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PEDAGOGIA GESTÃO DA SUPERVISÃO ESCOLAR Maria da Conceição Mussio Bittencout (Reformulação: Ademir Pinto Adorno de Oliveira Junior) http://unar.info/ead 1 GESTÃO DA SUPERVISÃO ESCOLAR Maria da Conceição Mussio Bittencout (Reformulação: Ademir Pinto Adorno de Oliveira Junior) 2 Sumário Sumário ......................................................................................................................................................... 2 Apresentação ............................................................................................................................................... 3 Programa da disciplina ............................................................................................................................. 4 Unidade 1- Evolução Histórica da Supervisão Educacional .......................................................... 7 Unidade 2 - A base docente: afirmação da identidade do profissional de Educação? ....... 13 Unidade 3 - A Função Supervisora ..................................................................................................... 19 Unidade 4 - A Ideia de Supervisão ..................................................................................................... 23 Unidade 5- A Profissão de Supervisor ............................................................................................... 29 Unidade 6 - Qualidade educativa e servidão metodológica ....................................................... 35 Unidade 7 – Supervisão: do sonho à ação – uma prática em transformação ....................... 43 Unidade 8 - A Supervisão e o Desenvolvimento Profissional do Professor ............................ 50 3 Apresentação Prezado Aluno Ao iniciar a preparação desse curso perguntei a mim mesma: “Qual lado da moeda vou mostrar aos meus futuros supervisores educacionais?” O lado da nobreza de tal função, que quando competentemente desempenhada transfigura toda uma unidade escolar e faz dela um recanto de satisfação e aprendizagens para ele, para os professores, para os alunos, e enfim.... para a escola inteira; ou o lado das idas e vindas na maneira como foi tratada, compreendida e aceita essa função dentro das escolas e nos sistemas escolares? Para não ser omissa considerei necessário abordar os dois lados da moeda. O supervisor escolar caminhando sempre à margem das políticas educacionais estiveram à mercê das transformações pelas quais passou a nossa sociedade e a sociedade do mundo, mudou de posição no decorrer do jogo, várias vezes, sempre com a determinação de cumprir as suas tarefas de maneira digna, embora nem sempre bem aceita. Chegou a ser colocado fora de jogo, como peça dispensável, para a vitória na batalha. Ledo engano! Sem essa peça a engrenagem emperrou e novas considerações o recolocou em posições mais adequadas, propiciando-lhe a oportunidade de mostrar a sua importância e o seu valor na dura luta que o Brasil trava na sua busca por uma educação justa, humana e equitativa para todas as nossas crianças e jovens. O jogo, não terminou, e nunca terminará, dado que o mundo e as suas sociedades estão sempre passando por novas fases, novas ideias, novas transformações. Competência e adaptabilidade são qualidades que eu desejo que vocês adquiram no transcorrer caminho como supervisores, agregando essas qualidades às dos outros companheiros que buscam uma excelência para a educação brasileira. Um forte abraço Maria Conceição 4 Programa da disciplina Ementa: Fundamentos históricos e as bases legais da Supervisão Escolar. As funções dos supervisores escolares, coordenadores no sistema de ensino: possibilidades, tendências e perspectivas. Dimensões cognitivas, familiares, sociais e afetivas do processo educativo: análise, interpretação e meios de intervenção no âmbito escolar. Objetivos • Contribuir para a compreensão de que a qualidade da educação é mediada pela ação dos profissionais que atuam na reflexão, gestão e regulação dos processos ensino-aprendizagem e sistemas de ensino. • Propiciar elementos teóricos e referências legais para a compreensão do sistema educacional brasileiro, com ênfase na ação do coordenador pedagógico e do supervisor educacional. • Conhecer as especificidades do trabalho dos coordenadores pedagógicos e supervisores educacionais nas diferentes esferas da gestão da educação. Conteúdos Programáticos Evolução Histórica da Supervisão Educacional A Função Supervisora, a Ideia de Supervisão e a Profissão do Supervisor A Profissão de Supervisor Condições Sócio-Estruturais Da Escola Supervisão: do sonho à ação – uma prática em transformação A Supervisão e o Desenvolvimento Profissional do Professor A Formação do Profissional da Educação no Contexto da Reforma Educacional Brasileira Supervisão, Currículo e Avaliação 5 Metodologia Será adotada uma metodologia que alia a teoria à prática reflexiva, proporcionada por meio de atividades e questionamentos que permitam ao aluno enriquecer os seus conhecimentos necessários à sua formação de profissional da educação. Avaliação No sistema EAD, a legislação determina que haja avaliação presencial, sem, entretanto, se caracterizar como a única forma possível e recomendada. Na avaliação presencial, todos os alunos estão na mesma condição, em horário e espaço pré-determinados, diferentemente, a avaliação a distância permite que o aluno realize as atividades avaliativas no seu tempo, respeitando-se, obviamente, a necessidade de estabelecimento de prazos. A avaliação terá caráter processual e, portanto, contínuo, sendo os seguintes instrumentos utilizados para a verificação da aprendizagem: 1) Trabalhos individuais ou a partir da interatividade com seus pares; 2) Provas realizadas presencialmente; 3) Trabalhos de pesquisa. As estratégias de recuperação incluirão: 1) Retomada eventual dos conteúdos abordados nas unidades, quando não satisfatoriamente dominados pelo aluno. Bibliografia Básica ALVES, N. e GARCIA, R. L. O fazer e o pensar dos supervisores e orientadores educacionais. São Paulo: Loyola, 1996. SILVA, N. S. C. Supervisão Educacional: uma reflexão crítica. Petrópolis: Vozes, 1985. 