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O Direito é um sistema normativo, ou seja, uma completude de normas jurídicas. Existe, contudo, casos em que não há norma para legislar sobre uma determinada matéria? O direito à greve é regulado pela Consolidação das Leis do Trabalho. Esse direito, contudo, é para os trabalhadores da iniciativa privada. Os trabalhadores do Poder Público possuem previsto direito de greve na CF, entretanto sem normativa de seu funcionamento da seara infraconstitucional. Como solucionar? Há, também, casos onde as normas do mesmo ordenamento são conflitantes entre si? Lei de Crimes Hediondos falava sobre a impossibilidade de haver progressão de regime àqueles que cometessem algum dos crimes tipificados em seu corpo normativo. A Constituição Federal, por outro lado, prevê a sempre possível progressão de regime. Como solucionar? Casos como esses constituem o que se chama de LACUNAS e ANTINOMIAS. Antinomias •Antinomias significam normas incompatíveis entre si. •Segundo Bobbio, “o Direito não tolera antinomias” (1995, p. 81), na medida em que é um sistema. “Definimos a antinomia como aquela situação na qual são colocadas em existência duas normas, as quais uma obriga e a outra proíbe, ou uma obriga e a outra permite, ou uma proíbe e a outra permite o mesmo comportamento”. •Para se verificar a existência de uma antinomia, contudo, precisamos atentar para seus requisitos: •as duas normas devem pertencer ao mesmo ordenamento. •as duas normas devem ter o mesmo âmbito de validade. 2) as duas normas devem ter o mesmo âmbito de validade. Quatro são os âmbitos e validade de uma norma: temporal, espacial, pessoal e material. •Não constituem antinomia duas normas que não coincidem com respeito a: - “é proibido fumar das cinco às sete” não é validade temporal: incompatível com “é permitido fumar das sete às nove”. - “é proibido fumar na sala de cinema” não é validade espacial: incompatível com “é permitido fumar na sala de espera”. - “é proibido, aos menores de 18 anos, fumar” validade pessoal: não é incompatível com “é permitido aos adultos fumar”. - “é proibido fumar charutos” não é validade material: incompatível com “é permitido fumar cigarros”. EXCEÇÃO A partir disso, pode-se definir novamente antinomia como sendo a situação jurídica em que se verifica entre duas normas incompatíveis e tendo o pertencentes ao mesmo ordenamento mesmo âmbito de validade. As antinomias podem ser de dois tipos, conforme Dimitri Dimoulis (2011, p. 206 e seguintes): a) ANTINOMIA APARENTE: •Muitos conflitos de normas são somente aparentes, podendo ser resolvidos por bom senso do aplicador. •Temos uma antinomia aparente quando as normas conflitantes aplicam-se em âmbitos diferentes. •Isso geralmente ocorre quando se confronta normas de diferentes ordenamentos jurídicos. A (IN)COMPLETUDE DO ORDENAMENTO JURÍDICO: Antinomia Existem diversas formas de classificar as antinomias, cada autor propõe algum critério e nomenclatura. A mais tradicional é essa: real x aparente. •As antinomias aparentes também podem se manifestar quando normas do mesmo ordenamento jurídico se valem para pessoas ou situações diferentes. Exemplo: entre duas leis municipais que estabelecem diferentes alíquotas de IPTU não há antinomia porque se aplicam em cidades diferentes. É suficiente saber em que município situa-se o imóvel para decidir qual norma é aplicável. •Haverá também antinomia aparente se uma das normas em conflito tiver algum vício que impeça sua aplicação. Semelhante é a situação na qual se constata que uma das normas em conflito não entrou ainda em vigor ou foi revogada. Exemplo: entre o Marco Civil da Internet, norma vigente, e a Lei Geral de Proteção de Dados, norma em vacatiolegis, eventual antinomia configura-se somente de forma aparente, mesmo que ambas tratem de sanção ao violador de dados pessoais na internet. •O