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Desagravo a Calvino Silvio Dutra DEZ/2015 2 Honra a Quem é Devida 3 Introdução O material contido neste livro é o fruto de traduções que fizemos de textos de autoria de João Calvino, do original inglês, em domínio público. Tantas são as divisões de nosso texto que não emitimos um sumário para as mesmas, uma vez que este ocuparia um grande número de páginas. Por uma leitura deste livro, ainda que breve, pode-se entender melhor por que Deus usou Calvino como um dos principais dos seus instrumentos para promover a Reforma no século XVI, pela qual o Protestantismo foi estabelecido em todo o mundo. Se Calvino foi achado digno de promover uma Reforma de tal envergadura em seus dias, porque ele não deveria ser também ouvido e acatado por nós em nossos presentes dias, especialmente quando a própria Igreja Protestante apresenta sinais de falta de vigor e de apostasia? Afinal, a Reforma nada mais é do que trazer a verdade de Deus novamente à tona, e moldar a Igreja segundo a mesma santidade que ela possuiu pela prática da Palavra nos dias apostólicos; e Calvino contribuiu para isto de forma extraordinária com a sua muita sabedoria e conhecimento de Deus e da Sua Palavra. 4 Orações Por Toda a Humanidade - Comentário de 1 Timóteo 2.1 “Antes de tudo, pois, exorto que se use a prática de súplicas, orações, intercessões, ações de graças, em favor de todos os homens,” “Portanto, exorto, antes de tudo”. Os exercícios religiosos que o apóstolo aqui ordena mantêm e fortalecem em nós o culto sincero e o temor de Deus, bem como nutrem a consciência íntegra de que falamos anteriormente. O termo, portanto, é então perfeitamente apropriado, visto que essas exortações se deduzem naturalmente do encargo que ele pusera sobre Timóteo. Primeiramente, ele trata da oração pública e de sua regulamentação, a saber: que ela deve ser feita não só em favor dos crentes, mas em favor de todo o gênero humano. É possível que alguém argumente: “Por que devemos preocupar-nos com o bem-estar dos incrédulos, já que não mantêm nenhuma relação conosco? Não é suficiente que nós, que somos irmãos, oremos uns pelos outros e encomendemos a Deus toda a Igreja? Os estranhos não significam nada para nós”. Paulo se põe contra essa perversa perspectiva, e diz aos efésios que incluíssem em suas orações todos os homens, e não as restringissem somente ao corpo da Igreja. Admito que não entendo plenamente a diferença entre os três ou quatro tipos de oração de que Paulo faz 5 menção. É pueril a opinião expressa por Agostinho, a qual torce as palavras de Paulo para adequarem-se ao uso cerimonial de sua própria época. O ponto de vista mais simples é preferível, a saber: que súplicas são solicitações para sermos libertados do mal; orações são solicitações por algo que nos seja proveitoso; e intercessões são nossos lamentos postos diante de Deus em razão das injúrias que temos suportado. Eu mesmo, contudo, não entro em distinções sutis desse gênero; ao contrário, deduzo um tipo diferente de distinção. Proseucai [Proseuche] é o termo grego geral para todo e qualquer tipo de oração; e deh>seiv [deeseis] denota essas formas de oração nas quais se faz alguma solicitação específica. Portanto, essas duas palavras se relacionam como o gênero e a espécie. v´Enteu>xeiv [Enteuxeois] é o termo usual de Paulo para as orações que oferecemos em favor uns dos outros, e o termo usado em latim é intercessiones, intercessões. Platão, contudo, em seu segundo diálogo intitulado, Albibíades, usa a palavra de forma diferenciada para denotar uma petição definida, expressa por uma pessoa em seu próprio favor. Em cada inscrição do livro, bem como em muitas passagens, ele mostra claramente que proseuch [proseuche] é, como eu já disse, um termo geral. Todavia, para não nos determos desproporcionalmente por mais tempo numa questão que não é de grande relevância, Paulo, em minha opinião, está simplesmente dizendo que sempre que as orações públicas foram oferecidas, as petições e súplicas devem ser formuladas em favor de todos os homens, mesmo daqueles que 6 presentemente não mantêm nenhum relacionamento conosco. O amontoado de termos não é supérfluo; pois ao meu ver Paulo, intencionalmente, junta esses três termos com o mesmo propósito, ou seja, com o fim de recomendar, com o maior empenho possível, e pedir com a máxima veemência, que se façam orações intensas e constantes. Sobre o significado de ações de graças não há nada de obscuro, pois ele não só nos incita a orar a Deus pela salvação dos incrédulos, mas também a render graças por sua prosperidade e bem-estar. A portentosa benevolência que Deus nos demonstra dia a dia, ao fazer “seu sol nascer sobre bons e maus”, é digna de todo o nosso louvor; e o amor devido ao nosso próximo deve estender-se aos que dele são indignos. O Louvor Devido à Fé e ao Amor - Comentário de Colossenses 1.1-3 “1 Paulo, apóstolo de Cristo Jesus, por vontade de Deus, e o irmão Timóteo, 2 aos santos e fiéis irmãos em Cristo que se encontram em Colossos, graça e paz a vós outros, da parte de Deus, nosso Pai. 3 Damos sempre graças a Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, quando oramos por vós,” 7 “Paulo, apóstolo”. Já expliquei, em repetidas ocasiões, o propósito de tais dedicatórias. Como, contudo, os colossenses nunca tinham lhe visto, e por essa causa sua autoridade não estava ainda tão firmemente estabelecida entre eles a ponto de fazer seu nome por si mesmo suficiente, ele afirma que é um apóstolo de Cristo separado pela vontade de Deus. Disso seguia-se que ele não agia imprudentemente ao escrever a pessoas que não o conheciam, considerando que estava desempenhando a função de embaixador que Deus tinha lhe confiado. Pois ele não estava ligado a uma Igreja meramente, mas seu apostolado se estendia a todas. O termo santos que aplica a eles é muito honroso, mas ao chamá-los de irmãos fiéis, ele os encoraja ainda mais a ouvi-lo desejosamente. Quanto às outras coisas, explicações podem ser encontradas nas Epístolas precedentes. 3. “Damos graças a Deus”. Ele louva a fé e o amor dos colossenses, para que isso possa encorajá-los à maior diligência e constância da perseverança. E mais, ao demonstrar que tem uma persuasão desse tipo com respeito a eles, ele procura a consideração amigável deles, para que possam ser mais favoravelmente inclinados e ensináveis para receber a sua doutrina. Devemos sempre observar que ele faz uso de ação de graças no lugar de congratulação, pelo que nos ensina, que em todas as nossas alegrias devemos prontamente chamar à lembrança a bondade de Deus, visto que tudo o que é agradável e prazeroso para nós, é uma benignidade conferida por ele. Além disso, ele nos 8 admoesta, por seu exemplo, a reconhecer com gratidão não meramente aquelas coisas que o Senhor nos confere, mas também as que ele confere aos outros. Mas por quais coisas ele dá graças ao Senhor? Pela fé e amor dos colossenses. Ele reconhece, portanto, que ambas são conferidas por Deus: de outra forma a gratidão seria fingida. E o que temos que não seja por meio de sua liberalidade? Se, contudo, mesmo os menores favores chegam até nós dessa fonte, quanto mais esse mesmo reconhecimento deve ser feito com referência a esses dois dons, nos quais consiste a soma inteira da nossa excelência? “Ao Deus e Pai”. Entenda a expressão assim – A Deus, que é o Pai de Cristo. Pois não é lícito para nós reconhecer qualquer outro Deus, que não aquele que se manifestou a nós em seu Filho. E essa é a única chave para abrir a porta para nós, se estivermos desejosos de ter acesso ao Deus verdadeiro. Por esse motivo, também, ele é um Pai para nós, pois nos aceitou em seu Filho unigênito, e nele também apresenta seu favor paternal para a nossa contemplação. “Sempre por vós”. Alguns explicam isso assim – Nós damosgraças a Deus sempre por vós, isto é, continuamente. Outros explicam que significa – Orando sempre por vós. A frase pode ser interpretada dessa forma também: “Sempre que oramos por vós, ao mesmo tempo damos graças a Deus”; e esse é o significado simples: “Damos graças a Deus, e ao mesmo tempo oramos”. Com isso ele indica que a condição dos crentes 9 nunca é perfeita neste mundo, de forma a não ter, invariavelmente, algo em falta. Pois mesmo o homem que começou admiravelmente bem, pode ficar aquém em centenas de ocasiões todo o dia; e devemos estar sempre fazendo progresso, enquanto ainda estamos no caminho. Tenhamos, portanto, em mente que devemos nos regozijar nos favores que já recebemos, e dar graças a Deus por eles de tal maneira, que ao mesmo tempo buscamos dele perseverança e progresso. Distinguidos pela Fé e pelo Amor - Comentário de Colossenses 1.4 “desde que ouvimos da vossa fé em Cristo Jesus e do amor que tendes para com todos os santos;” (Colossenses 1.4) “Tendo ouvido da vossa fé”. Esse era um meio de provocar seu amor para com eles, e sua preocupação pelo bem-estar deles, quando ouviu que eram distintos pela fé e amor. E, inquestionavelmente, os dons de Deus que são tão excelentes deveriam ter tal efeito sobre nós, a ponto de instigar-nos a amá-los onde quer que apareçam. Ele usa a expressão fé em Cristo, para que possamos sempre ter em mente que Cristo é o objeto apropriado da fé. Ele emprega a expressão amor para com os santos, não com a visão de excluir os outros, mas porque, na proporção em que alguém está unido conosco em Deus, devemos aceitá-lo ainda mais proximamente 10 com especial afeição. O amor verdadeiro, portanto, se estenderá à humanidade universalmente, porque todos eles são nossa carne, e criados à imagem de Deus (Gênesis 4.6); mas com respeito a graus, começará com aqueles que são da família da fé (Gálatas 6.10). A Esperança Reservada nos Céus - Comentário de Colossenses 1.5 “por causa da esperança que vos está reservada