6 Bibliografia Complementar: CORREA. Cintia Chung M., - A identidade dos supervisores educacionais das escolas municipais de Petrópolis – 2007. QUAGLIO, Paschoal. Importância da Supervisão na Formação do Professor Reflexivo. UNESP/MARILIA, 2003. SILVA J, C. A. A supervisão da educação: do autoritarismo ingênuo a vontade coletiva. São Paulo: Loyola, 1984. SILVA J, C. A. Organização do trabalho na escola pública: o Pedagógico, o Administrativo na ação supervisora. São Paulo, FDE, 1994, ZAMBÃO, G. M. A Administração e Supervisão Escolar. São Paulo: Pioneira, 2000. 7 UNIDADE 1 - EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA SUPERVISÃO EDUCACIONAL CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Acompanhar a evolução da supervisão em seus aspectos históricos, legislativos e operacionais. ESTUDANDO E REFLETINDO Este histórico é uma tentativa de apresentar uma visão geral dos complexos caminhos pelos quais foi se constituindo a supervisão educacional em nosso país, ressalvando que ela continua sendo um campo aberto a intervenções, reconceituações e ressignificações. O começo de tudo: com essas palavras de Paulo Freire, inicia-se o estudo sobre a história, o perfil e a atuação de um profissional da educação bastante conhecido: osupervisor educacional – chamado também de supervisor escolar -, pedagogo de grande importância na história educacional de nosso país e cuja atuação já teve várias nuances diferentes e, muitas vezes, cercada de polêmicas. Antes de visitar o amanhã – com suas propostas e possibilidades de atuação -, é preciso olhar para o passado, para a história desse profissional. Não se pode falar do supervisor educacional sem retroceder no tempo e observar os processos de surgimento da supervisão educacional e de formação do pedagogo no Brasil. O curso de Pedagogia surgiu em nosso país como consequência da preocupação com a formação de professores para a escola secundária; seu aparecimento foi concomitante ao das licenciaturas, ao ser criada a Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, pelo Decreto-lei 1.190, de 1939. Essa faculdade formava bacharéis e licenciados em várias áreas – inclusive a pedagógica -, utilizando a fórmula conhecida como “3 + 1”: às disciplinas de conteúdo, com duração de três anos, eram acrescidas as 8 disciplinas pedagógicas, com duração prevista de um ano. Assim, formava-se o bacharel nos três primeiros anos do curso e, após a conclusão do modulo didático ou pedagógico, o estudante recebia o diploma de licenciado no grupo de disciplinas que compunham o curso de bacharelado. E o pedagogo? Como bacharel, ele podia ocupar o cargo de técnico de educação do Ministério da Educação; como licenciado, o campo de trabalho era o curso normal, que não era exclusivo dos pedagogos, pois, pela Lei Orgânica do Ensino Normal, para lecionar nesse curso bastava possuir diploma do Ensino Superior. Os “especialistas em Educação”: um novo momento: O modelo de curso de que se falou acima durou até 1969; então, deixou de existir a distinção entre bacharelado e licenciatura e foram criadas as “habilitações”, cumprindo o que determinava a Lei 5.540/68, que “fixa normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média”. Ao instituir a habilitação de supervisão escolar, consolidou a presença do supervisor no contexto educacional brasileiro, ampliou seu campo de atuação para todo o antigo ensino de primeiro e segundo graus e, pelo currículo adotado, garantiu a continuidade da formação conservadora de tal profissional, dentro da visão tecnicista da educação, sempre acompanhando o modelo econômico vigente. O curso de Pedagogia passou a formar os “especialistas” em Educação: supervisor escolar, orientador educacional, administrador escolar e inspetor escolar. No entanto, continuava dividido, pois ofertava como habilitação a licenciatura para o “ensino das disciplinas e atividades práticas dos cursos normais”. O Parecer CFE 292/62 previa três disciplinas para a licenciatura: Psicologia da Educação, Elementos de Administração Escolar, Didática e Prática de Ensino- esta última na forma de estágio supervisionado. Em 1969, o Parecer CFE 252 indicava como finalidade do curso preparar profissionais da Educação, assegurando a possibilidade de 9 obtenção do título de especialista por meio da complementação dos estudos. No mesmo ano, a Resolução CFE Nº 2 determinava que a “formação de professores para o ensino normal e de especialistas para as atividades de orientação, administração, supervisão e inspeção” fosse feita “no curso de graduação em Pedagogia, de que resultava o grau de licenciado”. Como licenciatura, permitia o registro para o exercício do magistério nos cursos normais, posteriormente denominados magistério de segundo grau e, sob o argumento de que “quem pode o mais pode o menos” ou de que “quem prepara o professor primário tem condições de ser também professor primário”, permitia o magistério nos anos iniciais de escolarização (Brasil, 2007). Na década de 1970, surgiram as Associações de Supervisão Educacional no Brasil e o supervisor passou a ter diversas denominações: supervisor escolar, supervisor pedagógico, supervisor de ensino, supervisor de educação e supervisor educacional. Nogueira (1989) afirma que os supervisores educacionais, por meio de suas associações e somando acertos e erros, estão caminhando na busca de se fazerem