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1 CAPÍTULO A Cadeia de Custódia Joseli pérez bAldAsso 1. Considerações preliminares A perícia de balística inicia com o exame do local em que ocorreu a produção de tiro ou outro evento envolvendo armas de fogo e suas munições. Nos casos em que o corpo da vítima atingida pelo tiro é remo- vido para a realização do exame necroscópico, sem que tenha ocorrido o exame do local do fato, a perícia de balística inicia com a necropsia. Neste caso, bem como naqueles em que a vítima é socorrida e levada a um hospital, o local em que ocorreu o tiro deve ser examinado porque nele poderão ser encontrados os vestígios que levarão à elucidação dos fatos. Os dados obtidos com o exame do local poderão ser confrontados e até complementados com os dados do exame necroscópico. Quando a vítima de tiros receber atendimento médico em algum hospi- tal ou pronto socorro, é importante que a autoridade policial acompanhe esse procedimento, providenciando que os ferimentos sejam fotografados. Caso seja retirado do corpo da vítima algum projetil, deverá ser lavrado o auto de apreensão (inciso II do art. 6o do Código de Processo Penal). É importante que esse projetil ou fragmentos dele sejam acondicionados em embalagem apropriada e que esta contenha informações de referência, tais como o nome correto da vítima, a região do corpo onde se encontrava o projetil, a data de sua extração e o nome do médico que procedeu à necropsia. A embala- gem deverá ser lacrada de forma a torná-la inviolável para que, a partir desse momento, a cadeia de custódia seja corretamente observada e cumprida. O auto de apreensão deve abranger também os demais elementos de muni- ção (estojos, cartuchos, buchas) e as armas de fogo, caso estejam no local do crime. A preservação dos vestígios materiais através da cadeia de custódia passa a ser relevante especialmente em face da possibilidade de o Ministério Público, o assistente de acusação, o ofendido, o querelante e o acusado virem a indicar assistente técnico (§ 3o do art. 159 do CPP). Esse material probatório, l As imagens assinaladas com são reproduzidas em cores no Apêndice 4. 2 Balística Forense – aspectos técnicos e Jurídicos domingos tocchetto que serviu de base à perícia, deverá ser disponibilizado no ambiente do órgão oficial, para exame pelo assistente técnico, conforme, o CPP: Art. 159. § 6o. Havendo requerimento das partes, o material probatório que serviu de base à perícia será disponibilizado no ambiente do ór- gão oficial, que manterá sempre sua guarda, e na presença de Perito Oficial, para exame pelos Assistentes, salvo se for impossível a sua conservação. Em alguns casos, por recomendação médica, o projetil não é extraído, permanecendo no corpo da vítima. Aconselha-se, então, registrar a pre- sença deste projetil através de um raio X, pelo menos. Com esse procedi- mento será possível, em muitos casos, determinar na Balística Forense o calibre aproximado do projetil. No Código de Processo Penal – CPP, encontramos também a obriga- toriedade do exame do local em que ocorreu uma infração penal, inclu- sive o local de tiro, nos seguintes termos: “Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exa- me de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a con- fissão do acusado. O exame do local deve ser realizado por peritos oficiais, vincula- dos ao órgão público responsável pela realização dos exames periciais, quando houve a ocorrência de alguma infração penal. Essa é a determi- nação do CPP: Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior. Naquelas localidades em que não há peritos oficiais ou nos casos em que a instituição informar que não dispõe de peritos qualificados para a realização de determinado exame, ou não possui condições técnicas ou materiais para atender à requisição da autoridade policial ou judiciária, dependendo das circunstâncias, esta poderá nomear duas pessoas idôneas, com qualificação e formação técnica adequada para a realização de um exame pericial específico, conforme disposto no § 1o do art. 158 do CPP: § 1o Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pes- soas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencial- mente na área específica, dentre as quais tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame. Essas duas pessoas nomeadas deverão prestar um “compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo”, segundo exigência do § 2o do art. 158 do CPP. 3Capítulo 1 – a Cadeia de Custódia Joseli pérez Baldasso