nos céus, da qual antes ouvistes pela palavra da verdade do evangelho,” (Colossenses 1.5) “Por causa da esperança que vós está reservada nos céus”. Porque a esperança da vida eterna nunca será inativa em nós, não deixando assim de produzir amor em nós. O motivo é que, necessariamente, aquele que está plenamente persuadido que um tesouro da vida está reservado para ele nos céus aspirará àquele lugar, desdenhando deste mundo. A meditação, contudo, sobre a vida celestial provoca nossas afeições tanto ao louvor a Deus, como aos exercícios de amor. Os sofistas pervertem essa passagem com o propósito de enaltecer os méritos das obras, como se a esperança da salvação dependesse das obras. O raciocínio, contudo, é fútil. Pois não se segue que, porque a esperança nos estimula a aspirar viver retamente, ela esteja portanto fundamentada sobre as obras, visto que nada é mais eficaz para esse propósito do que a bondade imerecida 11 de Deus, que elimina absolutamente toda confiança nas obras. Há, contudo, um exemplo de metonímia no uso do termo esperança, visto que é usado pela coisa que se espera. Porque a esperança que está em nosso coração é a glória pela qual esperamos no céu. Ao mesmo tempo, quando ele diz, que existe uma esperança que para nós está reservada nos céus, ele quer dizer que os crentes deveriam sentir-se seguros quanto à promessa de felicidade eterna, igualmente como se já tivessem um tesouro reservado num lugar particular. Da qual já antes ouvistes. Como a salvação eterna é uma coisa que ultrapassa a compreensão do nosso entendimento, ele adiciona que a segurança dela foi trazida aos colossenses por meio do evangelho; e ao mesmo tempo diz no princípio que ele não irá apresentar algo novo, mas tem meramente em vista confirmá-los na doutrina que tinham recebido anteriormente. Erasmo traduziu assim – a palavra verdadeira do evangelho. Também estou bem ciente que, de acordo com o idioma hebraico, o genitivo é frequentemente usado por Paulo no lugar de um epíteto; mas as palavras de Paulo aqui são mais enfáticas. Pois ele chama o evangelho, kay ejxoch>n, (com o objetivo de eminência), de palavra da verdade, com a visão de colocar honra sobre ele, para que eles possam aderir mais leal e firmemente à revelação que tinham derivado dessa fonte. Assim, o termo evangelho é introduzido por aposição. 12 O Fruto do Evangelho - Comentário de Colossenses 1.6-8 “6 que chegou até vós; como também, em todo o mundo, está produzindo fruto e crescendo, tal acontece entre vós, desde o dia em que ouvistes e entendestes a graça de Deus na verdade; 7 segundo fostes instruídos por Epafras, nosso amado conservo e, quanto a vós outros, fiel ministro de Cristo, 8 o qual também nos relatou do vosso amor no Espírito.” 6. “Como também em todo o mundo produz fruto”. Isso tem uma tendência tanto de confirmar como confortar os piedosos – ver o efeito do evangelho em todo o lugar, reunindo muitos para Cristo. É verdade que a fé dele não depende do seu sucesso, como se nós devêssemos crer no evangelho com base no fato de muitos crerem. Mesmo que o mundo inteiro desabasse, o próprio céu caísse, a consciência de um homem piedoso não deve hesitar, pois Deus, em quem ela está fundamentada, permanece verdadeiro. Isso, contudo, não impede nossa fé de ser confirmada sempre que percebe a excelência de Deus, que indubitavelmente se mostra com maior poder na proporção do número de pessoas que são ganhas para Cristo. Em adição a isso, na multidão dos crentes naquele tempo havia uma contemplação do cumprimento das muitas predições que estendiam o reino de Cristo do oriente ao ocidente. É um auxílio trivial ou comum à fé, ver realizado diante dos nossos olhos o que os profetas 13 há tempos tinham predito quanto à extensão do reino de Cristo por todas as nações do mundo? Não existe nenhum crente que não experimente do que estou falando. Paulo, dessa forma, tinha como objetivo encorajar ainda mais os colossenses com essa declaração, pois, vendo em vários lugares o fruto e progresso do evangelho, eles poderiam abraçá-lo com maior zelo. Aujxano>menon, que traduzi como propagatur, (é propagada) não aparece em algumas cópias; mas, por sua adaptação ao contexto, escolhi não omiti-la. Parece também a partir dos comentários dos antigos que essa leitura foi sempre a mais geralmente recebida. “Desde o dia em que ouvistes e conhecestes a graça”. Aqui ele os louva por causa de sua docilidade, visto que imediatamente aceitaram a sã doutrina; e louva-os por causa de sua constância, por perseverarem nela. É também com propriedade que a fé do evangelho é chamada o conhecimento da graça de Deus; pois ninguém jamais provou do evangelho, senão o homem que sabe estar reconciliado com Deus, e se apegou à salvação que está em Cristo. Em verdade significa verdadeiramente e sem fingimento; pois como tinha anteriormente declarado que o evangelho é verdade indubitável, assim declara agora que ele tinha sido puramente administrado sobre eles, e isso por Epafras. Associações Não Aprovadas por Deus - Comentário de 1 Coríntios 5.9,10 14 “9 Já em carta vos escrevi que não vos associásseis com os impuros; 10 refiro-me, com isto, não propriamente aos impuros deste mundo, ou aos avarentos, ou roubadores, ou idólatras; pois, neste caso, teríeis de sair do mundo.” 9. “Já escrevi para vocês em uma epístola”. A epístola de que Paulo fala não é existente em nossos dias. Nem há qualquer dúvida de que muitas outros estão perdidas. É o bastante, no entanto, que foram preservadas para nós aquelas que o Senhor previu seriam suficientes. Mas esta passagem, em consequência de sua obscuridade, tem sido foi torcida por uma variedade de interpretações, mas eu não acho que seja necessário ocupar o tempo para refutá-las, senão simplesmente apresentar o que parece-me ser o seu verdadeiro significado. Ele lembra aos coríntios que já lhestinha ordenado que deveriam se abster de relações sexuais com os ímpios. Porque a palavra traduzida para “associáveis”, significa estar em familiaridade com qualquer um, e ter hábitos de intimidade com ele. Agora, ele recorda que apesar de terem sido admoestados, ainda permaneciam inativos. Ele acrescenta uma exceção, para que possam entender melhor o que isso se refere especialmente aos que pertencem à Igreja, uma vez que não necessitavam ser admoestados para evitar a sociedade do mundo. Em suma, então, ele proíbe os Coríntios de terem intercâmbio com aqueles que, embora professando ser crentes, no entanto, vivem impiamente e para a desonra de Deus. Essa exceção, no entanto, aumenta a 15 criminalidade dos remissos, na medida em que eles admitiam no seio da Igreja uma pessoa abertamente ímpia; pois é mais vergonhoso negligenciar os de sua própria casa do que negligenciar estranhos. 10. "Quando eu te ordeno a evitar os fornicadores, eu não quero me referir a todos eles; caso contrário seria necessário ir em busca de um outro mundo; porque temos de viver entre os espinhos, enquanto permanecemos na terra. É somente isto o que eu exijo, que você não mantenha companhia com os fornicadores, que desejam ser considerados como irmãos em Cristo, para que não pareça pela sua tolerância que aprova a sua iniquidade. "Assim, o termo mundo aqui, deve ser entendido como a presente vida, como em João 17.15: “Não peço, Pai, que os tires do mundo, mas que os livre do mal”. Contra esta exposição uma pergunta pode ser proposta por meio de objeção: "Como Paulo disse isso em uma época em que os cristãos estavam ainda misturados com pagãos, e dispersados entre eles, o que deveria ser feito agora, quando todos confessavam o nome de Cristo? Pois, mesmo nos dias de hoje é preciso sair do mundo, se quisermos evitar a sociedade dos ímpios; e não há ninguém que seja estranho, quando todos tomam sobre si o nome de Cristo, e são consagrados a ele pelo batismo." Se alguém se sentir inclinado a seguir Crisóstomo, não encontrará qualquer dificuldade em responder, ao que Paulo tem aqui por certo e que era verdade - que, quando há o poder de excomunhão, há um 16 remédio fácil para efetuar a separação entre o bem e o mal, se as igrejas fazem o seu dever. Quanto a estranhos, os cristãos de Corinto não tinham jurisdição, e eles não poderiam restringir o seu modo de vida dissoluta. Portanto, eles teriam necessariamente que deixar o mundo, se quisessem evitar a sociedade dos ímpios, cujos vícios não puderam curar. De minha parte, eu tomo a palavra traduzida por sair no sentido de ser separados , e o termo mundo no sentido das corrupções do mundo. "Que necessidade há de uma união com os filhos deste mundo (Lucas 16. 