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Construindo Imagens, Reconstruindo a Memória, Dissecando o Trauma: Analisando o uso de elementos não-ortodoxos em Extremely Loud And Incredibly Close1 Luciana Vasconcelos da Costa2 Extremely Loud and Incredibly Close (2005), a postmodernist novel written by Jonathan Safran Foer, makes use of unorthodox elements to complete the narrative. The book presents several photographs in black and white, colors, blank pages, pages marked up with red pen, overlapping words, pages with only one word or sentence, among other elements. These elements make the reader get closer to the first-person narrators existent in the narrative, as if they were in contact with these narrators, seeing through the narrator's eyes. This closeness brings the idea of interaction between reader and narrator. This study aims to analyze and make considerations about the use of unorthodox elements in relation to the process of reaffirmation and destruction of memory, and the issue of individual and collective trauma overcoming which was caused by the attacks of 9/11. Keywords: 9/11; Extremely Loud And Incredibly Close; Images; Memory; Trauma 1 Introducão Não existem muitos romances, na tradição do pós-modernismo, que contam com elementos além da escrita. Desenhos e fotografias, por exemplo, são mais comumente vistos como pertencentes ao campo da ficção infantil do que da adulta; no entanto, os romances adultos que usam esses elementos, não os usam como meros artifícios, mas como uma forma de expandir o significado da palavra escrita. Extremely Loud and Incredibly Close (2005)1, um romance pós-moderno escrito por Jonathan Safran Foer, usa elementos não-ortodoxos para completar sua narrativa. Entre eles, os leitores podem encontrar fotografias em preto-e- branco, bem como cores, páginas em branco, páginas marcadas com caneta vermelha, sobreposição de palavras, páginas com apenas uma palavra ou frase, etc. Esses elementos podem ser encontrados no decorrer das narrativas de Oskar Schell e de seus avós. 2 Análise do uso de elementos não-ortodoxos na obra A relação dos leitores com um narrador em primeira pessoa já é, por definição, próxima, pois, todos os fatos são apresentados através do ponto de vista do narrador e todas as suposições que os leitores fazem são filtradas através do prisma da narrativa que ele/ela quer que o leitor veja. Os elementos imagéticos não-ortodoxos têm o poder de fazer com que a 1 Trabalho apresentado no IV Colóquio Internacional Sul de Literatura Comparada da UFRGS que aconteceu no período de 06 a 08/10/2010. relação narrador e leitor seja ainda mais próxima: O narrador é capaz de apresentar aos leitores as imagens exatas o que ele está vendo, fazendo dos leitores seus cúmplices. Isso pode ser visto, por exemplo, quando Oskar, um menino de nove anos e um dos narradores do romance cujo pai morreu nos ataques do 11 de setembro, vê algo relevante para ele ou até mesmo quando cita seu caderno de anotações Stuff that happened to me. Quando isso acontece, o leitor é apresentado a imagens de forma que se tem um entendimento maior da narrativa de Oskar, muito além da compreensão somente através do texto escrito, porém, com isso têm uma limitação nas possibilidades do que irá pensar na medida em que esses elementos o direciona cada vez mais para a perspectiva dos narradores. De acordo com César Guimarães, “a imagem narrativa, constituída de signos lingüísticos, ao aproximar-se das imagens visuais, sofre uma espécie de ‘alteração’ em sua natureza estritamente lingüística” 2. Assim, quando o leitor não tem elementos suficientes, ele cria sua própria imagem através e por causa da memória; mas quando essas são fornecidas, uma memória coletiva - criada e então apresentada pelo narrador, é aceita e consumida pelo leitor - é formada. O que o leitor tem nas imagens são complementos para a narrativa de Oskar, as imagens são usadas como uma reafirmação ou desconstrução da imagem criada pelo leitor, como exemplo disso, temos nas figuras 1 e 2 imagens retiradas do livro de anotações do narrador, onde na primeira o leitor é apresentado a uma imagem de Stephen Hawking e na segunda a uma imagem de Hamlet. 