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Fichamento: GLOECKNER, Ricardo Jacobsen (Org.). Plea Bargaing, Editora Tirant lo Blanch, São Paulo, 2019. Por Marina Favretto Luersen, maio/2021 Página 1 PLEA BARGAING ORG. RICARDO JACOBSEN GLOECKNER JUSTIÇA NEGOCIADA E COERÇÃO: REFLEXÕES À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL EUROPEU DE DIREITOS HUMANOS (TEDH) Lorena Bachmaier Winter 1. INTRODUÇÃO • Autora apresenta o tema da justiça negociada comentando o aumento de sua utilização tendo em vista o problema do excesso da carga de trabalho da justiça (maior criminalidade e limitação de recursos, simultaneamente), como uma das formas de lidar com isso com vistas a “eficiência” (outras formas seriam a despenalização, a substituição por sanções administrativas, a adoção de procedimentos sumários ou simplificados, a definição de prioridades à punição e assim por diante); • Após apresentar o tema ela esclarece que não se debruçará, neste momento, nem sobre a justificação da adoção de soluções consensuais/justiça negociada (que entende que é “senão o fracasso da própria administração da Justiça em conduzir os processos com todas as suas garantias conferidas pelo Estado em tempo e custos razoáveis; ou uma opção de mera política judiciária que permite reduzir custos), nem sobre “sua discutível adequação em um modelo processual baseado na busca da verdade ou se se trata de um sistema que somente se enquadra em um modelo não hierárquico de justiça criminal” (p. 10-11) – tratará, outrossim, sobre o elemento da voluntariedade, que já enuncia entender crucial à conformidade da justiça negociada a justiça criminal; • Esclarece, disto, que o trabalho decorre em grande parte da leitura da sentença do TDEH no caso Natsvlishvili versus Georgia, em que “se aborda a compatibilidade de uma sentença de conformidade com o direito fundamental a um processo equitativo a ser garantido pelo Estado reconhecido no art. 6.1 da CEDH” e os critérios que são utilizados, tanto pelo TEDH, quanto pela Suprema Corte Americana, à aferir tal voluntariedade, tendo em vista que “a valoração de um sistema de conformidade não pode se fundar unicamente em sua correta regulação processual; outros elementos extraprocessuais que podem agir como coerção ao implementar os mecanismos de conformidade devem ser levados em consideração” para considera-lo, pois, legítimo. 2. A CONFORMIDADE COMO ACORDO VOLUNTÁRIO? • Antes de comentar a decisão do TEDH a autora traz a importância da voluntariedade a justiça negocial e tangencia algumas teorias que entendem que, desde que existente a voluntariedade, seria adequado ao sistema constitucional o acordo (autonomia da vontade, exercício da liberdade de negociar a desenvolvimento da própria personalidade do acusado, que pode decidir sobre seu futuro) ou se, por outro lado, não seria adequado, mesmo que se fale em “vontade” (autores apontam que não há como falar em voluntariedade entre partes tão desiguais, chegando a fazer analogia da coação atual em relação a tortura realizada na inquisição); Fichamento: GLOECKNER, Ricardo Jacobsen (Org.). Plea Bargaing, Editora Tirant lo Blanch, São Paulo, 2019. Por Marina Favretto Luersen, maio/2021 Página 2 • Embora a autora reconheça, pondera ela, que “a formação da vontade está condicionada por diversos fatores, dentre eles a incerteza dos resultados decorrentes do processo [caso o MP pugne, por exemplo, pena máxima], o medo de ser condenado ou a situação da prisão provisória”, compreende, ainda assim, que tais condicionantes, presentes e inerentes a qualquer sistema de justiça negociada, não impedem a existência da vontade e a aceitabilidade, portanto, de acordo, “sempre que não se transforme, na prática, em um sistema de coerção, em face dos sujeitos submetidos a um processo pela prática de um delito”, ressalva a autora (p. 15); • Assim, ao questionar sobre se o sistema de justiça balanceado na renúncia de um conjunto de garantias seria equitativo (igualdade em senso de justiça), a autora afirma entender que sim, “mas, sempre e quanto observem certas premissas” que envolve evitar abusos do ius puniendi inclusive em tais soluções – se o processo tradicional visa justamente a aplicação lícita do direito penal a fim de se evitar abusos, também é legítimo outro sistema que delimite parâmetros de garantias aos mesmos fins. Dentre tais esta, em essência e necessariamente, a vontade; • E é sobre a vontade que a autora se debruçará, explica ela: a vontade não pode, sob qualquer aspecto, ser “retirada” mediante “coação”, sob pena da “transação” ser nula. Assim sendo, indispensável é a análise do instituto negocial no processo penal a fim de distinguir o que seria incentivo a vontade do possível réu de acordar e aquilo que, por outro lado, figuraria como coação – e é o que trata, agora, a autora, esclarecendo que quando fala em “incentivo”, neste momento, refere-se a eventuais diminuições da pena ou benefício na sentença, não adentrando em outras formas de justiça negocial onde sequer há acusação ou interrompe-se a investigação, por exemplo. 3. OS DISCUTÍVEIS ARGUMENTOS DO TEDH NO CASO NATSVLISHVILI VERSUS GEÓRGIA 3.1 Os fatos • Natsvlishvili foi por dois anos vice-prefeito de Kutaisi (2ª maior cidade da Georgia) e, posteriormente, foi nomeado diretor executivo de uma das maiores fábricas da Goergia de automóveis, de que o Estado é principal acionista, alcançando o cargo de Presidente do Conselho nos anos 2000. Enquanto na empresa, Natsvlishvili adquiriu cerca de 13% e também foi sequestrado, em dezembro de 2000 (família pagou o resgate); • No começo de 2004 Natsvlishvili foi acusado de diversos delitos e fraudes empresariais e foi preso preventivamente – assim ficou por seis meses, dividindo cela por quatro deles com o sujeito que lhe tinha sequestrado e outro condenado por homicídio; • Sua prisão cessou quando, após a denúncia, foi firmado e homologado acordo de pena pecuniária de 15 mil euros, sem pronunciamento sobre eventual responsabilidade civil, e devolução das ações ao Estado, em substituição a possível pena que variava de 6 a 12 anos de prisão; • Embora o acordo tenha sido firmado com a assistência de advogado e o acusado tenha declarado expressamente compreender o conteúdo dele e suas consequências, logo que posto em liberdade Natsvlishvili recorre ao TEDH alegando, dentre outros, violação ao devido processo legal, a presunção de inocência, direito de apelar de sentença penal condenatória perante tribunal superior e direito a propriedade. Fichamento: GLOECKNER, Ricardo Jacobsen (Org.). Plea Bargaing, Editora Tirant lo Blanch, São Paulo, 2019. Por Marina Favretto Luersen, maio/2021 Página 3 3.2 Da decisão • Após decidir, o TEDH, serem legítimos os mecanismos de condenação sem processo, observou que “esta renúncia a um processo público, ao direito de produzir prova, a não declarar contra si mesmo e não confessar culpado e, inclusive, a renúncia de recorrer da sentença, é válida sempre que se cumpra uma série de requisitos” (p. 19) que são: ➢ Formais: Manifestação de forma inequívoca cumprindo “um conjunto de garantias, as quais hão de estar em consonância com a importância dos direitos aos quais se esta renunciando” (p. 19); e ➢ Materiais: Requisitos que consistem, basicamente, na exigência: “1) que o acusado aceite o acordo com pleno conhecimento dos fatos referidos no caso; 2) que o faça com pleno conhecimento e compreensão das consequências de sua renúncia; 3) que sua renúncia ao processo e sua aceitação ao acordo sejam verdadeiramente voluntárias” (p. 19-20), o que deverá ser aferido por autoridade judicial própria. • Partindo dessa compreensão, no caso Natsvlishvili o TEDH compreendeu que foram asseguradas as garantias formais e que, “sem dúvida alguma” o acordo se deu de forma consciente e voluntária – partiudo acusado a vontade de fazer acordo, teve assistência técnico-jurídica e expressou diversas vezes sua vontade/consciência, fazendo-o inclusive perante juiz, compreendeu o tribunal. Existiu um voto parcialmente divergente por falta de elementos fáticos a acusação e vício na voluntariedade; • A autora entende que, quanto aos requisitos formais, pouca dúvida existira quanto ao seu preenchimento e, inclusive, poderia se aventar que o acordo fora vantajoso; bem pontua, entretanto, que a vantagem pode muito bem ser assim entendida caso o sujeito seja culpado; entretanto, o mesmo não se pode se dizer se fosse inocente – afinal, “a culpabilidade ou inocência resta sem demonstração no processo consensual, uma vez que a parte acusada renuncia à prática da produção de provas” (p. 20); 3.3 Apreciação crítica • Embora em tese possa-se dizer que ninguém se confessará culpado ou aceitará uma sentença condenatória se não for culpado, na prática nem sempre isso ocorre – afinal, diversos são os fatores que preponderam na decisão do sujeito; dúvida não há, entretanto, que quaisquer que sejam os fatores, devem-se basear em uma livre manifestação de vontade devidamente expressa a um juiz que verificará a legitimidade deste acordo e vontade; • Em tese, o juiz “garantiria” a livre manifestação de vontade daquele que faz o acordo que, se diante do judiciário, expressar coerção, seria inválido – acontece que, mais uma vez, esta é apenas e teoria, de forma que não é possível afirmar que, em todos os casos, os sujeitos apontariam eventuais vícios em sua vontade ao juiz; • Embora, pois, seja possível presumir, como fez o TEDH, a priori, que se um acordo segue os requisitos formais e, aparentemente, os materiais, ele é válido, tal presunção, ressalva a autora, não é absoluta e, ao lado de tais requisitos formais é indispensável, para realmente avaliar a vontade do