sujeitos do processo histórico. Em 1971, a formação dos supervisores – por meio da habilitação específica em Supervisão Escolar – passou a ser oferecida pelas faculdades de Educação. Assim, percebe-se que os dispositivos legais, bem como as diretrizes emanadas dos organismos superiores da educação, influenciaram decisivamente as características da função dos supervisores, que foi definida como o exercício de um pedagogo – devidamente habilitado em Supervisão Escolar e com sólido conhecimento no campo pedagógico – que é o gerenciador do processo de ensino e aprendizagem e tem sua ação submetida à direção geral da unidade escolar. A supervisão - atuação criticada: No final da década de 1980, enquanto o contexto político, econômico e social do Brasil mudava, ampliavam-se as condições de acesso à escola e cresciam as demandas relacionadas à atuação do supervisor educacional. Com o desenvolvimento social e econômico do país, e a consequente ampliação do acesso ao sistema escolar, cresceram as exigências de qualificação docente para atender às crianças 10 e jovens oriundos de classes populares que ingressavam na escola. Expressões como diversidade cultural, transformação social e cidadania surgiam no cenário educacional brasileiro, à medida que a democratização da vida civil voltava ao país. A formação do “especialista” no curso de Pedagogia era muito criticada por se apoiar em uma visão reducionista e tecnicista de escola e de educador. As “habilitações”, que separavam o “especialista” do docente eram vistas como fragmentação e hierarquização do trabalho pedagógico. Para autores como Gadotti (1998), o fato de o curso de Pedagogia ter sido regulamentado no Brasil em 1969, no período da ditadura militar, levou à formação de um educador passivo, apolítico, técnico e sem preocupações sociopolíticas, com um agir desvinculado da realidade na qual se inseria. As habilitações oferecidas possuíam uma conotação tecnicista, apoiada no treinamento dos profissionais visando a sua atuação nas escolas, com toda a objetividade possível. Dessa forma, os termos pedagogia e pedagógico passaram a ser utilizados apenas para se referir aos aspectos metodológicos e organizativos da escola. A ação do supervisor educacional era fortemente criticada como reprodutora do status quo existente, e como promovedora da separação entre teoria e prática. Gadotti (1998) afirma que não há uma educação somente reprodutora do sistema, nem uma educação somente transformadora do mesmo sistema: essas duas tendências coexistem no plano educacional, em uma perspectiva dialética e conflituosa. Sendo assim, [...] há uma contradição interna na educação, própria da sua natureza, entre a necessidade de transmissão de uma cultura existente – que é a tarefa conservadora da educação – e a necessidade de criação de uma nova cultura, sua tarefa revolucionária. O que ocorre numa sociedade dada é que uma das duas tendências é sempre dominante. (GADOTTI, 1998, p.74). Dessa forma, afirma-se que é necessário repensar o papel dos profissionais da educação: eles não podem atuar de forma neutra em uma sociedade conflituosa; não podem se apoiar apenas nos conteúdos, métodos e técnicas; não podem permanecer 11 omissos, pois a realidade pede que se posicionem diante dos problemas sociais, e devem estar dispostos ao diálogo, ao conflito e à problematização do saber. Por outro lado, é preciso reconhecer que, embora exista a divisão em “habilitações”, a ação do pedagogo é obrigatoriamente uma, integrada. Segundo Martelli (2006, p.251-252), “as açõesde administrar, orientar e supervisionar no sentido literal das palavras, surgiram com a vida em sociedade, desde a época primitiva”. No entanto, as funções e profissões, como são conhecidas no interior da escola, têm relação intrínseca com o desenvolvimento da sociedade capitalista, pois há relação de dependência e influência dos diferentes períodos históricos e sociais, nas funções atribuídas aos profissionais da educação. Assim, as funções do pedagogo (supervisão, orientação, coordenação e administração), embora possam ser analisadas de forma separada, deixa evidente que não há como compreendê-las fora das suas relações de influência e de interdependência. Surge então a concepção de Pedagogia como práxis, em face do entendimento de que ela deve ter sua essência na articulação dialética da teoria com a prática. Sob essa perspectiva, consolida-se a compreensão de que à Pedagogia compete solidificar o campo teórico-investigativo da educação, do ensino e do trabalho pedagógico que se realiza na práxis social. Sobre isso, Rangel (1992) afirma que a questão da especialidade é importante e se destaca, hoje, na discussão acadêmica, no sentido de que se tornem menos diluídas e mais concretas as ações que definem cada serviço, configurando seu papel e seu compromisso mais direto, enfim, as características ou qualidades específicas da sua práxis.(RANGEL, 1992, p.105/106). E não existe práxis sem reflexão teórica e concreticidade. Apesar de todas as criticas, diversos cursos no país continuaram com a mesma estrutura curricular, formando o especialista em Administração Escolar, em Supervisão Escolar e em Orientação Educacional, limitando-se ao que foi estabelecido pela Resolução CFE 2/69, com pequenas variações. No entanto, durante a década de 1980, várias universidades 12 realizaram reformas curriculares, passando a formar, no curso de Pedagogia, professores para atuar na Educação Infantil e nas séries iniciais do Ensino Fundamental. 