2 Licenciada em Letras – Língua Inglesa e Literaturas de Língua Inglesa pela Universidade Federal de Pelotas. FIGURA 1 - Stephen Hawking Fonte: FOER, 2006, 54. FIGURA 2 – Hamlet Fonte: FOER, 2006, 55. As imagens, um dos principais elementos usado por Oskar, são apresentadas ao leitor com um significado dado pelo narrador, mesmo as que o leitor desconhece, são compreendidas com ajuda do texto ou com ajuda externa, e isso faz com que a imaginação do leitor seja limitada com a apresentação do que o narrador vê e/ou quer que seja visto por aquele que está lendo o romance. Mitchum Huehls3 vê algumas das imagens dentro da narrativa de Oskar e a imagem do falling man - uma das imagens mais marcante dos ataques em 11/9 - como algo temporal, algo que tenta representar a realidade, e mesmo sem uma cronologia essas imagens constroem uma existência real para os leitores. Na sua narrativa, Oskar mostra ao leitor o que ele vê e essas imagens dão um significado a elementos que uma vez estiveram em constante movimento. Mitchum Huehls diz que Afinal, as imagens, especialmente as fotografias incluídas no texto de Foer, representam porções de tempo estáveis e independentes. Funcionando por analogia e comparação, eles tendem a reduzir, criar uma existência real e impor significado em uma realidade em constante movimento melhor capturada através de uma forma diacrônica do cinema.4 Essa imagem do falling man é encontrada na narrativa de Oskar5, como pode-se ver na figura 3, e então no final do livro, quando o leitor pode folhear rapidamente as páginas para ver o falling man voltando para o topo do World Trade Center. Nesse final, Oskar decidiu levar sua vida adiante, mesmo que ainda fazendo suposições para aliviar seu trauma e, através dessas imagens, as decisões e dúvidas de Oskar podem ser vistas. De acordo com Mitchum Huehls "sua forma temporal – o cinematográfico flip-book, desempenho do movimento em tempo real – se prova crucial ao processo de cura de Oskar"6. Este elemento pós-moderno interage com o leitor, dando a possibilidade de ver e sentir o que o narrador vê e sente. FIGURA 3 – Falling Man Fonte: FOER, 2006, 59. Outro elemento presente e relevante na narrativa de Oskar Schell é o uso das cores em algumas das páginas do romance, como se pode ver nas figuras 4 e 5, onde o leitor é apresentado a representação de papéis utilizados para teste de canetas. Nessas, o leitor pode ver um exemplo da intrínseca e arbitrária conexão entre significado e significante7. Nessas páginas uma harmonia entre imagem e seu significado é encontrada, servindo como reforço para o esperado, o previsível. Quando o leitor é apresentado às primeiras imagens coloridas, ele vê algo que o faz pensar em como os humanos são previsíveis, mesmo que esse elemento previsível seja algo que os humanos façam inconscientemente, e essas imagens estão ali, pois são necessárias para ajudar o leitor a reforçar essa percepção. FIGURA 4 – Reprodução de uma folha com testes de canetas. Fonte: FOER, 2006, 45. FIGURA 5 – Reprodução de uma folha com testes de canetas. Fonte: FOER, 2006, 48. No entanto, nem todos os usos da cor nesse romance constroem essa idéia. Quando, na narrativa, o narrador apresenta a palavra purple – que significa roxo em inglês - escrita em verde, como podemos ver na figura 6, há uma quebra do previsível e dessa quebra é possível fazer uma análise através da semântica e da sintática, pois se o leitor ligar essaimagem àquelas apresentadas nas figuras 4 e 5, poderá ver uma cor que não significa o que está escrito, isso simplesmente perde o significado quando é escrito com uma outra cor, portanto o leitor vê isso como um desafio àquilo que as pessoas geralmente fazem e/ou como as coisas deveriam ser. Se essas imagens não fossem coloridas, seu propósito e significado não seriam entendidos da maneira apropriada. FIGURA 6 – Reprodução da palavra Purple escrita com caneta verde. Fonte: FOER, 2006, 63. Na narrativa de Thomas Schell, avô de Oskar e um dos narradores do romance, as cores também são encontradas, porém em uma posição diferente. Ao longo da narrativa, o leitor é apresentado a uma carta marcada com caneta vermelha, como podemos ver na figura 7, tendo a impressão de que está lendo algo que já foi lido, corrigido e, também, editado por alguém. O pai de Oskar costumava fazer essas marcas no New York Times, então o leitor tem uma pista de que Thomas Jr. pode ter lido pelo menos uma das cartas de seu pai, algo que é confirmado ao longo do