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Apostila - Espiritualidade Cristã

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| Espiritualidade Cristã | FTSA Disciplinas espirituais| FTSA Disciplinas espirituais2
Fevereiro/ 2019
Professor/Autor: Dr. Jonathan Menezes
Coordenadoria de Ensino a Distância: Dr. Marcos Orison Nunes de Almeida
Projeto Gráfi co e Capa: Departamento de desenvlvimento institucional
Todos os direitos em língua portuguesa reservados por:
Rua: Martinho Lutero, 277 - Gleba Palhano - Londrina - PR
86055-670 Tel.: (43) 3371.0200
3Espiritualidade Cristã | FTSA | 
SUMÁRIO
Unidade 1 - Introdução a espiritualidade cristã
Introdução...............................................................................................................04
Capítulo 1: O que é espiritualidade........................................................................05
Capítulo 2: O lugar da conversão...........................................................................08
Capítulo 3: O caminho da santidade......................................................................14
Capítulo 4: A vocação da humanidade..................................................................24
Unidade 2 - Religião, fé e espiritualidade
Introdução...............................................................................................................38
Capítulo 1: O que é religião?...................................................................................39
Capítulo 2: O que é fé?............................................................................................51
Capítulo 3: Raciovitalismo: a fé e a razão em diálogo..........................................60
Capítulo 4: Sobre a arte de perder chãos..............................................................64
Unidade 3 - Disciplinas espirituais
Introdução...............................................................................................................73
Capítulo 1: Oração..................................................................................................74
Capítulo 2: Deserto.................................................................................................86
Capítulo 3: Comunidade.........................................................................................98
Unidade 4 - Espiritualidade vocação e missão
Introdução.............................................................................................................109
Capítulo 1: O exemplo de Henri Nouwen............................................................110
Capítulo 2: A missão da espiritualidade na Missão...........................................123
Capítulo 3: Espiritualidade como busca e resposta a uma vocação...............129
Capítulo 4: O lugar da fraqueza na espiritualidade.............................................138
Para assistir os vídeos, ouvir os PodCasts e fazer os exercícios,
acesse o AVA (Ambiente Virtual de Aprendizagem)
Atenção! Lembre-se que faz parte de suas obrigações:
1- Participação na disciplina por meio da realização dos exercícios;
2- Exercício integrativo - Resumo da disciplina, 800 a 900 palavras;
3- 2 Provas objetivas (5 questões cada);
4- Leitura de textos complementares (100 páginas);
Consulte o “Programa de curso” e veja mais detalhes!
| Espiritualidade Cristã | FTSA Introdução à espiritualidade cristã4 | FTSA Introdução à espiritualidade cristã
UNIDADE I - INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE CRISTÃ
Introdução
A espiritualidade cristã diferencia-se de outras formas existentes, 
e bastante em voga até, de espiritualidade no mundo atual. E a razão 
básica é: seu centro gravitacional não é o próprio ser humano e suas 
necessidades, mas Deus – Pai, Filho, Espírito Santo. E mais: não poderá 
ser chamada de “cristã” se sua fonte de inspiração primária não for a 
experiência cristã1, ou melhor, a experiência de fé em e a partir da pessoa 
de Jesus Cristo. “Cristã”, nesse sentido, é sinônimo de “cristocêntrica” 
(centrada em Cristo, o Deus encarnado). A tese dessa unidade é a de 
que espiritualidade cristã é um modo de ser expresso a partir de um 
encontro, relacionamento e compromisso com a pessoa de Jesus Cristo. 
Discutiremos essa tese a partir de três temas transversais: conversão, 
santifi cação e humanidade. 
Objetivos da unidade
1. Defi nir espiritualidade cristã e sua relação com outros conceitos
transversais;
2. Desenvolver uma visão de espiritualidade cristã mais ampla e
integral;
3. Relacionar os temas da conversão, da santifi cação e da
encarnação sob a ótica da espiritualidade cristã.
Assista o vídeo: O que signifi ca ser espiritual?
Para assistir os vídeos e ouvir os PodCasts,
acesse o AVA (Ambiente Virtual de Aprendizagem)
1 Isto não signifi ca, em hipótese alguma, que a experiência cristã seja exclusivista e 
isolada de uma convivência com outras experiências, como uma espécie de destacamento 
da humanidade, da vida e do mundo. Diálogos e encontros humanos, tais como os que 
vimos em Jesus, são fundamentais para a espiritualidade cristã, como veremos adiante.
5Introdução à espiritualidade cristã Espiritualidade Cristã | FTSA | Introdução à espiritualidade cristã 
1. O que é a espiritualidade cristã?
De acordo com Alister McGrath (2008, p. 20), a palavra espiritualidade 
procede do termo hebraico ruach, que pode ser traduzido por “espírito”, 
inclusive no sentido de “vento”, “alento”. Refere-se ao ânimo de vida, tanto 
que a gera como que a sustenta. Também tem a ver como cada cristão 
responde à sua fé nas diversas representações cristãs existentes, o que, 
de acordo com ele, permite-nos também falar de “espiritualidades cristãs”.
Exercício de reflexão
Defi na “espiritualidade”, a partir de sua própria
experiência de fé e vida até aqui.
Para assistir os vídeos, ouvir os PodCasts e fazer os exercícios, 
acesse o AVA (Ambiente Virtual de Aprendizagem)
Atenção! Lembre-se que faz parte de suas obrigações:
1- Participação na disciplina por meio da realização dos exercícios;
2- Exercício integrativo - Resumo da disciplina, 1500 palavras;
3- 2 Provas objetivas (5 questões cada);
4- Leitura de textos complementares (100 páginas);
Consulte o “Programa de curso” e veja mais detalhes!
Pode-se entendê-la, em sentido mais geral, como uma qualidade não 
material que diz respeito à vivência, envolvimento, dedicação religiosa 
em geral, à luz de refl exão e entendimento. Mas, podemos falar também 
de espiritualidade cristã, que é aquela forma de espiritualidade específi ca 
da fé cristã e sua vivência. 
| Espiritualidade Cristã | FTSA Introdução à espiritualidade cristã6 | FTSA Introdução à espiritualidade cristã
Neste aspecto, eu fi caria com uma defi nição mais simples, que deve 
perpassar nossas conversas daqui para diante:
Espiritualidade é o modo de ser do cristão guiado pelo Espírito Santo.
A espiritualidade cristã baseia-se na fé, pois é por ela que acolhemos 
a palavra de Deus. A experiência mística e a devoção fazem parte e 
auxiliam nossa espiritualidade, mas não são sua fonte principal. A fonte 
principal da espiritualidade cristã é Jesus Cristo, que conhecemos 
prioritariamente pela palavra de Deus. A vida não é a razão da nossa 
espiritualidade, mas seu contexto. A espiritualidade cristã, conforme o 
próprio nome diz, é cristocêntrica. E isso signifi ca, antes de tudo, que o 
centro da vida espiritual não deve estar mais em mim enquanto indivíduo, 
mas no próprio Cristo.
 Saiba mais
Em seu livro A implacável ternura de Jesus (2010), Brennan 
Manning dedica um capítulo para falar da “vida excêntrica” ou 
fora do centro. Ela começa, segundo ele, com a admissão de que:
Jesus se fez o núcleo vital da vida cristã.Jesus não é apenas 
o coração do cristianismo, Ele é o centro da humanidade e
nos revela o que signifi ca ser um humano. Ser cristão é ser
completamente humano. Nós cristãos realmente acreditamos 
nisso? O que signifi ca ser completamente humano, viver uma
vida na qual Cristo é o centro? O que signifi ca viver fora do
centro? Primeiro, signifi ca que um cristão autêntico é total e
literalmente excêntrico – isso é, fora do centro, de tudo o que
diz respeito a gerir, conduzir e controlar a própria vida. Isso
exige uma mudança revolucionária do foco em si próprio.
(Manning, 2010, p. 93)
7Introdução à espiritualidade cristã Espiritualidade Cristã | FTSA | Introdução à espiritualidade cristã 
Eis abaixo alguns insights importantes de Manning neste capítulo sobre 
o que signifi ca “viver fora do centro”:
a) “Viver fora do centro signifi ca compartilhar a experiência
íntima de Jesus com Deus como Pai. O signifi cado da palavra pai
nas Escrituras tem dois aspectos: Antes de mais nada signifi ca
senhor e soberano, total controle e autoridade. Jesus confi rmou a
absoluta soberania de Seu Pai. Ele nunca tentou justifi car Deus por
toda confusão, dor e tragédia do mundo. (...) O segundo aspecto
da palavra pai nas Escrituras envolve cuidado, preocupação,
compaixão e fi dedignidade. Não somos apenas convidados, mas
somos realmente chamados para entrar nessa afetuosa, libertadora 
experiência com a paternidade” (p. 94-95).
b) “Viver fora do centro nos liberta da tirania da pressão do grupo
social. Viver para agradar o Pai, como Jesus fez, se torna o impulso
básico de uma vida cristã – mais importante que agradar as
pessoas. E isso requer um nível singular de liberdade” (p. 96).
c) “Viver fora do centro faz a diferença de tantas maneiras.
Capacita-nos a enxergar que a igreja é um lugar para celebrarmos e
nem sempre reformarmos, que o mundo é um lugar que deveria ser
desfrutado, nem sempre infl uenciado, que a vida é uma experiência
sem uma agenda, que o amor, o maior de todos os nossos feitos, é
sempre imerecido, injusto e inesperado” (p. 98).
d) “Viver fora do centro me ensinou que todo fracasso tem sucesso
de alguma forma. Ele proporciona a oportunidade não apenas
de humilhar o eu, mas também de ser gentil com o fracasso dos
outros. Se a minha vida ou a sua fosse uma história bem-sucedida
e imaculada, um crescimento rápido e contínuo em direção à
santidade, nunca poderíamos entender o coração humano” (p. 100). 
| Espiritualidade Cristã | FTSA Introdução à espiritualidade cristã8 | FTSA Introdução à espiritualidade cristã
2. O lugar da conversão
Já apresentei o que aqui gostaria de chamar de “defi nição de trabalho” 
de espiritualidade – isto é, o ponto de partida para qualquer discussão 
envolvendo este conceito ao longo deste curso. Também foram 
delineadas algumas diferenças importantes, no campo conceitual, entre 
espiritualidade e outras expressões normalmente associadas a esta. 