Poderá existir também algum tipo de exame pericial, necessário e até indispensável para o esclarecimento do fato, para o qual o órgão oficial não possui perito com a formação e qualificação técnica necessária para sua realização. Quando isso ocorrer, a autoridade que requisitou o exame deverá ser informada para que ela possa nomear dois peritos de sua con- fiança para a realização desse exame específico. A Importância da Preservação e da Coleta dos Vestígios Materiais A preservação dos vestígios materiais dependerá do isolamento do local. É dever da autoridade policial providenciar a correta preservação do local de tiro ou de qualquer outro local em que tenha ocorrido uma infração penal. Esta obrigação está contida no inciso I do art. 6o do CPP: Art. 6o Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a au- toridade policial deverá: I – dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais; O isolamento do local deve ser um isolamento físico, através de fitas, cordas ou outros meios, abrangendo o local propriamente dito e as vias de acesso. Quando o tiro ocorreu em local fechado, uma residência, por exemplo, muitas vezes os familiares da vítima, na tentativa de socorrê-la ou de preservar sua imagem, alteram o local. Em locais abertos os popu- lares também podem alterar o local. É o art. 169 do CPP que determina o isolamento do local, nos seguintes termos: Art. 169. Para efeito de exame do local onde houver sido praticada a infração, a autoridade providenciará imediatamente para que não se altere o estado das coisas até a chegada dos peritos, que poderão ins- truir seus laudos com fotografias, desenhos ou esquema elucidativos. A atuação da autoridade policial na preservação do local é de vital importância. Essa atuação, por vezes, deve ser firme, enérgica, evitando a alteração ou a subtração de vestígios materiais importantes, relacionados com o fato. A própria autoridade policial ou seu agente deve respeitar o local evitando o deslocamento ou o recolhimento, antes da chegada dos peritos, de qualquer vestígio material. O perito oficial deve ser a primeira pessoa a adentrar no local. Após a conclusão do seu exame pericial deve comunicar à autoridade policial presente que o local está liberado. A par- tir desse momento a autoridade policial tomará as demais providências que julgar necessárias para a seu trabalho. Quando um local de tiro tiver sido alterado, intencionalmente ou não, os peritos deverão, mesmo assim, realizar o levantamento pericial. 4 Balística Forense – aspectos técnicos e Jurídicos domingos tocchetto O perito oficial não deve se recusar a realizar o exame do local sob a ale- gação de que este foi alterado. Deve, outrossim, registrar em seu laudo as consequências e os prejuízos, se porventura houverem, dessa alteração. Esta situação está prevista no parágrafo único do art. 169 do CPP: Parágrafo único. Os peritos registrarão, no laudo, as alterações do es- tado das coisas e discutirão, no relatório, as consequências dessas alterações na dinâmica dos fatos. Portanto, o perito deve realizar o exame pericial, mesmo que o local tenha sido alterado. Sugere-se o registro fotográfico das alterações e também da presença de pessoas não autorizadas no local do exame. Já durante a realização do exame pericial, ou nofinal do mesmo, o perito fará a coleta dos vestígios materiais relacionados com o fato. 2. A Cadeia de Custódia na Perícia Oficial Cadeia de custódia tornou-se sinônimo de “qualidade” no serviço peri- cial, imposta pelo atual conceito de gestão pública eficiente. Entretanto, dife- rentemente de outros países, a legislação brasileira ainda não prevê especial- mente, ou de forma normativa, os procedimentos de cadeia de custódia do vestígio. Somente confere à perícia oficial a sua tutela e conservação e salva- guarda o contraditório da prova e a ampla defesa. (§ 6o do art. 158 do CPP). O Ministério da Justiça, através da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), preocupado em uniformizar a atuação da perícia no Brasil e qualificar o processo de produção da prova técnica lançou, em 2013, o manual de Procedimento Operacional Padrão da Perícia Crimi- nal, documento que descreve as atividades da rotina pericial e enfatiza a cadeia de custódia dos vestígios. Em 16 de julho de 2014, publicou a Por- taria nº 82, que “estabelece as diretrizes sobre os procedimentos a serem observados no tocante à cadeia de custódia” e “considera a necessidade de instituir a padronização da cadeia de custódia em âmbito nacional”. 