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AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 952 - Princípio da Boa Fé Objetiva e sua aplicação na relação contratual

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AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 952.300 - SP (2016⁄0185682-0) 
RELATOR : MINISTRO RAUL ARAÚJO 
AGRAVANTE : IBG INDÚSTRIA BRASILEIRA DE GASES LTDA 
ADVOGADOS : DANIEL SIRCILLI MOTTA - SP235506 
CARLOS AUGUSTO TORTORO JÚNIOR - SP247319 
JOAO HENRIQUE CONTE RAMALHO E OUTRO (S) - SP0304900 
AGRAVADO : FUNDIMAZZA INDUSTRIA E COMERCIO DE MICROFUNDIDOS LTDA 
ADVOGADOS : LUCIANA JOIA ARANHA BOTEON - SP109585 
EDSON AMARILDO BOTEON - SP131699 
 
VOTO 
 
O SENHOR MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator): 
 
Em que pesem as bem lançadas razões recursais, não merece êxito o 
inconformismo, devendo ser mantida a decisão agravada pelos próprios fundamentos. 
Em relação à alegada ofensa aos arts. 458 e 535 do CPC⁄73, verifica-se que a agravante, 
nas razões do recurso especial, fez apenas alegação genérica de sua vulneração, apresentando 
uma fundamentação deficiente que impede a exata compreensão da controvérsia. Incide, na 
hipótese, a Súmula 284⁄STF. 
Nesse sentido, salienta o Ministro SIDNEI BENETI que "a ausência de demonstração 
de como ocorreu a ofensa ao art. 535, do CPC é deficiência, com sede na própria 
fundamentação da insurgência recursal, que impede a abertura da instância especial, a teor 
do enunciado 284 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, aplicável por analogia, também 
ao Recurso Especial"(AgRg no Ag 1.162.073⁄MG, Terceira Turma, DJe de 12⁄5⁄2010). 
De fato, a insurgência foi apresentada de forma genérica e aditada, tardiamente, 
no presente agravo interno. 
Na hipótese, a improcedência da ação ajuizada pela agravante, a qual visa à cobrança de 
quantidade mínima mensal contratada a título de consumo de gases nitrogênio, oxigênio e 
argônio, foi amparada na aplicação do instituto da supressio. 
Relativamente à possibilidade de cobrança de consumo mínimo de gases em razão 
de estar expressamente prevista em contrato, visando ao afastamento da teoria da supressio , 
o Tribunal de origem expressamente consignou o seguinte: 
"Analisando-se o acervo probatório existente nos autos, o caso era mesmo de 
reconhecimento da improcedência da ação. 
A apelante justifica, na sua peça inicial, fls. 06, que a 'cláusula de consumo mínimo visa 
proteger ambas as partes. Garante à compradora que lhe será mensalmente fornecida a 
quantia necessária ao regular desenvolvimento de suas atividades, não sendo prejudicada 
pela insuficiência de fornecimento. Confere à fornecedora segurança para planejamento de 
investimentos para atender à demanda de seus clientes, tais como aquisição, montagem e 
instalação de equipamentos e cilindros, contratação de mão-de-obra, reestruturação da 
produção, reorganização na distribuição de produtos, etc'. 
Assim, a referida cláusula não pode ser considerada abusiva, pois permite melhor 
organização da produção da autora e, consequentemente, garante ao cliente uma quantidade 
mínima a sua disposição. 
No caso dos autos, foram juntadas as notas fiscais, fls. 120⁄138, 
que demonstram o consumo da apelada referente ao período de fev⁄08 a ago⁄09, 
corroboram no sentido de que o consumo pela apelada era inferior ao contratado 
e a apelante cobrava apenas o consumido . 
Entretanto, não se pode entender que a apelada se encontra em situação de 
inadimplemento, pois a cobrança nesta ação viola o princípio da boa-fé (artigo 422, CC), 
tendo em vista que a autora poderia ter realizado cálculos e cobrado durante a 
vigência do contrato, mas ao contrário, comportou-se de forma a aceitar o 
consumo da forma como ocorria . 
Assim, é possível a aplicação da teoria da supressio . 
(...) 