Sabemos, portanto, que a espiritualidade cristã, acima de qualquer outra, 
estará em nosso horizonte daqui para diante. Assim sendo, qual é o ponto 
de partida da espiritualidade cristã?
A afi rmação basilar desse tópico é de que o caminho da espiritualidade 
cristã começa com a conversão. Dito de modo breve e provocativo: sem 
conversão, não há espiritualidade. Pelo menos não no sentido cristão. 
O que, porém, signifi ca passar por uma “conversão”? Que implicações 
importantes o tema da “conversão” evoca, e o que elas têm a nos ensinar 
sobre a espiritualidade?
No contexto da fé cristã, a conversão designa a nova condição ou vida do 
ser humano em Cristo, normalmente (mas não sempre) iniciada por uma 
experiência pessoal e individual de “encontro”, ou mesmo de “retorno” à casa 
do Pai, como no exemplo da parábola do fi lho pródigo (ver Lc 15:11-32).
PodCast
Reflexão 
“A conversão na parábola do fi lho pródigo”.
Acesse o Ambiente Virtual de Aprendizagem!
A raiz da conversão, de acordo com Orlando Costas (2014, p. 180), está 
na literatura profética, por exemplo, expressa na ideia (que aparece 
aproximadamente mil vezes) de “voltar-se”, do verbo hebraico shub. Está 
ligado ao chamado de Deus, que vemos ocorrer reiteradas vezes nos livros 
9Introdução à espiritualidade cristã Espiritualidade Cristã | FTSA | Introdução à espiritualidade cristã 
proféticos, para que o povo se arrependa, abandone seus pecados e se 
volte para o Senhor, renovando seus votos de fi delidade somente a Ele. E 
voltar-se para Deus, como vimos anteriormente no caso emblemático da 
crítica de Amós à religião, signifi ca deixar-se ser encharcado pelo caráter 
divino – um Deus que quer um “mar de justiça” e ver correr em nós “rios 
de integridade” – e, consequentemente, mudar o curso da existência (isto 
é, converter-se) de acordo com este referencial absoluto. 
Outra palavra importante vem do Novo Testamento, e é traduzida 
como “metanóia”, do verbo grego metanoeo, que designa uma 
mudança (meta) de mente (noia) ou a adoção de outro ponto de 
vista ou cosmovisão. Segundo Costas (2014, p. 181), este termo “é 
usado no contexto do chamado ao perdão do pecado e a libertação 
do julgamento futuro (At 2:38; 3:19; 17:30; 26:20) e em referência ao 
problema da apostasia no seio da igreja (Ap 2:5, 16, 21-22; 3:3, 19). 
Vários conceitos bíblicos de conversão são retratados nestes termos, 
de acordo com Costas (2014, p. 181):
1. Signifi ca voltar-se do pecado (e de si mesmo) para Deus (e para a
obra de Deus).
2. Este ato envolve uma mudança de mente, o que implica no abandono
de uma cosmovisão antiga e a adoção de uma nova.
3. A conversão envolve uma nova lealdade, uma nova confi ança e
um novo compromisso.
4. A conversão é apenas o início de uma nova jornada e veicula
implicitamente a semente de novas mudanças.
5. A conversão é circundada pelo amor redentor de Deus como
revelado em Jesus Cristo e testemunhado pelo Espírito Santo.
Desse modo, a conversão pode se dar por meio de uma experiência 
interior em que uma profunda convicção do pecado vem à tona no ser 
humano, como no famoso relato de conversão de Agostinho (ver texto 
na próxima página). 
| Espiritualidade Cristã | FTSA Introdução à espiritualidade cristã10 | FTSA Introdução à espiritualidade cristã
Texto de Apoio
Quando, por uma análise profunda, arranquei do mais íntimo 
toda a minha miséria e a reuni perante a vista do meu coração, 
levantou-se enorme tempestade que arrastou consigo uma 
chuva torrencial de lágrimas. [...] Retirei-me, não sei como, 
para debaixo de uma fi gueira, e larguei as rédeas ao choro. 
Prorromperam em rios de lágrimas os meus olhos. Este 
sacrifício era-Vos agradável. Dirigi-Vos muitas perguntas, não 
por estas mesmas palavras, mas por outras do mesmo teor: 
“E Vós, Senhor, até quando? Até quando continuareis irritado? 
Não Vos lembreis das minhas antigas iniquidades”. [...] Assim 
falava e chorava, oprimido pela mais amarga dor do coração. 
Eis que, de súbito, ouço uma voz vinda da casa próxima. Não sei 
se era de menino, se de menina. Cantava e repetia frequentes 
vezes: “Toma e lê; toma e lê”. [...] Abalado, voltei aonde Alípio 
estava sentado, pois eu tinha aí colocado o livro das Epístolas 
do Apóstolo, quando de lá me levantei. Agarrei-o, abri-o e li 
o primeiro capítulo em que pus os olhos: “Não caminheis
em glutonarias e embriaguez, nem em desonestidades e
dissoluções, nem em contendas e rixas; mas revesti-vos do
Senhor Jesus Cristo e não procureis a satisfação da carne
com seus apetites” [Rm 13:13]. Não quis ler mais, nem era
necessário. Apenas acabei de ler estas frases, penetrou-me
no coração uma espécie de luzserena, e todas as trevas da
dúvida fugiram (Agostinho, 1996, p. 222-223).
Nessa experiência, volto-me para Deus na medida em que me volto para 
dentro de mim, e eventualmente recebo uma iluminação interior acerca 
de minha natureza pecaminosa. Desse modo, espiritualidade se torna 
sinônimo de interioridade ou, nos dizeres de Eugene Peterson (2000, p. 
14), é “a atenção que prestamos à nossa alma”. Não há dúvidas de que 
essa é uma dimensão importante da espiritualidade cristã; o problema 
11Introdução à espiritualidade cristã Espiritualidade Cristã | FTSA | Introdução à espiritualidade cristã 
é quando imaginamos que não haja nada além dela, isto é, de que a 
espiritualidade é “apenas” essa atenção dada ao interior e nada mais.
Segundo Galilea (1979), autor chileno de textos pastorais e de 
espiritualidade, apresenta uma analogia muito interessante a esse 
respeito. Ele compara a espiritualidade com um grande bosque, repleto 
de árvores, cada uma delas representando uma dimensão possível da 
espiritualidade. Algumas vezes, certas árvores nos impedem de ver todo 
o bosque. Em outros casos, tendemos a confundir uma árvore apenas
com todo o bosque. Ora, Galilea está nos alertando para algo importante,
em matéria de espiritualidade, que é a questão do reducionismo.
 Glossário
REDUCIONISMO: pode ser identifi cado pela tendência de reduzir 
um fenômeno complexo a uma forma simplifi cada, ou mesmo 
setorizada, de compreensão desse fenômeno. No caso da teologia, 
por exemplo, é o mesmo que dizer que tudo em teologia se resume 
na Soteriologia ou o no “estudo da salvação”. Um exemplo bíblico 
de reducionismo: Jesus se depara com um cego de nascença, e 
os discípulos perguntam: “Quem pecou para que fi casse cego: ele 
ou os pais?”. É um reducionismo, pois atribui uma causa possível 
apenas para a cegueira: o pecado (restando saber se do cego ou de 
seus pais). A resposta de Jesus é mais complexa, fugindo da lógica 
de causa e efeito de sua cultura (ver: João 9:1-5).
O antídoto para fugir do reducionismo, segundo esse autor, está na 
identifi cação da conversão a Jesus com o seguimento de Jesus: 
converter-se signifi ca segui-lo em seu caminho e reino de vida. Isso nos 
faz olhar para a vida, e para a espiritualidade, sob uma perspectiva mais 
ampla: os compromissos que assumimos (como o compromisso com 
a justiça do reino), e as particularidades que compõem a vida espiritual 
(como orar, jejuar, adorar, refl etir, comer, amar, e assim por diante) são 
| Espiritualidade Cristã | FTSA Introdução à espiritualidade cristã12 | FTSA Introdução à espiritualidade cristã
expressões ou resultados de um seguimento, e não todo o seguimento. 
Logo, como explica Galilea, não há como dizer que a espiritualidade 
é a “espiritualidade da cruz”, a “espiritualidade da adoração” ou a 
“espiritualidade da paz”. Trata-se, antes, da espiritualidade do seguimento 
de Jesus, que nos leva a incorporar a cruz, a adoração e a paz (dentre 
tantos outros aspectos) “daquele a quem seguimos” (Galilea, 1979, p. 9).
O importante a se ressaltar, à luz da experiência de Agostinho acima citada, 
é que a experiência da conversão é singular, isto é, única e irrepetível. Ela 
pode ter um “início distinto” – uma espécie de virada decisiva em direção 
à Jesus Cristo e a seu reino de vida – mas, como lembra Costas (2014, p. 
182), ela pressupõe um “movimento transformador contínuo”. O que isso 
signifi ca? Em primeiro lugar, signifi ca que toda conversão genuína é um 
processo corrente e interminável, em que minha vida passa por inúmeras 
revisões – passando pela dinâmica de arrependimento e conversão – 
sempre na busca de se in-conformar com este século, conformando-se, 
em contrapartida, com o caráter da pessoa de Cristo. Ou seja, o cristão 
convertido está sempre se convertendo. Em segundo lugar, signifi ca que 
o mais importante não é saber se uma pessoa é cristã convertida ou
não, mas se vive como convertida. Se, como disse Jesus (cf. Mt 7:24-27),
ela é como o homem que construiu sua casa sobre a rocha (pois “ouve
e pratica”), ou se coaduna mais com o homem que edifi cou sua casa
sobre a areia (pois “ouve, mas não pratica”). Em outras palavras, se a
espiritualidade cristã começa com a conversão – como salientei no início
deste tópico – a conversão pressupõe uma “vida espiritual”, isto é, uma
vida que está sempre se movendo de uma “existência desumanizada e
desumanizadora para uma vida humanizada e humanizadora” (Costas,
2014, p. 183) – como veremos melhor no último tópico sobre “a vocação
da humanidade”.