13 UNIDADE 2 - A BASE DOCENTE: AFIRMAÇÃO DA IDENTIDADE DO PROFISSIONAL DE EDUCAÇÃO? CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Analisar e refletir sobre a Bse comum nacional da prática do educador ESTUDANDO E REFLETINDO Nos debates sobre o curso de Pedagogia, uma temática era central: a questão da base comum nacional. Essa expressão foi criada pelo Movimento Nacional de formação do Educador, no momento em que as forças sociais que lutavam pela redemocratização do país estavam se organizando em todos os campos, inclusive no educacional. Nesse momento, firmou-se o princípio de que a docência constitui a base da identidade profissional de todo educador. Mas o que significa essa base comum? A Comissão Nacional de Reformulação dos Cursos de Formação do Educador (2007 apresenta três concepções diferentes: 1) a base comum seria a garantia de uma prática comum nacional a todos os educadores, independentemente do conteúdo específico de sua área de atuação. Assim, em todas as disciplinas pedagógicas, e principalmente nas de conteúdo específico, deve-se estimular a capacidade questionadora da informação recebida e a sua crítica; 2) a base comum seria uma concepção básica de formação do educador, concretizada por meio da definição de um corpo de conhecimento fundamental, da visão de homem situado historicamente e da concepção de educador comprometido com o seu tempo e com o projeto de uma sociedade justa e democrática; 14 3) a base comum deve destinar-se ao estabelecimento do compromisso político do educador, o que implica formação da consciência crítica e isso requer a inclusão de um corpo de conhecimento fundamental, aprofundando o domínio filosófico, sociológico, político e psicológico do processo educativo, dentro de uma abordagem crítica que destaque o papel da educação como ciência, tomando como referencial o contexto social, econômico e político brasileiro. Esse conceito envolve a ideia de que é impossível reformular os cursos de Pedagogia independentemente das licenciaturas, e de que tal reformulação implica mudanças profundas no próprio sistema educacional. Compreende ainda a defesa de uma política global de formação dos profissionais da educação que abranja formação inicial, carreira, salário e formação continuada. A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), 9294/96, trouxe duas proposições fundamentais para o debate envolvendo a formação dos profissionais de Educação em geral, e do supervisor educacional em particular: a primeira refere-se formação necessária do professor na Educação Superior, e a segunda diz respeito à criação dos cursos normais superiores. A primeira vem de encontro às reivindicações do movimento dos educadores por melhor nível e qualidade na escolarização brasileira; a segunda cria uma situação inédita para o ensino superior no nosso país. “A formação de professores nos Institutos Superiores de Educação e o surgimento do Curso Normal Superior, ministrado nesses Institutos, trouxe a possibilidade de redução desse nível de ensino não apenas no tempo de integralização, mas também nas qualificações para a sua realização”. (SCHEIBE; AGUIAR, 1999). Segundo o artigo 63 da LDB (Lei 9.394/96), regulado pela Resolução CNE/ CP 1/99, os Institutos Superiores de Educação (ISEs), “de caráter profissional”, incluem o Curso Normal Superior, para licenciatura de profissionais em Educação Infantil e de professores para os anos iniciais do Ensino Fundamental; os cursos de licenciatura destinados à formação de docentes dos anos finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio; e programas de formação continuada, destinados à atualização de profissionais da 15 educação básica nos diversos níveis. Isso promoveu fortes mudanças na formatação dos cursos de licenciatura e de Pedagogia, com consequências negativas para a formação qualificada de professores e demais profissionais da educação. Dessa forma, rompe-se com a visão orgânica da formação docente que vinha sendo construída no país nas últimas décadas. No final da década de 1980, surge uma nova nomenclatura para a atividade do pedagogo: trata-se da chamada coordenação pedagógica. Utilizada a princípio como sinônimo de supervisão educacional, percebe-se que, aos poucos, essa denominação se refere a um profissional que substitui o orientador e o supervisor educacional, com a justificativa da necessidade de integração dessas funções. Contudo, a superação da fragmentação que justificou a extinção dos cargos de supervisor e orientador pedagógico só ocorrerá por meio do resgate da totalidade do trabalho pedagógico, ao se agir de forma integrada para a consecução do objetivo fundamental das instituições educativas: a construção crítica e reflexiva do conhecimento. BUSCANDO CONHECIMENTO O momento atual: as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de Pedagogia O Conselho Nacional de Educação (CNE) designou, em 2003, uma Comissão com a finalidade de definir as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia, e essa Comissão informa, em parecer, que ao estabelecer as diretrizes, levou em conta as contribuições apresentadas ao CNE por associações acadêmico-científicas, comissões e grupos de estudo que têm como objeto de investigação a Educação Básica e a formação de profissionais que nela atuam; as sugestões de sindicatos e entidades estudantis; e dos professores do curso de Pedagogia. Uma primeira versão de Projeto de Resolução foi submetida à comunidade acadêmica em 2005. Após a consideração das críticas e dos encaminhamentos recebidos, a Comissão redigiu a versão final do documento legal, que foi aprovado pelo Conselho 16 Nacional de Educação e constitui a Resolução 1, de 15 de maio de 2006, instituindo as Diretrizes Curriculares Nacionais para oCurso de Graduação em Pedagogia, licenciatura. Esta Resolução revoga a Resolução CFE 2, de 12 de maio de 1969 e demais disposições em contrário. Segundo o parecer das relatoras, [...] as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia, a seguir explicitadas, levam em conta proposições formalizadas, nos últimos 25 anos, em análises da realidade educacional brasileira, com a finalidade de diagnóstico e avaliação sobre a formação e atuação de professores, em especial na Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, assim como em cursos de Educação Profissional para o Magistério e para o exercício de atividades que exijam formação pedagógica, e ainda o estudo de política e gestão educacionais. Levam também em conta, a legislação pertinente. Destacam-se a seguir alguns de seus aspectos, que definem o atual perfil do pedagogo em nosso país. Art. 2.