, com a proposta da Estética do Oprimido, esse papel 
de cenógrafo dentro do CTO foi se diluindo e os grupos passaram a criar 
as próprias imagens da cena, apropriando-se cada vez mais dos meios de 
produção. Dessa maneira, ocorreu o começo da implantação da Estética 
do Oprimido dentro do CTO. Nas fi chas técnicas dos espetáculos, meu 
nome deixa de aparecer como cenógrafo e passa a aparecer como consultor 
de imagem. 
Nesse período, multiplicam-se as experiências com jogos de imagem, 
palavra e som em laboratórios periódicos, muitas vezes facilitados por 
Augusto Boal. Nesses espaços, Boal sugeria um jogo, que ele extraia de al-
gum lugar, ou tinha aprendido com outra cultura ou até mesmo um jogo 
adaptado ou inventado por ele para tal fi nalidade. Em seguida, explicava o 
passo a passo, as regras do jogo. Os participantes jogavam e ele observava 
tomandonota de tudo. Ao fi nal começava uma rodada de avaliação e de 
impressões dos participantes. Se fosse fundamental, modifi cações eram 
7. GTO- São grupos de Teatro do Oprimido
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feitas e o jogo era repetido o quanto fosse necessário para compreensão 
dos participantes.
Depois de testada a funcionalidade dos jogos para aquela fi nalidade, es-
tes eram sistematizados. Boal escrevia o passo a passo da versão que o grupo 
achava mais efi ciente para que no futuro outras pessoas pudessem aplicar 
o jogo somente lendo o enunciado. Em uma segunda etapa, os jogos eram 
aplicados com os grupos existentes no CTO e em projetos de capacitação e 
os resultados voltavam para Boal em forma de relatórios e, se fosse preciso, 
faziam-se mais modifi cações.
Durante todos os anos junto ao CTO, foi possível observar uma meto-
dologia viva que, a cada momento, era repensada pelo seu criador por meio 
de laboratórios experimentais, sistematização de novas ideias e aplicação 
direta com os grupos comunitários. Assim se deu até 2009, ano de sua 
morte. 
Por exemplo, entre as novas ideias, Boal investigava a possibilidade de 
passar ou transformar uma cena de “Arco-Íris do Desejo”, que trata de 
opressões intrapessoais para Teatro-Fórum, que fala de opressões recorren-
tes na sociedade. Tendo em vista que mesmo essas opressões sendo ditas 
internalizadas e pessoais, nascem em um contexto social. Para isso, estava 
experimentando jogos como “Luta de boxe” e “O Tira na Cabeça”, ambos 
do livro “O Arco-Íris do Desejo”.
O CTO e Boal buscavam investigar uma plasticidade visual, musical e 
cênica em seus espetáculos de Teatro-Fórum, vislumbrando uma estética 
teatral diferenciada do realismo habitual para as produções de Teatro do 
Oprimido combatendo a opinião de muitos críticos, onde ‘o Teatro do 
Oprimido se limitava a uma ferramenta social e política para discutir te-
mas dos oprimidos com a sociedade, deixando de lado recursos técnicos e 
artísticos’. Boal afi rmava que “o Teatro do Oprimido é Teatro” feito pelo 
oprimido, com o oprimido e para o oprimido, por isso não fazia sentido 
que a produção artística – desenvolvida através da imagem, do som e da 
palavra – fosse fruto do trabalho de especialistas. Os próprios oprimidos 
deveriam dominar os meios de produção envolvidos na obra teatral. 
Segundo Boal:
Para que seja praticado massivamente é necessário que compreenda-
mos que a atividade artística é natural a todos os homens e a todas as 
mulheres. São as repressões que sofremos ao sermos “educados” que 
38
nos limitam e estreitam nossa capacidade de expressão. As crianças 
dançam, cantam e pintam. Depois, com a repressão que sofrem na 
família, na escola, no trabalho, convencem-se de que não são bailari-
nos, nem cantores, nem pintores. Porém, devemos compreender que 
todos os homens são capazes de fazer tudo aquilo que um homem é 
capaz de fazer. É claro nem todos o farão com a mesma maestria, mas 
todos poderão fazê-lo!
 Todo mundo pode fazer teatro - até mesmo os atores!