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/28891574/artigo-535-da-lei-n-13105-de-16-de-marco-de-2015
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/174788361/lei-13105-15
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10704748/artigo-422-da-lei-n-10406-de-10-de-janeiro-de-2002
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1035419/c%C3%B3digo-civil-lei-10406-02
A Magistrada destacou que: 'Pelo que consta dos autos, é possível perceber que a ré 
jamais adquiriu a quantidade mínima estipulada . A autora a seu turno, 
tampouco realizou cobrança com base na cláusula contratual do consumo 
mínimo, tendo o feito somente agora em razão da extinção do contrato ', e 
' diante do comportamento constante ao longo dos anos é correto afirmar que a 
autora aceitou tacitamente a postura da ré . Do mesmo modo, o não exercício de 
direito atribuído por contrato, importa em renúncia tácita do mesmo, caracterizado assim o 
instituto da supressio', fls. 189. 
Assim, a cobrança da diferença entre o consumo efetivo e o consumo mínimo, não mais 
pode ser efetuada em relação aos meses pretéritos à resilição, pelo reconhecimento da 
supressio, e em prol da preservação do princípio da boa-fé. 
E mais, a relação entre as partes durou um pouco mais de um ano, com fornecimento 
mensal dos gases, com respectivos pagamentos, conforme as notas fiscais juntadas aos autos, 
contribuindo para uma relação contínua sem atribuição de inadimplemento. Portanto, a 
cobrança é indevida." (e-STJ, fls. 287⁄288 - grifou-se) 
Segundo assente na jurisprudência das Turmas da Segunda Seção desta Corte, a tutela da 
boa-fé objetiva "coíbe omissões prolongadas no tempo, que suscitam no devedor a legítima 
expectativa de que não sofreria mais nenhuma cobrança, a configurar a supressio" (REsp 
1.426.413⁄RJ, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado 
em 1º⁄12⁄2016, DJe de 22⁄2⁄2017). 
Conforme a jurisprudência do STJ, a supressio indica possibilidade 
de redimensionamento da obrigação pela inércia qualificada de uma das partes, durante a 
execução contratual, em exercer direito, criando para a outra parte a legítima expectativa de ter 
havido a renúncia a tal direito. Nesse sentido: 
"RECURSO ESPECIAL. CONTRATO. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE 
COMBUSTÍVEIS E DERIVADOS. APELAÇÃO. REGRA DO ART. 514 DO CPC. 
ATENDIMENTO. AQUISIÇÃO DE QUANTIDADE MÍNIMA DE PRODUTOS. 
INOBSERVÂNCIA NO CURSO DA RELAÇÃO CONTRATUAL. TOLERÂNCIA DO CREDOR. 
CLÁUSULA PENAL. INAPLICABILIDADE. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. 
INSTITUTO DA SUPRESSIO . INCIDÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA Nº 
7⁄STJ. 
1. Trata-se de ação de cobrança de multa prevista em contrato de promessa de compra 
e venda de combustíveis e produtos derivados sob a alegação de que o posto de gasolina não 
adquiriu a quantidade mínima prevista. 
2. A mera reiteração, nas razões do recurso de apelação, de argumentos apresentados 
na inicial ou na contestação não determina por si só ofensa ao art. 514 do Código de Processo 
Civil. Precedentes. 
3. Segundo o instituto da supressio, o não exercício de direito por 
seu titular, no curso da relação contratual, gera para a outra parte, em virtude 
do princípio da boa-fé objetiva, a legítima expectativa de que não mais se 
mostrava sujeito ao cumprimento da obrigação, presente a possível deslealdade 
no seu exercício posterior . 
4. Hipótese em que a recorrente permitiu, por quase toda a vigência 
do contrato, que a aquisição de produtos pelo posto de gasolina ocorresse 
em patamar inferior ao pactuado, apresentando-se desleal a exigência, ao fim da 
relação contratual, do valor correspondente ao que não foi adquirido, com 
incidência de multa. Assim, por força do instituto da supressio, não há ofensa ao 
art. 921 do Código Civil de 1916 . 
5. A revisão do montante fixado a título de honorários advocatícios, exceto se irrisórios 