Por último, este movimento transformador e contínuo implica em uma 
contínua saída de si mesmo – no abandono de uma vida egoísta, voltada 
apenas para si – em direção ao outro, o próximo, o irmão e a irmã de 
caminhada histórica, começando pelos da mesma fé, até toda e qualquer 
pessoa com quem nos comprometamos e que seja, assim, “próxima” para 
13Introdução à espiritualidade cristã Espiritualidade Cristã | FTSA | Introdução à espiritualidade cristã 
nós. Dessa maneira, seguimos, servimos e amamos a Jesus também no 
outro. Como bem nos lembra o apóstolo João, “ninguém pode amar a 
Deus, a quem não vê, se não amar o seu irmão, a quem vê” (1Jo 4.20). 
 Texto de Apoio
A transformação que o/a discípulo/a de Cristo e sua 
comunidade afi rmam ter obtido através do Evangelho deve, 
por sua própria natureza, se estender porta afora, para seu 
entorno ou contexto mais amplo. Cremos e ensinamos 
que ela não pode ser apenas individual e/ou comunitária, 
mas também social, historicamente situada, e sensível 
às necessidades integrais do ser humano. Visando essa 
transformação integral, uma teologia contextual não se limita 
a apenas observar e compreender o nosso contexto latino-
americano, mas observa, compreende e, por conseguinte, 
promove ações transformadoras na e da realidade. Ações que 
identifi quem e anunciem, por palavras e obras, a presença do 
Reino de amor de Jesus e de sua justiça entre nós.
Acreditamos em vidas sendo transformadas pelo poder do 
Evangelho, porque temos visto e experimentado isso na FTSA 
em sua história até aqui. Aqui certamente apostamos que a 
educação é um dos meios mais profícuos de libertação do ser, 
e de conferir-lhe dignidade e propósito. Mas também sabemos 
que a educação teológica, em especial, tem uma função ainda 
mais específi ca, que é libertar corações e mentes por meio do e 
para o Evangelho do Reino de Deus. Neste lugar, vidas têm sido 
convertidas não a um tipo específi co de teologia, mas ao Reino 
de Deus e sua Missão. E essa é uma conversão/transformação 
decisiva para a igreja em nossos dias.
Extratos de: “A identidade teológica da FTSA”, Práxis Missional 01, 2018
| Espiritualidade Cristã | FTSA Introdução à espiritualidade cristã14 | FTSA Introdução à espiritualidade cristã
Exercício de fi xação
A forma de espiritualidade advinda da conversão, entendida como 
uma mudança interior promovida por uma “iluminação interior” 
que, por sua vez, me leva a ter uma profunda convicção de minha 
natureza pecaminosa, também pode ser entendida como:
Metanoia
Interioridade 
Inconformidade
Metamorfose
Acesse o AVA para fazer o exercício ever a reação 
do professor!
3. O caminho da santidade
É hora de caminhar um pouco mais nessa unidade introdutória sobre a 
espiritualidade cristã, a partir do conceito de “santidade”. Eis minha ideia 
central: Se a espiritualidade começa com a conversão, ela floresce ou 
amadurece com uma vida de ou em santidade. Saímos ao mundo para 
viver em santidade. A questão principal, porém, é: o que, afi nal, signifi ca 
“santidade”,no contexto a espiritualidade ou vida cristã?
3.1. Um chamado: “sede santos”
Para começo de conversa, voltemo-nos ao texto da Primeira Carta de 
Pedro, capítulo 1, versos 15 e 16:
“Mas, assim como é santo aquele que os chamou, sejam santos vocês 
também em tudo o que fi zerem, pois está escrito: ‘Sejam santos, porque 
eu sou santo” (1Pe 1.15-16).
15Introdução à espiritualidade cristã Espiritualidade Cristã | FTSA | Introdução à espiritualidade cristã 
Quatro... É o número de vezes em que a sentença “sejam santos, porque 
eu sou santo” aparece somente no livro de Levítico – sem contar com a 
passagem acima da primeira carta de Pedro, é claro, que faz referência 
àquela. Qual é a possível mensagem implícita nesta sentença? 
A de que devemos ser “iguais a Deus”? 
A de que nos compararemos a Ele em sua Santidade? 
A de que devemos lutar para que a santidade seja possível? Três vezes 
não! 
Mas, num primeiro plano, aparece a mensagem de que Deus, o Senhor, que 
tirou seu povo da terra do Egito, é “Santo”, isto é, incomparável, está “acima 
de todo nome”, não há outro igual a Ele, não é e nem pode ser idêntico a 
outros deuses, nem tampouco às formas, formulas ou nomes que tentam 
“descrever” Deus. Ele é o que é...
A Santidade, nesse sentido, é o que torna impossível qualquer espécie 
de cogitação sobre Deus, qualquer teologia que possa ser feita, por 
ser “sobre Deus”, ou visando “nomear Deus”. E a graça é o que torna, 
em contrapartida, possível a teologia como resposta ao falar e ao agir 
desse Deus Santo, no nível de nosso entendimento sobre ou de nossa 
experiência com este Deus. 
Santos, portanto, são chamados. Pedro diz: “Santo” é “aquele que os 
chamou”. Paulo, quando escreve aos Romanos – e esta é uma linguagem 
que repetidamente aparecerá em suas cartas – assim endereça: “A todos 
os que em Roma são amados de Deus e chamados para serem santos” 
(Rm 1.7). Santidade não é essencialmente um alvo humano, mas alvo de 
Deus para a humanidade; os que são chamados “santos” na perspectiva 
bíblica não o são porque perseguiram este caminho ou porque fi zeram 
“das tripas o coração” para se tornarem “santos” aos olhos de Deus e 
do mundo, mas porque foram “perseguidos” e atraídos por e para esta 
via, que é uma via de graça. Por ser uma vida de pura e divina graça, 
a santidade, assim como a humildade, torna-se uma qualidade da 
humanidade da pessoa sem que ela normalmente saiba que é santa.
| Espiritualidade Cristã | FTSA Introdução à espiritualidade cristã16 | FTSA Introdução à espiritualidade cristã
Texto de Apoio
A sombra santifi cada
Havia antigamente um homem tão piedoso que até os anjos 
se alegravam quando o viam. Mas, apesar de sua grande 
santidade, ele não tinha ideia de que era santo. Simplesmente 
realizava suas prosaicas tarefas espalhando bondade, da 
mesma forma que as fl ores espalham fragrância e os postes 
de luz claridade, se forma natural.
Sua santidade estava no fato de que esquecia o passado 
da pessoa e as olhava como eram agora e olhava além da 
aparência da pessoa, no íntimo da existência delas onde 
eram inocentes e puras e ignorantes demais para saberem o 
que estavam fazendo. Assim, amava e perdoava a todos que 
encontrava – e não via nada de extraordinário nisso, pois era 
o resultado do modo como olhava as pessoas.
Um dia, um anjo lhe disse:
– Fui enviado por Deus. peça o que desejar e lhe será
concedido. Gostaria de ter o dom de curar?
– Não – respondeu o homem. – Prefi ro que Deus mesmo
realize as curas.
– Gostaria de trazer pecadores de volta ao caminho do bem?
– Não – disse ele. – Não cabe a mim tocar os corações
humanos. Essa é a tarefa dos anjos.
– Gostaria de ser tal modelo de virtudes que as pessoas
sejam levadas a imitá-lo?
17Introdução à espiritualidade cristã Espiritualidade Cristã | FTSA | Introdução à espiritualidade cristã 
– Não – disse o santo –, pois isso me transformaria no centro
das atenções.
– Que deseja, então? – perguntou o anjo.
– A graça de Deus – foi a resposta. – Com ela, terei tudo o
que desejo.
– Não, você deve pedir um milagre – disse o anjo – ou será
obrigado a aceitar um.
– Bem, então pedirei que o bem seja feito por meu intermédio,
sem que eu perceba.
Assim, foi decretado que a sombra do santo homem seria 
dotada de poderes de cura, sempre que estivesse atrás dele. 
Em todo lugar onde sua sombra se projetasse – desde que 
ele estivesse de costas – os doentes eram curados, a terra 
tornava-se fértil, fontes jorravam e a cor voltava às faces dos 
que estavam acabrunhados pelas tristezas da vida.
Mas o santo não fi cava sabendo de nada disso, porque a 
atenção das pessoas estava tão centralizada na sombra que 
se esqueciam do homem e, assim, seu desejo de que o bem 
fosse feito por seu intermédio e que ele fosse esquecido foi 
plenamente realizado. (Mello, 2000, p. 148-149)
| Espiritualidade Cristã | FTSA Introdução à espiritualidade cristã18 | FTSA Introdução à espiritualidade cristã
3.2. Dois modelos: ascetismo e participação
Mas, em que medida se pode ser santo “como Deus é...”? Diria que não 
na medida em que ambicionamos a santidade, pois ser santo não é 
propriamente ambição, mas vocação. Ninguém “ambiciona” a santidade 
neste sentido (bíblico) estrito, pois não há vantagem, status ou benefício 
direto algum em ser santo. Não me torno melhor e nem pior que ninguém. 
Não recebo nenhum “Prêmio Nobel de Santidade”. Sou apenas “diferente”, e 
diferente “apenas”. E assim sou na medida em que me deixo levar pelo jeito 
divino de me fazer diferente sem ser extraterreno ou extra-humano – o que 
demonstra que a santidade bíblica não tem nada a ver com a conotação 
religiosa do santo-beato, que se afasta do mundo para não se contaminar 
com o mal. Não. A diferença só aparece quando há mistura; a luz brilha 
onde há trevas; o sal, dentro do saleiro, não faz diferença alguma. Precisa 
entrar na salada para dar sabor. Somente santos, que não se eximem dos 
húmus que também compõem o humano e a vida terrena, podem ser “sal 
e luz da terra”. O resto é vaidade, orgulho, exibicionismo espiritual.
Dois modelos advêm daqui. O primeiro é o do ascetismo: santidade como 
separação do mundo. Ela vem de uma interpretação duvidosa da própria 
ideia de “santidade como separação”, como se tal separação fosse uma 
separação de e não separação para, como vimos na ideia de vocação. 