8), por ter uma vez por todas renunciado ao mundo, você fica por conseguinte distante de sua sociedade; porque o mundo inteiro jaz no maligno" (1 João 5.19). Se alguém não está satisfeito com essa interpretação, aqui está uma outra que ainda é provável: "Eu não escrevo para você, em termos gerais, que você deve evitar uma associação com os devassos deste mundo, todavia você deve fazê-lo, sem qualquer admoestação minha." Prefiro, no entanto, a interpretação anterior. Associações Não Aprovadas por Deus 2 - Comentário de 1 Coríntios 5.11 “Mas, agora, vos escrevo que não vos associeis com alguém que, dizendo-se irmão, for impuro, ou avarento, 17 ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com esse tal, nem ainda comais.” (1 Coríntios 5.11) “Alguém que dizendo-se irmão”. No grego há um particípio sem um verbo. Aqueles que veem isso como se referindo ao que se segue, dão-lhe um sentido forçado, e em desacordo com a intenção de Paulo. Confesso, de fato, que esse é apenas um sentimento, e digno de ser particularmente notado - que ninguém pode ser punido pela decisão da Igreja, senão alguém cujo pecado tornou- se público e notório; mas estas palavras de Paulo não podem ser obrigadas a suportar esse significado. O que ele quer dizer, então, é o seguinte: "Se alguém é contado como um irmão no meio de vós, e ao mesmo tempo leva uma vida ímpia, e como isto é impróprio para um cristão, mantenham-se afastados de sua companhia." Em suma, ser chamado irmão, significa aqui uma falsa profissão de fé, que não tem nenhuma realidade correspondente. Mais adiante, ele não faz uma enumeração completa de pecados, mas apenas menciona cinco ou seis à guisa de exemplo, e então, depois, sob a expressão “tal pessoa”, ele resume o todo; e ele não menciona ninguém, senão o que caiu sob o conhecimento dos homens. Porque impiedade interior, e tudo o que é secreto, não se enquadra no julgamento da Igreja. É incerto, porém, o que ele quer dizer com “idólatra”, porque como pode ser dedicado à idolatria quem tenha feito uma profissão de Cristo? Alguns são de opinião que havia entre os coríntios naquela época alguns que receberam a Cristo, mas ao mesmo tempo estava 18 envolvidos, no entanto, envolvidos com idolatria, como os israelitas do passado. De minha parte, prefiro entendê-la se referindo àqueles que, enquanto tinham abandonado o culto aos ídolos, no entanto, davam uma homenagem fingida aos ídolos, com a intenção de agradar aos ímpios. Paulo declara que essas pessoas não devem ser toleradas na sociedade dos cristãos; e não sem uma boa razão, na medida em que fizeram tão pouca conta em pisar a glória de Deus debaixo dos pés. Devemos, no entanto, observar as circunstâncias do caso - que, enquanto eles tinham uma igreja, em que podiam adorar a Deus em pureza, e fazer o uso legítimo dos sacramentos, ingressaram na Igreja, de tal forma, que não renunciaram à comunhão profana dos ímpios. Faço esta observação, a fim de que não se possa pensar que devemos empregar medidas igualmente severas contra aqueles que, embora no dia de hoje dispersos sob a tirania de líderes religiosos hereges, poluem-se com muitos ritos corruptos. Estes, na verdade, eu mantenho, que pecam, no geral, a este respeito, e devem ser fortemente tratados com diligência urgente, para que aprendam a consagrar-se totalmente a Cristo; mas não me atrevo a ir tão longe a ponto de contar-lhes dignos de exclusão da comunhão dos santos, pois o seu caso é diferente. “Com esse tal nem ainda comais”. Em primeiro lugar, temos que verificar se ele se refere aqui a toda a Igreja, ou apenas a indivíduos. Eu respondo que isso é dito, de fato, a indivíduos, mas, ao mesmo tempo, está conectado com a sua disciplina em comum; porque o 19 poder de exclusão não é concedido a qualquer membro individual, mas a todo o corpo. Quando, portanto, a Igreja exclui alguém, nenhum crente deve recebê-lo em termos de intimidade para com ele; caso contrário, a autoridade da Igreja seria levada ao desprezo, se cada indivíduo tivesse a liberdade de admitir à sua mesa aqueles que foram excluídos da mesa do Senhor. Por partilhar o alimento aqui, se entende viver junto, ou ter associação familiar nas refeições. Mas se, por entrar em uma pousada, eu vejo aquele que foi excluído sentado à mesa, não há nada que me impeça de jantar com ele; pois eu não tenho autoridade para excluí-lo. O que Paulo quer dizer é que, na medida em que está em nosso poder, devemos evitar a companhia daqueles a quem a Igreja cortou de sua comunhão. O excluído não deve ser considerado como um inimigo, mas como um irmão (2 Tessalonicenses 3.15) porque ao se colocar essa marca pública de desgraça sobre ele, a intenção é que ele possa se envergonhar e ser conduzido ao arrependimento. Purificação da Carne e do Espírito - Comentário de 2 Coríntios 7.1 20 “Tendo, pois, estas promessas, amados, purifiquemo-nos de toda a imundícia da carne e do espírito, aperfeiçoando a santificação no temor de Deus.” (2 Coríntios 7.1) “Estas promessas, portanto”. Deus, é verdade, nos contempla em suas promessas por seu puro favor; mas quando ele tem, por sua própria vontade,conferido a nós seu favor, ele logo em seguida exige de nós a gratidão em troca. Assim, o que ele disse a Abraão, “Eu sou teu Deus” (Gênesis 17. 7), foi uma oferta da sua bondade imerecida, mas ele, ao mesmo tempo acrescentou o que ele exigia dele – “Anda na minha presença e sê perfeito”. Como, no entanto, esta segunda frase nem sempre é expressada, Paulo nos ensina que em todas as promessas, esta condição está implícita, as quais devem ser incitações a nós para promover a glória de Deus. Para que propósito ele apresenta um argumento para nos estimular? É a partir disto, que Deus nos confere uma honra tão ilustre. Essa, então, é a natureza das promessas, para que elas nos chamem para a santificação, como se Deus as tivesse interposto por um acordo implícito. Sabemos, também, que a Escritura ensina isto em várias passagens, em referência ao projeto da redenção, e a mesma coisa deve ser vista como a aplicação de cada prova do seu favor. “De toda a imundícia da carne e do espírito”. Tendo já mostrado, que somos chamados à pureza, agora ele acrescenta, que esta deveria ser vista no corpo, bem como na alma; porque o termo carne significa aqui corpo, e o termo espírito significa alma, é manifesto disto, que 21 se o termo espírito significa a graça da regeneração, a declaração de Paulo, em referência à poluição do espírito seria absurda. Ele nos queria então, puros de contaminações, não só interiormente, tendo apenas a Deus como testemunha; mas também no exterior, como estando sob a observação dos homens. "Não devemos ser somente de consciência casta aos olhos de Deus. Também devemos consagrar a ele todo o nosso corpo e todos os nossos membros, para que nenhuma impureza possa ser vista em qualquer parte em nós." Agora, se considerarmos qual é o ponto que ele tem em vista, facilmente iremos perceber, que são aqueles que agem com imprudência excessiva, que desculpam a sua idolatria, eu não sei sob que pretextos. Porque, assim como a impiedade interior, e superstição, de qualquer tipo, é a contaminação do espírito, o que eles entendem por contaminação da carne, senão uma profissão externa de impiedade, seja isto fingido, ou expressado do coração? Eles se vangloriam de uma consciência pura; que, de fato, está baseada em motivos falsos, mas concedendo-lhes aquilo do que se gabam, eles têm apenas a metade do que Paulo requer dos crentes. Portanto, eles não têm base para pensar, que têm dado satisfação a Deus por aquela metade; porque, deixe uma pessoa mostrar qualquer aparência de uma total idolatria, ou qualquer indicação da mesma, ou tomar parte em rituais maus ou supersticiosos, embora ela fosse - o que ela não pode ser - perfeitamente reta em sua própria mente, ela seria, no entanto, não isenta da culpa de poluir seu corpo. 22 “Aperfeiçoando a santidade”. Apesar de que o verbo ἐπιτελεῖν em grego signifique às vezes, “aperfeiçoar”, e às vezes “realizar ritos sagrados”, isto é elegantemente usado aqui por Paulo na antiga significação, que é a mais frequente - de tal forma, porém, como para aludir à santificação, da qual ele está agora tratando. Por enquanto isto denota perfeição, parece ter sido intencionalmente transferido para ofícios sagrados, porque não deve haver nada defeituoso no serviço de Deus, senão que tudo deve ser completo. Assim, a fim de que você possa se santificar a Deus corretamente, você deve se dedicar de corpo e alma inteiramente a ele. “No temor de Deus”. Porque, se o temor de Deus nos influencia, não estaremos tão dispostos a sermos indulgentes conosco, e nem haverá uma erupção dessa audácia de luxúria que se mostrou entre os Coríntios. Porque como acontece que muitos se deliciam tanto em idolatria exterior, e altivamente defendem tão grosseiro vício, a não ser por eles pensarem que zombam de Deus impunemente? Se o temor de Deus tivesse domínio sobre eles, eles iriam imediatamente, no primeiro momento, deixar todos os sofismas, sem a necessidade de serem constrangidos a isso por qualquer contestação. (Nota do Pr Silvio Dutra: Calvino apresenta uma excelente interpretação desta passagem, ao associar o assunto da santificação à vida devotada a Deus, em separação sobretudo de práticas idolátricas, e não 23 meramente em seu sentido moral, o qual é importante, mas que é apenas a consequência de um caminhar na presença de Deus e em comunhão com Ele. Apoia a sua interpretação o fato de Paulo ter tratado no contexto imediato anterior, nos últimos versículos do 6º capítulo, à não conveniência da associação dos crentes com as práticas idolátricas daqueles que não conhecem a Deus, seja a qual pretexto for.) Tristeza que é para Arrependimento e Vida - Comentário de 2 Coríntios 7.8-10 “8 Porquanto, ainda que vos tenha contristado com a carta, não me arrependo; embora já me tenha arrependido vejo que aquela carta vos contristou por breve tempo, 9 agora, me alegro não porque fostes contristados, mas porque fostes contristados para arrependimento; pois fostes contristados segundo Deus, para que, de nossa parte, nenhum dano sofrêsseis. 10 Porque a tristeza segundo Deus produz arrependimento para a salvação, que a ninguém traz pesar; mas a tristeza do mundo produz morte.” 8. “Porque ainda que eu vos tenha entristecido”. Paulo agora começa a pedir desculpas ao Coríntios por lhes ter tratado um pouco asperamente numa antiga epístola. 