º As Diretrizes Curriculares para o curso de Pedagogia aplicam-se à formação inicial para o exercício da docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, e em cursos de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos. § 1.º Compreende-se a docência como ação educativa e processo pedagógico metódico e intencional, construído em relações sociais, étnico-raciais e produtivas, as quais influenciam conceitos, princípios e objetivos da Pedagogia, desenvolvendo-se na articulação entre conhecimentos científicos e culturais, valores éticos e estéticos inerentes a processos de aprendizagem, de socialização e de construção do conhecimento, no âmbito do diálogo entre diferentes visões de mundo. Art. 3.º [...] Parágrafo único. Para a formação do licenciado em Pedagogia é central: 17 I - o conhecimento da escola como organização complexa que tem a função de promover a educação para e na cidadania; II - a pesquisa, a análise e a aplicação dos resultados de investigações de interesse da área educacional; III - a participação na gestão de processos educativos e na organização e funcionamento de sistemas e instituições de ensino. Art. 4.º O curso de Licenciatura em Pedagogia destina-se à formação de professores para exercer funções de magistério na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos. Art. 10.º As habilitações em cursos de Pedagogia atualmente existentes entrarão em regime de extinção, a partir do período letivo seguinte à publicação desta Resolução. Portanto, deve-se observar que a formação dos “especialistas” em Educação, por meio dos cursos de bacharelado desaparece da graduação em Pedagogia e, segundo a própria Resolução, em seu artigo 14, parágrafo 1.º, “poderá ser realizada em cursos de pós-graduação, especialmente estruturados para esse fim e abertos a todos os licenciados”. Resumo da evolução histórica da supervisão educacional Medina (2002) – A autora apresenta a evolução da supervisão educacional em cinco momentos: 1- Supervisão voltada para o ensino primário: – nesse primeiro momento a supervisão possuía a competência de inspeção, sendo encarregada de fiscalizar o prédio escolar e a frequência de alunos e professores. 2- Ação supervisora industrial:– surge com o crescimento da indústria e a reivindicação da população que almeja escolas para seus filhos. As escolas tornam-se instituições semelhantes às empresas. Em decorrência disso, a 18 supervisão realizada no trabalho da indústria e do comércio chega ao âmbito da educação escolar. 3- Ação supervisora como forma de treinamento e orientação – neste momento, a supervisão sofre a influência das teorias administrativas e organizacionais, desempenhando o papel de orientação e controle (modelo tecnicista). O supervisor solidifica o vínculo com o poder administrativo das escolas. Agora, além de assegurar o sucesso das atividades docentes de seus colegas, o profissional deve também “controlar” essas atividades. 4- Ação supervisora como questionamento – esse momento coincide com o final da década de 1970 e início dos anos 1980. A sociedade brasileira começa a ser questionada, e a escola sofre a influência dos trabalhos de autores nacionais e estrangeiros que apresentam uma nova visão da escola e de sua função na sociedade. Surgem indagações a respeito do papel da escola, principalmente do supervisor, que é o profissional criticado por alguns professores, delegando a ele as ações de “impedimento” e de “fiscalização” do seu trabalho. O supervisor não consegue enfrentar o conflito, e tenta justificar sua permanência na escola refugiando-se em atividades burocráticas. 5- Ação supervisora e conceito repensado de escola – surge no final da década de 1980 e início dos anos 1990. Agora, o sucesso do aluno não depende exclusivamente do conhecimento de conteúdos, métodos e técnicas e a escola torna-se um espaço em que todos aprendem e ensinam, e o supervisor tem uma contribuição e importante para dar ao processo de ensino e aprendizagem. Esse profissional ganha um perfil de pesquisador dentro da escola e da comunidade, devendo compreender o movimento que envolve as relações entre professor, aluno e o próprio supervisor, de forma simultânea. 19 UNIDADE 3 - A FUNÇÃO SUPERVISORA CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Conceituar função supervisora, numa perspectiva de localização e evolução histórica de cada conceito. ESTUDANDO E REFLETINDO A Função Supervisora Se entende a supervisão como a “ação de velar sobre alguma coisa ou sobre alguém a fim de assegurar a regularidade de seu funcionamento ou de seu comportamento” (Foulquié, 1971, p.452) vê-se que mesmo nas comunidades primitivas, onde a educação se dava de forma difusa e indiferenciada, estava presente a função supervisora. Esse tipo de sociedade, que se caracterizava pelo modo coletivo de produção da existência, denominada “comunismo primitivo”. Os homens não estavam, ainda, divididos em classes, produziam sua existência em comum, e assim fazendo, se educavam. Nessas sociedades primitivas, a educação coincidia com a própria vida, não se diferenciando das outras formas de ação desenvolvidas pelo homem. Não se podendo falar de educação em sentido estrito, não se poderia falar