O teatro pode ser feito em todos os lugares - até mesmo dentro dos 
teatros! (Boal, 1979, p. 19)
É neste contexto que Augusto Boal propõe “A Estética do Oprimi-
do”, uma metodologia que utiliza jogos e exercícios estéticos e teatrais no 
campo da Palavra, da Imagem, e do Som, que têm como objetivo poten-
cializar sensível e esteticamente os participantes com intuito de provocar o 
protagonismo criativo através de apropriação dos meios de produção artís-
tica. Desenvolver potencialidades criativas e intelectuais para lutar contra 
a opressão de uma estética hegemônica imposta pela classe dominante e 
pelos grandes meios de comunicação. Para isto traz para o Teatro do Opri-
mido a prática de outras linguagens artísticas, como pintura, escultura, 
poesia, música, dança, fotografi a.
Mas de onde teria nascido essa ideia? O que teria motivado Boal a in-
cluir tal proposta dentro do Teatro do Oprimido? O Professor Doutor 
Licko Turle, (um dos fundadores do CTO, junto com Boal), na conferên-
cia de abertura das III Jornadas Internacionais de Teatro do Oprimido e 
Universidade - Sociedade, Diversidade e Comunidade (na Universidade 
Federal do Estado do Rio de Janeiro em agosto de 2015), denominada 
“Alfabetização Teatral: uma fotografi a da experiência de Augusto Boal, no 
projeto ALFIN no Peru”, defende a tese de que a Estética do Oprimi-
do teria como base a experiência vivida por Boal, em 1973, no Projeto 
ALFIN, no Peru, apoiando-se nas teorias da Pedagogia do Oprimido de 
Paulo Freire, que dizia “Nenhuma pedagogia realmente libertadora pode 
fi car distante dos oprimidos” (FREIRE, 1994. p. 40). 
 Segundo Turle, nesse projeto existia o Setor de Comunicação onde 
eram ministrados cursos que visavam a apropriação dos meios de produção 
das diferentes formas de comunicação popular como imprensa, fotogra-
fi a, bonecos, gravação e teatro popular (este último coordenado Augusto 
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Boal). Como o plano de alfabetização seguia os princípios da Pedagogia 
do Oprimido, todo o setor de comunicação também experimentava a 
transmissão e o domínio das técnicas de produção a partir da ótica e do 
conteúdo do ‘oprimido’ tendo como ponto de partida a sua realidade e a 
possibilidade de transforma-la. Licko Turle, comenta que:
Para Nestor Garcia Canclini, a sistematização do método de Boal, 
que segundo ele tem seus primórdios nas experiências com o Tea-
tro Invisível em 1971 na Argentina, vai se consolidar defi nitivamen-
te com a sua participação na Operação ALFIN, quando preparou 
alfabetizadores para utilizarem a linguagem teatral como recurso de 
alfabetização. (Turle, 2015)
Essas experiências de Boal alcançaram, em 1973, uma organização 
sistemática e uma reformulação radical das bases do trabalho dramá-
tico, graças a sua participação na Operação Alfabetizadora Integral, 
iniciada pelo governo peruano”. Essa Operação fundamentou-se em 
dois pressupostos: em primeiro lugar, levando-se em conta o enorme 
número de línguas e dialetos falados no Peru, alfabetizava-se na lín-
gua materna e em castelhano, sem forçar o abandono da primeira em 
benefício da segunda; além disso, procurava-se alfabetizar em todas 
as linguagens possíveis, especialmente as artísticas, como teatro, foto-
grafi a, marionetes, cinema e jornalismo. Se os homens se expressam e 
se comunicam em muitas linguagens, por que lhes dar apenas a opor-
tunidade de desenvolver a forma escrita? Se, nas classes populares, a 
linguagem corporal é tão importante para a comunicação, por que 
não empregar os recursos teatrais para expandir esse campo expressi-
vo? (CANCLINI, 1980, p. 167). 
Concordo com Turle, que esta teria sido a experiência no Peru, com 
atividades estéticas complementares ao teatro, um embrião para a criação 
da Estética do Oprimido.
A experiência pontual propiciada pela Operação ALFIN, com Estela 
Liñares e os outros artistas que tentavam aplicar a Pedagogia do Opri-
mido de Freire através de linguagens artísticas para a alfabetização 
de adultos, foi tão marcante para Boal que ele a retomaria em 2001, 
com a equipe do Centro de Teatro do Oprimido do Rio de Janeiro. 
(Turle, 2014).