sujeito, analisar, também, o contexto em que essa vontade é expressa seja considerando o caso concreto (o sujeito esta preso, por exemplo), seja considerando o sistema em que inserto o caso concreto (punitivista); • Assim, critica a autora o TEDH quanto a sua decisão no caso Natsvlishvili vs Goergia pois, entende, o tribunal não se debruçou sobre aspectos que seriam indispensáveis à Fichamento: GLOECKNER, Ricardo Jacobsen (Org.). Plea Bargaing, Editora Tirant lo Blanch, São Paulo, 2019. Por Marina Favretto Luersen, maio/2021 Página 4 análise da vontade e da medida em que “incentivo” converte-se em “coerção” – e, dentre tais fatores, estão: a) O fato de que Natsvlishvili ficou preso preventivamente não só com um sujeito já condenado por crime gravíssimo (homicídio) mas, sobretudo, com seu algoz que, dois anos antes o sequestrou e agrediu gravemente; e que b) O próprio CEDH já havia constatado as condições no mínimo precárias do sistema da Goergia, apontando superopulação e violência, bem como, diante desta realidade, a necessidade de conformação deste país quanto aos acordos em matéria penal tendo em vista, aliás, a pouca autonomia judicial e o fato de que a porcentagem de absolvidos no sistema de justiça penal da Georgia é praticamente zero – e não diferente é o controle de acordos que, por exemplo, em 2008, foram recusados apenas oito dentre 8.770 por não cumprir os requisitos legais (>0,1%). • Se a autora compreende (o que não significa concordar, observe), releva ela mesma, as razões de política criminal que levou o TEDH a não considerar as condições gerais do sistema penal da Goergia em conta (b), não o faz quanto as condições particulares do caso Natsvlishvili e sua prisão com seu algoz, pois “essas circunstâncias são, sem dúvidas, indicativos de coerção a que nenhum acusado, em um sistema de justiça democrático, deveria ser submetido” (p. 27); • Assim, para além dos requisitos formais, a autora propõe questionar-se sobre se o acordo obtido em contextos como o apresentado de fato são obtidos de forma voluntária ou se, em verdade, seria sob uma espécie de “coação, porque o acusado esta ‘ameaçado’, se não pelo Ministério Público, pela crueldade do sistema penitenciário e pelas vicissitudes particulares a que fora submetido” (p. 24) – analisando-se, com isso, os limites do que é negocial e daquilo que passa a ser coercitivo; • A autora narrou a sentença em questão do TEDH para expor “a dificuldade e a ausência de diretrizes entre o que são incentivos admissíveis para aceitar uma sentença condenatória consensual e o que é propriamente uma coerção ilícita para se chegar à resolução de um conflito sem processo”, questionando: “Onde estão os limites da justiça negociada e quando se convertem os mecanismos de estímulo do consenso em um sistema coercitivo?” (p. 28) 4. A DIFICULDADE DE IDENTIFICAR CRITÉRIOS PARA VALORAR O CARÁTER COERCITIVO DA CONFORMIDADE • Autora propõe fazer uma análise inicial da jurisprudência da Suprema Corte americana sobre o tema, já que há muito nos EUA os plea agreements são aplicados aos montes; • Ressalva, antes de começar a análise, citando LANGER, que talvez sequer seja possível dizer “que a conformidade seja plenamente voluntária”; porém, caso em alguma medida fale-se em voluntariedade, observa que os sistemas penais têm o dever de garanti-la (é ela que legitima a jurisdição e a pena, neste caso), adotando mecanismos que minimizem os riscos de coerção – eis que, passa a ponderá-los. 4.1 A regulação e a prática no sistema norte-americano • O sistema americano exige a comprovação de voluntariedade para a homologação de um acordo, devendo-se comprovar que este não foi obtido como resultado de coerção, ameaça ou falsas promessas – assim, o art. 11 da Federal Rules of Criminal Procedure; Precedentes: muitos acordos poderiam ser questionados, inclusive de outros países (análise prudente e realista) “Acredito que existe um elemento de coerção específico e adicional ao qual padecem todos os demais acusados (...) o fato concreto de compartilhar a cela com seu agressor e sequestrador” (p. 27) Fichamento: GLOECKNER, Ricardo Jacobsen (Org.). Plea Bargaing, Editora Tirant lo Blanch, São Paulo, 2019. Por Marina Favretto Luersen, maio/2021 Página 5 • A voluntariedade, já decidiu a Suprema Corte Americana (Boykin vs. Alabama), afere- se mediante a verificação de que o acusado quis fazer o acordo e sabia e compreendia seu conteúdo e as consequências de sua renúncia e, aliada a ela, é necessário, apenas, que o tribunal verifica que os fatos que embasam a acusação estão suficientemente fundamentados (factual basis requirement); • Verificado que o sujeito sabia do conteúdo e queria realizar o acordo, dificilmente este é questionado jurisprudencialmente, explica a autora, e diversas são as decisões, no país, que permitem o overcharging pelo Ministério Público, por exemplo, a ameaça de acusação contra familiares e a possibilidade de negociação inclusive sobre quais imputações serão trazidas a mesa da barganha – tendo como requisito, apenas, a fundamentação da acusação. “Como se pode verificar, a Suprema Corte dos EUA adota um enfoque bastante permissivo em relação à margem de atuação do Ministério Público para incentivar o acordo, com o único requisito de que sua acusação esteja prima facie fundamentada” (p. 30); • Embora essa aplicação abrangente e plástica dos acordos de não persecução seja, hoje, muito criticada por grande parte da doutrina, que te destacado que o sistema de plea agrément converteu-se em um sistema coercitivo, a jurisprudência segue não impondo muitas barreiras a atuação do órgão ministerial e raras vezes revoga um acordo por não demonstração de “voluntariedade” – já, inclusive, aceitou acordos mesmo diante de comprovação de violência física quando não fora comprovada que a violência fora a causa clara da aceitação; • Inegável é que o próprio sistema americano,como um todo, privilegia a solução por acordos: desde a forma como o MP se posiciona diante da justiça (adversarial), até como é colocado e mantido no cargo (bônus por condenações, eleições, budget variável) são expressões de como, juntamente com a ampla discricionariedade de que é dotado o órgão acusatorial, as incertezas de eventual júri e o alto custo do processo e de defensor, privilegiam que mesmo acusados inocentes acabem aceitando acordos, a fim de não arcar com todo o grande risco que pode representar o processo; • Neste contexto, adverte a autora, talvez o sistema inclinar o sujeito ao acordo não fosse tão problemático se, na prática, o controle judicial sobre ele fosse meticuloso e cuidadoso – o que não ocorre. E, aí, observa Winter, “uma coisa é afirmar que o próprio sistema ‘empurra’ o acusado para chegar a um plea agreement, isto é, que se incentiva de maneira intensa a renúncia ao processo; outra coisa é afirmar que o sistema esta baseado na coerção que se exerce sobre o acusado” (p. 31); • E é sobre os limites deste liame entre “fortes incentivos” e coerção que passa, a autora, a tratar – tendo em vista, sempre, que a coerção nunca é legítima. 4.2 Elementos para identificar a coerção • De todo o trazido até aqui, resta distinguir o que é incentivo e o que é coerção? • Primeiramente a autora traz entendimentos de LANGER que rebatem argumentos daqueles que sempre vislumbram certa coerção e, nisso, faz suas pontuações – a ver: ➢ Langer refuta que a desigualdade de posições e poderes entre as partes negociantes converte automaticamente a proposta em coercitiva, o que ocorreria apenas se a parte que detém mais poder pudesse dele abusar – e a autora diz concordar. Observa, porém, que em um âmbito como o processo penal, que serve justamente Fichamento: GLOECKNER, Ricardo Jacobsen (Org.). Plea Bargaing, Editora Tirant lo Blanch, São Paulo, 2019. Por Marina Favretto Luersen, maio/2021 Página 6 em assegurar garantias àquele mais vulnerável, entende fundamental, ainda assim, evitar ou minimizar os riscos de que a parte forte possa abusar de seu poder. E, tendo em vista que no caso dos EUA “o sistema esta desenhado de tal maneira que, embora o acordo não seja necessariamente coercitivo, tampouco se exclui que possa sê-lo, pela capacidade que assiste ao Ministério Público de dominar a negociação” – e essa diferença acrescenta perigo de abuso. Além disso, acrescenta, “mesmo a hipótese que tal abuso não chegue a se produzir, a desigualdade sempre deixará a parte vulnerável com pouco ou escassa margem de negociação” (p. 32) – se até no direito consumerista há essa lógica à adesão, porque não no penal? ➢ Langer também refuta que a ausência de uma alternativa razoável transforme o plea agreement em coercitivo pois, diz ele, embora a vontade esteja condicionada pela razoabilidade do pacto, o fato de não ter opção melhor do que negociar não significaria, para o autor, que o acusado não aceite a proposta voluntariamente – e isso, embora sob o ponto de vista da mera lógica, pareça correto, baseia-se, diz a autora, em um concepção muito restrita do conceito de vontade. Apesar de Winter admitir que, no plano teórico, se o sujeito tem uma proposta de pena menor do que aquela que ele mereceria, mesmo que não tenha outras alternativas, tal proposta soará justa, isso não significa dizer que a renúncia ao processo e suas garantias não seria, ao mesmo tempo, resultado de coerção, tendo em vista que “o resultado de que a pena imposta seja apropriada não ‘sana’ o defeito do sistema: o sistema tem que garantir a liberdade de escolha, tanto ao culpado quanto ao inocente” (p. 33). Se em tese, diante de duas opções, sempre existirá a possibilidade de escolha, formalmente, esta alternativa não é real e, desta feita, diz a autora, implica coerção – em especial, reflete