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Resenha Oliver Sacks - Capítulo Mãos Fisioterapia Neurofuncional do Adulto - Ivy de Oliveira Ventura O capítulo intitulado como “Mãos” pelo autor Oliver Sacks traz o relato sobre o caso de uma senhora de 60 anos, Madeleine J, que após ser cuidada pela sua família em grande parte da sua vida foi internada em um hospital em Nova York. Em relação a sua condição de saúde, Madeleine tinha cegueira congênita e paralisia cerebral (PC) que pode ser definida como um grupo de desordens que podem ocasionar alterações no desenvolvimento do movimento e da postura, comprometendo a realização de atividades, resultando em limitações que são atribuídas a distúrbios não progressivos que ocorrem no sistema nervoso central em desenvolvimento. Também já se sabe, que estas desordens motoras da PC são geralmente acompanhadas por alterações na sensação, percepção, cognição, comunicação, comportamento, epilepsia e problemas musculoesqueléticos secundários. No caso da Madeleine, a hipertonia e a atetose se destacavam e ela não apresentava nenhum comprometimento em relação a cognição e comunicação, demonstrando-se inteligente, culta, decidida e de fala bem livre. Como já mencionado, na PC é comum algumas alterações como a de sensação e isso não foi verificado no caso da Madeleine, portanto, suas mãos poderiam ser utilizadas, entretanto o que Oliver Sacks avaliou foi que apesar do aspecto sensorial estar intacto, havia ali um dano a percepção. Ela era incapaz de identificar ou reconhecer qualquer coisa, tornando suas mãos “inúteis”. Essa desabituação em usar as mãos mesmo estando a capacidade sensorial intacta surpreendeu Oliver Sacks que pensou na probabilidade dessa situação ter sido causada pela não exploração das mãos devido a uma super proteção e vigilância da família e o questionamento levantado pelo autor é se seria possível desenvolver tal habilidade em Madeleine aos 60 anos. Ao longo de todo o capítulo muitas observações e questões são levantadas sobre o caso pelo autor, possibilitando que o leitor faça reflexões durante a leitura e compreenda melhor o que se passa no caso. Uma delas é se já havia sido descrito até aquele momento algum caso semelhante e um possível paralelo ao caso foi levantado em relação a uma alienação das mãos em soldados após dano grave, descrevendo as mãos como “estranhas” e “inúteis”, relatado por Leont’ev e Zaporozhets. Os soldados tiveram seus “sistemas gnósticos” desconectados devido a lesão e precisavam lembrar em como usar as mãos para "conectar" novamente esse sistema. Já no caso de Madeleine, ela não tinha como lembrar já que nunca usou as mãos e portanto, ela deveria aprender e adquirir essa utilização para criar a “conexão” com suas mãos. Madeleine possuía as sensações nas mãos perfeitamente mas como foi observado ela não era capaz de integrar essas sensações com o mundo em que vivia e para tentar criar essa conexão era fundamental fazer com que as mãos fossem usadas de maneira ativa, como muito bem mencionado no livro a citação de Roy Campbell “A integração está na ação”. Um fator importante para que essa integração fosse possível seria um “impulso”,um primeiro passo, algo que despertasse a necessidade em se criar essa via de integração. Não era falar para Madeleine o que deveria ser feito ou explicar como deveria ser feito e sim fazer com que ela tivesse esse impulso em realizar algo. Isso ocorreu quando propositalmente o acesso a comida foi sendo dificultado pelas enfermeiras e em determinado momento em vez de esperar passivamente como fez durante grande parte da sua vida, Madeleine estendeu o braço e usou as mãos para buscar algo para se alimentar, encontrou um pão e o levou a boca. Sem dúvidas esse momento foi marcante e demonstra como a necessidade e a ação são importantes para o desenvolvimento. A partir disso, Madeleine começou a utilizar as mãos para explorar tudo ao seu redor e o fato de ser muito inteligente e ter sido intelectualmente bem estimulada auxiliou para que com sua curiosidade em explorar e definir diferentes objetos ela pudesse reconhecê-los. Os objetos começaram a ser reconhecidos pelo o que eram e as pessoas por sua fisionomia e o uso das mãos despertou nela a vontade em reproduzir tudo que agora ela conseguia “enxergar”. Com o uso da argila, Madeleine começou a produzir diferentes tipos de esculturas, começando por objetos e depois até mesmo pessoas. Ela era expressiva, talentosa, criativa, única. Ela ficou localmente conhecida em menos de um ano com uma de suas esculturas e aos 60 anos se descobriu através das suas mãos antes “inúteis”. Ao final deste capítulo, Oliver Sacks comenta sobre Simon K. que é um paciente que ele tem contato um pouco depois de Madeleine. Simon também tinha paralisia cerebral, grave deficiência visual e praticamente não utilizava ou explorava as mãos mesmo apresentando força e sensibilidade em ambas. Além disso, diferente de Madeleine, ele apresentava deficiência intelectual, entretanto isso não interferiu para que ele adquirisse as habilidades em utilizar as mãos e desenvolveu até mesmo habilidades para a carpintaria, demonstrando como o uso é essencial para o desenvolvimento visto que apesar das diferenças a conquista das mãos foi possível para os dois indivíduos. Para exemplificar esse princípio do uso, Oliver Sacks trouxe informações esclarecedoras sobre o que acontece com pacientes com neuropatia grave devido à diabetes, sendo conhecido como neuropatia “de luvas e meias”. Resumidamente, essa neuropatia grave promove uma insensibilidade, ou seja, não há sensação naquele membro, é como se nada tivesse ali. E essa sensação de “nada” e de “membro” aparece e desaparece devido a uma “desrealização” e para evitar que isso ocorra é preciso utilizar o membro para promover a “re-realização”, portanto novamente o uso é demonstrado como fundamental. Por fim, com a leitura do capítulo é possível fazer reflexões de grande importância relacionadas ao sistema nervoso, ao desenvolvimento e em como o uso é fundamental. Este capítulo de Oliver Sacks de 1997 relata casos que demonstram em como o uso, a reprodução de tarefas, o movimento, ou seja, a atividade é fundamental para o desenvolvimento e para a funcionalidade dos indivíduos e em como isso tem impacto em suas vidas e na qualidade delas, informações que hoje sabemos como são relevantes e que aplicamos na prática clínica com uma maior facilidade. Referências Organização Mundial da Saúde: Como usar a CIF: Um manual prático para o uso da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF). Versão preliminar para discussão. Outubro de 2013. Genebra: OMS. ROSENBAUM, P.; PANETH, N.; LEVITON, A.; GOLDSTEIN, M.; BAX, M.; A report : the definition and classification of cerebral palsy. Developmental Medicine & Child Neurology, [S.l.], v. 49, p. 9-14, abril. 2007. SACKS, Oliver. O homem que confundiu sua mulher com um chapéu. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
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