24 Agora, temos de observar, no que uma variedade de modos ele lida com eles, de forma que ele pudesse parecer como se tivesse suportado diferentes caracteres. A razão é que o seu discurso foi dirigido a toda a Igreja. Havia alguns lá, que entretinham uma visão desfavorável dele - havia outros que o tinham, como merecia, na mais alta estima - alguns tinham dúvidas; os outros estavam confiantes - alguns eram dóceis: outros eram obstinados. Em consequência desta diversidade, ele foi obrigado a dirigir seu discurso agora em um lado, depois de outro, a fim de adequar-se a todos. Agora, ele diminui, ou melhor, ele tira completamente qualquer ocasião de escândalo, por conta da severidade que ele havia usado, em razão de esta ter em vista a promoção do bem-estar deles. "O seu bem-estar", diz ele, "é tanto um objeto de desejo para mim, que tenho o prazer de ver que eu lhes tenho feito o bem." Este abrandamento só é admissível quando o professor fez o bem o tanto quanto foi necessário, por meio de suas reprovações; pois se ele tivesse encontrado, que as mentes dos Coríntios ainda permaneciam obstinadas, e se ele tivesse percebido uma vantagem decorrente da disciplina que ele tinha tentado, ele, sem dúvida, nada teria diminuído de sua antiga severidade. Deve ser observado, entretanto, que ele se alegra por ter sido uma ocasião de tristeza para aqueles a quem ele amava; pois estava mais desejoso de benefício, do que agradá-los. Mas o que ele quis dizer quando ele acrescenta – “embora já me tenha arrependido? Porque se admitirmos, que Paulo se sentiu insatisfeito com o que 25 ele havia escrito, se seguiria uma incoerência de não leve caráter - que s Epístola anterior foi escrita sob uma erupção de impulso, em vez de sob a orientação do Espírito. Respondo que a palavra arrependimento é usada aqui num sentido amplo para significar tristeza. Pois enquanto ele entristeceu os Coríntios, ele próprio também participou da tristeza, e de uma forma infligiu sofrimento ao mesmo tempo a si mesmo. "Ainda que eu lhe tenha causado sofrimento contra minha vontade, e isso me entristeceu sob a necessidade de ser rude com você, eu não estou mais triste por causa disso, quando eu vejo que tem sido um benefício para você." Tomemos por exemplo o caso de um pai; porque um pai sente tristeza em conexão com sua severidade, quando a qualquer momento ele corrige seu filho, mas aprova isto, não obstante, porque vê que é propício para a vantagem de seu filho. Da mesma forma como Paulo não podia sentir qualquer prazerem irritar as mentes dos Coríntios; mas, consciente do motivo que influenciou sua conduta, ele preferiu o dever à inclinação para poupá-los. “Pois vejo que aquela carta.” A transição é abrupta; mas, afinal, não prejudica a clareza do sentido. Em primeiro lugar, ele diz, que ele havia totalmente apurado o fato pelo efeito, que a epístola anterior, ainda que por um momento indesejável, tinha, no entanto, sido vantajosa, e em segundo lugar, que se alegrou por conta daquela vantagem. 9. “Não porque vocês foram entristecidos”. Ele quer dizer, que ele não sente prazer em qualquer que seja a 26 sua tristeza - mais ainda, ele tinha sua escolha, ele iria se esforçar para promover igualmente seu bem-estar e sua alegria, pelos mesmos meios; mas que, como ele não poderia agir de outra forma, o bem-estar deles era de tanta importância, em sua opinião, que se alegrou de que haviam sido contristados para arrependimento. Pois há casos de médicos, que são, de fato, em outros aspectos bons e fiéis, mas são ao mesmo tempo duros, e não poupam seus pacientes. Paulo declara que ele não é de tal disposição em empregar curas duras, quando não constrangido pela necessidade. Como, no entanto, tinha se saído bem, que tinha produzido aflição com aquele tipo de cura, ele se congratula sobre o seu sucesso. Ele faz uso de uma forma similar de expressão em 2 Coríntios 5.4, “os que estamos neste tabernáculo gememos angustiados, não por querermos ser despidos, mas revestidos, para que o mortal seja absorvido pela vida.” 10. “Tristeza segundo Deus”. Em primeiro lugar, a fim de compreender o que se entende por esta frase “segundo Deus”, devemos observar o contraste, porque a tristeza que é segundo Deus é contrastada por ele com a tristeza do mundo. Vamos agora tomar, também, o contraste entre dois tipos de alegria. A alegria do mundo é, quando os homens loucamente, e sem o temor do Senhor, exultam com vaidade, isto é, no mundo, e, embriagados com uma felicidade passageira, nada procuram mais alto do que a terra. A alegria que é segundo Deus é, aquela em que os homens colocam toda a sua felicidade em Deus, e têm satisfação em Sua graça, e mostram desprezo ao mundo, usando a prosperidade terrena como se eles 27 não a usassem, e alegres em meio a adversidade. Por conseguinte, a tristeza do mundo é quando os homens ficam desalentados em consequência de aflições terrenas, e ficam sobrecarregados com a dor; enquanto a tristeza segundo Deus é a daqueles que têm um olho voltado para Deus, enquanto eles acham que isto é a única miséria - ter perdido o favor de Deus; quando, impressionados com o temor do Seu juízo, lamentam por seus pecados. Desta tristeza Paulo faz a causa e a origem do arrependimento. Isto deve ser cuidadosamente observado, pois a menos que o pecador esteja insatisfeito consigo mesmo, detestando o seu modo de vida, e ficando profundamente contristado a partir de uma apreensão do pecado, ele nunca vai se valer do Senhor. Por outro lado, é impossível para um homem experimentar uma dor desse tipo, sem que ela dê um nascimento para um novo coração. Daí o arrependimento ter sua origem na tristeza, pela razão que eu mencionei - porque ninguém pode voltar para o caminho direito, senão o homem que odeia o pecado; mas onde o ódio do pecado está, há autoinsatisfação e tristeza. Há, no entanto, uma bela alusão aqui ao termo arrependimento, quando ele diz - não estar arrependido; porque embora uma coisa seja desagradável ao primeiro gosto, torna-se desejável por sua utilidade. O epíteto, é verdade, pode se aplicar ao termo salvação, igualmente ao arrependimento, mas parece-me que se adequa melhor com o prazo de arrependimento "Somos ensinados pelo próprio resultado, que a dor não deve ser 28 dolorosa para nós, ou angustiante. Da mesma forma, embora o arrependimento contenha em si um certo grau de amargura, se, dele é dito que não devemos não nos arrepender, por conta do fruto precioso e agradável que ele produz." “Para a salvação”. Paulo parece fazer do arrependimento a base da salvação. Se fosse assim, ele afirmaria a seguir, que somos justificados pelas obras. Respondo que devemos observar o que Paulo trata aqui, porque ele não está falando sobre a base da salvação, mas simplesmente elogiando o arrependimento pelo fruto que ele produz, ele diz que é como um caminho pelo qual podemos chegar à salvação. Nem isto é sem uma boa razão; porque Cristo nos chama por meio de favor livre, mas isto é para o arrependimento. (Mateus 9.13). Deus por meio de livre favor perdoa nossos pecados, mas somente quando renunciamos a eles. Mais ainda, Deus realiza em nós a um e ao mesmo tempo duas coisas: somos renovados pelo arrependimento, somos libertos do cativeiro de nossos pecados; e, sendo justificados pela fé, somos libertos também da maldição de nossos pecados. Eles são, portanto, frutos inseparáveis da graça, e, em consequência de sua conexão invariável, o arrependimento pode com idoneidade e propriedade ser representado como uma introdução para a salvação, mas neste modo de falar dele, ele é representado como um efeito, em vez de uma causa. Estes não são refinamentos para fins de evasão, senão uma solução verdadeira e simples, porque, enquanto a Escritura nos ensina que nunca obtemos o perdão dos pecados, sem 29 arrependimento, este representa, ao mesmo tempo, em uma variedade de passagens, a misericórdia de Deus somente como o fundamento da nossa obtenção dele. Vindicando a Santidade de Deus - Comentário de 2 Coríntios 7.11 “Porque quanto cuidado não produziu isto mesmo em vós que, segundo Deus, fostes contristados! Que defesa, que indignação, que temor, que saudades, que zelo, que vindita! Em tudo destes prova de estardes inocentes neste assunto.” (2 Coríntios 7. 11) “Que cuidado isto produziu em você”. Eu não entrarei em qualquer disputa sobre se as coisas que Paulo enumera são efeitos de arrependimento, ou pertencem a ele, ou sejam preparatórias para isso, pois tudo isto é desnecessário para a compreensão do propósito de Paulo, pois ele simplesmente prova o arrependimento dos Coríntios a partir de seus sinais, ou as coisas que o acompanharam. Ao mesmo tempo, ele faz a tristeza segundo Deus ser a fonte de todas essas coisas, na medida em que surgiram a partir disto - que é seguramente o caso; porque quando nós começamos a sentir autoinsatisfação, somos posteriormente despertados a buscar as outras coisas. O que se entende por desejo sincero, podemos entender do que se lhe opõe; porque contanto não haja qualquer 30 apreensão do pecado, permanecemos negligentes e inativos. Daí sonolência ou falta de cuidado, ou indiferença, se opõe a esse desejo, a que ele faz menção. Assim, “desejo sincero” significa simplesmente uma assiduidade ansiosa e ativa na correção do que está errado, e na mudança da vida. Paulo emprega o termo ἀπολογίαν (defesa). É por esse motivo que eu teria preferido manter o termo defensionem, que o antigo intérprete tinha usado. Deve, no entanto, ser observado, que é um tipo de defesa que consiste antes em súplica por perdão, do que na atenuação do pecado. Como um filho, que está desejoso de livrar-se do castigo de seu pai, não entra em um pleito regular de sua causa, mas reconhecendo suas falhas desculpa a si mesmo, em vez de ter o espírito de um suplicante, e que em tom de confiança, hipócrita, também, se desculpa - ou melhor, eles arrogantemente se defendem, mas é um pouco à maneira de disputarem com Deus, do que de voltarem a buscar o Ser favor; e algum outro preferia a palavra excusationem (desculpa). Eu não me oponho a isto; porque o significado atingirá a mesma coisa, que o Coríntios foram solicitados a se limparem, enquanto que anteriormente eles não se importavam com o que Paulo pensava deles. “Sim, que indignação”. Esta disposição, também, é em tristeza sagrada - que o pecador está indignado contra os seus vícios, e até mesmocontra si mesmo, como também