2.1. Conceito de Cadeia de Custódia Cadeia de custódia, no âmbito da perícia criminal, é a aplicação de uma série de procedimentos destinados a assegurar a originalidade, a autenticidade e a integridade do vestígio, garantindo assim a idoneidade e transparência na produção da prova técnica. Estes procedimentos devem ser executados por todos aqueles que entram em contato direta ou indireta- mente com o material probatório e estão presentes em todo o seu trâmite, ou seja, do momento em que se tem conhecimento do fato delituoso até o esgotamento definitivo do interesse do Estado na preservação do vestígio. 5Capítulo 1 – a Cadeia de Custódia Joseli pérez Baldasso Logo, o registro e controle de todas as operações propiciam a coesão e a uniformidade do processo, tudo com vistas a concretizar seus três princípios reitores, que são: • Princípio da segurança: o material que comporá o acervo proba- tório é o mesmo que foi coletado na fonte (certificação da origem) e mantém as suas características originais; • Princípio da licitude: da legitimidade da prova; se opõe a todo o meio ilícito de sua obtenção; • Princípio da publicidade e transparência: a documentação da história cronológica do vestígio permite o rastreamento da sua posse e manuseio. 2.2. Desenvolvimento e Implantação da Cadeia de Custódia O primeiro passo – e o mais difícil, para o desenvolvimento e implan- tação da cadeia de custódia nos órgãos oficiais é, sem dúvida, a mudança da cultura organizacional, o estabelecimento de novas políticas e diretri- zes institucionais ou a releitura das já existentes. A formação de um grupo de trabalho representativo de todos os seto- res permitirá que se estabeleça a padronização de procedimentos obser- vando-se a diversidade do trabalho pericial. O grupo realizará inicial- mente um diagnóstico identificando o fluxo das operações rotineiras, os vícios de procedimentos e as necessidades para a implantação da cadeia de custódia. Este diagnóstico será a diretriz para a composição do escopo do projeto, da determinação das premissas e das suas delimitações. O entendimento do processo como um todo e da importância de sua implantação é fundamental para a mudança de comportamento dos ato- res do projeto. Programas de motivação, treinamento, acompanhamento e educação continuada à distância (EAD) também poderão compor seu escopo. O Manual de Procedimentos Operacionais Padrão definirá e dará publicidade às ações a serem executadas, às responsabilidades, às compe- tências e às restrições de acesso ao vestígio. Compete aos gestores do projeto a elaboração das normas para apro- vação, emissão, alteração, registro, inventário e controle de documentos, bem como das ações preventivas e corretivas às não conformidades. O valor agregado da prova é medido pela normativa que demonstra o seu manejo idôneo. São necessários investimentos institucionais em capacitação do profissional, em instrumentação, em biossegurança, em estruturação física (Centros de Custódia), em transporte e logística, em sistemas integrados 6 Balística Forense – aspectos técnicos e Jurídicos domingos tocchetto de gestão das informações e na interiorização dos recursos. Programas de integração com os demais órgãos envolvidos, tais como polícias e agentes de saúde que porventura participam do processo quando no atendimento às vítimas é fundamental para que os elos da corrente não se quebrem. Procedimentos de controle devem ser adotados, de preferência informa- tizados, de modo a permitir a edição e emissão de relatórios de auditoria. O processo não é estático e pode ser implantado progressivamente, estabelecendo-se as prioridades. Pressupõe feedback e realimentação contínua, diante das necessidades e das novas tecnologias que surgem. 2.3. O Trâmite do Vestígio A custódia do material pelos órgãos periciais inicia na chegada do perito ao local de crime e a partir daí não deve sair de sua posse e guarda. Entretanto, a situação físico-estrutural em alguns Estados ainda impõe o repasse do material probatório para a autoridade policial (transferência externa) ainda na fonte de coleta, devendo esta tomar todas as provi- dências para que seja mantida a cadeia de custódia. Aqui se evidencia a importância da integração entre os órgãos da Segurança Pública. O caminho que o vestígio percorre deve ser o mais curto possível, evi- tando-se ao máximo as intervenções externas. Pode ser assim esquematizado: Figura 1 – Trâmite do vestígio na Cadeia de Custódia
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