ela, quando a segunda opção, ou seja, o processo, não oferece as garantias a que se propõe e não é dotado da segurança jurídica que se deveria ter, de forma que sequer poderia ser visto, na prática, como uma opção. • Na sequência, então, a autora traz os três elementos que LANGER identifica como capazes de tornar a proposta coercitiva, retirando a voluntariedade – e os comenta: 1) Proposta que se baseia em provas que nenhum jurado aceitaria como suficiente para condenar: Winter concorda neste ponto com Langer pois pontuar que se a premissa básica a acusação é que existam provas suficientes para fundamentá-la, não há lógica em dizer que uma proposta sem isso teria real voluntariedade 2) Se se ameaça de acusar por delitos que não se amoldam aos fatos: Certamente, pontua a autora, em tais circunstâncias a proposta se converteria em ameaça, embora a Suprema Corte dos EUA entenda o contrário e, lhe parece lógico, que também aqui, por isso mesmo, incidiria verdadeira coerção; 3) Se a sentença que se obteria no processo fosse injusta: Dentro deste segundo requisito, a Autora propõe ir além daquilo dito por Langer. Pontua que há situações diversas em que o processo tradicional não oferece as garantias que deveria/se propõe a oferecer de forma que a obtenção de sentença injusta no processo soa uma perspectiva tão concreta que “obriga” o sujeito a aceitar a proposta – isto é, ao aderir o acordo não se esta fazendo por livre vontade efetivamente, mas simplesmente expressando o desejo de evitar um mal que, certamente, será maior. Este é o caso, por exemplo, de tribunais com escassas chances de absolvição, expõe Winter: ora, mesmo que a sentença que do processo fosse justa, não significa dizer Fichamento: GLOECKNER, Ricardo Jacobsen (Org.). Plea Bargaing, Editora Tirant lo Blanch, São Paulo, 2019. Por Marina Favretto Luersen, maio/2021 Página 7 que a aceitação ao acordo é sem coerção, na medida em que a outra opção, ou seja, o processo, é sempre um mal maior do que o acordo. Logo, conclui a autora, ela vê “um sistema coercitivo na ausência de uma alternativa razoável, mesmo que o resultado nem sempre acabe sendo injusto”. Isto pois “se recusar a proposta implica piorar drasticamente a expectativa moral, o sistema torna-se coercitivo porque quase força o sujeito a não exercer o direito de defesa” (p. 35) – não só a expectativa moral deve ser levada em conta aqui, mas sobretudo a expectativa real. • Para além das pontuações de LANGER complementar por suas próprias, a autora também entende pertinente recorder o que diz Thaman de que para minimizar os riscos de uso abusivo dos mecanismos de conformidade, mister é uma fase preliminar desenvolvida com rigor, em busca da verdade, e que traga o maior número de elementos possíveis pois, assim, “o acusado estará em melhores condições de valorar suas expectativas, se opta ou não pelo processo” (p. 36); • As garantias da fase preliminar, por fim, devem ser complementadas pela confiança no próprio processo, finaliza a autora, ou seja, “na confiança de que o sistema não exporá sujeitos inocentes a um processo sem provas e que se garanta que o acusado será absolvido se existirem dúvidas razoáveis acerca de sua culpabilidade [pois] se falta esse conjunto de garantias, qualquer mecanismo de conformidade torna-se coercitivo”, compreende a autora (p. 36). 5. CONCLUSÃO • Observância do paradoxo de diversos sistemas: regulam e ampliam cada vez mais o processo, falando a importância do sistema acusatório, mas tanto mais o dispensam por razões de “eficiência”; • São elementos essenciais a legalidade e voluntariedade para que os acordos possam ser considerados fórmula alternativa legítima ao processo, cumpridos certos requisitos: ➢ A proposta realizada pelo MP seja justa, conforme a lei e baseada em elementos incriminatórios suficientes a justificar que seja realizada; ➢ Que seja, sobre a aceitação, realizada um controle por juiz independente que deverá verificar a adequação entrea acusação e a pena, a compreensão do acusado sobre o alcance e consequências de sua renúncia e sua vontade, livre de pressão. Assim, diz autora: “Seria ilusório ignorar que todo acordo de conformidade resulta em pressão sobre a vontade do acusado, pois, do contrário, o sistema não funcionaria tal e como tem mostrado a experiência. Uma vez admitido isso, trata-se de articular um sistema para impedir que a pressão se torne excessiva e se converta propriamente em coerção” – esta pressão exacerbada, inadmissível. ➢ Que exista, à voluntariedade, confiança no processo tradicional de que, caso opte- se por não seguir o acordo, existirá um procedimento dotado de garantias e ao alcance da previsibilidade como alternativa verdadeiramente razoável; “Além dos requisitos processuais, no momento de valorar o funcionamento da justiça negociada é imprescindível levar em conta a solidez do sistema de justiça no qual se inserem estes mecanismos. Exige-se que o sistema de justiça seja confiável, com um Ministério Público que objetive garantir uma investigação rigorosa, um Poder Judiciário independente e um conjunto normativo legal que permita a todo acusado recorrer com paridade de armas a um processo público com todas as garantias. Na ausência desses elementos, as soluções de conformidade tendem a se tornar instrumentos de coerção em favor de uma justiça mais eficiente, mas certamente não justa. (...) O risco evidente é o de [que os acordos sejam] uma ferramenta de coerção perigosa nas mãos do Estado, que pode utilizá-los como elemento de controle social nem sempre a serviço do interesse geral” – e, por isso, recomenda-se cautela na adoção de tais mecanismos (p. 39). Fichamento: GLOECKNER, Ricardo Jacobsen (Org.). Plea Bargaing, Editora Tirant lo Blanch, São Paulo, 2019. Por Marina Favretto Luersen, maio/2021 Página 8 PLEA BARGAINING E A ESTRUTURA DO PROCESSO CRIMINAL Malcolm M. Feeley 1. INTRODUÇÃO • Sociedade tem altas expectativas do sistema de justiça que, quando não atingidas, decepcionam. No afã da decepção, embora esta sirva à evolução, também são feitos diagnósticos equivocados, observa o autor, distorcidos da realidade e não apegados ao cerne da questão – é o que parece ter ocorrido quanto ao plea bargaing, diz o autor; • Muito é criticado o instituto, sob diversos vieses – sintetiza Feeley as críticas: ➢ Excessivo aumento de utilização nos anos recentes, decorrente de ➢ Declínio do modelo adversarial, “crepúsculo do sistema” (BLUMBERG) em que ➢ Os interesses organizacionais e a conveniência institucional – seja observando-se a posição do Juiz, seja do Promotor, seja inclusive do advogado, cada vez mais um “homem de confiança” e menos um “lutador aguerrido” – se sobreporiam aos do próprio acusado (ALSCHULER) ante a apontada ➢ Necessidade de eficiência: aumento de crimes + redução de recursos e, por conseguinte, como produto deste sistema ➢ A ameaça (implícita ou explícita) “de que o acusado que exercita seu direito a um julgamento e é condenado será sentenciado mais duramente do que aquele que confesse” (p. 42). • Diante dessas críticas, e embora admita que, “de fato, parece existir uma crença emergente de que o plea bargaing é inevitável”, tendo em vista que realmente tem sido largamente aplicado o autor fará suas próprias considerações que, esclarece ele, não têm o escopo de defender o instituto nem desafiar críticos, mas, antes, “examinar seus antecedentes, suas origens, práticas e funções à luz da acusação de que ele significa um declínio do processo adversarial e uma ascensão da justiça burocrática” (p. 43); • O autor pretende, pois, questionar se as bases das críticas são adequadas, sob um ponto de vista histórico da barganha, a fim de concluir “que a adversarialidade e a negociação estão diretamente relacionadas” – entende, diz ele de antemão, que “o plea bargaing não é uma prática cooperativa que abala ou compromete o sistema adversarial; antes, a oportunidade de adversarialidade tem expandido em proporção direta ao, e talvez como um resultado do, crescimento do plea bargaing” (p. 43); • Para chegar a essa concepção, o autor propõe a análise ampla do instituto. 2. ANÁLISE ORGANIZACIONAL E O PLEA BARGAING • Quando fazem uma análise de como o sistema funciona hoje, os críticos ao plea bargaing apontam diversos fatores que o favorecem – falta de tempo, recursos, defesa adequada, excesso de criminalização e trabalho e assim por diante; • Estudos empíricos, expostos pelo autor, “mostram é que fatores de fomento do plea bargaing não estão limitados a uns poucos advogados despreparados, promotores exaustos, ou juízes despreocupados, mas que são parte integrante da estrutura do próprio sistema judiciário criminal” e que, por isso mesmo, a barganha precisa ser vista Fichamento: GLOECKNER, Ricardo Jacobsen (Org.). Plea Bargaing, Editora Tirant lo Blanch, São Paulo, 2019. Por Marina Favretto Luersen, maio/2021 Página 9 “sob um contexto mais amplo, como apenas uma faceta de uma estrutura elaborada de negociações em cortes criminais” (p. 45); • Isto porque, embora a abordagem organizacional explique como a questão é e esta hoje, “não explica e não consegue facilmente explicar é porque a prática do plea bargaing aumentou em primeiro lugar [ainda nos idos de 1860], e quais fatores legais, teóricos e estruturais em oposição às funções organizacionais) lhe originaram e ajudaram a mantê-los” – e é exatamente sobre essas origens que se debruçará Feeley. 