todos os que são movidos por um zelo correto estão indignados, como muitas vezes eles como que veem que 31 Deus está ofendido. Essa disposição, no entanto, é mais intensa do que tristeza. Porque o primeiro passo é que o mal seja desagradável para nós. O segundo é que, sendo inflamados com ira santa, nós pressionamos severamente sobre nós mesmos, para que a nossa consciência possa ser tocada para ser avivada. Pode, no entanto, ser entendido aqui, por indignação, que os Coríntios ficaram inflamados contra os pecados de alguns, a quem haviam poupado anteriormente. Assim, eles se arrependeram de sua concordância ou conivência. O temor é o que surge a partir de uma apreensão do julgamento divino, enquanto o agressor pensa - "Marque bem isto, uma conta deve ser prestada por ti, e como esperas avançar na presença de tão grande juiz?" Pois, alarmado com tal consideração, ele começa a tremer. Como, porém, os próprios ímpios são, por vezes, tocados com um alarme desta natureza, ele acrescenta “desejo”. Esta disposição sabemos ser mais de natureza voluntária do que por medo, pois muitas vezes temos medo contra a nossa vontade, mas nunca desejamos, senão por inclinação, por disposição. Assim, como haviam temido o castigo ao receber a admoestação de Paulo, assim eles ansiosamente desejaram se corrigir. Mas o que devemos entender por zelo? Não pode haver dúvida de que ele pretendia um clímax. Por isso, zelo é mais do que desejo. Agora podemos entender por que, foi despertado um espírito de rivalidade mútua entre os Coríntios. É mais simples, no entanto, compreendê-lo no sentido de que cada um, com grande fervor de zelo, o 32 fizeram com o objetivo de dar provas de seu arrependimento. Assim zelo é a intensidade do desejo. “Sim, que vindita!”. Ou seja, que vingança! O que dissemos em relação à indignação, deve ser aplicado também à vingança, por causa da maldade que tinham encorajado por sua conivência e indulgência, eles tinham se mostrado depois como rigorosos em vindicar a santidade de Deus. Eles tinham há algum tempo tolerado o incesto; mas, ao serem admoestados por Paulo, eles não tinham somente evitado o semblante do ofensor, mas haviam lhe reprovado severamente - esta foi a vingança a que o apóstolo se refere. Como, no entanto, devemos punir pecados onde quer que estejam, e não somente isso, mas devemos começar mais especialmente com nós mesmos, há algo mais para dizer em que o apóstolo diz aqui, pois ele fala dos sinais de arrependimento. Há, entre outros, este em particular - que, por punir os pecados, podemos evitar, de uma forma, o juízo de Deus, como ele ensina em outro lugar, se nós nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados pelo Senhor (1 Coríntios 11.31). Nós não devemos, no entanto, inferir a partir disso, que a humanidade, tomando vingança contra si, compense a Deus por causa do castigo que lhe era devido, para que eles se redimam de sua mão. O caso fica assim - que, como é o desígnio de Deus nos castigar, para nos despertar da nossa falta de cuidado, que, sendo lembrados de seu descontentamento, possamos estar em guarda para o futuro, quando o próprio pecador está de antemão infligindo a punição em si mesmo por sua 33 própria vontade, o efeito é, que ele já não tem necessidade de tal admoestação de Deus. Mas pergunta- se, se o Coríntios tinham um olho em Paulo, ou em Deus, nesta vingança, assim como no zelo, e na vontade, e quanto ao demais. Respondo que todas estas coisas são, sob todas as circunstâncias, atendidas sob o arrependimento, mas há uma diferença no caso de um indivíduo pecar secretamente diante de Deus, ou abertamente perante o mundo. Se o pecado de uma pessoa é segredo, é o suficiente que ele tenha essa disposição perante os olhos de Deus; por outro lado, onde o pecado está aberto, é requerida uma manifestação de arrependimento aberta. Assim, os Coríntios, que tinham pecado abertamente e com grande ofensa ao bem, estavam obrigados a dar provas do seu arrependimento por essas evidências. Unidade na Promulgação do Evangelho - Comentário de Filipenses 1.27 “Vivei, acima de tudo, por modo digno do evangelho de Cristo, para que, ou indo ver-vos ou estando ausente, ouça, no tocante a vós outros, que estais firmes em um só espírito, como uma só alma, lutando juntos pela fé evangélica;” (Filipenses 1.27) “Por modo digno do evangelho”. Nós fazemos uso desta forma de expressão, quando estamos inclinados a passar para um novo assunto. Assim, é como se Paulo tivesse 34 dito: "Mas, quanto a mim, o Senhor proverá, mas quanto a vocês, etc, seja o que for que possa ocorrer comigo, que seja o seu cuidado, no entanto, avançar no curso correto." Quando ele fala de um comportamento puro e honrado como sendo digno do evangelho, ele afirma, por outro lado, que aqueles que vivem de outra forma fazem injustiça ao evangelho. “Ou indo ver-vos”. Como a frase no grego usado por Paulo é elíptica, fiz uso de videam (vejo), em vez de videns (vendo). Se isto parecer não satisfatório, você pode aplicar o verbo principal Intelligam (Eu posso aprender) neste sentido: "se, quando eu for vê-los, ou se estando ausente, em relação à sua condição, que eu possa aprender em ambos os sentidos, tanto por estar presente ou por receber informações, que estão num mesmo espírito." Nós não precisamos, no entanto, ficar ansiosos quanto às condições particulares, quando o significado é evidente. “Estar firme em um só espírito”. Esta, certamente, é uma das principais excelências da Igreja e, portanto, esta é uma forma de preservá-la em um estado saudável, na medida em que é feita em pedaços por dissensões. Mas, apesar de que Paulo estivesse desejoso por meio desse antídoto para prevenir doutrinas novas e estranhas, ele exige uma dupla unidade - do espírito e da alma. A primeira é o que temos como pontos de vista; e a segunda, que sejamos de um só coração. Porque, quando esses dois termos estão ligados entre si, spiritus (espírito) denota o entendimento, enquanto anima (alma) denota 35 a vontade. Ainda mais, o acordo de pontos de vista vem em primeiro lugar em ordem; e, em seguida, a partir dele, surge a união proveniente de nossa inclinação, de nossas disposições interiores relativas ao espírito. “Lutando juntos pela fé”. Este é o laço mais forte de concórdia, quando temos que lutar juntos sob a mesma bandeira, porque isto tem sido muitas vezes ocasião de conciliar até mesmo os maiores inimigos. Assim, a fim de que ele possa confirmar ainda mais a unidade que existia entre os filipenses, ele lhes chama para perceberem que são companheiros de armas, que, tendo um inimigo comum e uma guerra comum, deveriam ter suas mentes unidas em um acordo santo. A expressão que Paulo fez uso no grego (συναθλοῦντες τὣ πίστει) é ambígua. O antigo intérprete a toma como Collaborantes fidei, (trabalhando em conjunto com a fé). Erasmo o interpreta como Adiuvantes fidem (Ajudando a fé), como significando ajudar a fé para o máximo de seu poder. Como, porém, é feito uso do dativo (objeto indireto) grego em vez do ablativo (instrumental), eu não tenho nenhuma dúvida de que a interpretação autêntica do que diz o Apóstolo é a seguinte: "Deixem que a fé do evangelho lhes una, mais especialmente porque essa é uma armadura comum contra um e o mesmo inimigo." desta forma, a partícula σύν (junto, comum) que outros usam para se referir à fé, eu tomo como referência aos Filipenses, e com maior propriedade, se não me engano. Em primeiro lugar, cada um está ciente de quão eficaz incentivo é a concórdia, quando temos que enfrentar um conflito juntos; e ainda mais, sabemos que na guerra 36 espiritual estamos equipados com o escudo da fé (Efésios 6.16), para repelir o inimigo; mais ainda, a fé é tanto a nossa bandeira quanto a nossa vitória. Por isso, ele acrescentou esta frase, para que pudesse mostrar qual é a finalidade de uma união piedosa.Os ímpios, também, conspiram juntos para o mal, mas o seu acordo é amaldiçoado; vamos, portanto, lidar com uma só mente sob a bandeira da fé. Não se Deixando Intimidar pelos Adversários do Evangelho - Comentário de Filipenses 1.28 “e que em nada estais intimidados pelos adversários. Pois o que é para eles prova evidente de perdição é, para vós outros, de salvação, e isto da parte de Deus.” (Filipenses 1.28) “E em nada estais intimidados”. A segunda coisa que Paulo recomenda aos Filipenses é a fortaleza de ânimo, para que não pudessem ser lançados em confusão pela ira de seus adversários. Naquela época as perseguições mais cruéis assolavam quase todos os lugares, porque Satanás se esforçou com toda sua força para impedir o início do evangelho, e ficava mais enfurecido na proporção em que Cristo estendia poderosamente a graça de seu Espírito. Ele exorta, por isso, os Filipenses a permanecerem destemidos, e não ficarem alarmados. 