Em outras palavras, para se manterem incontaminados do mundo, muitos 
ditos “santos”, ao longo da história, decidiram que era preciso se afastar 
do mundo, procurando uma via alternativa, normalmente orientada pela 
vida piedosa e de sacrifícios, regada a muita oração, devoção e jejum. 
Glossário
ASCETISMO: palavra que vem de “ascese” ou a reunião de uma 
série de práticas e disciplinas que devem servir para que o santo 
(o asceta) se aproxime mais e mais da vontade de Deus e, porque
não dizer, do paraíso celestial. Espiritualidade da ascese: disciplina
e separação do mundo.
19Introdução à espiritualidade cristã Espiritualidade Cristã | FTSA | Introdução à espiritualidade cristã 
Ora, a própria “Oração Sacerdotal” de Jesus é um divisor de águas nesse 
sentido, pois ele ora ao Pai dizendo: “Não peço que os tire do mundo 
[kósmos], mas que os guardes do Maligno” (Jo 17.15, NTLH). Ou seja, 
Jesus está dizendo: não os arranque desta época, deste tempo, desta 
terra, mas, enquanto eles se encontram no meio disso tudo, desse 
mundo repleto de contradições, de complexidades e que tende a rejeitar 
e a perseguir aqueles/asque não se conformam com seus modos de 
operar, que eles/as aprendam a discernir a presença do mal no meio do 
mundo e, pelo poder da sua Graça, que eles/as possam ter seus corações 
guardados dele, escolhendo a vida e não a morte, a integridade e não a 
iniquidade, a espiritualidade e não a desumanidade. Esse é o segundo 
modelo: o da santidade como participação no mundo. 
Um exemplo dado por Paulo Brabo, no livro Em seis passos o que 
faria Jesus (em alusão ao famoso Em seus passos o que faria Jesus, 
de Charles Sheldon), é bastante útil para pensar estes dois modelos, a 
partir de João Batista e Jesus. Primeiro, ele defende a tese atípica, para 
muitos, de que os maiores antagonistas de Jesus nos evangelhos não 
são “fi gurantes” como os fariseus, os sacerdotes ou mesmo Satanás. 
O “verdadeiro antagonista” é João Batista, pois, como explica ele, “de 
todos os que em algum momento da história se opõem a Jesus ele é 
o único que representa verdadeira autoridade; de todos que se atiram
no caminho de Jesus, querendo exercer sobre ele alguma infl uência, é
João Batista que, em seu recato, chega a corresponder, contrapor-se a
ele”. Mais do que isso, prossegue Brabo, de todos os personagens que
protagonizaram histórias do Evangelho, “João Batista é o único que
apresenta e representa uma alternativa ao estilo de vida que Jesus está
propondo. João é o último habitante legítimo de um mundo que Jesus
veio abolir” (Brabo, 2009, p. 36, 37).
Vejamos a tabela na próxima página, a partir da explicação de Brabo, 
algumas características que distinguem João (o asceta) de Jesus (o 
participante):
| Espiritualidade Cristã | FTSA Introdução à espiritualidade cristã20 | FTSA Introdução à espiritualidade cristã
João Batista, o outsider ou 
asceta Jesus, o insider ou participante
Um profeta que clama do 
deserto.
Um profeta que clama e age no 
meio da vida.
Homem que se afasta 
deliberadamente do mundo, 
como parte essencial de 
sua missão.
O caminho de Jesus é ‘caminho 
estreito’: é um caminho mais 
exigente que o do ascético, 
pois implica em presença 
no mundo, sem receio de se 
contaminar com sua “sujeira”.
Não come frescuras como 
pão e vinho (dieta de 
gafanhoto e mel silvestre); 
não bebe, não aceita 
convites para festas, nunca 
é visto na cidade.
Foi chamado de “comilão 
e beberrão”; não havia 
virtualmente ninguém a quem 
ele recusava sua proximidade: 
religiosos e pecadores; fariseus 
e prostitutas; ricos e pobres; 
fazendeiros e pescadores; 
cegos, loucos, possessos; 
homens e mulheres.
Duvida da conduta do 
primo, e chega a questionar 
se ele é “aquele que 
estávamos esperando ou 
devemos esperar mais”.
Não tem a menor dúvida sobre 
o importante papel exercido
pelo Batista. Chega a dizer
que, de todos os homens
que já nasceram, “João é o
maior”. Porém, adverte: “quem
é o menor no Reino de Deus, é
maior que ele” (Lc 7.28).
21Introdução à espiritualidade cristã Espiritualidade Cristã | FTSA | Introdução à espiritualidade cristã 
3.3. Quatro teses sobre santidade
Ser santo, como vimos no começo, é um fado, isto é, um destino, uma 
vocação. Um fado que pode se tornar fardo, às vezes, seja (dentro de 
um estado “normal” de coisas) quando reconheço a complexidade dessa 
carreira que me está proposta (fardo-desafi o, que pode ter tonalidades 
positivas), ou, pior, é fardo quando penso que a santidade depende de 
mim e de meus esforços “apenas” para existir. Ou seja, uma atividade 
menos pneumática (ou procedente do Espírito) e mais “anímica”, isto é, 
procedente dos instintos e disposições naturais do ser humano, como 
pontuou certa vez Dietrich Bonhoeffer (2006, p. 20). Ao mesmo tempo, 
é uma vocação que pode e deve ser alegre, leve, cheia de vida, à medida 
que não se separa da graça de Deus, nem da beleza de viver e de ser 
humano, conformando-me com o exemplo do “fi lho do homem”. 
Gostaria de propor, em suma, quatro teses (não inéditas) que endereçarão 
(parcialmente) a perspectiva desta disciplina sobre santidade:
1. Ser santo, como Deus é santo, implica em despretensiosidade
ou em aceitar-se como se é.
O que, no caso da santidade, signifi ca assumir-se como um ser 
pecador e naturalmente incapaz de santidade. Nisto se confi gura o 
que Tillich (1972, p. 128) chamou de “a coragem de ser”: “aceitar-se 
como sendo aceito, apesar de ser inaceitável”. Ele ainda acrescenta 
que “não é o bom, ou o sábio, ou o piedoso, quem está destinado 
à coragem de aceitar a aceitação, mas aqueles que são faltos de 
todas estas qualidades e estão certos de serem inaceitáveis”. 
2. Ser santo, como Deus é santo, implica em abraçar a condição
(contingente) de “ser como uma parte”, continuando a pensar
com Tillich, e de se colocar, assim, como um ser sempre a
caminho de se tornar.
Nisto também se confi gura a vocação: ela não é para aqueles que 
| Espiritualidade Cristã | FTSA Introdução à espiritualidade cristã22 | FTSA Introdução à espiritualidade cristã
já-são, mas para os que, pela graça, podem vir-a-ser. Não seria 
este o convite do próprio Jesus: “Não são os que têm saúde que 
precisam de médico, mas sim os doentes. Eu não vim para chamar 
justos, mas pecadores” (Mc 2.17)?
3. Ser santo, como Deus é santo, implica em esvaziar-se da ambição
diabólica de “ser como (igual) a Deus”, e cobrir-se, em contrapartida,
de humanidade, de “nova humanidade”. Parafraseando Zélia Duncan
e Mosca na música “Carne e sangue”, me cobrir de humanidade me
fascina e me aproxima do céu.
Caminhar com Deus é um privilégio e uma dádiva, e não a conquista 
dos “caçadores de Deus” e suas formas de religiosidade sem 
conteúdo e sem vida, e, como disse J. Urteaga (1967, p. 75), 
cheias de “falsas virtudes que ocultam uma vergonhosa covardia”. 
Santidade que nos priva da vida e da benção de ser apenas humano 
não vem de Deus. Pois, segundo Elienai Cabral Jr. (2009, p. 17), 
ela “subestima a vida humana e impõe uma agenda de pretensa 
divinização da vida. Insinua uma existência sem tensões, medos, 
dúvidas e afl ições. Sem pequenos prazeres. Sem alegrias banais. 
Sem dança, festa, riso, vinho e amor”. 
4. Ser santo, como Deus é santo, implica, por fi m, na inconformidade
com qualquer outra medida que não seja a “medida da estatura
da plenitude de Cristo”, sobre a qual falou Paulo (Ef 4.13). Para
isto, é preciso “estar em Cristo”, que é tudo o que possibilita o
caminhar em santidade de vida. O estar em Cristo me torna uma
nova criatura. O “velho”, fraturado, vai dando lugar ao “novo”, em
construção, e à “novidade de vida”.
Em suma: tendo sido feito-santo, não deixo de ser humano, que, por si 
só, é incapaz de santidade ou contingente. A diferença é que, agora que 
fui alcançado pela graça, existe algo que me move rumo a um horizonte 
de vida abundante ao qual, por enquanto, experimento apenas de relance. 
A ideia de santidade como vocação me faz pensar, assim, que existe um já 
23Introdução à espiritualidade cristã Espiritualidade Cristã | FTSA | Introdução à espiritualidade cristã 
que se apresenta como convite e como possibilidade de um vir a ser diário 
na graça. O santo-humano tem também seus demônios. Aprendendo a 
conviver com eles, sem a eles se render totalmente, é o que consiste 
em aceitar diariamente ao convite. Santidade sem sanidade – expressão 
de Robinson Cavalcanti (1997) – gera gente doente, e não gente santa. 
Em outras palavras, o anseio pela santidade sem o Evangelho não vira 
santidade, vira patologia. 
 Agora assista o vídeo: “Santidade como trivialidade” 
(por Ed René Kivitz) Acesse o AVA para assistir! 
 Exercício de aplicação
Voltemos, por um momento,à tese central desse tópico: “Se a 
espiritualidade começa com a conversão, ela floresce ou amadurece 
com uma vida de ou em santidade. Saímos ao mundo para viver 
em santidade”. Assinale a alternativa cujas assertivas sejam uma 
implicação direta dessa tese (considerando ainda o modo como foi 
desenvolvida ao longo desse tópico):
I. Santidade implica em saída ao mundo, mas não do mundo.
II. Santidade implica em saída ao mundo, mas isso não signifi ca que
compactuemos com todos os modos de operar (ou modus operandi)
do mundo.