ou exorbitantes, demanda o reexame de provas, atraindo o óbice da Súmula nº 7⁄STJ. 
6. Recurso especial não provido." 
(REsp 1374830⁄SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA , TERCEIRA 
TURMA, DJe 3.8.2015 - grifou-se). 
"CIVIL. CONTRATOS. DÍVIDAS DE VALOR. CORREÇÃO 
MONETÁRIA. OBRIGATORIEDADE. RECOMPOSIÇÃO DO PODER AQUISITIVO 
DA MOEDA. RENÚNCIA AO DIREITO. POSSIBILIDADE. COBRANÇA RETROATIVA APÓS A 
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/28891830/artigo-514-da-lei-n-13105-de-16-de-marco-de-2015
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/174788361/lei-13105-15
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/28891830/artigo-514-da-lei-n-13105-de-16-de-marco-de-2015https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/174788361/lei-13105-15
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/174788361/lei-13105-15
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/11418569/artigo-921-da-lei-n-3071-de-01-de-janeiro-de-1916
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/103251/c%C3%B3digo-civil-de-1916-lei-3071-16
RESCISÃO DO CONTRATO. NÃO-CABIMENTO. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. TEORIA 
DOS ATOS PRÓPRIOS. SUPRESSIO . 
(...) 
3. Nada impede o beneficiário de abrir mão da correção monetária como forma de 
persuadir a parte contrária a manter o vínculo contratual. Dada a natureza disponível desse 
direito, sua supressão pode perfeitamente ser aceita a qualquer tempo pelo titular. 
4. O princípio da boa-fé objetiva exercer três funções: (i) instrumento hermenêutico; (ii) 
fonte de direitos e deveres jurídicos; e (iii) limite ao exercício de direitos subjetivos. A essa 
última função aplica-se a teoria do adimplemento substancial das obrigações e a teoria dos 
atos próprios, como meio de rever a amplitude e o alcance dos deveres contratuais, 
daí derivando os seguintes institutos: tu quoque, venire contra factum proprium, surrectio e 
supressio. 
5. A supressio indica a possibilidade de redução do conteúdo 
obrigacional pela inércia qualificada de uma das partes, ao longo da execução 
do contrato, em exercer direito ou faculdade, criando para a outra a legítima 
expectativa de ter havido a renúncia àquela prerrogativa . 
6. Recurso especial a que se nega provimento." 
(REsp 1202514⁄RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI , TERCEIRA TURMA, DJe 
30.6.2011 - grifou-se). 
"RECURSO ESPECIAL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE COMBUSTÍVEIS. 
OBRIGAÇÃO DO POSTO DE GASOLINA DE ADQUIRIR QUANTIDADES MÍNIMAS MENSAIS 
DOS PRODUTOS. REITERADO DESCUMPRIMENTO TOLERADO PELA 
PROMITENTE VENDEDORA. CLÁUSULA PENAL DESCABIDA. 
1. Como de sabença, a supressio inibe o exercício de um direito, até 
então reconhecido, pelo seu não exercício . Por outro lado, e em direção oposta à 
supressio, mas com ela intimamente ligada, tem-se a teoria da surrectio, cujo desdobramento 
é a aquisição de um direito pelo decurso do tempo, pela expectativa legitimamente despertada 
por ação ou comportamento. 
2. Sob essa ótica, o longo transcurso de tempo (quase seis anos), sem 
a cobrança da obrigação de compra de quantidades mínimas mensais 
de combustível, suprimiu, de um lado, a faculdade jurídica da distribuidora 
(promitente vendedora) de exigir a prestação e, de outro, criou uma situação de 
vantagem para o posto varejista (promissário comprador), cujo 
inadimplemento não poderá implicar a incidência da cláusula penal 
compensatória contratada . 
3. Recurso especial não provido." 
(REsp 1338432⁄SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO , QUARTA TURMA, DJe 
de 29.11.2017 - grifou-se). 
Assim, tendo o acórdão recorrido se manifestado em conformidade com o entendimento 
desta Corte Superior, não merece reforma o ponto, ante o teor da Súmula 83 do STJ.

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