3. UMA ESTRUTURA MAIS AMPLA PARA COMPREENDER O PLEA BARGAING • Autor admite o aumento de adoção do plea bargaing, mas propõe uma análise histórica para compreender como e quando isso se deu a fim de argumentar que essa adoção maciça do instituto se deu por razões que vão muito além da limitação de recursos; • Após apontar as lacunas das discussões convencionais sobre a origem histórica da barganha, o autor apontará os 5 fatores que, já adianta, juntos, fomentam o aumento e baseiam o mantimento da prática da negociação. • A partir da digressão histórica, o autor, diz ele, analisará o plea bargaing em relação: 1) Às suposições operativas do processo criminal por seu desenvolvimento a partir de uma tradição de persecução privada; 2) Mudanças no direito criminal substantivo; 3) Mudanças no direito processual penal; 4) Aumento de profissionais que substituem os anteriores amadores que compuseram o sistema judiciário; e 5) Expansão dos advogados de defesa. 4. O PLEA BARGAING EM UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA • O aumento de utilização dos guilty pleas, que dariam origem ao plea bargaing, remontam não há poucas décadas, mas a séculos: “Alschuler relata que nos Estados Unidos o guilty plea começou a substituir o julgamento com modo dominante na época da Guerra Civil [1861-1865]” e pesquisas apontam que desde os idos de 1920 as taxas de acordo já eram algo em torno de 90% dos casos – o que faz com que “reste pouco espaço para aumento desde e então”, diz o autor (p. 47). A única mudança radical, ressalva, “nos padrões de julgamento desde a década de 1930 tem sido a crescente tendência de admissão de culpa para crimes mais leves ou para apenas algumas acusações [antes disso era a pena que se negociava apenas], uma prática que claramente indica o plea bargaing” (p. 48); • Se o aumento de utilização se deu naquela época, questiona o autor, por qual razão ocorreu? Como eram os julgamentos quando eles eram mais frequentes? Dados apontam, diz o autor, ao se analisar o conteúdo dos julgamentos que: ➢ Réus não eram, muitas vezes, representados por advogados; ➢ Pedido de misericórdia ou clemência era prática comum; ➢ Julgamentos muito rápidos (30 minutos) e pouco comprometidos com a elucidação; • A análise histórica permite concluir, entende o autor, que não é possível falar em um “declínio” do processo adversarialem razão das barganhas se, antes, aquele sequer estava no auge. “Esse breve exame”, argui, “aponta para uma conclusão inescapável: não havia era de ouro ou período áureo do processo adversarial” (p. 50); Fichamento: GLOECKNER, Ricardo Jacobsen (Org.). Plea Bargaing, Editora Tirant lo Blanch, São Paulo, 2019. Por Marina Favretto Luersen, maio/2021 Página 10 • Não apenas não existira “era de ouro”, argumenta o autor, como também não era esta a melhor solução ao acusado, mas a única, e bastante rudimentar – é justamente conforme o processo se profissionaliza, diz ele, que surgem também os acordos. Assim: “De fato, quando era usado com mais frequência, o julgamento criminal era um dos poucos dispositivos disponíveis para o acusado tentar proteger seus interesses. Ou seja, se confiava extensivamente no julgamento quando a justiça criminal era administrada de forma bruta, frequentemente por ‘amadores’. Durante esse tempo, serviu para proteger os interesses de um acusado muito dependente. Mas, à medida que outras instituições surgiram para proteger esses interesses, a significância e a frequência do julgamento caíram. De forma breve, à medida que o processo criminal de tornou mais profissionalizado, à medida que outras oportunidades para a defesa surgiram, a necessidade de contar com o julgamento para proteger esses interesses do acusado entrou em declínio” (p. 50). • E, por essa perspectiva histórica é possível concluir, alega o autor, que a barganha decorre, justamente, da extensão/aumento da adversarialidade, em especial pois, diz ele, como o termo barganha sugere, passa-se a verificar mais paridade entre os atores do processo e é justamente por isso que se passa a entender admissível negociarem; • Embora o autor pondere “não querer argumentar que o processo mudou de uma posição de completa dependência para uma de completa equivalência” (p. 50) diz ele que algum movimento neste sentido ocorreu, e vários fatores (já citados) teriam contribuído: 1) Às suposições operativas do processo criminal por seu desenvolvimento a partir de uma tradição de persecução privada: Direito penal com raízes na responsabilidade civil em que EUA e Inglaterra há muito atribuem ao Promotor uma espécie de “papel privado” representativo do público, com ampla discricionariedade e autoridade, e ao juiz resta a passividade – disso resulta uma estrutura que favorece acordos, embora não explique seu surgimento per si; 2) Mudanças no direito criminal substantivo: Com o aumento dos tipos penais e especificações em graus e formas de crime, entende o autor, privilegia-se a barganha, pois torna-se elas mais factíveis e evita sentenças que podem dançar sobre crimes de extensão variadas e incertas; 3) Mudanças no direito processual penal: Em paralelo as mudanças substanciais surgem as processuais de julgamentos cada vez mais cuidadosamente construídos. Nos EUA, cita o autor, existem diversas regras e proteções procedimentais que deixam o julgamento de eventual causa mais complexo e, ao mesmo tempo, trazem para um momento pré-julgamento propriamente adversarial a discussão sobre causa provável, legalidade probatória ou introdução de provas – e se o objetivo é a melhora do julgamento eventual, uma de suas consequências “é que essas melhorias colocaram mais importância na tomada de decisões pré-processuais e tornaram o julgamento mais custoso, mais moroso, talvez mais imprevisível”. Ironicamente, observa o autor, “à medida que o preço por essa jornada por justiça perfeita é aumentado [o que não ocorre, contrapõe ele, em sistemas continentais, bem mais simples quanto a tais regras], também o tem o incentivo para evita-las” – e o plea bargaing é uma dessas alternativas (p. 53); 4) Aumento de profissionais que substituem os anteriores amadores que compuseram o sistema judiciário: No item que mais se demora o autor, ele fala em profissionalização das instituições e atores da justiça que levam, paulatinamente, a maior tecnicidade e complexidade do processo (procedimentos pré-processuais e regras probatórias) que transformam o julgamento daquele produto quase rudimentar, em que o sujeito a um só tempo conhece a acusação, vê Fichamento: GLOECKNER, Ricardo Jacobsen (Org.). Plea Bargaing, Editora Tirant lo Blanch, São Paulo, 2019. Por Marina Favretto Luersen, maio/2021 Página 11 as provas, e decide (o próprio julgamento era a “estrela”), mas tudo de forma superficial, em um produto mais complexo pré-processual que leva, inclusive, as partes a refletirem sobre a benesse do julgamento em si – “à medida que esses recursos destinados para a justiça criminal se expandiram, esses julgadores profissionais [advogados e Promotores] tinham mais oportunidades e incentivos para usar procedimento pré-processual” (p. 56); por fim, comenta ele 5) Expansão dos advogados de defesa: Este é um aspecto particular do item anterior que o autor entende necessário destacar. Diz ele que o aumento de assistência por advogado permitiu maior paridade entre as partes e, por isso mesmo, falar em barganha como negociação teria sido possível – essa igualdade reflete, argumenta ele por fim, em maior adversalidade, e não o contrário, como dizem certos autores. 5. CONCLUSÃO • Buscou o autor demonstrar, diz ele, que o plea bargaing é um dos produtos, na verdade, da melhoria do processo, e não resultado de outra coisa – “o plea bargaing é um produto da própria natureza e estrutura do processo criminal modenro, em vez de um resultado de fatores extralegais ou de pressões organizacionais que determinaram que o processo criminal desviasse de suas intenções reais” (p. 58); • Ao alertar que não quis “dar a impressão de que eu acredito que o plea bargaing é inevitável ou desejável” – até porque ele argui não achar isso – o autor diz que só pretendeu demonstrar que “na nossa busca pela justiça perfeita, nós construímos um processo criminal elaborado e custoso” e “quando essa realidade confronta a discricionariedade construída há muito tempo e garantida aos promoteres, o plea bargaing surge”, e não parece que diminuirá. • Os problemas relacionados ao plea bargaing, finaliza o Professor, não tem sido tratados de forma ampla ou profunda, mais rasa e, assim, medidas que o reduzem raramente tem efeitos duradouros, tendo em vista que não tratam do que o substituirá e nem as implicações que o processo atual teria. Fichamento: GLOECKNER, Ricardo Jacobsen (Org.). Plea Bargaing, Editora Tirant lo Blanch, São Paulo, 2019. Por Marina Favretto Luersen, maio/2021 Página 12 POR QUE PLEA BARGAINGS NÃO SÃO CONFISSÕES? Brandon L. Garrett RESUMO • Artigo baseia-se nas últimas decisões da Suprema Corte dos EUA que “definiram plea bargaings como ‘algo mais do que uma confissão’ que admite que o acusado praticou vários atos” (p. 61) – o que o autor discorda; • Sustentará Garrett que os plea bargaings não são confissões na medida que sequer envolvem admissões detalhadas de culpa, são feitos sob juramento ou são sustentados por registros fáticos extensivos – logo, não podem ter os efeitos de uma confissão, embora possam ter outros efeitos, e têm, que lhe são próprios; • A principal consequência em não vislumbrar pleas como confissões são os efeitos preclusivos que podem operar sobre confissões que não operam em caso de plea bargaining – como, diz o autor, a possibilidade de, com base em DNA posterior, rediscutir o assumido em acordo ou, por exemplo, os efeitos colaterais que ele causa. 