III. Santos são separados por Deus para viver uma vida de santidade, o
que deve signifi car ascese ou separação do mundo.
IV. Santos são separados por Deus para uma vida de santidade, ou
seja, eles possuem uma vida no mundo, se envolvem com seus meios
próprios, participam dela, e no meio dela expressam, muitas vezes
sem saber, sua santidade.
Acesse o AVA para fazer o exercício e ver a reação do 
professor!
| Espiritualidade Cristã | FTSA Introdução à espiritualidade cristã24 | FTSA Introdução à espiritualidade cristã
4. A vocação da humanidade
Para continuar a conversa, busquemos inspiração no livro de Gênesis, 
um livro que mostra como essa “aposta de Deus”, chamada humanidade, 
se desenvolveu. Pois minha tese aqui é de que quanto mais humanos 
nos tornamos, mais espirituais seremos.
No princípio, Gênesis diz, Deus criou o céu e terra – tudo aquilo que nossos 
olhos veem, e o invisível também –, e em dado momento disse: “façamos 
o ser humano à nossa imagem, de forma que refl itam nossa natureza”. E
o texto prossegue dizendo que “Deus criou os seres humanos; criou-os à
semelhança de Deus, refl etindo a natureza de Deus, ele os criou macho e
fêmea...” (Gn 1.26-28, TAM).
Ou seja, parte da afi rmação de que “somos humanos, graças a Deus” vem 
dessa mensagem original: não apenas a de que Deus nos fez – humanos, 
mulher e homem – mas a de que ser humano signifi ca participar da 
natureza divina. Isso implica que todo amor, toda criatividade, toda 
energia e toda boa dádiva que provêm do divino estão potencialmente 
presentes na humanidade, transbordando nela (ou em nós).
No início, porém, de nossa formação humana, nossos ancestrais míticos, 
Adão e Eva, decidiram balizar a defi nição de quem eram e, por conseguinte, 
de quem se tornariam, sobre uma falsa premissa ou crença: a de que 
mais do que humanos, era possível “ser como Deus” – conhecedores de 
bem e mal – e, ainda assim, não morrer. 
Existem teses diferentes sobre qual seria a “essência” do pecado original 
– e não poderia ser diferente, já que ninguém chega a conhecer a essência 
de nada. Afi nal, estamos falando de orgulho ou acedia (preguiça)? C. S.
Lewis acreditava que o orgulho é “o grande pecado” e que, por causa
do orgulho, o diabo se tornou quem é. Que o orgulho “leva a todos os
outros vícios” e que, portanto, “é o estado mental mais oposto a Deus
que existe” (Lewis, 2005, p. 162). Harvey Cox, por sua vez, se opôs a essa
tese (embora não a Lewis diretamente) com a ideia de que comer do
25Introdução à espiritualidade cristã Espiritualidade Cristã | FTSA | Introdução à espiritualidade cristã 
fruto não foi um pecado de orgulho, mas de acedia, também traduzida 
como indolência, preguiça ou ociosidade. Para ele, “não desafi amos os 
deuses roubando corajosamente o fogo da lareira celeste e trazendo, 
assim, benefícios ao homem. Nada de heroísmos. Malbaratamos nosso 
destino ao permitir que uma cobra qualquer dissesse o que devíamos 
fazer” (Cox, 1970, p. 8). 
As duas teses têm seus atrativos. No primeiro caso, pecamos por 
querer “ser mais”. No segundo, pecamos por aceitar “ser menos”, ou 
melhor, por rejeitar nossa responsabilidade de “plasmar e realizar” nosso 
próprio destino. Para todos os efeitos, um mal engendrado em nós por 
um deslumbramento: o de que ser humano – nem mais e nem menos 
– não basta. Aumentar ou ceder o privilégio implica em deixar de ser
humano. Signifi ca trair o projeto original, seja (a) usurpando a imagem e
semelhança de Deus em busca de uma equivalência com Deus – querendo 
ser protagonistas demais –, ou (b) aceitando trocar a responsabilidade
de ser “imagem e semelhança” pela indolência, ou o conforto de ter uma
serpente qualquer decidindo sobre nosso destino – ou seja, abrindo
mão de qualquer forma de responsabilidade. Que é precisamente o que
Adão e Eva fazem no momento em que são indagados por Deus sobre as
razões de terem comido o fruto: “foi a mulher que o Senhor me deu que
me persuadiu a comer”, disse Adão; ou “é tudo culpa da serpente, que me
enganou”, disse Eva.
Como a humanidade se engendra, portanto, segundo Gênesis? Em primeiro 
lugar, por meio de uma afi rmação: Deus nos afi rma como participantes, 
tanto da própria divindade (como sua imagem e semelhança) quanto de 
toda a criação, como co-criadores e corresponsáveis pelo cuidado com a 
criação. Em segundo lugar, por meio de um deslumbramento ou ilusão: a 
possibilidade de ser mais ou menos do que “humanos, demasiadamente 
humanos”, como diria Nietzsche, fez com que rejeitássemos essa 
participação, e assim passássemos a afi rmar (egoisticamente) somente 
a nós mesmos e a nos tomar como “mais importantes que o mundo” 
(Nietzsche, 2005, p. 38) ou como a medida de todas as coisas. 
| Espiritualidade Cristã | FTSA Introdução à espiritualidade cristã26 | FTSA Introdução à espiritualidade cristã
O pecado original pode ser descrito, portanto, como a debandada humana 
de sua própria condição. E a inimizade para com nossa condição – 
também entendida como desumanização – implica em distanciamento 
e inimizade em relação a Deus.
4.1. A espiritualidade da serpente
Tudo começa, porém, pelo que José M. Castillo chama de uma “sedução 
desorientada pelo divino”, que é “a atração perversa por tudo o que nós 
atribuímos a Deus: a atração pelo poder e pela glória, pelo domínio 
e pela grandeza, pelo êxito e pelo triunfo, pelo saber, e por ter tudo o 
que imaginamos ser próprio do divino” (Castillo, 2010, p. 31). O relato 
de Gênesis diz que “a mulher olhou para árvore e percebeu que o fruto 
era apetitoso. Pensando na possibilidade de conhecer todas as coisas, 
pegou o fruto, comeu e o repartiu com o marido – que também o comeu” 
(Gn 3.6, TAM). 
No mesmo momento, o relato diz, “eles perceberam a realidade: 
descobriram que estavam nus” (3.7). A condição que, até então, era 
apenas parte do modo natural de ser humano, passou a ter nome-próprio 
– “nudez” – acompanhado de um sentimento de vergonha e medo, pelo
que o homem disse: “fi quei com medo, porque estava nu. Então, me
escondi” (3.10). O jardim, a presença do Eterno e a natureza humana
deixam naquele momento de ser motivo de alegria, migrando para o lugar
do estranhamento. A humanidade passa a ser vergonhosa.
Aqui também temos o protótipo de uma oferta de espiritualidade – 
porque o diabo é um fanático da espiritualidade desencarnada, e oferece 
à mulher, portanto, a possibilidade de um “espiritualismo puro, longe 
de toda dependência com relação a um pomar, longe da bovinidade de 
toda manducação”, como disse Fabrice Hadjadj (2017, p. 94); ou seja, 
longe da trivialidade humana do comer, evacuar e dormir. Temos aqui a 
fórmula da espiritualidade demoníaca ou da serpente: a espiritualidade 
como antídoto contra a humanidade. Opa, espera: já vimos esse fi lme 
em algum outro lugar?
27Introdução à espiritualidade cristã Espiritualidade Cristã | FTSA | Introdução à espiritualidade cristã 
Tenho a impressão de que sim. Saltando de Gênesis para a história, é 
possível dizer que um dos aguilhões da espiritualidade cristã ocidental 
esteveem seu estranhamento com a humanidade. Estranhamento 
grego (platônico), eu diria, que criou dualismos perversos: alma versus 
corpo; espírito versus matéria; sagrado versus secular; o cristão versus 
“o mundo”. Como resultado, a espiritualidade seria então a atenção 
que prestamos ao que acontece em nossa alma – morada do divino – 
deixando de lado, para não dizer desprezando, o corpo, a matéria e as 
atividades corriqueiras da vida. 
Em outras palavras, trata-se de uma espiritualidade “do jeito que o diabo 
gosta”, por separar o que Deus uniu e “viu que era bom”; por banalizar 
as boas dádivas da criação; por criar uma piedade domesticada e sem 
graça, que inibe o que Paul Tillich (1972) chamou de “coragem de ser”: 
a coragem de aceitar a aceitação (graça) e a coragem de ser como uma 
parte. Desde o princípio parece que criamos um estranhamento com o 
fato de que Deus nos aceita e nos ama do jeito que nós somos. E por que 
não amaria, se Ele nos fez assim? 
4.2. A maldição da humanidade
Olhar para o Gênesis é interessante pois percebemos que esse sentimento 
de desajuste para com nossa natureza – esse desconforto em estar 
na própria pele – está, de certo modo, inscrito em nossos genes e nos 
acompanha há milênios. 
Em primeiro lugar, pode-se dizer que há algo de irremediavelmente divino 
no ser humano, que Eclesiastes elaborou de modo trágico, quando 
disse que: “Tudo fez Deus formoso no seu devido tempo; também pôs a 
eternidade no coração do homem, sem que este possa descobrir as obras 
que Deus fez desde o princípio até o fi m” (Ec 3.11, ARA). Na tradução A 
Mensagem do mesmo verso, diz: “Sei que Deus pôs tudo no seu devido 
lugar e no tempo certo, mas nos deixou na escuridão, e a verdade é que 
não sabemos bem o que Deus quer, nem agora, nem no futuro”. Espera, 
deixa eu ver se eu entendi direito:
| Espiritualidade Cristã | FTSA Introdução à espiritualidade cristã28 | FTSA Introdução à espiritualidade cristã
Deus fez tudo perfeito, tudo no seu devido lugar, a melhor criação 
possível, e também nos fez, humanos, graças a Deus! Mas deixou dentro 
da gente uma chama acesa, um senso ou gosto pelo que excede o 
nosso entendimento (o que também poderíamos chamar de aperitivo 
do infi nito), mas sem que pudéssemos dar conta, explicar ou satisfazer 
plenamente esse sentimento? Por que Ele faria algo assim?