romance. Através da teoria semiótica8, o leitor pode ver essas marcas em caneta vermelha como um índice – sinal que é indicador de um fato ou condição – por que elas são marcas deixadas no texto para mostrar algo ao leitor, e isso seria como já foi dito, uma pista para o mesmo. FIGURA 7 – Reprodução de uma carta de Thomas Schell com marcas de caneta vermelha. Fonte: FOER, 2006, 208-209. Por outro lado, a maioria das imagens estão em preto e branco, dando a idéia de que após os ataques de 11 de setembro não há espaço para cores e de que não há felicidade, trazendo um senso de trauma abrangente e de que o mundo está em preto e branco. Além disso, o leitor pode encontrar uma imagem metafórica de Nova Iorque depois dos ataques de 11 de setembro9, apresentada na figura 8, reforçando essa idéia de que o mundo não é mais o mesmo e mostrando ao leitor como o narrador, Oskar, vê a cidade depois daquilo. Tudo que Oskar relaciona com ele não pode ser relacionado com a ideia de felicidade por causa de seu trauma. FIGURA 8 – Imagem metafórica da cidade de Nova Iorque com um espaço em branco. Fonte: FOER, 2006, 60-61. Nova Iorque é uma cidade construída através do conhecimento comum e isso faz com que a construção de imagem do leitor - através da memória – seja mais fácil, a qual, novamente, dá aos leitores uma afirmação ou desconstrução da imagem criada por ele, além de construir uma nova perspectiva da cidade de Nova Iorque quando o leitor é apresentado a essas imagens através dos olhos do leitor, como pode-se ver nas figuras 9, 10 e 11. FIGURA 9 - Nova Iorque com luzes representando as Torres Gêmeas. Fonte: FOER, 2006, 253. FIGURA 10 – Ponte do Brooklyn. Fonte: FOER, 2006, 89. FIGURA 11 – Observatório do Empire State Building. Fonte: FOER, 2006, 246. 3 Considerações finais Assim sendo, os elementos não-ortodoxos que podem ser encontrados ao longo das narrativas de Extremely Loud and Incredibly Close são artifícios que têm por objetivo alcançar um certo grau de intimidade com o leitor. Assim, quando o leitor é levado para dentro dos significados desses elementos, isso faz com que a sua imaginação se acostume com os limites apresentados pelo narrador no decorrer dos acontecimentos, sua imaginação se torna secundária e as imagens apresentadas servem como guias para a memória do leitor, para Guimarães “para a memória, justo uma imagem”10. Isso acontece principalmente por meio das imagens, por exemplo, onde o narrador trabalha com imagens em preto e branco, nas quais é criado ao leitor um sentimento que expressa a visão do narrador sobre os fatos e eventos. Quando o narrador usa apenas textos para apresentar seu ponto de vista, o leitor tem liberdade para imaginar o que quiser. A utilização desses elementos não-ortodoxos pode ser um meio simples e eficaz quando objetivo do narrador é passar seus pensamentos e seu ponto de vista sobre as coisas, e essa forma de transmissão certamente pode ser eficaz para a compreensão da narrativa, mas também, pode tornar mais difícil ver as coisas. O mérito está em fazer o leitor analisar e compreender uma imagem ou o texto inteiro, através de uma imagem da ótica do narrador e isso, na maioria das vezes, é conseguido com sucesso. Notas 1 FOER, Jonathan Safran. Extremely Loud & Incredibly Close. England: Penguin Books, 2006. 2 GUIMARÃES, C. Imagens da Memória. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1997, p. 64. 3 HUEHLS, Mitchum. Foer, Spiegelman, and 9/11’s Timely Traumas. In: Keniston, Ann; Quinn, Jeanne Follansbee. Literature after 9/11. New York: Routledge, 2008. 4 HUEHLS, 2008. p. 45. Tradução livre de “After all, images, particularly the still photographs included in Foer's text, represent stable and self-contained slivers of time. Functioning by analogy and simile, they tend to reduce, hypostatize, and impose meaning on a constantly moving reality better captured through cinema's diachronic form”. 5 FOER, 2006, p. 59. 6 HUEHLS, 2008, p. 43. Tradução livre de "its temporal form - the flip-book's cinematic, real-time performance of motion - proves crucial to Oskar's healing process" 7 GREIMAS, A. J. COURTÉS, J. Dicionário de Semiótica. São Paulo: Contexto, 2008. 8 BARTHES, R. Elementos de semiologia. São Paulo: Cultrix, 1977. 9 FOER, 2006, p. 60-61. 10 Guimarães, 1997, p. 70.
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