37 ”O que é para eles uma prova manifesta”. Este é o sentido apropriado da palavra grega, e não havia nenhuma razão para que alguns a interpretassem como “causa”. Porque os ímpios, quando em guerra contra o Senhor, já dão pela mesma uma prova do sinal de sua ruína, e quanto mais ferozmente insultam os piedoso, mais se preparam para a própria ruína. A Escritura, com certeza, não ensina em qualquer lugar que as aflições que os santos sofrem de ímpios são a causa de sua salvação, mas Paulo em outra instância, também, fala delas como uma prova clara ou evidência (2 Tessalonicenses 1.5) e em vez de ἔνδειξιν, usado em 2 Tes 1.5, ele faz uso nessa passagem do termo ἔνδειγμα. Isto, portanto, é uma consolação escolhida, que quando somos atacados e perseguidos por nossos inimigos, temos nisto uma evidência da nossa salvação. Porque perseguições são de uma certa maneira selos de adoção para os filhos de Deus, se eles a suportam com coragem e paciência; os ímpios dão, ao contrário, uma evidência ou prova de sua condenação, porque tropeçam numa Pedra pela qual eles devem ser quebrados em pedaços (Mateus 21.44). “E isto da parte de Deus”. Isto está restrito à última frase, para que o gosto da graça de Deus possa aliviar a amargura da cruz. Ninguém vai perceber naturalmente a cruz como um sinal ou evidência de salvação, pois são coisas que são contrárias na aparência. Por isso Paulo chama a atenção dos Filipenses para uma outra consideração - que Deus por sua bênção transforma em uma ocasião de bem-estar as coisas que de outra forma parecem tornar-nos infelizes. Ele prova a partir disto, 38 que o suportar a cruz é o dom de Deus. Agora é certo, que todos os dons de Deus são salutares para nós. Para você, diz ele, é dado, não somente crer em Cristo, mas também sofrer por ele. Por isso mesmo os próprios sofrimentos são evidências da graça de Deus; e, já que é assim, você tem a partir desta fonte uma evidência de sua salvação. Oh, se esta persuasão fosse efetivamente inculcada em nossas mentes - de que as perseguições devem ser contados entre os benefícios de Deus, que grande progresso seria feito na doutrina da piedade! E, ainda, mais certo do que isto é a maior honra que é conferida a nós pela graça divina, que soframos por causa do nome de Cristo, reprovação, ou prisão, ou misérias, ou torturas, ou até mesmo a morte, porque assim ele nos adorna com as suas marcas de distinção. A Graça de Crer em Cristo e de Sofrer por Ele - Comentário de Filipenses 1.29,30 “29 Porque vos foi concedida a graça de padecerdes por Cristo e não somente de crerdes nele, 30 pois tendes o mesmo combate que vistes em mim e, ainda agora, ouvis que é o meu.” 29. “Crerdes nele”. Paulo sabiamente conjuga a fé com a cruz por uma conexão inseparável, para que os Filipenses 39 pudessem saber que eles foram chamados para a fé de Cristo nesta condição – para que suportassem perseguições por sua causa, como se ele tivesse dito que sua adoção não poderia mais ser separada da cruz, do que Cristo possa ser separado de si mesmo. Aqui, Paulo atesta claramente, que a fé, assim como a constância nas perseguições duradouras, é um dom imerecido de Deus. E, certamente, o conhecimento de Deus é uma sabedoria que é muito elevada para que possa ser atingida pelo nosso próprio entendimento, e nossa fraqueza se revela em exemplos diários em nossa própria experiência, quando Deus retira sua mão por um tempo. Para que Paulo pudesse intimar mais distintamente que ambos são imerecidos, ele diz expressamente - pelo amor de Deus, ou pelo menos que nos são dados no fundamento da graça de Cristo; pelo que ele exclui qualquer ideia de mérito. Esta passagem também está em desacordo com a doutrina dos escolásticos, que sustentam que os dons da graça ultimamente conferidos são frutos de nosso mérito, com o fundamento de termos feito um uso correto dos que tinham sido anteriormente concedidos. Eu não nego, de fato, que Deus recompensa o uso correto de seus dons de graça concedendo-nos ainda mais graça, contanto que não coloquemos mérito, como eles fazem, em oposição à sua liberalidade imerecida e o mérito de Cristo. 30. “tendo o mesmo combate”. Ele confirma, também, pelo seu próprio exemplo o que tinha dito, e isso não 40 acrescenta pouca autoridade à sua doutrina. Pelos mesmos meios, também, ele lhes mostra, que não há nenhuma razão pela qual eles deveriam se sentir atribulados em razão das lutas que eles contemplavam na vida do apóstolo, em prol do evangelho. O Fruto do Espírito Santo no Crente - Comentário de Gálatas 5.22,23 “22 Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, 23 mansidão, domínio próprio. Contra estas coisas não há lei.” 22. “Mas o fruto do Espírito”. Justamente como havia condenado toda a natureza humana como nada produzindo senão frutos nocivos e indignos, agora Paulo nos diz que todas as virtudes, todas as boas e bem ordenadas afeições procedem do Espírito, ou seja, da graça de Deus e da natureza renovada que recebemos de Cristo. Como se houvera dito: “Nada, senão o mal, procede do homem; nada de bom pode proceder senão do Espírito Santo”. Pois ainda que às vezes surjam nos homens não regenerados notáveis exemplos de nobreza, fidelidade, temperança e generosidade, o fato é que não passam de marcas ilusórias. Curio e Fabricio foram famosos por sua coragem; Cato, por sua temperança; Scipio, por sua bondade e generosidade; Fabio, por sua 41 paciência. Mas tudo isso era apenas aos olhos dos homens e como membros da sociedade. Aos olhos de Deus, nada é puro senão o que procede da fonte de toda a pureza. Não tomo alegria, aqui, no sentido de Romanos 14:17, mas como aquele bom humor (hilaritas) para com nossos companheiros, o qual é o posto de melancolia. Fé é usada para verdade, e é contrastada com astúcia, engano e falsidade. Paz contrasto com rixas e contendas. Longanimidade é a suavidade da mente, a qual nos dispõe a levar tudo com otimismo, não permitindo a suscetibilidade. O restante é óbvio, pois a condição da mente se abre a parte de seu fruto. Pode-se perguntar, porém, que juízo formaremos dos perversos e idólatras que, não obstante, exigem extraordinária semelhança de virtudes. Pois pelo prisma de suas obras parecem espirituais. Eis minha resposta: nem todas as obras da carne despontam numa pessoa carnal; mas sua carnalidade é exibida por um ou outro vício; assim como uma pessoa não pode ser tida como espiritual pelo prisma de uma única virtude. Às vezes se fará óbvio à luz de outros vícios que a carne reina em tal pessoa; e isso é facilmente visto em todos aqueles a quem mencionamos. 23. “Contra tais coisas não há lei”. Há quem entenda isso como significando simplesmente que a lei não é dirigida contra as boas obras, visto que das boas maneiras têm 42 emanado boas leis. Mas a intenção de Paulo é mais profunda e menos óbvia, ou seja: onde o Espírito reina, alei não mais exerce qualquer domínio. Ao modelar nossos corações segundo sua própria justiça, o Senhor nos liberta da severidade da lei, de modo que não trata conosco segundo o pacto da lei, nem obriga nossas consciências sob sua condenação. Não obstante, a lei continua a exercer seu ofício de ensinar e exortar. Mas o Espírito de adoção nos livra da sujeição a ela devida. Paulo, pois, ridiculariza os falsos apóstolos, os quais forçavam a sujeição à lei, mas que ninguém estava mais ansioso do que eles para livrar-se do jugo dela. Paulo nos diz que a única forma pela qual isso se faz possível é quando o Espírito de Deus assume o domínio. À luz desse fato, segue-se que eles não se preocupavam com a justiça espiritual. Permanecer na Doutrina para Permanecer em Jesus - Comentário de I João 2.24,25 “24 Permaneça em vós o que ouvistes desde o princípio. Se em vós permanecer o que desde o princípio ouvistes, também permanecereis vós no Filho e no Pai. 25 E esta é a promessa que ele mesmo nos fez, a vida eterna.” 24. “Que permaneça em vós”. João acrescenta uma exortação à doutrina anterior; e para que isto pudesse ter 43 mais peso, ele aponta os frutos que receberiam da obediência. Ele, então, exorta-os à perseverança na fé, para que pudessem reter fixamente em seus corações o que tinham aprendido. Mas, quando ele diz, desde o início, ele não quer dizer que a antiguidade era suficiente para provar qualquer doutrina verdadeira; mas assim como ele já tem mostrado que eles haviam sido corretamente instruídos no puro evangelho de Cristo, ele conclui que eles deveriam continuar no mesmo. E esta ordem deveria ser especialmente observada; porque somos dispostos a divergir daquela doutrina que temos uma vez abraçado, seja ela qual for, e isso não seria perseverança, mas obstinação perversa. Assim, a distinção deveria ser exercida, de modo que a razão da nossa fé possa ser evidenciada a partir da palavra de Deus; então devemos seguir uma perseverança inflexível. “Desde o princípio ouvistes”. Aqui está o fruto da perseverança - que aqueles em quem a verdade de Deus permanece, permaneçam em Deus. Nós, portanto, aprendemos o que devemos procurar em cada verdade relativa à religião. Faz, portanto, a maior proficiência, quem faz tal progresso estando completamente apegado a Deus. Mas em quem o Pai não habita através de seu Filho, é completamente fútil e vazio, qualquer conhecimento que ele possa possuir sobre religião. Além disso, esta é a mais alta comenda da sã doutrina, a qual nos une a Deus, e que nela se encontra tudo o que diz respeito à verdadeira fruição de Deus. 44 Em último lugar, João nos lembra que isto é a verdadeira felicidade, quando Deus habita em nós. As palavras que ele usa são ambíguas. Elas podem ser interpretadas: "Esta é a promessa que ele nos prometeu a vida eterna." Você pode, no entanto, adotar qualquer uma destas interpretações, porque o significado ainda é o mesmo. A suma do que é dito é que não podemos viver, exceto em nutrir até o fim a semente da vida semeada em nossos corações. João insiste muito sobre este ponto, que não somente o começo de uma vida abençoada deve ser encontrada no conhecimento de Cristo, mas também a sua perfeição. Mas nenhuma repetição disto será demais, desde que é sabido que isto tem sido sempre a causa de ruína para os homens, que estando, não contentes com Cristo, eles têm tido um desejo para vaguear além da simples doutrina do evangelho. O Espírito Santo nos Guia na Verdade Doutrinária - Comentário de I João 2.26-29 “26 Isto que vos acabo de escrever é acerca dos que vos procuram enganar. 27 Quanto a vós outros, a unção que dele recebestes permanece em vós, e não tendes necessidade de que alguém vos ensine; mas, como a sua unção vos ensina a respeito de todas as coisas, e é verdadeira, e não é falsa, permanecei nele, como também ela vos ensina todas as 45 cousas, e é verdadeira, e não é falsa, permanecei nele, como também ela vos ensinou. 