Uma ilustração: quando Moisés começou a fazer alguns apelos ao 
Senhor, em Êxodo 33, dentre eles estava o pedido: “Por favor, permita que 
eu veja a tua glória”, a sua kavod. E o Senhor responde com um “vamos 
fazer assim”: meu brilho e minha bondade passarão diante de você; o 
meu nome estará diante de você; minha compaixão e minha misericórdia 
desfi larão diante dos seus olhos. Mas, o meu rosto você não poderá ver, 
porque você não suportaria. Então, “você me verá pelas costas. Mas não 
verá o meu rosto” (Êx 33.21-23). 
Bem, a resposta à pergunta acima então pode ser: Ele nos disponibiliza 
somente aquilo que a gente consegue aguentar. Em pequenas doses, 
sempre parcialmente. O aperitivo do infi nito, ou a eternidade no coração, 
nos põe em busca, mas a experiência e, porque não dizer, a teologia 
daí resultantes, são apenas em bocadinhos, sempre um começo de 
conversa. Porque, em segundo lugar, também podemos dizer que 
há algo de irremediavelmente humano no ser humano, que pode ser 
endereçado pela palavra contingência (falta ou insufi ciência). E, com ela, 
vem a sensação de que nunca somos, nem seremos: fortes o bastante, 
inteligentes o bastante, felizes o bastante, bons o bastante, espirituais o 
bastante. E não seremos mesmo.
Robert Louis Stevenson, no clássico O médico e o monstro – o estranho 
caso do dr. Jekyll e o sr. Hyde, de 1885, apresenta, indiretamente, o que eu 
chamaria de uma parábola moderna do pecado original. O personagem 
principal, o dr. Henry Jekyll, é descrito como um cientista sério e de 
reputação ilibada, que sempre fez de tudo para manter publicamente 
essa imagem de homem virtuoso, profi ssional excelente, uma pessoa 
de disposição alegre e entusiástica, e que assim faria a felicidade de 
29Introdução à espiritualidade cristã Espiritualidade Cristã | FTSA | Introdução à espiritualidade cristã 
muitos. Algo que ele, Jekyll, descrevia, porém, como seu pior defeito: o 
de ser pretensamente bom, e duro demais consigo mesmo. Para isso, 
ele precisava esconder seus impulsos e prazeres, e logo se viu no que 
chamou de “uma profunda duplicidade”: seu lado bom e o que ele julgava 
como “a parte inferior de si mesmo” estavam em guerra (a exemplo de 
Romanos 7). Tomado por um sentimento de vergonha dessa condição 
(veja o paralelo com os primeiros humanos), ele teve um devaneio: por 
que não inventar uma fórmula que seja capaz de separar essas duas 
partes? Cito o personagem:
Se cada um, pensei, pudesse ocupar identidades distintas, a 
vida seria aliviada de tudo que é insuportável; o injusto seguiria 
seu caminho, livre das aspirações e do remorso de seu gêmeo 
mais digno; e o justo poderia percorrer com passos fortes e 
seguros seu caminho ascendente, praticando as boas ações 
que lhe dão prazer, não mais exposto à desgraça e à penitência 
causada por obra daquele mal extrínseco. A maldição da 
humanidade foi que esses dois feixes incongruentes tivessem 
sido amarrados juntos – que no ventre angustiado da 
consciência aqueles gêmeos opostos lutem continuamente. 
(Stevenson, 2015, p. 126, grifo meu)
Na pele de seu atormentado personagem, Stevenson nos faz imaginar 
(ou recordar) um ser humano quase divino, porque puro e livre das 
“angústias e agruras dessa vida que são postas sobre nossos ombros” 
(aqui parece Eclesiastes falando); um ser soberano em relação aos 
apetites mais primitivos do humano e, assim, livre da vergonha, do fardo 
e da culpa, e para um fi m nobre: fazer o bem e tão somente o bem! Ao 
colocar em prática seu plano, Jekyll ainda relata ter reconhecido que 
seu “corpo natural era apenas a aura e a radiância de alguns poderes” 
que compunham seu espírito, até então destronados pelos “elementos 
inferiores de sua alma” (Stevenson, 2015, p. 126). 
Quem condenaria Jekyll por esse ato imponderado? Quem não gostaria de 
poder ser humano, sem ter de carregar todas as esquisitices e neuroses 
que povoam nossos variados modos de ser e personalidades? Jekyll é 
| Espiritualidade Cristã | FTSA Introdução à espiritualidade cristã30 | FTSA Introdução à espiritualidade cristã
uma nova versão de Adão e Eva; Jekyll sou eu e é você. Como nossos 
pais humanos, ele também foi atraído pela espiritualidade da serpente.
Exercício de fi xação
 Escolha abaixo a alternativa que melhor representa o que chamei 
de “espiritualidade da serpente”:
a) Uma proposta de espiritualidade existente desde o Éden que
passou a existir como uma espécie de antídoto contra a humanidade.
b) Uma proposta de espiritualidade existente desde o Éden e que
signifi ca basicamente harmonia com Deus e com a criação.
Escolha a alternativa e acesse o AVA para ver a reação 
do professor!
4.3. É preciso manter todas as partes unidas!
Agora, é claro que é uma representação que tem limites (Stevenson 
escreveu em 1885!), que na natureza humana há uma rede intrincada 
de laços e de rupturas, de modo que não é apenas “dual”, mas múltipla. 
De fato, o personagem dr. Jekyll faz uma descrição interessante de si 
mesmo, humano, como um “amálgama contraditório cuja reforma e 
aperfeiçoamento [ele] já perdera a esperança de realizar” (Stevenson, 
2015, p. 129). 
Há duas lições importantes aqui: (1) Primeira, a humanidade em nós não 
é algo que vem pronto em uma bandeja pelo simples fato de que somos 
humanos, mas deve ser desenvolvida, reformada, e aperfeiçoada sempre– parafraseando Paulo Freire, o ser humano não é, ele está sendo, ou
lembrando do que disse outro Paulo, o apóstolo: eu não considero ter
alcançado a perfeição, eu não tenho tudo junto (cf. Fp 3.12); (2) Segunda,
diante da enorme tarefa que é se tornar mais e mais humanos, e de
todas as difi culdades, eventuais fracassos, as injustiças e desigualdades
31Introdução à espiritualidade cristã Espiritualidade Cristã | FTSA | Introdução à espiritualidade cristã 
da vida – a vida não é justa, nem faz sentido, Eclesiastes que o diga –, 
muitas pessoas se desesperam, cansam de tentar, cansam de fazer o 
bem, cansam de lutar, e logo são atraídas, de novo, pela oferta da serpente 
que está sempre à espreita. Uma poção mágica quem sabe e “bam!”, 
confl ito resolvido? Não, o Eterno nos alertou lá no livro de Gênesis: querer 
ser mais ou menos que humanos signifi ca morte. E, não custa lembrar 
(alerta para spoiler!): esse foi o triste fi m do dr. Jekyll, que sabia dos 
riscos e mesmo assim arriscou.
A sabedoria bíblica, entretanto, nos ensina uma terceira importante lição: 
(3) É preciso (aprender a, e ter coragem de) manter todas as partes
unidas! Um último exemplo, extraído de Eclesiastes, e caminhamos para
o fi nal dessa minha provocação:
Em Eclesiastes (7.15-20, TAM), lemos:
15 A minha vida tem sido uma ilusão, mas nela eu 
tenho visto de tudo. Há pessoas boas que morrem, 
e há pessoas más que continuam a viver a sua vida 
errada. 
16 Por isso, não seja bom demais, nem sábio demais; 
por que você iria se destruir? 
17 Mas também não seja mau demais, nem tolo 
demais; por que você iria morrer antes do tempo? 
18 Evite tanto uma coisa como a outra. Se você temer 
a Deus, terá sucesso em tudo.
19 A sabedoria pode fazer mais por uma pessoa do 
que dez prefeitos juntos podem fazer por uma cidade.
20 Não existe no mundo ninguém que faça sempre o 
que é direito e que nunca erre.
A primeira má-notícia – sim, porque em toda boa-nova existe uma “má-
nova” mais ou menos explícita –: justiça (e bondade) não garante bem-
estar e longevidade, assim como a maldade não resulta necessariamente 
em fracasso ou sofrimento. Então, se você deseja fazer o bem, que não 
| Espiritualidade Cristã | FTSA Introdução à espiritualidade cristã32 | FTSA Introdução à espiritualidade cristã
seja pelos louros, porque pode ser que não alcance. Depois, segunda 
má-notícia: ele mostra pra gente que isso era mais pretensiosidade que 
realidade, ou seja: ninguém “é” inteiramente bom ou inteiramente mau, 
e que quem vive com essa pretensão é uma pessoa dividida (ou não 
íntegra), sugada para os extremos.
Só que aqui ele quebra com a tradicional teoria da recompensa e a 
moralidade baseada em causa e efeito, que afi rma: o justo alcança uma 
larga vida enquanto o malvado perderá no fi m. Em seguida, ele diz algo 
que é uma aparente contradição: “Não seja demasiadamente ímpio e não 
seja tolo; por que morrer antes da hora?” (v. 17, TJC). Parece indicar que 
os extremos levam à autodestruição, mesmo que, no caso da maldade, 
por exemplo, se possa ter alguma sobrevida. A última recomendação é 
bem inusitada, e eu encaro como uma grande boa-nova: “retenha uma 
coisa e não abra mão da outra”. Isso signifi ca evitar o caminho ilusório 
do Dr. Jekyll. Sobre isso, leiamos sua triste confi ssão:
Aqui preciso falar teoricamente, não dizendo o que sei, e sim o que 
suponho ser mais provável. O lado mau de minha natureza, ao qual eu 
havia agora concedido a capacidade de corporização, era menos robusto 
e menos desenvolvido que o recém-deposto lado bom. Por certo, no 
curso de minha vida – nove décimos da qual compostos de esforço, 
virtude e controle –, aquele lado fora menos exercitado e menos gasto. 
(Stevenson, 2015, p. 128)
Quer dizer, esse homem fez exatamente o oposto do que sugere o Pregador. 