aplicador deve tentar harmonizar as normas conflitantes antes de afirmar a existência de antinomia real. Quando há, por exemplo, suspeita de inconstitucionalidade de uma lei, o aplicador deve tentar “salvar” a lei, interpretando-a de maneira conforme à Constituição. b) ANTINOMIA REAL “Temos uma antinomia real quando o aplicador constata que os legisladores manifestaram duas vontades contraditórias a respeito do mesmo assunto” (DIMOULIS, 2011, p. 207). Antinomia é o conflito entre duas normas, dois princípios, ou de uma norma e um princípio geral de direito em sua aplicação prática a um caso particular. É a presença de duas normas conflitantes, sem que se possa saber qual delas deverá ser aplicada ao caso singular (DINIZ, 1998, p. 469). “Devido à tendência de cada ordenamento jurídico se constituir em sistema, a presença de antinomias em sentido próprio é um defeito que o intérprete tende a eliminar. Como antinomia significa o encontro de duas proposições incompatíveis, que não podem ser ambas verdadeiras, e, com referência a um sistema normativo, o encontro de duas normas que não poderá consistir em outra coisa senão na eliminação de uma das duas normas(no caso de normas contrárias, também na eliminação das duas). Mas qual das duas normas deve ser eliminada? Aqui está o problema mais grave das antinomias. Mas, uma coisa é descobrir a antinomia, outra, resolvê-la. As regras vistas até agora nos servem para saber que duas normas são incompatíveis, mas nada nos dizem sobre qual das duas deva ser conservada ou eliminada. É necessário passar da determinação das antinomias à solução das antinomias” (BOBBIO, 1995, p. 91-92). Quando verificada uma antinomia real, há alguns critérios que podem auxiliar o intérprete a identificar qual norma deva ser aplicada. Esses critérios são três: CRITÉRIO CRONOLÓGICO •Também chamado de lei posterior ou lexposterior. •Segundo o critério cronológico, entre duas normas incompatíveis prevalece sempre a norma posterior. •Brocardo: lex posterior derogat legi priori. O legislador, ao editar nova norma jurídica, dá a entender que quis revogar a norma anterior. “Da mesma forma que o garçom traz ao freguês a bebida que acabou de pedir e não aquela que tinha pedido na semana passada” (DIMOULIS, 2011, p. 210). •Um problema particular cria-se quando uma norma revoga outra que, por sua vez, tinha sido editada para substituir norma anterior. •Se a norma anterior limitar-se a revogar a norma anterior sem estabelecer um novo regulamento, voltaria a ser válida a norma inicial? •É o que se chama de repristinação. §3º do art. 2º da LINDB: “salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência”. A repristinação ocorre quando a norma revogada volta a valer com a revogação da norma revogadora, o que, em regra, não há no Direito brasileiro. Verificada uma antinomia, o que fazer? Se a Lei n. 003/2020 revoga a Lei n. 002/2020, que havia revogado a Lei n. 001/2020, a Lei n. 001/2020 não volta a produzir seus efeitos. ATENÇÃO! Há duas hipóteses em que pode haver repristinação no Direito brasileiro. CRITÉRIO HIERÁRQUICO •Também chamado de lei superior ou lexsuperior. •Segundo o critério hierárquico, entre duas normas incompatíveis prevalece sempre a norma superior. •Brocardo: Lex superior derogat inferiori. A inferioridade de uma norma em relação a outra consiste na menor força de seu poder normativo, e essa menor força se manifesta justamente na incapacidade de estabelecer uma regulamentação que esteja em oposição à regulamentação de uma norma hierarquicamente superior. Observação 1: quando uma norma infraconstitucional é antinômica a uma norma constitucional, diz-se que há INCONSTITUCIONALIDADE da norma infraconstitucional. Observação 2: quando uma norma infraconstitucionalhierarquicamente superior é antinômica com outra norma infraconstitucional, mas hierarquicamente inferior, diz-se que