28 Filhinhos, agora, pois, permanecei nele, para que, quando ele se manifestar, tenhamos confiança e dele não nos afastemos envergonhados na sua vinda. 29 Se sabeis que ele é justo, reconhecei também que todo aquele que pratica a justiça é nascido dele.” 26. “Estas coisas vos escrevi”. O próprio apóstolo se desculpa novamente por ter admoestado aqueles que eram bem dotados de conhecimento e julgamento. Mas ele fez isso, para que eles pudessem se aplicar à orientação do Espírito Santo, para que sua admoestação não fosse em vão; como se ele tivesse dito: "Eu, na verdade faço a minha parte, mas ainda é necessário que o Espírito de Deus deve encaminhá-los em todas as coisas; em vão seria até o som da minha voz, batendo nos seus ouvidos, ou melhor, o ar, a menos que ele fale dentro de vocês." Quando ouvimos que ele escreveu a respeito de sedutores, devemos ter sempre em mente, que é o dever de um bom e diligente pastor, não somente reunir um rebanho, mas também afugentar os lobos; porque do que adiantaria proclamar o evangelho puro, se formos coniventes com as imposturas de Satanás? Ninguém, então, pode ensinar fielmente à Igreja, a não ser que ele seja diligente em banir erros, sempre que encontrá-los espalhados por sedutores. O que ele diz sobre a “unção que dele recebestes”, eu o aplico a Cristo. 46 27. “E não tendes necessidade de que alguém vos ensine”. Deve ter sido o propósito de João, como eu já disse, se ele pretendia apresentar o ensino como sendo inútil. Ele não lhes atribui tanta sabedoria, como para negar que eles fossem estudiosos de Cristo. Ele só quis dizer que eles não eram de nenhuma forma tão ignorantes como se precisassem que as coisas desconhecidas lhes fossem ensinadas, porque ele não colocou diante deles qualquer coisa, que o Espírito de Deus não pudesse lhes sugerir de si mesmo. Absurdamente, então, agem os homens fanáticos leigos que usam essa passagem, com o fim de excluir da Igreja o uso do ministério externo (que chamam de leigo). Ele diz que o fiéis, ensinados pelo Espírito, já entenderam o que ele lhes entregou, porque eles não tinham necessidade de aprender coisas desconhecidas para eles. Ele disse isso, para que pudesse acrescentar mais autoridade à sua doutrina, enquanto cada um a recebendo em seu coração, a gravasse como se fosse pelo dedo de Deus. Mas, como cada um tinha conhecimento de acordo com a medida de sua fé, e como a fé em alguns era pequena, e em outros mais forte, e em nenhum era perfeita, portanto, segue-se que ninguém sabia tanto, que não houvesse espaço para o progresso. Há também um outro uso para ser feito desta doutrina, - que quando os homens realmente entendem o que é necessário para eles, ainda devemos adverti-los e despertá-los, para que possam ser mais confirmados. Por que o que João diz que eles foram ensinados sobre todas as coisas pelo Espírito, não deve ser 47 tomado genericamente, mas deve ser limitado ao que está contido nessa passagem. Ele tinha, em suma, nenhuma outra coisa em vista senão fortalecer a fé deles, enquanto ele lhes lembrou do exame do Espírito, que é o único corretor e aprovador de doutrina, que a sela em nossos corações, para que possamos conhecer com certeza o que Deus fala. Por enquanto a fé deve olhar para Deus, somente ele pode ser um testemunho de si mesmo, de modo a convencer os nossos corações que o que nossos ouvidos recebem tem vindo dele. E o mesmo é o significado dessas palavras, “como a sua unção ensina todas as coisas”, e é verdade; isto é, o Espírito é como um selo, pelo qual a verdade de Deus é testificada a você. Quando ele acrescenta, “e não é falsa”, ele aponta outro ofício do Espírito, pois ele nos reveste com julgamento e discernimento, para que não sejamos enganados por falsidades, para que não hesitemos e fiquemos perplexos, para que não vacilemos em coisas duvidosas. “Permanecei nele, como também ela vos ensinou”. Ele tinhadito, que o Espírito habitava neles; agora ele os exorta a permanecerem na revelação feita por ele, e especifica que revelação era, "permanecei", diz ele, "em Cristo, conforme o Espírito Santo vos ensinou." Outra explicação, eu sei, é comumente dada: “Permanecei nela", isto é, na unção. Mas, como a repetição que se segue imediatamente, não pode ser aplicada a qualquer outro, senão a Cristo, eu não tenho nenhuma dúvida de que ele fala aqui também de Cristo; e isso é exigido pelo 48 contexto; porque o Apóstolo discorre muito sobre este ponto, que os fiéis devem reter o verdadeiro conhecimento de Cristo, e que eles não devem ir a Deus de qualquer outra forma. Ele, ao mesmo tempo mostra, que os filhos de Deus são iluminados pelo Espírito, para nenhum outro fim, senão para que possam conhecer a Cristo. Providenciando para que eles não se desviassem dele, ele lhes prometeu o fruto da perseverança, mesmo da confiança, de modo a não terem vergonha na sua presença. Pois a fé não é uma nua e fria apreensão de Cristo, mas um sentimento vivo e real do seu poder, que produz confiança. De fato, a fé não pode permanecer, enquanto jogada diariamente por tantas ondas, senão somente por se esperar a vinda de Cristo, e, apoiado por seu poder, isto traz tranquilidade à consciência. Mas a natureza da confiança é bem expressada, quando ele diz que ela pode corajosamente sustentar a presença de Cristo. Pois aqueles que se entregam de forma segura aos seus vícios, viram as costas para Deus; e nem podem de outra forma obter a paz do que por esquecê-lo. Esta é a segurança da carne, que entorpece os homens; para que se afastando de Deus, nunca tenham medo do pecado, nem da morte; enquanto evitam o tribunal de Cristo. Mas uma piedosa confiança encanta o olhar para Deus. Por isso, é que os santos calmamente esperam por Cristo, nem temem a sua vinda. 29. “Se sabeis que ele é justo”. Ele passa novamente às exortações, para que ele as misture continuamente com 49 a doutrina em toda a Epístola; mas ele prova por muitos argumentos que a fé é necessariamente conectada com uma vida santa e pura. O primeiro argumento é que somos gerados espiritualmente à semelhança de Cristo; que daí resulta, que ninguém nasce de Cristo, senão aquele que vive em retidão. É ao mesmo tempo incerto se ele quer dizer Cristo ou Deus, quando ele diz que os que nascem dele praticam a justiça. É um modo de falar certamente utilizado nas Escrituras, que nascemos de Deus em Cristo; mas não há nada inconsistente em dizer também, que aqueles que são nascidos de Cristo, são aqueles que são renovados por seu Espírito. O Amor de Deus por Israel - Comentário de Oseias 11:1 “Quando Israel era um menino, eu o amei, e chamei meu filho do Egito” (Oseias 11.1) Deus, aqui, protesta contra o povo de Israel por causa da ingratidão. A obrigação deles era dupla, pois Deus lhes adotara desde o início, quando não havia nenhum mérito ou valor no povo. De fato, era outra a sua condição, ao ser emancipado dos seus trabalhos servis no Egito? Indubitavelmente, eles pareciam, então, como um homem meio morto ou uma ossada podre; pois não possuíam vigor algum remanescente neles. O Senhor, pois, estendeu sua mão ao povo quando esse estava em tal desesperado estado, puxou-o, por assim dizer, do 50 túmulo, e restaurou-o da morte para a vida. Porém, em segundo lugar, não reconheciam isso como um tão maravilhoso favor de Deus, senão que, logo depois, petulantemente, deram as costas a ele. Que impiedade foi essa, e quão vergonhosa imoralidade, dar as costas, assim, ao autor da vida e da salvação deles? O Profeta, portanto, realça o pecado e a vileza do povo com esta circunstância, que o Senhor lhes amara ainda na infância; quando, ele diz, Israel ainda era uma criança, eu o amei. O nascimento do povo foi sua saída do Egito. O Senhor, deveras, celebrara seu concerto com Abraão quatrocentos anos antes; e, como sabemos, os patriarcas também foram reputados por ele como seus filhos: mas Deus queria que sua Igreja fosse, por assim dizer, extinta, quando a redimiu. Desse modo, a Escritura, quando fala da libertação do povo, amiúde se refere àquela mercê divina como que de alguém trazido para o mundo. Não é, por conseguinte, sem razão que o Profeta lembra o povo, aqui, de que esse fora amado quando na meninice. A prova de tal amor era que fora trazido do Egito. O amor precedera, como a causa vem sempre antes do efeito. Mas o Profeta expande o argumento: Eu amei Israel, precisamente quando ele ainda era uma criança; eu o chamei do Egito; ou seja: “Eu não somente o amei quando criança, mas, antes que tivesse nascido, eu comecei a amá-lo; pois a libertação do Egito foi o nascimento, e meu amor precedeu esse. Então, fica claro que o povo havia sido amado por mim, antes que viesse à luz; pois o Egito era como uma tumba sem qualquer centelha de vida; e a condição miserável em que esse 51 povo se encontrava era pior do que duzentas mortes. Então, ao chamar meu povo do Egito, eu provei que meu amor foi gratuito, antes deles nascerem”. O povo, por isso, era menos desculpável quando retribuiu a Deus com uma tão indigna recompensa, visto que esse tinha, anteriormente, conferido seu livre favor sobre eles. Compreendemos, agora, o sentido dado pelo Profeta. Mas aqui se levanta uma questão difícil; pois Mateus, no capítulo segundo, acomoda essa passagem à pessoa de Cristo. Aqueles que não são bem versados na Escritura, confiantemente, aplicam esse ponto a Cristo; todavia, o contexto se opõe a isso. Por esse motivo, ocorreu de os escarnecedores haverem tentado perturbar toda a religião de Cristo, como se o Evangelista tivesse aplicado erroneamente a declaração do Profeta. Dão uma resposta mais conveniente aqueles que dizem que, nesse caso, há somente uma comparação: como quando uma passagem de Jeremias é citada em outro lugar, quando a crueldade de Herodes - o qual se enraiveceu contra todos os infantes de seu domínio, abaixo de dois anos de idade - é mencionada: “Raquel, chorando por seus filho, não quis receber consolação, porque eles não mais existem” (Jer 31.15). O Evangelista diz que tal profecia foi cumprida (Mt 2.18). Mas é certo que o objetivo de Jeremias era outro; contudo, nada impede que tal declaração seja aplicada ao que Mateus relata. Assim entendem essa passagem. Não obstante, penso que Mateus tenha considerado mais profundamente o propósito de Deus ao ter levado Cristo para o Egito, bem como seu retorno posterior à Judeia. Em primeiro lugar, 52 deve ser lembrado que Cristo não pode ser separado de sua Igreja, visto que o corpo ficará mutilado e imperfeito sem uma cabeça. Tudo o que ocorreu outrora à Igreja, devia, por fim, ser cumprido pela cabeça. Isso é uma coisa. Então, não há dúvida alguma de que Deus, em sua maravilhosa providência, tencionava que seu Filho partisse do Egito para que fosse um redentor para os fiéis; e, dessa forma, ele indica que uma libertação verdadeira, real e perfeita foi, finalmente, efetuada, quando o Redentor prometido surgiu. Foi, pois, o pleno nascimento da Igreja quando Cristo partiu do Egito para redimi-la. Assim, em minha opinião, é insípido demais aquele comentário que adota a ideia de que Mateus fez apenas uma comparação. Pois convém a nós considerar isto, que Deus, quando dantes resgatou seu povo do Egito, somente provou, através de um indiscutível prêmio, a redenção que ele protelou até a vinda de Cristo. Por isso, como o corpo foi, pois, trazido do Egito para a Judeia, assim, finalmente, a cabeça também saiu do Egito: e, então, Deus revelou plenamente ser ele o verdadeiro libertador de seu povo. Eis, então, o significado. Mateus, portanto, com a maior propriedade, acomoda essa passagem a Cristo, que Deus amou seu Filho desde sua primeira infância e o chamou do Egito. Ao mesmo tempo, sabemos que Cristo é denominado o Filho de Deus em um aspecto diferente do povo de Israel;pois a adoção fez dos filhos de Abraão os filhos de Deus, mas Cristo é, por natureza, o unigênito Filho de Deus. Contudo, a dignidade dele deve permanecer na cabeça, para que o corpo continue em seu estado inferior. Não há, pois, nada incoerente nisso. Porém, quanto à 53 acusação de ingratidão, que tão grande mercê de Deus não fosse reconhecida, isso não pode ser adaptado à pessoa de Cristo, como bem conhecemos; tampouco é necessário, nesse sentido, aludir a ele; pois vemos, a partir de outros lugares, que nem tudo que é dito de Davi, do sumo sacerdote ou da posteridade davídica se aplica a Cristo; apesar de terem sido tipos de Cristo. Porém, há sempre uma grande diferença entre a realidade e seus símbolos. A Verdade Revelada por Deus ao Seu Povo - Comentário do Salmo 78.1,2 “1 Escutai, povo meu, a minha lei; prestai ouvidos às palavras da minha boca. 2 Abrirei os lábios em parábolas e publicarei enigmas dos tempos antigos.” Para compreender muitas coisas dentro de pouco espaço deve-se observar que neste Salmo há dois tópicos principais. Por um lado, declara-se como Deus adotou para si a Igreja, oriunda da posteridade de Abraão, quão terna e graciosamente ele cuidou dela, quão maravilhosamente ele a tirou do Egito e quão variadas foram as bênçãos que ele lhe outorgou. Por outro lado, os judeus, que lhe eram tão devedores pelas grandes 54 bênçãos que ele lhes conferira, são censurados por terem de tempo em tempo perversa e traiçoeiramente se revoltado contra um Pai tão liberal; de modo que sua inestimável bondade foi claramente manifesta, não só em havê-los outrora adotado tão graciosamente, mas também em continuar no curso ininterrupto de sua bondade, tudo fazendo contra a rebelião de um povo tão pérfido e contumaz. Além disso, faz-se menção da renovação da graça de Deus, e como foi de uma segunda eleição que ele escolheu a Davi, da tribo de Judá, para alçar o cetro sobre o reino de Israel. “Dai ouvidos a minha lei, povo meu!” Por todo o Salmo podemos conjeturar, com boa probabilidade, que ele foi escrito muito depois da morte de Davi; pois aí temos celebrado o reino erigido por Deus na família de Davi. Aí também a tribo de Efraim, a qual lemos ter sido rejeitada, é contrastada e posta em oposição à casa de Davi. Disto é evidente que as dez tribos estavam naquele tempo em estado de separação do restante do povo eleito; porque deve haver alguma razão pela qual o reino de Efraim é estigmatizado com o estigma da desonra como sendo ilegítimo e bastardo. Quem quer que tenha sido o escritor inspirado deste Salmo, ele não introduziu Deus falando como alguns imaginam, mas ele mesmo se dirige aos judeus no caráter de mestre. Não há objeção quanto ao fato de ele chamar o povo de meu povo e a lei, minha lei; não sendo algo incomum que os profetas tomavam por empréstimo o nome daquele por quem eram enviados, para que sua 55 doutrina desfrutasse de maior autoridade. Aliás, a verdade que lhes havia sido confiada pode, com propriedade, ser chamada sua. Assim Paulo, em Romanos 2.16, se gloria no evangelho como sendo meu evangelho, expressão essa que não deve ser entendida como significando que ele [o evangelho] era um sistema que devia sua origem a ele [Paulo], mas que ele era meramente pregador e testemunha dele. E tenho dúvidas se os intérpretes estão estritamente certos em traduzir a palavra hrwt, torah, por lei. O significado dela parece ser um tanto mais geral, como transparece da sentença seguinte, onde o salmista usa a frase: as palavras de minha boca, no tempo sentido. Se considerarmos com que intenção mesmo aqueles que fazem veementes confissões de por serem discípulos de Deus ouvem sua voz, ficaremos admirados com o fato de que os profetas tivessem boa razão para introduzir suas lições de instruções com uma solene chamada de atenção. É verdade que ele não se dirige aos obstinados que não se deixam instruir, que teimosamente recusam submeter-se à Palavra de Deus; mas como até mesmo os verdadeiros crentes geralmente são tão relutantes em receber instrução, esta exortação, longe de ser supérflua, era muitíssimo necessária para curar a indolência e inatividade entre eles. Para assegurar uma atenção mais firme, ele declara ser seu propósito discutir temas de um caráter profundo, elevado e difícil. A palavra lXm mashal, a qual traduzi por parábola, denota sentenças graves e notáveis, tais como adágios, provérbios e apotegmas. Como, pois, a própria 56 questão que temos tratado, se é de peso e importante, desperta a mente dos homens, a pena inspirada afirma que é seu propósito pronunciar somente sentenças notáveis e ditos extraordinários. A palavra twdyx, chidoth, a qual, seguindo a outros, traduzi por enigmas, é aqui usada não tanto para sentenças obscuras, mas para ditos que são enfatizados e dignos de nota especial. Ele não pretendia encerrar seu cântico com linguagem ambígua, mas clara e distintamente conservar tanto os benefícios de Deus quanto a gratidão do povo. Como eu já disse, seu desígnio é apenas estimular seus leitores a pensarem e considerarem mais atentamente o tema proposto. Esta passagem é citada por Mateus 13.35 e aplicada à pessoa de Cristo quando ele manteve a mente do povo em suspenso através de parábolas às quais não podiam entender. O objetivo de Cristo, de agir assim, era provar que ele era um Profeta de Deus distinto dos demais, e que assim pudesse ser recebido com maior reverência. Visto que ele então se assemelhava a um profeta por pregar mistérios sublimes num estilo de linguagem acima do gênero comum, isso que o escritor sacro afirma aqui acerca de si mesmo é com propriedade transferido para ele [Cristo]. Se neste Salmo resplandece uma majestade tal que com razão incita e inflama os leitores com o desejo de aprender, deduzimos disto com que solícita atenção ele nos faz receber o evangelho, no qual Cristo nos abre e nos exibe os tesouros de sua celestial sabedoria. O Único Cordeiro Sacrificado que Tira o Pecado do Mundo - Comentário de João 1.29 57 “No dia seguinte, viu João a Jesus, que vinha para ele, e disse: Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!” (João 1.29) No dia seguinte”. Não pode haver dúvida de que João já havia falado sobre a manifestação do Messias; mas quando Cristo começou a aparecer, ele desejou que o anúncio dele fosse rapidamente conhecido, e o tempo havia chegado no qual Cristo poria fim ao ministério de João, assim como, quando o sol se levanta, e a aurora desaparece. Depois de ter testemunhado aos sacerdotes que foram enviados a ele, sobre Aquele no qual deveriam buscar a verdade e o poder de batizar com o Espírito Santo, já se achava presente, e João estava conversando no meio do povo, e no dia seguinte, ele apontou Jesus à vista de todos. Porque esses dois atos, um após o outro, em rápida sucessão, devem ter afetado poderosamente suas mentes. Esta também é a razão por que Cristo apareceu na presença de João. “Eis o Cordeiro de Deus”. O principal ofício de Cristo é breve e claramente indicado; que tira os pecados do mundo pelo sacrifício da sua morte, e reconcilia os homens com Deus. Existem outros favores, de fato, que Cristo nos concede, mas este é o principal favor, e o resto depende disso; que, por apaziguar a ira de Deus contra o pecado, faz com que sejamos contados como santos e justos. Porque a partir desta fonte fluem todos os rios de bênçãos, que, por não imputar os nossos pecados, ele nos recebe em seu favor. Assim, João, a fim de nos conduzir 58 a Cristo, começa com o perdão gratuito dos pecados que nós obtemos através dele. Pela palavra Cordeiro ele alude aos antigos sacrifícios da Lei. Ele tinha que tratar com os judeus que, tendo sido acostumados a sacrifícios, não poderiam ser instruídos sobre a expiação dos pecados de qualquer outra forma que não fosse por meio de um sacrifício. Como havia diversos tipos deles, ele apresenta um, por uma
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