Que, a meu ver, não é para que exercitemos nossa maldade inerente de 
caso pensado, mas que reconheçamos que ela existe, que está dentro da 
gente, que faz parte de nossa humanidade. Harold Kushner (1999, p. 66) 
traduz esse mesmo v. 17 de modo muito interessante: “Permita que sua 
vida seja uma mistura de devoção e pecado, tudo de forma moderada!”. 
Eis então o retrato de um ser humano insuportável (para si e para os 
outros): aquele/a que crê piamente na equivalência entre suas crenças 
e sua vida prática. Imagina-se demasiadamente justo e bom. Ledo 
engano. Integridade também signifi ca admitir sua incapacidade de viver 
33Introdução à espiritualidade cristã Espiritualidade Cristã | FTSA | Introdução à espiritualidade cristã 
inteiramente o que acredita e prega. É preciso fazer o possível para 
manter todas as partes unidas? Sim. Mas, eis o paradoxo: ninguém tem 
tudo junto. E se afi rma ter, mente. E o demônio exulta.
Por isso, é preciso reverberar outra vez Eclesiastes: “não há um justo 
sequer sobre a terra que faça [apenas] o bem e nunca peque” (TJC). Ou: 
“Não há uma única pessoa perfeita no mundo; nenhuma que seja pura e 
sem pecado” (TAM). Elsa Tamez (1998, p. 160) conclui que “a luta infi nita 
por ser bom é também desumanizante. O que Qohélet está dizendo é que 
é próprio do humano não ser justo sempre”, bem como não ser mau o 
tempo todo. Quem teme a Deus procura evitar os extremos. 
 Texto de Apoio
Em seu livro Na liberdade da solidão, Thomas Merton diz o seguinte:
A vida espiritual é, antes de mais nada, uma vida. Não é apenas algo a 
ser conhecido e estudado; tem de ser vivido. Como toda vida, defi nha 
e morre quando separada de seus elementos próprios. A Graça está 
enxertada em nossa natureza e o homem todo está santifi cado pela 
presença e ação do Espírito Santo. A vida espiritual não é, portanto, 
uma vida completamente separada, desarraigada da condição humana 
e transplantada para o ambiente angélico. Vivemos como criaturas 
espirituais quando vivemos como homens que procuram a Deus. Para 
sermos espirituais, temos de permanecer homens. E, se isso não fosse 
evidenciado em toda parte na teologia, o Mistério da Encarnação seria 
disso, amplamente, uma prova. Por que Cristo se fez homem senão para 
salvar os homens unindo-os misticamente a Deus por meio de sua santa 
Humanidade? Jesus viveu a vida – ordinária – dos homens de todos os 
tempos. Se queremos, pois, ser espirituais, vamos em primeiro lugar 
viver a nossa própria vida. Não tenhamos medo das responsabilidades 
e inevitáveis distrações inerentes à tarefa a nós confi ada pela vontade 
de Deus. Abracemos a realidade; assim nos encontraremos imersos 
na vontade vivifi cadora e na sabedoria de Deus, que por toda parte nos 
envolve. (Merton, 2001, p. 40)
| Espiritualidade Cristã | FTSA Introdução à espiritualidade cristã34 | FTSA Introdução à espiritualidade cristã
Resumindo a ideia: ser espiritual é ser mais e mais humano! A 
espiritualidade é uma integridade. A falta de integridade, a sedução da 
espiritualidade da serpente, nos faz querer optar por um ou outro extremo, 
e viver divididos. A integridade, porém, implica em assumir quem somos, 
discernindo com maturidade nossas ações, e agindo de acordo com o 
que acreditamos [afi nando-se o mais possível à vontade de Deus]. 
O equilíbrio, por outro lado, também envolve não se deixar paralisar diante 
das difi culdades – permitindo que uma “lei moral”, que às vezes milita 
contra a vida, fale mais alto, deixando, assim, de viver e realizar o potencial 
da vida em função dessas interdições. Quanto mais amadurecemos e 
crescemos enquanto pessoas de fé e humanas, mais os nossos “joios” 
(lembrando da parábola do joio e do trigo), ou o que em nós estava 
obscuro, vem à tona. E nãoé nossa tarefa extinguir o “Mr. Hyde”, pois se 
o fi zermos provavelmente eliminaremos também o “Dr. Jekyll”.
É preciso, por mais estranho que isso possa parecer aos nossos ouvidos 
cartesianos, deixar que eles cresçam juntos!
Nilton Bonder (1998, p. 82) disse o seguinte: “Aquele que não faz uso 
de todo o potencial de sua vida, de alguma maneira diminui o potencial 
de todos os demais. Se fôssemos todos mais corajosos e temêssemos 
menos a possibilidade de sermos perversos, este seria um mundo de 
menos interdições desnecessárias e de melhor qualidade”.
Exercício de aplicação
Leia o texto seguinte e em seguida responda o que se pede:
Jesus lhes contou outra parábola, dizendo: O Reino dos céus é 
como um homem que semeou boa semente em seu campo. Mas 
enquanto todos dormiam, veio o seu inimigo e semeou o joio no 
meio do trigo e se foi. Quando o trigo brotou e formou espigas, o 
joio também apareceu. Os servos do dono do campo dirigiram-se a 
ele e disseram: ‘O senhor não semeou boa semente em seu campo?
35Introdução à espiritualidade cristã Espiritualidade Cristã | FTSA | Introdução à espiritualidade cristã 
Então, de onde veio o joio?’ ’Um inimigo fez isso’, respondeu ele. 
Os servos lhe perguntaram: ‘O senhor quer que vamos tirá-lo?’ Ele 
respondeu: ‘Não, porque, ao tirar o joio, vocês poderão arrancar com 
ele o trigo. Deixem que cresçam juntos até à colheita. Então direi 
aos encarregados da colheita: Juntem primeiro o joio e amarrem-no 
em feixes para ser queimado; depois juntem o trigo e guardem-no 
no meu celeiro’. (Mateus 13.24-30)
1. De acordo com a parábola, qual alternativa melhor corresponde
ao que se diz sobre o funcionamento das coisas no “reino dos céus”:
a) No reino dos céus, no mesmo solo em que a bondade germina
e cresce, também cresce a maldade e a impiedade.
b) No reino dos céus a bondade e a justiça estão onde a maldade
e a impiedade não estão e vice-versa.
2. O que o estranhamento e a atitude dos servos do dono do campo
representam?
a) Representam a concepção de santidade como participação,
que não teme perder-se e se contaminar com o mundo.
b) Representam a concepção de santidade como ascetismo, que
teme que o santo se torne profano pelo contato com o mundo, e
propõe separá-los.
3. Em que medida a postura do dono do campo nos ajuda a evitar o
caminho adotado pelo doutor Jekyll, em O médico e o monstro?
a) Na medida em que nos instiga a encontrar uma fórmula de
separar bem e mal na humanidade; o bem crescerá quando o mal
for extirpado.
b) Na medida em que nos instiga a ver bem e mal como realidades 
inseparáveis no mundo e no ser humano; não saberíamos o que é
o bem, não fosse o mal.
Escolha as alternativas, depois acesse o AVA para ver 
a reação do professor em cada questão! 
| Espiritualidade Cristã | FTSA Introdução à espiritualidade cristã36 | FTSA Introdução à espiritualidade cristã
Referências bibliográfi cas
AGOSTINHO. Confi ssões. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril 
Cultural, 1996. 
BARTH, Karl. Introdução à teologia evangélica. São Leopoldo: Sinodal, 2003.
BONDER, Nilton. A alma imoral: traição e tradição através dos tempos. 
Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
BONHOEFFER, Dietrich. Vida em comunhão. São Leopoldo: Sinodal, 2006.
BRABO, Paulo. Em seis passos o que faria Jesus. São Paulo: Garimpo, 2009. 
CABRAL JR., Elienai. Salvos da perfeição. Mais humanos e mais perto de 
Deus. Viçosa: Ultimato, 2009.
CASTILLO, José M. A ética de Jesus. São Paulo: Loyola, 2010.
CAVALCANTI, Robinson. A utopia possível. Viçosa: Ultimato, 1997.
COSTAS, Orlando. Proclamar libertação. Uma teologia de evangelização 
contextual. São Paulo: Garimpo, 2014.
COX, Harvey. The Future of Faith. New York: HarperOne, 2009.
_________. Que a serpente não decida por nós. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 
1970.
GALILEA, Segundo. Seguir a Jesus. São Paulo: Paulinas, 1979. 
HADJADJ, Fabrice. A fé dos demônios ou a superação do ateísmo. São 
Paulo: Vide Editorial, 2017.
KUSHNER, Harold. Quando tudo não é o bastante. São Paulo: Nobel, 1999.
LEWIS, C. S. Cristianismo puro e simples. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
MANNING, Brennan. A implacável ternura de Jesus. 
MCGRATH, Alister. Uma introdução à espiritualidade cristã. São Paulo: 
Vida, 2008. 
MELLO, Anthony de. O enigma do iluminado. Vol. I. São Paulo: Loyola, 2000. 
37Introdução à espiritualidade cristã Espiritualidade Cristã | FTSA | Introdução à espiritualidade cristã 
MERTON, Thomas. Na liberdade da solidão. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. 
NIETZSCHE, Friedrich. Humano, demasiado humano. São Paulo: Cia das 
Letras, 2005.
STEVENSON, Robert L. O médico e o monstro – O estranho caso do dr. 
Jekyll e o sr. Hyde. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. 
TAMEZ, Elsa. Quando los horizontes se cierran: relectura del libro de 
Eclesiastés o Qohélet. San José: DEI, 1998. 
TILLICH, Paul. A coragem de ser. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1972.
URTEAGA, Jesus. O valor divino do humano. São Paulo: Quadrante, 1967.
Atenção!
Lembre-se de realizar as atividades avaliativas da disciplina.
1- Faça todos os exercícios desta unidade;
2- O "Exercício integrativo" consiste em um resumo de toda 
disciplina contendo entre 800 e 900 palavras, portanto, 
sugerimos que você já faça o resumo desta unidade como 
parte desta avaliação. Faça esse resumo em um arquivo de 
texto, salve-o em seu computador e use-o novamente para 
adicionar no resumo das outras unidades e ao fi nalizar o 
resumo de toda a disciplina, poste-o ao completar esta tarefa 
acessando o link "Avaliações";
3- Lembre-se de ler alguns dos textos complementares (em 
torno de 25 páginas) para cumprir a exigência de leitura de 
pelo menos 100 páginas da lista disponibilizada aqui;
4- Ao fi nal da unidade II, você deverá fazer a primeira prova 
objetiva.