de ação supervisora em sentido próprio, embora já se fizesse aí, a função supervisora, pois os adultos educavam de forma indireta, por meio de uma vigilância discreta, protegendo e orientando as crianças pelo exemplo e por palavras, supervisionando-as, já que, de acordo com Kieffer, “a supervisão deve aparecer aos olhos dos alunos como uma simples ajuda às suas fraquezas” (in Foulquié, 1971, p.452). Com a fixação do homem à terra, surge a propriedade privada, que traz como consequência a divisão dos homens em classes. Assim é que na Antiguidade, constitui-se 20 a classe de proprietários, contrapondo-se à dos não-proprietários. A condição de proprietário dá, a essa classe, a possibilidade de viver do trabalho dos não-proprietários, predominantemente escravos, que são obrigados a assumir o encargo de manter a si próprios e aos seus senhores. Estes passam, então, a dispor de ócio, de tempo livre. Se no comunismo primitivo, a educação coincidia inteiramente com o processo de trabalho, sendo comum a todos os membros da comunidade, com a divisão dos homens em classes a educação também resulta dividida, diferenciando-se a educação destinada à classe dominante daquela a que tem acesso a classe dominada. E é aí que se localiza a origem da “escola”. A palavra “escola”significa etimologicamente “o lugar do ócio”. A educação dos membros da classe que dispõe de ócio, de lazer, de tempo livre, passa a se organizar na forma escolar. A educação da maioria continua a coincidir com o processo de trabalho. O mesmo fenômeno ocorre, na Idade Média, com a classe dos senhores feudais e a dos não-proprietários, predominantemente constituída pelos servos. Consequentemente, a educação escolar destinada aos membros da classe dominante se diferencia da educação da maioria da população. Assim, no período antigo e medieval, embora tenha surgido uma educação diferenciada caracterizada pela escola, ainda não se põe o problema da ação supervisora, em sentido estrito, embora não signifique que não se fazia presente a função supervisora, que vai assumir claramente a forma de controle, de conformação, de fiscalização e, mesmo, de coerção expressa nas punições e castigos físicos. A função supervisora pode ser encontrada já na Grécia Antiga, na figura do pedagogo, que, etimologicamente, significa aquele que conduz a criança ao local de aprendizagem, até o mestre. Posteriormente passou a significar o próprio educador porque, em muitos casos, ele passou a se encarregar do próprio ensino das crianças, e também porque sua função, desde a origem, era a de vigiar, controlar, supervisionando todos os atos da criança. Tanto na Grécia, quanto na Roma Antiga, a função supervisora se fazia presente na educação dos trabalhadores, ou seja, dos escravos, através da figura do escravo intendente, que devia educá-los no trabalho, para o trabalho e para a submissão. 21 Segundo Xenofonte, o “lavrador” não era quem trabalhava a terra, mas quem administrava os seus trabalhadores como um general, concluindo que o bom agricultor “deve procurar capatazes (intendentes) dóceis e ativos” (apud, Ponce, 1981, p.45). Pode-se concluir que, ao pedagogo, que supervisionava a educação das crianças da classe dominante correspondia o capataz que supervisionava a educação dos trabalhadores, isto é, dos escravos. BUSCANDO CONHECIMENTO A Situação Atual. Em decorrência da Primeira Revolução Industrial, ocorreu a transferência de funções manuais para as maquinas, o que hoje está ocorrendo é a transferência das próprias operações intelectuais para as maquinas inteligentes. Em consequência, também as qualificações intelectuais específicas tendem a desaparecer, o que traz como contrapartida a elevação do patamar de qualificação geral. Parece, pois, que estamos atingindo o limiar da consumação do processo de constituição da escola como forma principal dominante e generalizada de educação, com a universalização de uma escola unitária que desenvolva ao máximo as potencialidades dos indivíduos (formação omnilateral), conduzindo-os ao desabrochar pleno de suas faculdades espirituais e intelectuais. É nesse quadro que começaram a se delinear as premissas objetivas para a construção coletiva da ação supervisora, pois é no interior de uma escola unitária universalizada, destinada à formação omnilateral dos indivíduos, que a supervisão, entendida como concepção e controle das atividades dos agentes educativos, poderá tornar-se uma ação coletiva desses mesmos agentes que, assim, se apropriam plenamente do mundo objetivo, aprendendo, por esse caminho, a controlar suas próprias ações e, por elas, assumindo o controle do complexo de instrumentos que o próprio 22 homem criou e colocou em funcionamento a serviço de suas necessidades, objetivos e aspirações. As máquinas, como extensão dos braços e agora também do cérebro humano, não são mais do que instrumentos pelos quais o homem realiza uma atividade, ainda que se trate de instrumentos capazes de por em movimento operações complexas, múltiplas, amplas e por tempo prolongado. Mas o criador desse processo continua sendo o homem. Seu trabalho consiste agora em comandar e controlar (supervisionar) suas próprias criaturas, mantendo-as ajustadas às suas necessidades. Portanto, o trabalho dominante do homem coincidirá com a função supervisora. Pode-se, pois concluir que o desafio fundamental que se põe para a supervisão educacional, hoje, extrapola a esfera pedagógica, situando-se na contradição central da sociedade moderna que, por um lado, desenvolve numa escala sem precedentes as forças produtivas humanas e, por outro, lança na miséria mais abjeta contingentes cada vez mais numerosos de seres humanos. Assim, a luta pela superação do capitalismo coincide com a luta em defesa da humanidade em seu conjunto. Para tanto, a consciência da situação é condição prévia, necessária e indispensável, e o desenvolvimento dessa consciência implica um trabalho educativo que resulte na mobilização da população para a realização das transformações necessárias. Eis aí, em suma, o grande desafio que se coloca para a supervisão no campo da educação (Cf. Saviani, 1994: 103-5). 