1. INTRODUÇÃO • Tendo em vista que a admissões feitas em plea bargaining não precisam ser detalhadas, mas mera assunção de prática de determinados fatos, não são feitas sob juramento e normalmente não se exige suporte de extenso registro fático os tribunais atribuem a elas efeitos preclusivoslimitados para alegações em casos futuros casos na medida em que admitir algo não significa confessar algo que fez, entende o autor; • E é nesta distinção de fatos assumidos e forma como se assume eles que residem as primeiras razões sustentadas por Garrett de que plea bargains não são confissões, sendo indispensável ter em vista, observa ele, que a legitimidade da barganha e a sua finalidade não estão no sujeito confessar aquilo, mas na contenda ser resolvida e, diante do acordo, ocorrer uma pena – enquanto a confissão diz elucidar a verdade, o acordo existe, justamente, para que não se precise buscar essa verdade; • E, desta distinção, implicará reconhecer que a plea não tem os mesmos efeitos que a confissão – enquanto na segunda os fatos foram discutidos minuciosamente, na primeira eles somente foram assumidos genericamente e, por isso, os efeitos são mais limitados. Neste sentido, diz o autor: “O modelo de confissão do plea bargain é tão importante [para as Cortes e alguns autores] que alguns de seus críticos contestam ferozmente as nolo contedere pleas, nas quais o acusado não admite, mas tampouco contesta as acusações, ou ainda as Alford pleas, nas quais o acusado alega inocência mais aceita um acordo. Ainda assim, eu afirmo que a distinção entre admissão de culpa e a nolo contedere ou Alford pleas é mais tênue do que geralmente se supõe. Afinal, mesmo um plea bargain completo pode conter somente uma admissão limitada referente a elementos do crime, e não descobertas fáticas produzidas em audiência administrativa e, menos ainda, um processo criminal. Como resultado, o acordo em um caso criminal não contém muitas admissões que poderiam ser legalmente relevantes em um futuro litígio. Como um acordo civil que não resolve matérias fáticas, a não ser que especificamente determine o contrário, o acordo criminal não se destina a buscas fáticas ou à resolução de ações judiciais, da mesma forma que não resolve matérias que estariam preclusas em futura demanda” (p. 66); • Destarte, já que “o tratamento das declarações de culpa como condenações, mas não como admissões-confissões, se encaixa em um modelo que prioriza acordos práticos, mas não fatos julgados por um juiz” e, por isso, não podem ser vistos como se fossem estes últimos, ou seja, como se fossem confissões (p. 67); Fichamento: GLOECKNER, Ricardo Jacobsen (Org.). Plea Bargaing, Editora Tirant lo Blanch, São Paulo, 2019. Por Marina Favretto Luersen, maio/2021 Página 13 • Logo, caso quisessem atribuir os efeitos preclusivos, típicos de confissão, aos acordos, como ocorreu no caso e Suprema Corte que obstou prova de DNA posterior tendo em vista plea bargaining que “admitiu a culpa”, o autor argumenta que “os juízes teriam que conduzir as audiências [preliminares] de forma mais parecida àquela de um processo, para produzir um registro mais robusto e assegurar que as questões relevantes foram realmente discutidas” (p. 68) – e, embora isso seja mais trabalhoso, por certo, poderia então auxiliar na utilização de acordos à efeitos colaterais do caso. 2. PLEA BARGAINS COMO CONFISSÕES 2.1 Plea bargains como confissões reguladas • A Suprema Corte já considerou que os plea bargaing seriam regulados de maneira similar as confissões, embora tivessem vantagens: o plea guilty realizado perante um juiz, regularmente, implica em condenação em si, da mesma forma que é conclusivo um júri, o que não ocorre com uma confissão que pode, inclusive, ser extrajudicial; • Além desta distinção de forma de obtenção e consequências, o autor sequer entende que o plea bargaing seria regulado como uma confissão tendo em vista ter mais regulações quanto a forma que pode ser obtido – por exemplo, nunca por “ameaça” – e, por isso mesmo, poder resultar efeitos mais drásticos que a confissão; • Apesar destas distinções, o ato de confessar tem sido visto como crucial ao plea bargaining, explica Garrett citando o caso Brady v. United States; ainda assim, a “confissão propriamente dita” e a “confissão de barganha” não são sequer similares em seu conteúdo, como será visto a seguir, e não apenas na sua regulação. 2.2 Base fática • No sistema federal americano é necessário, antes de iniciar a sessão sobre uma declaração de culpa, antes, verificar se há base factual para a alegação; porém, tal normativa “não especifica nenhum tipo particular de análise a ser feita com relação à base fática” embora fale em “análise de precisão” (p. 72) a fim de verificar que a conduta que o acusado admite é aquela imputada pela qual se declara culpado – mas, a análise fática, no plea, não passa disso: coerência e admissão genérica; • Assim, diferentemente da confissão, que serve de base fática per si, o plea guilty não serve sozinho, em tese, de base fática a barganha, apesar de, na prática, muitas vezes ser utilizado como tal. E, assim, não há grande digressão, na admissão de culpa, sobre os fatos, diferentemente do que ocorre na confissão propriamente; • Se isso é um problema posterior – ou seja, não serem revolvidos os fatos na barganha – é outra questão que será a seguir tratada, mas certo é que isso não ocorre. 2.3 Nolo contedere plea e Alford plea • Autor faz a distinção entre nolo contedere (admissão somente aos propósitos do caso) e Alford plea (se declara inocente, mas ainda assim submete-se a pena), ressalvando a raridade de aceitação dos Alford pelas autoridades, e expondo que, em ambos é necessária base fática, embora no segundo sequer seja necessária admissão/confissão; • Há cortes que agregam, apesar das particularidade da Alford plea, e talvez justamente por elas, a mesma finalidade dela a qualquer outra admissão de culpa. Fichamento: GLOECKNER, Ricardo Jacobsen (Org.). Plea Bargaing, Editora Tirant lo Blanch, São Paulo, 2019. Por Marina Favretto Luersen, maio/2021 Página 14 2.4 Não há preclusão sem confissão • A primeira questão feita pelo autor, neste tópico, é: afinal, “o que é necessariamente decidido em uma declaração de culpa?” – e a resposta é rápida: a res judicata, ou a reinvindicação de efeito preclusivo, ou seja, de que o sujeito não será novamente julgado pelo mesmo crime; • Normalmente, para que algo seja impedido de novo julgamento por preclusão exige-se que: “(1) A matéria nos dois procedimentos deve ser idêntica, (2) a matéria no primeiro procedimento deve ser realmente litigada e realmente decidida, (3) deve haver uma oportunidade integral e justiça para o litígio no primeiro procedimento, e (4) a matéria previamente litigada deve necessariamente se basear em um julgamento válido e final de mérito” (p. 77) – condições em geral não atendidas no plea bargaing; • Para uma confissão ser uma confissão deve seguir os procedimentos próprios e ser específica, diferentemente da admissão de culpa; se a confissão soa, a qualquer momento inconsistente, é porque talvez sequer é uma confissão – o que não ocorre com a admissão de culpa, que pode ser inconsistente e ainda assim surtir seus efeitos. Porém isso não significa que, se existir prova em contrário a admissão da culpa esta não possa ser questionada, tendo em vista que ela não importou confissão, mas apenas assunção de pena, resolução da contenda – só seria preclusa a questão se o sujeito tivesse confessado, o que pode ocorrer, mas não necessariamente ocorre. 3 CONSEQUÊNCIAS COLATERAIS DE ADMISSÕES DE CULPA • Tanto as admissões de culpa não são até mais que confissões, que as consequências colaterais de uma e outra são distintas, diz o autor, como ele explicará a seguir. 3.1 Sentenciado • A admissão de culpa tem como principal consequência eventual sentença, resolução da demanda. O problema é que muitas vezes essa sentença aborda os fatos de forma genérica, não permitindo que o plea importe uma verdadeira elucidação fática e, menos ainda, fazendo o juiz uma análisesobre a probabilidade disso; • Desta feita, tendo em vista que a maioria das sentenças de plea bargaing não se debruça sobre os fatos, também não tem efeitos colaterais, e nem podem ter – afinal, neste caso não se esta a falar do “além da dúvida razoável” e, então, não é possível aplicar os mesmos efeitos. 3.2 Repensando as consequências colaterais dos pleas • Apesar de, portanto, muito se confundir a barganha com a confissão, o autor propõe que isso não seja realizado tendo em vista todo o trazido que vai desde os procedimentos distintos de realização de uma ou outra até as consequências que importam e os fatos sobre os quais se debruçam; • A fim de substituir a noção de plea como confissão e, ainda assim, permitir que os plea gerem os efeitos colaterais necessários, o autos sugere que os tribunais façam, na hora da sentença, mais digressão fática, o que poderia melhorar a exatidão em casos mais sérios e, assim, substituir-se essa noção inquisitorial de confissão por outra mais pertinente de elementos de corroboração; • Com isso, consequências colaterais distintas devem ser conferidas a pleas e confissões. Fichamento: GLOECKNER, Ricardo Jacobsen (Org.). Plea Bargaing, Editora Tirant lo Blanch, São Paulo, 2019. Por Marina Favretto Luersen, maio/2021 Página 15 4. CONCLUSÃO • Ao propor que seja aprimorado o processo de negociação com maiores digressões sobre bases fáticas o autor aponta que a confissão deixaria de ser tão relevante e o plea bargaing seria, de certa maneira, mais legítimo, afinal existiriam outros elementos que poderiam implicar efeitos colaterais, que nada tem a ver com confessar ou não; “Uma declaração de culpa é final porque é legal, não porque é uma confissão, ou mesmo uma admissão completa, necessária e particularmente apurada. Sem o estabelecimento de algum tipo de processo