Em comunicação pessoal, Zeca Ligiéro questiona este ponto de vista de 
uma tomada de consciência apenas decorrente de uma pratica didática e 
40
pedagógica exclusiva dentro do âmbito Boal/Freire, complementando com 
uma outra perspectiva de outras práticas artísticas e culturais que acontece-
ram no mundo e na América Latina: 
Entre 1973, data do projeto ALFIN e 2001, início da pesquisa prá-
tica com a Estética do Oprimido no CTO, são decorridos quase 30 
anos, e por que durante todos esses anos essa proposta pedagógica 
envolvendo as outras artes ao teatro fi cou adormecida na prática de 
Boal? O que o levou a incorporar algo parecido aos Workshops de 
artes da década de 60 conhecidos nas escolas de arte como técnicas 
de expressão corporal ou expressão artísticas e que por sua vez, aindaeram oferecidas como disciplinas complementares em escolas ofi ciais 
de licenciatura em teatro, e mesmo em grandes eventos como os ha-
ppenings em museus como o MAM, Parque Laje, do Rio etc. (Entre-
vista em sala de aula 15/09/2015).
Segundo Zeca Ligiéro no livro “Augusto Boal, Arte, Pedagogia e Polí-
tica”, Boal, dentro de um contínuo processo de ensino e aprendizado ao 
longo de três décadas, transforma a criação original intitulada “Teatro do 
Oprimido” aos poucos em “Estética do Oprimido” (2013: 15-17), a partir 
de apropriação de técnicas variadas de outros pensadores como as técnicas 
realistas russas, técnicas de dramaturgia da língua inglesa, técnicas do tea-
tro épico de Brecht e infl uência de Piscator, entre outros. Esses contatos, 
segundo Zeca Ligiéro, fazem parte de um rico processo de transformação 
de um artista em pedagogo, solidifi cando uma metodologia de investi-
gação do sensível, misturando várias linguagens artísticas nos campos da 
Imagem, da Palavra e do Som. 
Com certeza, como lembra Ligiéro, a ideia de uma experimentação de 
uma totalidade artística em aéreas diversifi cadas como possibilidade de en-
tender mais a fundo as opressões humanas, fi cou no pensamento de Boal, 
recebeu infl uência de vários outros pensadores e aguardou um momento 
e um ambiente fértil para ser desenvolvida. Boal viveu, entre 1971 e 1986, 
exilado, mudando de pais com a família para terras estrangeiras. Em 1986, 
Boal volta ao Brasil e até 2000, dedicou seu tempo a construção, a multi-
plicação e a consagração do TO no Brasil, uma vez que a repressão proibia 
a difusão de suas ideias no país, especialmente nas escola de teatro. E talvez 
por isso não tenha posto em prática de forma sistematizada suas ideias so-
bre as artes integradas, a multilinguagem. 
Teatro do O
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Este ambiente fértil surge no ano de 2001 (quando o CTO dinamizava 
e coordenava sete GTOs estáveis com atividades continuadas e executava 
vários projetos de multiplicação do método em diversos estados brasileiros), 
e permite a Boal por em prática o que na teoria já estava incorporado em seu 
pensamento passando do campo das ideias para o campo da prática.
No livro Teatro do Oprimido Raízes e Asas - Uma Teoria da Práxis de 
Bárbara Santos, a autora defende que:
Como em todos os ramos do Teatro do Oprimido, também o pro-
cesso de pesquisa, desenvolvimento e sistematização da Estética do 
Oprimido foi fruto de uma necessidade concreta imposta pela cir-
cunstância do trabalho objetivo (Santos, 2016, p.304)
As necessidades que surgiram com a constância das práticas com os 
grupos, foram determinantes no processo de sistematização da proposta. 
Respondendo as necessidades reais, observadas ao longo dos processos de 
investigação. 
Apesar do livro “A Estética do Oprimido” já ter sido publicado como 
uma versão embrionária denominada: Th e Aesthetics of Oppressed. Trad. 
Adrian Jackson. Londres/Nova York, Routledge, 2006, “A Estética do 
Oprimido”, versão fi nal, é um livro teórico publicado após a sua morte e, 
talvez por isto, tenha uma proposta de prática muito pequena desenvolvida 
entre as paginas 198 e 211, o que, ao contrário dos outros livros anteriores 
dedicados ao TO.
“A Estética do Oprimido” vai em busca da subjetividade do indivíduo 
em um processo de auto - descoberta, através da experimentação de lingua-
gens artísticas e, por ter essa característica mais subjetiva e aberta, abre uma 
imensa possibilidade de investigação. 
Foi essa abertura de possibilidades deixadas por Augusto Boal que se 
debruçam as experimentações nas áreas da imagem, palavra e som que 
acompanhei ao longo do meu trabalho junto ao CTO.