23 UNIDADE 4 - A IDEIA DE SUPERVISÃO CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Conceituar a ideia de supervisão, numa perspectiva de localização e evolução histórica de cada conceito. ESTUDANDO E REFLETINDO A Ideia de Supervisão Na sociedade feudal, à medida que a produção excedia as necessidades de consumo, ocorria algum tipo de troca. Com o desenvolvimento da economia medieval, aumenta a produção excedente, intensificando o comércio e gerando uma produção especificamente voltada para a troca, surgindo assim, a sociedade capitalista ou burguesa. Nesta Época Moderna, inversamente ao que ocorria na sociedade feudal, é a troca que determina o consumo e o eixo do processo produtivo foi se deslocando do campo para a cidade, passando da agricultura para a indústria. Também as relações naturais (tanto nobreza como escravidão passavam de pai para filho), que prevaleciam na Idade Média, passam a ser sociais, o que faz com que a sociedade passe a se organizar com base no direito positivo, que é estabelecido formalmente por convenção contratual e se traduz em Constituições escritas. Aliado a isto, dá-se, também, por meio da indústria, a incorporação da ciência ao processo produtivo. A ciência, assim como o direito positivo, se exprime por códigos escritos e surge daí a exigência da disseminação da escrita. No plano ideológico, a disseminação da escrita foi impulsionada pela Reforma Protestante que, pela doutrina do livre exame, condicionava a propagação da fé à leitura direta, pelos fieis, das Sagradas Escrituras e, no plano tecnológico, temos a descoberta da imprensa. 24 Essas transformações tiveram como consequência a exigência da generalização da escola, que até a Idade Média, ficaram restritas às elites dominantes. Agora, uma cultura que não é produzida de modo espontâneo, natural, mas de forma sistemática e deliberada, requer formas deliberadas e sistemáticas de ensino, o que implicou na organização da educação de forma institucionalizada, ou seja, a escola foi colocada na posição principal e dominante de educação. O Brasil entra para a história da chamada civilização ocidental no contexto do incremento das trocas e da expansão comercial, época que se deu a descoberta do Novo Mundo. BUSCANDO CONHECIMENTO A ideia de supervisão no ensino jesuítico Com a vinda dos primeiros jesuítas, em 1549, tem início a organização das atividades educativas em nosso país. No Plano de Ensino formulado pelo Padre Manoel da Nóbrega, está presente a função supervisora, mas não se manifesta a ideia de supervisão. Já no Plano Geral dos jesuítas, o Ratio Studiorum, faz-se presente a ideia de supervisão. O Ratio Studiorum se origina das Constituições da Companhia de Jesus, elaboradas por Inácio de Loyola, e entraram em vigor em1552. Essas Constituições registravam “as linhas mestras, a organização didática e, sobretudo, sublinhava o espírito que deveria animar toda a atividade pedagógica da Ordem”. (FRANCA, 1952:16). Essas orientações gerais serviriam para elaboração de um plano de estudos denominado de Ratio Studiorum (Ibidem, 17). Em 1586, estava elaborada uma primeira versão do Plano (Ratio Studiorum) que, após ser examinada pelas províncias da Ordem, resultou em uma nova versão editada em 1591, para ser posta em prática em caráter experimental, por um período de três anos. A partir dos resultados dessa experiência chegou-se à versão final, editada e promulgada em janeiro de 1599, para vigorar em todos os colégios da 25 Companhia de Jesus (Cf. Ibidem:18-23). O Plano abrangia todas as atividades dos agentes diretamente ligados ao ensino, estabelecendo regras que orientavam o provincial; o reitor; o prefeito de estudos; os professores; cada matéria de ensino; a prova escrita; a distribuição de prêmios; o bedel, chegando às regras dos alunos e concluindo com as regras das diversas academias. O Ratio previa a figura do prefeito geral de estudos como assistente do reitor para auxiliá-lo na “boa ordenação dos estudos”, a quem os professores e todos os alunos deveriam obedecer (regra nº 2 do Provincial). Previa, ainda, quando a “extensão e variedade do trabalho escolar” o exigissem, um prefeito dos estudos inferiores e, conforme as circunstâncias, um prefeito de disciplina, subordinados, ambos, ao prefeito geral. Além do reitor havia também o prefeito de estudos cujas funções são reguladas por trinta regras. A regra nº 1 estabelece que é dever do prefeito “organizar os estudos, orientar e dirigir as aulas, de tal arte que os que as frequentam, façam o maior progresso na virtude, nas boas letras e na ciência, para a maior glória de Deus” (Ibidem:138). A regra nº 5 determina que ao prefeito incumbe lembrar aos professores que devem explicar toda a matéria de modo a esgotar, a cada ano, toda a programação que lhe foi atribuída. A regra nº 17 referente à função de “ouvir e observar professores” estipula: “de quando em quando, ao menos uma vez por mês, assista às aulas dos professores; leia também, por vezes, os apontamentos dos alunos. Se observar ou ouvir de outrem alguma cousa que mereça advertência, uma vez averiguada, chame a atenção do professor com delicadeza e afabilidade, e, se for mister, leve tudo ao conhecimento de P.Reitor” (Ibidem: 140-1). Fica implícita, assim, no Ratio Studiorum, a ideia de supervisão educacional, já que a função supervisora é destacada (abstraída) das demais funções educativas e representada na mente como uma