inquisitório, uma declaração de culpa poderia ainda assim envolver procedimentos mais detalhados para suscitar e sustentar esta admissão do réu. Na falta de uma confissão, a exigência da base fática poderia ser elevada, talvez sob a garantia do devido processo, ou como matéria de política racional, para uma exigência não somente de forma, mas de substância real. Assim, se elevaria o custo do plea bargaining, mas se permitiria uma calibração da punição e das consequências colaterais de uma forma mais cuidadosa” (p. 86). • E então, eventuais questões conexas ao plea poderiam ser avaliadas não em relação ao que se considera uma “confissão”, mas em relação aos outros elementos lá presentes, que permitiram que o acordo fosse realizado, a fim de se verificar a pertinência desta questão tangencial e, inclusive, de certa maneira, a justiça em suscita-la. “A noção de que aqueles que se declaram culpados deveriam ser excluídos do direito de recorrer, inclusive alegar inocência, é profundamente problemática, particularmente na medida em que isso depende de alguma noção da confissão como uma razão lógica. E consequências colaterais não deveriam estar tipicamente vinculadas a categorias inteiras de condenados, desinformados pelas circunstâncias fáticas ou embasamento fático. Se refinamentos e aprimoramentos no processo de plea barganing forem introduzidos mais largamente, um mito pode ser superado de uma vez por todas: uma declaração de culpa não é, e não deveria ser referida, como um tipo de confissão. Fichamento: GLOECKNER, Ricardo Jacobsen (Org.). Plea Bargaing, Editora Tirant lo Blanch, São Paulo, 2019. Por Marina Favretto Luersen, maio/2021 Página 16 PAIXÃO ACUSATÓRIA, VIÉS COGNITIVO E PLEA BARGANINING Alfair S. Burke INTRODUÇÃO • As elevadas taxas de plea bargaining, nos EUA, costumam ser explicadas pela falta de recursos suficientes do sistema de justiça (acusação, defesa e judiciário) frente aos elevados índices de criminalidade/penalização – e se os críticos ao instituto “enxergam a prática como um sistema que penaliza os acusados que optam por exercer seus direitos a um julgamento e que coage não condenador e, inclusive, acusados inocentes a admitirem culpa” (p. 88), seus defensores apontam a justiça do instituto que beneficiam os acusados que renunciam seus direitos a um julgamento, em que a justificativa costuma ser que a negociação “reflete tanto o resultado do provável julgamento como o da sentença” (p. 88); • Crescente literatura, diz o autor, tem se posicionado no sentido de que embora os prováveis resultados do julgamento e da sentença proferida após ele sejam refletidos, de fato, no plea bargaing (considerando que a negociação seja adequada e se baseie, por exemplo, na força das provas existentes contra o acusado e na probabilidade disso implicar condenação), outros fatores influenciam a decisão sobre barganhar: “fatores estruturais, tais como descoberta limitada anterior ao julgamento, auto-interesse do advogado e sua incompetência, prisão provisória e sentença determinada”, bem como “fatores psicológicos e cognitivos” (p. 89) a respeito do risco, que cada vez mais são tidos como decisivos àquele acusado negociar, mesmo se inocente; • Embora muito sejam exploradas as razões que levam o acusado a negociar, pouco se fala sobre o que leva a acusação – “um princípio central do plea bargaing é de que os promotores estão dispostos a negociar acordos a fim de disponibilizar recursos para o julgamento de outros casos” (p. 90), porém não se examinam os fatores que os motivam a priorizar alguns casos em detrimento de outros: e é isso que o artigo fará; • O artigo a seguir analisará o que o autor chama de “paixão acusatória”, observando: ➢ O que é paixão acusatória como fator de quanto o promotor se importa com o caso; ➢ As formas pelas quais a paixão acusatória pode afetar o plea bargaing; ➢ A maneira com a paixão acusatória pode influir na reforma da barganha. 1. DEFININDO A PAIXÃO ACUSATÓRIA • Embora seja um retrato comum do Promotor alguém que só se preocupa com custos, estatísticas e taxas de condenação à definir se proporá ou não acordo e em que termos, o autor argumenta que “fosse este o fim da história quanto ao que motiva os promotores, estão sua disposição para negociar em cada processo seria inteiramente influenciada pela probabilidade de obter uma condenação do acusado, fator este que já integra a explicação tradicional para os resultados advindos do uso do plea” (p. 91); • Ressalva o autor compreender que os valores dos acusadores, embora por certo passe por aqueles fatores práticos apontados, vão além – “a obtenção de índices desejáveis de condenação, através do uso do plea bargaing, não é uma tarefa que motiva muitos dos promotores” que se veem, muitas vezes, como “guerreiros numa batalhe entre bons e Fichamento: GLOECKNER, Ricardo Jacobsen (Org.). Plea Bargaing, Editora Tirant lo Blanch, São Paulo, 2019. Por Marina Favretto Luersen, maio/2021 Página 17 culpados”, operadores efetivos da justiça e, por isso mesmo, escolhem a profissão e têm objetivos além de apenas índices condenatórios; • E é dentro desta noção de “membro guerreiro do Ministério Público” que o plea bargaing “pode representar uma rota fácil para a obtenção de um impressionante índice de vitórias, mas também um desafio para o orgulho acusatório” que embora tenha em vista os índices, taxas e custos, “também são influenciados pela paixão acusatória” que leva em consideração não apenas quantos processos são vencidos, mas também quais o são e como; • A paixão acusatória, assim, é um fator que influencia substancialmente na decisão discricionária do Promotor em escolher certo caso em detrimento de outro, muitas vezes, inclusive, a despeito da falta de robustez dos elementos ou dos valores que serão gastos – e tal paixão pode ser definida por diversos fatores, que vãodesde a certeza subjetiva da culpabilidade do acusado, até as circunstâncias agravantes do crime e a solidarizarão com a vítima ou repulsa ao advogado; • Certo é, pois, que embora fatores objetivos influenciem na escolha da acusação por negociar e como negociar, aliado a isso esta a tal “paixão acusatória”, que se baseará “nas avalições subjetivas dos fatos subjacentes à acusação, não nas ponderações objetivas das acusações em si”; • Logo, não é a gravidade do delito (abstrata) ou a probabilidade de condenação, em geral, que são as (únicas) determinantes da disposição negocial do MP, mas também uma questão subjetiva, interna, daquele acusador, que verifica características distintas que lhe chamam a atenção em casos variados e o fazem escolher alguns em detrimento de tantos outros – priorizar; 2. PAIXÃO ACUSATÓRIA E PLEA BARGAINING • A paixão acusatória pode afetar a barganha de duas formas – explicadas a seguir. 2.1 Indisposição para negociar • Tanto a paixão acusatória atua fortemente em alguns casos que, narra o autor, Promotores invariavelmente simplesmente se recusam a negociar em certos casos, não oferecendo ao acusado nenhum “desconto”, como se pressupõe no plea bargaing; • Isso se dá normalmente quando, utilizando de parâmetro há muito trazido por Alschuler, o Promotor assume mais um viés de advogado, no caso, do que de “juiz”, ou seja, quando ele esta mais próximo a questão – e a indisposição para negociar é um dos efeitos importantes da paixão acusatória, que impede a própria negociação. “Conforme Alschuler, um acusado não pode pleitear o desconto decorrente da sentença em troca de sua admissão de culpa a menos que o promotor renuncie à sua habilidade de atuar como advogado e, em vez disso, concorde em agir como o juiz sentenciante do fato. O valor que um promotor atribui ao seu papel de advogado variará de acordo com a paixão que sente pelo caso.” (p. 97). • Assim, se os Promotores buscassem apenas maximizar as sentenças, diz o autor, “seria irracional para um Promotor preferir perder durante um julgamento do que assegurar a certeza de uma condenação e, ao menos, um nível mínimo de punição como consequência de um acordo” – e o não oferecimento de acordo é um claro exemplo de como eventualmente outros fatores, como a paixão acusatória, afetam o plea bargaining, neste caso quanto a análise estatística/taxas de condenaçõ. Fichamento: GLOECKNER, Ricardo Jacobsen (Org.). Plea Bargaing, Editora Tirant lo Blanch, São Paulo, 2019. Por Marina Favretto Luersen, maio/2021 Página 18 2.2 Plea barganining distorcido • “A paixão acusatória pode afetar o plea barganing não apenas ao alterar a análise racional de custo-benefício do promotor, mas também ao injetar irracionalidade em sua tomada de decisão” (p. 99-100), afetando a cognição no que toca: A) Processamento seletivo de informação: “O processamento seletivo de informações é a tendência que as pessoas têm de recuperar informação armazenada e de interpretar nova informação para conformar às suas perspectivas pré-existentes [e] como resultado as pessoas rapidamente aceitam evidências que estão em conformidade com as suas crenças atuais e encontram razões para desconfiar ou desconsiderar evidências contrárias” (p. 100). Na seara do plea bargaining, estes vieses cognitivos têm como consequência, explica o autor, que “quanto maior o nível de paixão que um promotor sinta por seu caso, maior será a probabilidade dele superestimar tanto a probabilidade de condenação quanto a severidade da sentença, tornando-o, dessa forma, menos receptivo às negociações” (p. 101). Inerente ao humano, certo que estas noções afetam também promotores – assim, diz o autor: “Se um promotor está apaixonado por um processo, ele investirá mais tempo preparando-o para julgamento do que em relação aos que pretende negociar. (...) À medida que o promotor revisa o