Boal amplia, na “Estética do Oprimido”, antigos conceitos afi rmando 
que qualquer pessoa pode, além do papel de ator na cena, ser artista e 
experimentar o pensamento sensível em várias áreas artísticas: pintura, es-
cultura, poesia, música, fotografi a, indo, portanto, além da atuação, como 
era planejado originalmente no seu Teatro do Oprimido: “Em algum mo-
mento escrevi que Ser humano é ser Teatro. Devo ampliar o conceito: 
42
Ser humano é ser artista! Arte e Estética são instrumentos da libertação” 
(BOAL: 2009, p.19). 
Boal retoma o conceito de estética enquanto pensamento sensível de-
senvolvido, pelo fi lósofo alemão Alexandre Baumgarten como uma forma 
de pensar o não-verbal - a estética é a Ciência do Conhecimento Sensível. 
Mas Boal discorda do fi lósofo alemão de que esse seja um conhecimen-
to inferior: “Esse não é um arquivo morto, mero registro de informações 
sensoriais, mas sim um dinâmico orquestrador das novas informações com 
as já recebidas e hierarquizadas, com as carências e desejos do sujeito”. 
(BOAL: 2009, p. 26).
Essa fundamentação prática e teórica se deu por meio de laboratórios 
experimentais, onde os integrantes do CTO lhe davam retorno em forma 
de relatórios refl exivos e leitura do material textual que Boal produzia para 
escrever seu livro, analisando as outras três etapas. Como podemos obser-
var na mensagem do e-mail abaixo:
 Curingas
Acabei de rever completamente a primeira parte da Estética do 
Oprimido. Gostaria que vocês a lessem antes que eu mande para o editor.
Mergulho agora na segunda parte. A terceira é o Projeto Prometeu. Eu 
tinha pedido a vocês e aos Multiplicadores Criativos do nosso 
último seminário que me mandassem informações sobre Ações Concre-
tas, fatos relevantes, recentes ou antigos, que tenham que ver com a nossa 
prática. 
Ninguém mandou nada. Reitero: peço a vocês que:
1.Mandem;
2.Peçam aos Multiplicadores que mandem - eu não sei como enviar para 
eles, qual a lista, etc., porque suponho que estão em listas 
diferentes.
Elucidem-me.
Obrigado, Augusto Boal (19/09/2008).
Nos laboratórios experimentais, conduzidos diretamente por Boal, parti-
cipavam todos os curingas e mais alguns multiplicadores convidados. Nesses 
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encontros eram testados jogos e exercícios que serviam para potencializar a 
capacidade de criação e refl exão estética dos participantes. Além de verifi car 
quais os jogos do arsenal já existentes no livro “Jogos para Atores e não Ato-
res” poderiam ser utilizados ou combinados com outros jogos para serem 
aplicados em ofi cinas com os GTOs, também eram testados novos jogos.
Depois dos laboratórios, cada curinga aplicava os jogos e exercícios 
em ofi cinas abertas e projetos pontuais, analisando seu funcionamento 
para um próximo encontro com Boal. Participei diretamente de todos os 
projetos do CTO com os GTOs, em várias regiões do país e do mundo, 
assessorando todos os curingas na parte estética e pude perceber formas 
diferentes de aplicação da proposta, planejamento das ofi cinas e investi-
gação do processo. O e-mail de Bárbara Santos, então coordenadora da 
instituição, à equipe de um dos projetos revela o quanto a sistematização 
da proposta se dava na prática, no dia a dia, com os grupos. 
A inclusão de atividades da Estética no Curso II de capacitação do projeto 
TO de Ponto  a Ponto tinha como objetivo oferecer uma vivência para os 
Multiplicadores, para que eles pudessem entender melhor o TO como um 
todo e ter uma experiência pessoal com a Estética. Por ser um curso 
de formação de Multiplicadores, temos a expectativa de criar condi-
ções para que haja a Multiplicação.
Aqui começam as questões, pelo menos as minhas. O processo de 
Multiplicação precisa de uma formação mais ou menos  estruturada, 
mas como oferecer algo estruturado durante o processo de  estrutura-
ção? Estamos em pleno processo de experimentação já fazendo curso 
de Multiplicação.
Talvez tenhamos colocado muitas atividades da Estética dentro desse 
programa do Curso II, o que difi culta a atenção específi ca às questões 
relativas ao processo de produção do espetáculo de Teatro-Fórum, questão 
fundamental para os e as Multiplicadoras a esta altura do 
desenvolvimento do projeto (...)

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