há ILEGALIDADE da norma inferior. Exemplo: no conflito aparente de normas entre, por exemplo, a Lei n. 8.072, que dispõe sobre os crimes hediondos, e a Constituição Federal, prevaleceu o entendimento constitucional possibilitando a progressão de regime. CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE: •Também chamado de lei especial ou lexspecialis. •Segundo o critério da especialidade, entre duas normas incompatíveis prevalece sempre a norma especial. •Brocardo: lexposterior derogatpriori. •Deduz-se da máxima de que a cada um é dado o que é seu (suumcuique tribuere), razão pela qual sempre a norma especial prevalece a norma geral. Exemplo: o art. 121 do CP tipifica a conduta de “matar alguém” como homicídio simples, aplicando pena de 6 a 20 anos de reclusão. Mas, se a conduta “matar alguém” se realizar por meio de um veículo automotor, que norma deve ser aplicada, o CP ou o CTB? E, se a ação “matar alguém” tiver como sujeito passivo o Presidente da República, qual lei deve ser aplicada, a Lei de Segurança Nacional ou CP? •Se houver conflito de critérios, como proceder? Se uma norma hierarquicamente superior se confrontar com uma norma cronologicamente mais recente, qual deve preponderar? Há três regras para tanto: 1ª REGRA: conflito entre os critérios HIERÁRQUICO X CRONOLÓGICO. Esse conflito tem lugar quando uma norma anterior-superior é antinômica em relação a uma norma posterior-inferior. Qual dos critérios aplicar? O critério hierárquico é mais forte ao critério cronológico (hierárquico > cronológico), razão pela qual ele sempre é preponderante neste conflito. 2ª REGRA: conflito entre os critérios da ESPECIALIDADE X CRONOLÓGICO. Esse conflito tem lugar quando uma norma anterior-especialé incompatível com uma norma posterior-geral. Qual dos critérios aplicar? Para Bobbio, o critério da especialidade da norma, assim como o critério hierárquico, é um critério forte, ou seja, que prepondera ao critério cronológico (especialidade > cronológico), razão pela qual ele sempre é está a frente neste conflito. ATENÇÃO!!! Os critérios hierárquico e da especialidade são critérios fortes. O . Por isso, o embate de critério cronológico é critério fraco conflito entre um critério forte e um critério fraco é de simples resolução. O problema se reveste no confronto entre dois critérios fortes: hierárquico e da especialidade. 3ª REGRA: conflito entre os critérios HIERÁRQUICO X ESPECIALIDADE. Verifica-se quando entram em oposição dois critérios fortes. É o caso de uma norma superior-geral incompatível com uma norma inferior-especial. Qual prevalece? UMA RESPOSTA SEGURA PARA SOLUÇÃO DESSE EMBATE É QUASE IMPOSSÍVEL!!! • , variando conforme Não existe uma regra geral consolidada cada autor. •Bobbio entende que a solução dependerá do intérprete, o qual aplicará ora um ora outro critério segundo as circunstâncias do caso concreto. Já Dimoulis entende que prevalece a lei superior. Nenhuma antinomia jurídica (em especial a real), poderá ser, definitivamente resolvida pela interpretação científica ou pela decisão judicial, pois estas apenas a solucionam naquele caso sub judice, de modo que o conflito normativo continuará a existir no âmbito das normas gerais. [...] Enquanto não sobrevier lei estabelecendo critérios sobre o assunto, o conflito permanece. O caso concreto pode ser solucionado, mas a antinomia não é eliminada, persistindo na ordem positiva. (DINIZ, 1998, P. 54) Alguns autores sustentam que o critério para a solução de antinomias, atualmente, estaria superado, e que o intérprete, no conflito de normas que regulamentam um mesmo tema, deveria se valer do diálogo das fontes. O Direito deve ser interpretado de uma forma sistemáticae coordenada. Uma nova norma jurídica não exclui a aplicação de outra norma jurídica, mas ambas devem ser interpretadas juntas.
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