caso enquanto está pendente [naquela primeira gaveta], quaisquer fatores que antes tenham incendiado a sua paixão agora a reforçarão. Se o caso contém qualquer informação atenuante ou exculpatória, o promotor a desvalorizará como resultado de duas crenças pré-existentes.” (p. 102). B) Aversão à Perda e o Enquadramento: As pesquisas cognitivas “mostram que as pessoas são contrárias ao risco quanto têm a oportunidade de obter ganhos certos, mas são buscadoras de se uma aposta as ajudará a evitar uma perda” (p. 102) – e essa denominada “aversão a perda” tende a influenciar também o promotor apaixonado, que enquadra a sua decisão conforme a tendência que vê de perda. Embora alguns doutrinadores digam que os promotores sempre veriam o plea barganing como um ganho, o autor discorda: “Os promotores talvez enxerguem os resultados das negociações como ganhos nos seus processos típicos (...) afinal garante aos promotores uma condenação e permite a eles se desfazerem de um processo sem o trabalho de ir à julgamento. Entretanto, se os promotores são apaixonados por um processo, eles não o verão como um caso típico a ser negociado a fim de ter tempo para outros. Ao contrário, eles considerarão o processo como um caso que deve ir a julgamento a fim de que consigam uma pena muito mais elevada que conseguiriam caso negociassem” (p. 103-104). C) Superotimismo e viés retrospectivo: Em geral, constata a literatura cognitiva, “as pessoas são incrivelmente otimistas quanto a si mesmas e seus talentos, costumeiramente superestimando a probabilidade de que boas coisas lhes acontecerão e subestimando a probabilidade de eventos menos desejáveis” (p. 104) – e, diz o autor, é razoável pensar que isso atinja também o promotor apaixonado que, na grande maioria dos casos, já os vence, de forma que ex ante, quando seleciona um a ir para julgamento, o faz com confiança e otimismo, crente de que o que antes ocorreu em outros casos se repetirá neste. Fichamento: GLOECKNER, Ricardo Jacobsen (Org.). Plea Bargaing, Editora Tirant lo Blanch, São Paulo, 2019. Por Marina Favretto Luersen, maio/2021 Página 19 2.3 Ancoragem • Pesquisas psicológicas demonstram “que as pessoas estimam ou avaliam números através da ‘ancoragem’ sobre um número preliminar e depois ajustam, normalmente de forma inadequada, baseando-se na âncora inicial (...), mesmo quando a âncora é um número arbitrário” (p. 105); • Diversos estudos sobre a influencia da ancoragem em negociações entre advogados em litígios civis – razoável verificar também sua incidência no plea barganing; • Assim, se o promotor apaixonado chega a fazer uma proposta de acordo, o faz em altos números e passa a perquiri-los de diversas maneiras – sua âncora o puxa ao julgamento, caso o acusado não aceite aquele número inicial, e não raro, curioso observar, diz o autor, “elevadas perquirições feitar por promotores apaixonados também podem influenciar os juízes, os quais tendem, ao sentenciar, a ancorar-se na posição do promotor” (p. 106). 2.4 Custos irrecuperáveis • Os “custos irreparáveis” são o último fator apresentado pelo autor à influência da paixão acusatória: “Embora o tomador racional de decisão deva avaliar a utilidade de suas opções prospectivamente, ampla evidência demonstra que as pessoas são afetadas pelos custos irrecuperáveis e permitem que prévio investimento de tempo, dinheiro e recursos influenciem sus escolhas atuais” (p. 106); • Assim, após “investigar” algo em certo caso previamente selecionado, mesmo que depois seja possível e inclusive adequado o acordo, o promotor apaixonado observará aquele investimento inicial como um custo irrecuperável, e estará menos disposto a negociar pois já “dispendeu” algo – a lógica, é explicada pelo autor: “Em um caso típico em que o promotor presume que eventualmente será objeto de negociação, é improvável que ele realize muito trabalho na anterior preparação para um julgamento. (...)Em contraste, quando um promotor é apaixonado por um processo, ele o selecionou como especial dentre outros sob a sua responsabilidade. (...) Por conseguinte, ele estimará que a probabilidade de julgamento neste processo será maior do que os processos em que ele é mais flexível, quanto às negociações. Uma vez que as chances de um julgamento são maiores, ele completará mais e antecipadamente as preparações para o julgamento. Uma vez que gastou tempo e energia substanciais na preparação para o julgamento, estes esforços tornam-se custos irrecuperáveis que reduzirão a sua disposição para realizar um acordo. (p. 107) 3. IMPLICAÇÕES PARA REFORMA DO PLEA BARGANING • A paixão acusatória, observa o autor, implica dois debates que ele não pretende se distender sobre neste momento: o primeiro sobre a discricionariedade dos promotores e eventual necessidade de regras à diminui-la (ou se é justamente ela que permite o plea barganing) e o segundo é sobre se todos os acusados devem ser autorizados a obter desconto em suas sentenças em troca de suas declarações; • Deixando de lado estas duas questões complexas e importantes, por ora, certo é que “a paixão acusatória pode colorir as negociações” e isso influencia a prática – eis que o autor propõe vislumbrar sob a perspectiva do promotor, tribunal e advogados a questão. 3.1 Promotores • Ao reconhecer a existência e influência da paixão acusatória, os promotores devem considerar desenvolver mecanismos de mitigação para lidar com ela – ao que o autor passa a sugerir alguns: Fichamento: GLOECKNER, Ricardo Jacobsen (Org.). Plea Bargaing, Editora Tirant lo Blanch, São Paulo, 2019. Por Marina Favretto Luersen, maio/2021 Página 20 ➢ Distribuição de processos: Refletir sobre formas de distribuir processos entre as promotorias para evitar as influencias cognitivas. “Novos promotores responsáveis por infrações menores serão mais apaixonados por delitos sexuais leves ou outros crimes envolvendo pessoas do que um promotor tarimbado que atua numa unidade de crimes mais graves”, de forma que “os supervisores que determinam as atribuições de cada processo deveriam levar em consideração não apenas o grau da ofensa e a experiência dos promotores nas diversas unidades de julgamento, mas também a provável prioridade que os vários tipos de processos receberão em diferentes unidades” (p. 109); ➢ Definição de critérios de discricionariedade legítimos e fiscalização: É certo que barganhar envolve discricionariedade; o autor sugere que, tendo em vista isso, e a influência da paixão acusatória, os promotores e suas equipes e supervisores ao reconhece-las, deveriam destiná-las a fatores legítimos de atuação; e, ainda ➢ Educação ao reconhecimento e evitação: “Mesmo se a paixão acusatória é justificável quando baseada em considerações legítimas, os promotores deveriam preferir um processo de tomada de decisão que se aproxima da racionalidade e evita distorções do viés cognitivo que pode ser induzido ou exagerado pela paixão acusatória [e] um método potencial para reduzir o viés cognitivo nos promotores seria educa-los” sobre eles – assim, melhora-se a tomada de decisão ao se permitir estabelecer estratégias que reduzem a influência desses vieses cognitivos e melhora a racionalidade de uma decisão que, ao final, é estatal. 3.2 Tribunais • O reconhecimento da paixão acusatória desvirtuante sobre as negociações, diz o autor, “também fornece suporte adicional para um aumento do envolvimento judicial nos acordos” (p. 111); • Embora as diretrizes em geral sejam contra o envolvimento judicial no acordo, para não prejudicar posterior julgamento se não tiver acordo, o autor sugere que sejam julgadores diferentes: um para fiscalizar o acordo e “mitigar as distorções irracionais das paixões dos promotores sobre os resultados do acordo” e outro para julgar (p. 111); • Ao fiscalizar o acordo, o juiz também pode, ao mesmo tempo, “auxiliar as partes a avaliar não apenas a probabilidade de uma condenação, mas também a provável sentença [numericamente falando] obtida após o julgamento” (p. 112), fornecendo o seu know how e melhorando a justiça da negociação; • Além disso, a paixão acusatória poderia influenciar os tribunais a se direcionarem para fornecer melhor acesso as partes sobre informações objetivas da sentença – sentenças indeterminadas ainda são a norma em tribunais estaduais, diz o autor, e ante essa incerteza “as partes talvez não concordem quanto à provável sentença pós-julgamento, fazendo com que evitem alcançar um acordo”. E, “uma forma de aumentar a acurácia da avaliação das partes na sentença é aumentar seu acesso aos resultados das sentenças em suas próprias jurisdições”, o que “poderia reduzir as chances de estimativas feitas pela inflação acusatória sobre sentenças pós-julgamento” (p. 113). Fichamento: GLOECKNER, Ricardo Jacobsen (Org.). Plea Bargaing, Editora Tirant lo Blanch, São Paulo, 2019. Por Marina Favretto Luersen, maio/2021 Página 21 3.3 Advogado de defesa • Embora a defesa tenha pouco controle sobre as decisões dos promotores que negociam, a minimização das paixões acusatórias certamente auxilia estrategicamente advogados de defesa – e, assim, se diante de promotor tal o advogado pode reconhecer isso e desenvolver mecanismos de como lidar da melhor forma possível ou, também, procurar oportunidades para negociar com outro promotor ou apelas ao juiz ou ao supervisor do promotor pra apontar o ocorrido; 4. CONCLUSÃO • Embora em geral seja pressuposto que o plea barganing reflete possíveis resultados do julgamento e da sentença, a doutrina cada vez mais desafia essa presunção “ao demonstrarem como imperfeições estruturais e viesses cognitivos podem influenciar as negociações de maneira totalmente desconectadas de qualquer propósito penológico legítimo” (p. 