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Aluno: GABRIEL BRUCK MACHADO Escolha, entre os trechos abaixo, um de cada autor (Claude Lévi-Strauss e Pierre Clastres) e elabore uma reflexão a respeito dos dois a partir das discussões que tivemos durante o curso. - Trecho 1: De um modo mais ou menos confuso, é isso mesmo o que dizem as crônicas dos viajantes ou os trabalhos dos pesquisadores: não se pode imaginar a sociedade sem o Estado, o Estado é o destino de toda sociedade. Descobre-se nessa abordagem uma fixação etnocentrista tanto mais sólida quanto é ela, o mais das vezes, inconsciente. A referência imediata, espontânea, é, se não aquilo que melhor se conhece, pelo menos o mais familiar. Cada um de nós traz efetivamente em si, interiorizada como a fé do crente, essa certeza de que a sociedade existe para o Estado. Como conceber então a própria existência das sociedades primitivas, a não ser como espécies à margem da história universal, sobrevivências anacrônicas de uma fase distante e, em todos os lugares há muito ultrapassada? (...) O que hoje se sabe das sociedades primitivas não permite mais procurar no nível econômico a origem do político. Não é nesse solo que se enraíza a árvore genealógica do Estado. Nada existe, no funcionamento econômico de uma sociedade primitiva, de uma sociedade sem Estado, que permita a introdução da diferença entre mais ricos e mais pobres, pois aí ninguém tem o estranho desejo de fazer, possuir, parecer mais que seu vizinho. A capacidade, igual entre todos, de satisfazer as necessidades materiais, e a troca de bens e serviços, que impede constantemente o acúmulo privado dos bens, tornam simplesmente impossível a eclosão de um tal desejo, desejo de posse que é de fato desejo de poder. A sociedade primitiva, primeira sociedade de abundância, não deixa nenhum espaço para o desejo de superabundância.” (Pierre Clastres, A sociedade contra o Estado) Comentário: Os primeiros relatos e histórias sobre as sociedades indígenas vieram de missionários, viajantes, ou seja, de pessoas que no seu discurso não se preocupavam com uma abordagem que incluísse outras visões além de sua própria. Fica evidente o conteúdo etnocêntrico, distorções feitas a partir de uma concepção de mundo do imaginário europeu. A partir desse pensamento, a sociedade ocidental é vista como expoente máximo do progresso e as demais são atrasadas, primitivas, selvagens. Esse discurso ganhou espaço no debate acadêmico através do evolucionismo social, atribuindo uma escada civilizatória que culminaria obrigatoriamente no padrão europeu. A consequência disso se projeta no etnocídio e genocídio que diversos povos passaram durante os grandes períodos de colonização, problema esse que perdura até o presente. Dentro desse contexto que Pierre Clastres elabora sua antropologia política, seus textos contém críticas muito duras aos evolucionistas e também uma nova proposta de como fazer a antropologia. O seu livro “A sociedade contra o Estado” já tem no próprio título uma ruptura, ao invés de caracterizar as sociedades pela falta de Estado as põem como contra ele. Esse movimento é importante porque dá autonomia, uma característica própria desses povos. A ideia de poder como concebemos, a presença de um líder e de uma centralização das decisões são características da sociedade ocidental, os povos que Pierre Clastres observou adotam uma postura de rejeição a esse modelo e buscam uma unidade social. Por isso que o autor propõe a origem do Estado, de um poder central, como criador de uma divisão social e econômica entre os habitantes. Aqui há uma inversão da concepção marxista, na qual as relações econômicas (infraestrutura) determinam a superestrutura. Outro viés etnocêntrico, denunciado por Clastres, é a ideia de que os indígenas viviam somente para se alimentar e que eram preguiçosos. Essa visão contribuiu para um imaginário de pobreza e miséria e de incapacidade desses povos. Muito pelo contrário, o tempo de trabalho médio por pessoa é muito menor do que a sociedade ocidental e há abundância de recursos. Isso inclui recursos para festividades, reservas para escassez e outros cuidados. Não há necessidade de produzir além disso porque não há utilidade por isso rejeitam a super abundância e ao mesmo tempo são sociedades de abundância. - Trecho 2: O problema fundamental do Marxismo é saber porque e como o trabalho produz uma mais-valia. Ainda não foi suficientemente notado que a resposta de Marx a este problema tem um caráter etnográfico. A humanidade primitiva era bastante reduzida para se estabelecer apenas nas regiões do mundo onde as condições naturais assegurassem um balanço positivo ao seu trabalho. Por outro lado, é uma propriedade intrínseca da cultura - no sentido que os etnólogos dão a este termo - estabelecer uma relação tal entre mais-valia e trabalho que a primeira se acrescente sempre ao segundo. Por estas duas razões, uma de ordem lógica, outra de ordem histórica, podemos postular que, de saída, todo trabalho produz necessariamente mais-valia. A exploração do homem pelo homem vem mais tarde, e aparece concretamente na história, sob a forma de uma exploração do colonizado pelo colonizador, ou seja, pela apropriação, em benefício do último, do excedente de mais-valia, de que, já vimos o primitivo dispõe por direito. (…) Resulta disto, primeiramente, que a colonização é histórica e logicamente anterior ao capitalismo, e, em seguida, que o regime capitalista consiste em tratar os povos do Ocidente como o Ocidente o fizera precedentemente com as populações indígenas. Para Marx, a relação entre o capitalismo e o proletário é, portanto, apenas um caso particular da relação entre colonizador e colonizado. (Lévi-Strauss. “As descontinuidades culturais e o desenvolvimento econômico”. Antropologia Estrutural II). Comentário: Segundo Karl Marx o capitalismo para manter-se em funcionamento precisa gerar mais valor, ou seja, é preciso sempre adicionar mais riqueza ao ciclo de produção. O começo desse processo exige um recurso inicial, por isso é preciso que aconteça a concentração dos meios de produção nas mãos de um grupo. Portanto, grande parte das pessoas perdem sua autonomia e tornam-se dependentes do trabalho assalariado. É nesse ponto que a teoria converge com a realidade histórica, uma vez que foi através de uma exploração de outros povos que o capitalismo conseguiu as condições necessárias para se estabelecer como sistema. O saque de riquezas, como ouro, a escravidão e o etnocídio todas essas estruturas serviram de base para acumulação primitiva de capital. Nessa perspectiva, a frase “A violência é a parteira da história” dita por Karl Marx se encaixa. As populações indígenas perderam sua terra, liberdade e também o direito de manter suas crenças com objetivo de se enquadrarem em um sistema de produção. A relação de exploração burguês e proletariado é mais uma dentro de uma relação colonizador e colonizado. Dessa maneira, os países europeus conseguiram recursos, mão de obra, mercado consumidor para darem início ao ciclo de produção que possibilitou a revolução industrial. Através do texto “As descontinuidades culturais e o desenvolvimento econômico” de Lévi Strauss nota-se a inversão de perspectiva feita por Karl Marx, o processo de industrialização só foi possível dentro de uma realidade histórica de exploração. Há um rompimento da teoria marxista com a visão dos economistas clássicos, esses acreditam que o acúmulo inicial de capital teria tido sua origem em uma poupança advinda do trabalho. Dessa forma, Marx introduz a historicidade com componentes da etnografia na ciência econômica. Segundo Lévi Strauss “Deste ponto de vista, quase se poderia sustentar que, no pensamento marxista, a ciência econômica e a sociologia nascem como dependentes da Etnografia”. Os países ditos subdesenvolvidos não são por sua própria causa, mas sim por um processo de pilhagem, destruição, escravidão, imposição que remonta a história.
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