Consulte o “Programa de curso” para mais informações sobre 
as "avaliações".
Fique atento ao prazo fi nal para a realização das 
"avaliações".
| Espiritualidade Cristã | FTSA Religião, fé e espiritualidade38 | FTSA Religião, fé e espiritualidade
 UNIDADE II – RELIGIÃO, FÉ E ESPIRITUALIDADE
Introdução
A busca por uma espiritualidade encarnada – meu mote na primeira unidade 
– passa, também, pelo reconhecimento das mais esquisitas e paradoxais
paragens humanas, lugares em que não apenas damos signifi cado à vida,
como também construímos e damos sentidos a nossa relação com o divino
e sua criação. A religião é certamente um desses lugares, que demarcam
nossa ambiguidade humana: somos movidos pelo incondicional e, ao
mesmo tempo, muito presos à condicionalidade, isto é, às crenças, aos
conceitos, às ideias e imagens que fazemos do divino e do mundo. Quais são
as consequências ou implicações disso para a fé? Sim, porque a fé é diferente 
da religião, que é diferente da espiritualidade, embora sejam conceitos em
relação. E precisamente por estarem em relação é que decidi escrever o
relato que você lerá nesta unidade. Num segundo momento, tentarei fazer
uma síntese sobre o que signifi ca permanecer crendo, escolhendo a fé,
diante das eventuais desconstruções pelas quais passamos em meio a um
universo de descrença e ceticismo, ou mesmo de dúvidas e incertezas que
cercam nossa espiritualidade tanto no plano intelectual quanto no plano
existencial. Farei isso em dois momentos: no primeiro, discorrendo sobre a
sustentação e os limites da crença e, no segundo, apresentando o que aqui
chamarei de “arte de perder chãos”.
Objetivos da unidade
1. Perceber o que uma teoria ou concepção de religião pode revelar
sobre seu objeto – que, para Tillich (1973), é o “incondicional”;
2. Defi nir fé também apartir das relações entre o condicional e o
incondicional;
3. Descobrir um novo tipo de racionalidade, orgânica e vital, na
expressão da fé;
4. Refl etir sobre a necessidade e (arte) de perder chãos, de
desconstrução para uma nova construção.
39Religião, fé e espiritualidade Espiritualidade Cristã | FTSA | Religião, fé e espiritualidade 
1. O que é religião?
A palavra “religião” é antiga e remonta aos tempos bíblicos. No Novo 
Testamento, por exemplo, a aparição mais conhecida do conceito se 
encontra na carta de Tiago (1:27-28), no que ele denomina de “religião 
verdadeira”. Outras ocorrências podem ser vistas em Colossenses 2:18 e 
Atos 26:5. No primeiro, o termo em grego (threskeia) signifi ca “adoração 
religiosa”, e, no segundo, “sistema religioso”. Sabemos que na antiguidade 
cristã existiam inúmeras religiões entre os diferentes povos; até mesmo 
os gregos e os romanos eram bastante religiosos (vide o que disse Paulo 
aos atenienses em Atos 17), praticavam o politeísmo, que é a crença em 
ou culto a vários deuses. Sabemos também que o cristianismo primitivo 
teve uma base religiosa, advinda do judaísmo, sobretudo. Jesus e os 
apóstolos eram judeus e seguiam os princípios da religião judaica. 
Como explica Frank Whaling (in McGrath, 1993, p. 547), “o simples uso da 
palavra ‘religião’ implica em uma teoria sobre a religião”. Assim, gostaria 
de utilizar outra defi nição possível como ponto de partida para nossa 
conversa aqui: 
Religião é um sopro humano na busca pelo incondicional.
De onde a retiro? Primeiramente, da ideia de que a religião nasce do 
desejo ou busca pela transcendência (ou pelo infi nito) que há em todo 
ser humano. Eclesiastes – como já observei na unidade temática anterior 
e quero retomar aqui – chama isso de um senso de “infi nito” que há no 
coração humano: “Deus pôs a eternidade no coração do homem sem 
que este saiba as obras que Deus fez do princípio até fi m” (Ec 3:11). De 
acordo com Harold Kushner (1999, p. 25), “Deus plantou em nós uma 
fome que não pode ser saciada, uma fome de sentido e signifi cado”. 
Essa “eternidade no coração”, expressa bem essa fome pelo inexplicável, 
indizível, pelo que está além de nós; é o senso de vazio e escuridão 
diante de uma infi nitude que não cabe dentro de nós, mas que desejamos 
desesperadamente: viver, e viver eternamente! Como diz Luiz Felipe 
Pondé (2015, p. 23), “somos seres feitos de abismos”.
A busca pela transcendência na contemporaneidade assume outras 
facetas, mas expressa o mesmo anseio. Segundo John Stott (1998, p. 
246), consiste no anseio “pela realidade suprema, que se encontra além 
| Espiritualidade Cristã | FTSA Religião, fé e espiritualidade40 | FTSA Religião, fé e espiritualidade
do universo material. É um protesto contra a secularização, isto é, contra 
a tentativa de eliminar Deus de seu próprio mundo”. Trata-se de uma 
reabertura que vemos crescer no mundo atual de um espaço, que vinha 
sendo ocupado pelo racionalismo, o progresso e a ciência, por exemplo, 
como conquistas modernas, para a experiência do transcendente. Daí 
vem o renascer da espiritualidade, ou melhor, das espiritualidades, em um 
renovado senso do divino, do mistério e do temor. Neste tempo vemos 
o fl orescer da religiosidade, como expressão espontânea e busca de
relacionamento das pessoas com Deus através de ritos, performances
e adorações, e menos da religião institucional e seus mecanismos de
controle ou domesticação. Aqui vai mais uma ideia importante:
O senso de infi nito no coração humano nos conduz ao transcendente.
Minha defi nição aqui pretende convergir tanto com a visão clássica 
romântica de Friedrich Schleiermacher (2000, p. 35), para quem a religião, 
em sua essência humana, “é sentido e gosto pelo infi nito”, como a de 
Paul Tillich (1973, p. 61), que a defi ne como “a orientação do espírito ao 
signifi cado incondicional”. Em outro lugar, o autor defi ne religião como 
“preocupação suprema (ultimate concern), manifesta em todas as 
funções criativas do espírito bem como na esfera moral na qualidade de 
seriedade incondicional que essa esfera exige” (Tillich, 2009, p. 45). Gosto 
pelo infi nito, orientação para o incondicional, preocupação suprema: todas 
indicando tanto uma origem no ser, como um fi m último para a religião. 
Mas isso, é claro, não é tudo. O texto de Eclesiastes também diz que 
isto se dá sem que o ser humano conheça as obras ou o percurso de 
Deus do princípio até o fi m, exceto, acrescento, por aquilo que Deus 
mesmo deixou, seus rastros, primeiramente no universo criado. Ou 
seja, o ser humano tateia pelo infi nito, mas só consegue encontrá-lo 
através de expressões fi nitas. Em Romanos, o apóstolo Paulo diz que 
“os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, 
têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas 
criadas...” (Rm 1:20). Quer dizer, parte do que de Deus se pode conhecer 
está, desse modo, manifesto na vida que pulsa em nós e além de nós, na 
natureza. Pode-se inferir então que a religião nasce, em segundo lugar, do 
seguimento humano pelo caminho em que se encontram os vestígios, os 
rastros, ou as pegadas do divino ou do incondicional. 
41Religião, fé e espiritualidade Espiritualidade Cristã | FTSA | Religião, fé e espiritualidade 
Exercício de aplicação
Observe o seguinte trecho do livro do profeta Amós (na tradução “A 
Mensagem”, de Eugene Peterson), e em seguida responda às questões: 
Não suporto os encontros religiosos de vocês. Estou cheio dos seus 
congressos e convenções. Não me interessam seus projetos religiosos, 
seus lemas e alvos presunçosos. Estou enojado das suas estratégias 
para levantar fundos, das suas táticas de relações públicas e criação da 
própria imagem. Não suporto mais sua barulhenta música de culto ao 
ego. Quando foi a última vez que vocês cantaram para mim? Alguém 
aí sabe o que eu quero? Eu quero justiça – um mar de justiça. Eu quero 
integridade – rios de integridade. É isso que eu quero. Isso é tudo que 
eu quero (Am 5.21-24 – Grifos meus).
1. Qual das alternativas abaixo melhor corresponde a visão ou o conceito
que Amós transmite sobre religião?
a) Religião é uma expressão sincera do coração humano que se
conjuga com o desejo de adorar e servir somente a Deus.
b) Religião é uma criação humana, cujos projetos, convenções,
instituições e estratégias revelam mais do ego humano do que do
Deus, a quem se diz adorar.
 Acesse o AVA para fazer e ver a reação do professor!
2. O que signifi caria, no contexto da argumentação de Amós, “cantar para
Deus”?
a) Cantar com o coração voltado para Deus e o que o move, e não
primordialmente para si mesmo.
b) Erguer sua voz e cantar de modo fervoroso para que Deus ouça.
 Acesse o AVA para fazer e ver a reação do professor 
3. O que é preciso para viver uma espiritualidade íntegra, segundo Amós?
a) É preciso andar retamente, respeitando os costumes de sua igreja e
frequentando constantemente seus cultos.
b) É preciso amar a justiça e viver de acordo com aquilo
que prega.
 Acesse o AVA para fazer e ver a reação do professor 
| Espiritualidade Cristã | FTSA Religião, fé e espiritualidade42 | FTSA Religião, fé e espiritualidade
1. Religião, revelação e o condicional
Como seres humanos, somos, contudo, condicionais. Pertencemos à 
humana condição: mortal, limitada e, biblicamente falando, pecaminosa 
ou concupiscente. O pecado é o que, originalmente, segundo Gênesis 
(3:1-7), nasceu de uma tentativa do homem e da mulher originais de se 
igualar a Deus na ciência do bem

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