114); • Este artigo, finaliza o doutrinador, “tentou contribuir à crescente literatura sobre o plea barganing ao explorar as formas pelas quais a discricionariedade do promotor – particularmente quando guiada pela paixão –, em contraste com a institucional, pode ampliar as influências não-penológicas no plea bargaining, e ao discutir as implicações da paixão acusatória sobre as atuais propostas de reforma; • Ao considerar as falhas que podem existir nos processos cognitivos, finaliza o autor, os acordos podem ser realizados de melhor forma, e mais legítima, evitando distorções de racionalidade próprias do humano e, por outro lado, não desejáveis a atuação de um promotor de justiça ou ao sistema em geral. Fichamento: GLOECKNER, Ricardo Jacobsen (Org.). Plea Bargaing, Editora Tirant lo Blanch, São Paulo, 2019. Por Marina Favretto Luersen, maio/2021 Página 22 COMPREENDENDO A CURTA HISTÓRIA DO PLEA BARAINING John H. Langbein 1. O QUE É O PLEA BARGAINING? • Após breve introdução de uma constatação de ALSCHULER de que, na maior parte da história do common law, o plea bargaining era desconhecido, o autor questiona como poderia tal sistema ter funcionado por tantos séculos “sem uma prática que hoje é tão predominante e aparentemente tão indispensável?” • O autor fará uma investigação histórica sobre isso, mas antes traça algumas características prévias que entende essenciais ao plea barganing atual – basicamente: ➢ Procedimento sem julgamento; ➢ Procedimento que “subverte o desenho da Constituição estadunidense” que estabelece sempre a necessidade de júri imparcial (p. 116); ➢ Nesta substituição do julgamento pela barganha passa “a ser custoso para um acusado reivindicar seu direito constitucional”, em clara prática desencorajadora punindo-se o sujeito pelo o que realizou e, também, por decidir ir a julgamento; ➢ Não há ampla defesa e nem superação destandard probatório neste procedimento – “sua maior salvaguarda contra condenações equivocadas”; e, por fim ➢ A eficiência é a justificativa-base, bem como a economia de recursos estatais. 2. UM TRIBUNAL DO JÚRI NÃO-ADVERSARIAL • Após breve introdução de uma constatação de ALSCHULER de que, na maior parte da história do common law, o plea bargaining era desconhecido, o autor questiona como poderia tal sistema ter funcionado por tantos séculos “sem uma prática que hoje é tão predominante e aparentemente tão indispensável?” (p. 116); • Funcionou, diz o autor, ante ao fato de que, até meados do século XVIII “o julgamento pelo tribunal do júri era um processo sumário” e foi apenas com “a ascensão do sistema adversarial e o respectivo desenvolvimento do direito probatório [que] fizeram com que o tribunal do júri da common law passasse por uma profunda transformação, roubando- lhe a eficiência maravilhosa que o caracterizara por tantos séculos” (p. 116); • A eficiência se dava, faz o autor breve digressão histórica, pois, em síntese: ➢ Não existia nem propriamente uma acusação (MP) e nem defesa técnica, em geral – a vítima e testemunhas, auxiliadas por policia e juiz leigo ou até tribunal de acusação, que faziam a acusação e apresentavam provas, e o próprio réu se defendia, tudo em um só ato presencial; ➢ Não existia análise/recusa de jurados e cada júri “geralmente ouvia diversos casos não relacionados antes de deliberar sobre qualquer um deles” (p. 117); ➢ A “testemunha” mais eficiente era o próprio réu, na medida em que, ao se defender e dar sua própria versão dos fatos, confundia-se seu papel de testemunha e acusado; ➢ A apresentação de provas e oitiva do réu não seguia regras restritas, mas bastante flexíveis, cabendo ao juiz presidente no ato fiscalizar e, até, fazer comentários; ➢ O direito probatório do common law, hoje tão complexo, era simples, e o juiz presidente tinha amplos poderes sobre as provas e até o mérito da questão; Fichamento: GLOECKNER, Ricardo Jacobsen (Org.). Plea Bargaing, Editora Tirant lo Blanch, São Paulo, 2019. Por Marina Favretto Luersen, maio/2021 Página 23 ➢ Como nem a polícia e nem a acusação eram profissionais não era necessário controlar a atividade acusatória à proteção dos acusados do abuso de seus poderes; ➢ Não existiam recursos na área; • Como se vê, o procedimento do júri era rudimentar e, da mesma forma, o nível de segurança contra uma condenação equivocada estava em geral abaixo do que a sociedade atualmente civilizada o exige – como, porém, passou-se de um “júri sumário” as negociações, na common law, é outra questão, que surge e tratará o autor. “A questão difícil que permanece sem ser pesquisada, é por que a pressão por uma maior segurança levou, no procedimento anglo-americano, ao direito probatório da common law e ao domínio do julgamento pelos advogados, reformas que acabaram destruído o sistema, no sentido de tornarem os julgamentos impraticáveis como um procedimento comum ou rotineiro para casos de crimes graves. Pressões similares por segurança estavam sendo sentidas nos sistemas legais continentais no mesmo período, mas levaram a reformas no procedimento não adversarial que preservaram a instituição do julgamento” (p. 119). 3. POR QUE O PLEA BARGANING? • Apesar da mudança do júri a fim de torna-lo complexo como o conhecemos hoje não ter sido fator isolado a implicar a prática do plea barganing, parece ter sido essencial; • Porém, a complexização do júri, per si, não explica por qual razão o sistema anglo- americano, diferentemente dos europeus continentais, que naquela época também enfrentavam problemas similares, optou pela adoção crescente, em específico, do plea bargaining, e não outro sistema de resolução de conflitos – e é isso que o autor passará a comentar, indicando “algumas características do sistema anterior de julgamento pelo júri que dispôs o procedimento anglo-americano para o plea baganing” (p. 120). 3.1 A ação penal privada • “A tradição da ação penal privada tem sido uma característica do processo penal quase tão marcante e tenaz quanto o julgamento pelo júri” – até hoje “a acusação oficial esta formalmente limitada a alguns poucos casos ajuizados pelo Diretor do Ministério Público”, cabendo ao particular agir processualmente, com auxilio da polícia a investigar, caso entenda necessário e adequado (p. 120); • A função acusatória neste sistema, assim, “cresceu imersa nas formas conceituais da discricionariedade privada, em oposição ao dever oficial” e mesmo nos EUA, que a promotoria pública tem uma história mais antiga, também aí tornou-se espécie de “herdeiro da discricionariedade do promotor particular a quem ele sucedeu” (p. 121); • Essa tradição de ação privada torna muito mais natural transigir – a discricionariedade ampla o permite, diferente do que ocorria no continente, preocupados em limitá-la. 3.2 A confissão • “A analogia de STEPHEN com o dominus litis civil [apontada antes] também é importante ao pensar sobre a posição do acusado no processo criminal. Por muitos séculos, ele também teve o direito do litigante civil de admitir responsabilidade sem julgamento, por meio do uso da admissão de culpa (guilty plea)” (p. 121-122); • Diferentemente dos sistemas continentais em que a confissão era vista como apenas uma prova robusta e, ainda assim, o sujeito ia a julgamento, na common law ele poderia simplesmente se declarar culpado de início e, assim, “poupar” o tempo de todos – e isso se revelaria, depois, útil diante de um julgamento cada vez mais complexo; Fichamento: GLOECKNER, Ricardo Jacobsen (Org.). Plea Bargaing, Editora Tirant lo Blanch, São Paulo, 2019. Por Marina Favretto Luersen, maio/2021 Página 24 • “Outra relíquia histórica também pode ter influenciado o sistema da common law em sua tendência a construir o procedimento sem julgamento com base na renúncia do acusado do tribunal do júri”, constata o autor: a regra de que o acusado tinha que escolher ser julgado, ou seja, deveria optar pelo júri. Esta regra medieva não teve importância quando o júri era um procedimento sumário que a simples pena de morte o substituía – logo, o sujeito era como que coagido a ir a julgamento; “mas a teoria continuou, pronta para, posteriormente, ser usada de forma oposta” (p. 123). 3.4 A insistência no tribunal do júri • Entre o tribunal do júri e o plea bagaining poderia o sistema anglo-americano ter adotado o julgamento por juiz togado, o “bench trial”, também à casos de crimes graves? O autor observa que havia, no século XIX, ampla resistência a isso; • Na Inglaterra, “os grandes julgamentos políticos associados à queda da autocracia de Stuart e à evolução da Constituição do século XVIII santificaram o tribunal do júri na teoria política” e ainda existia ampla dose de desconfiança em relação ao judiciário realizar “arbitrariedade de um único mercenário da coroa” (p. 123), apesar da sua adquirida independência. Mais a mais, as mudanças no júri foram gradativas e não logo percebidas em sua amplitude, de forma que esta resistência ao julgamento por juiz togado aliou-se às outras características apontadas à não adotar bench trial em regra; • Nos EUA, “onde a associação do Judiciário com os excessos da administração colonial levou os constituintes a estabelecerem o julgamento pelo júri como um direito constitucional, era mais difícil ainda imaginar o bench trial” (p. 124). Além dessa questão histórica, pelo fato de o sistema americano por muitos anos prever sentenças de morte (ainda existe em alguns Estados) não se considerou sensato ou prudente colocar tal responsabilidade em apenas duas ou meia dúzia de mãos – nem os juízes queriam; Assim, “a solução extrajudicial do plea barganing não era apenas mais rápida do que o bench trial, mas ela também protegia o fraco e
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