tarefa específica para a qual é destinado um agente específico denominado “prefeito dos estudos”. Reformas Pombalinas O alvará de 28 de junho de 1759 instituiu as reformas pombalinas da instrução pública extinguindo o “sistema” de ensino dos jesuítas, que haviam sido expulsos pelo 26 Marques de Pombal. Foram criadas as “aulas régias”, o cargo de diretor geral de estudos, foram designados comissários para fazer um levantamento geral do estado das escolas. Os comissários exerciam, também, a função de diretor geral de estudos. Nesse sentido, a ideia de supervisão englobava os aspectos político-administrativos, em nível de sistema, concentrados na figura do diretor geral de estudos. A direção, fiscalização, coordenação e orientação do ensino, em nível local, ficava a cargo dos comissários ou diretores dos estudos. A ideia de supervisão no Brasil Império O Brasil independente inaugura a organização autônoma da instrução pública com a Lei de 15 de outubro de 1827, que instituiu as escolas de primeiras letras “em todas as cidades, vilas e lugares populosos do Império”. O artigo 5º dessa lei determinava que os estudos se realizassem de acordo com o “método do Ensino Mútuo”, em que o professor absorve as funções de docência e também de supervisão. Durante as horas de aula para as crianças, o papel do professor limitou-se à supervisão ativa de círculo em círculo, de mesa em mesa, cada círculo e cada mesa tendo à sua frente um monitor, aluno mais avançado, que ficava dirigindo. Fora destas horas, os monitores recebiam, diretamente dos professores, uma instrução mais completa, e não era raro ver os mais inteligentes adquirirem a instrução primária superior. (ALMEIDA, 1989, p.60 – grifo do autor) Cedo, porém torna-se recorrente, no Império, a ideia de supervisão, postulando-se que essa função seja exercida por agentes específicos. Assim é que, em seu relatório de 1834, o ministro do Império, Chimorro da Gama, afirmava: Neste mesmo relatório, vos fiz notar que as escolas de ensino mútuo, por uma razão qualquer, não corresponderam às nossas esperanças; eu me vejo obrigado a confirmar esta observação. O bem do serviço, Senhores, reclama imperiosamente a criação de um Inspetor de Estudos, ao menos na capital do Império. É uma coisa impraticável, em um país nascente, onde tudo está para ser criado, e com o péssimo sistema de administração que herdamos, que um ministro presida ele próprio aos exames, supervisione as escolas e entre em todos os detalhes. É bom dizer que as Câmaras Municipais tomam parte na vigilância das escolas, mas estas 27 corporações, sobretudo fora das grandes cidades, não são mais aptas para este serviço. (Ibidem: 58) O regulamento de 17 de fevereiro de 1854, no âmbito das reformas Couto Ferraz, estabeleceu como missão do inspetor geral “supervisionar pessoalmente ou por seus delegados ou pelos membros do Conselho Diretor, todas as escolas, colégios, casas de educação, estabelecimentos de instrução primária e secundária, públicos e particulares” (Ibidem: 90, grifo do autor). Cabia ainda ao inspetor geral presidir os exames dos professores e lhes conferir o diploma, autorizar a abertura de escolas particulares, rever os livros, corrigi-los ou substituí-los por outros. Em pronunciamento na Assembleia Legislativa Nacional de 11 de abril de 1864, Liberato Barroso propunha a oferta de “uma instrução [...] derramada por todas as classes da sociedade, dirigida de modo mais conveniente debaixo de uma inspeção solícita e zelosa” (apud Paiva, 1973, p.74). Os debates que travaram no final do período monárquico, desde as propostas do ministro do Império Paulino de Souza, em 1869, e de João Alfredo, em 1871, passando pelas discussões em torno da Reforma Leôncio de Carvalho proposta em 1879 até o parecer-projeto de Rui Barbosa, de 1882, e o projeto do Barão de Mamoré, de 1886, convergem para um ponto comum: a necessidade de articulação de todos os serviços de educação numa coordenação nacional, o que colocava em pauta a questão da organização, da estruturação e implantação de um sistema nacional de ensino. A organização dos serviços educacionais na forma de um sistema nacional supunha dois requisitos que impulsionavam a ideia de supervisão na direção indicada: a) a organização administrativa e pedagógica do sistema como um todo, implicava a criação de órgãos centrais e intermediários de formulação das diretrizes e normas pedagógicas bem como de inspeção, controle e coordenação, isto é, supervisão das atividades educativas; b) a organização das escolas na forma de grupos escolares, implicava a dosagem e graduação dos conteúdos distribuídos por séries anuais e trabalhados por um corpo 28 relativamente amplo de professores que se encarregavam do ensino de grande número de alunos, emergindo, assim, a questão da coordenação dessas atividades, isto é, de um serviço de supervisão pedagógica no âmbito das unidades escolares. O período Republicano No início do período republicano a reforma da instrução pública paulista, pioneira na organização do ensino primáriona forma de grupos escolares (Cf. Reis Filho, 1995), instituiu o Conselho Superior da Instrução Pública, a Diretoria Geral da Instrução Pública e os Inspetores de Distrito. Casemiro dos Reis Filho observa “a dominância de atribuições burocráticas sobre as técnico-pedagógicas, nas funções do inspetor”. Considera que “a própria definição de fiscalização para suas atividades acarretava prejuízo pedagógico”. E conclui que esse defeito parece insanável, levando sempre a um mesmo resultado: “burocratizar a ação educativa e fazer incidir sobre a rotina as preocupações do inspetor, que deveriam ser orientadoras” (Ibidem: 125). Mas essa reforma não chegou a se consolidar. Em 1º de agosto de 1896 o cargo de diretor geral da Instrução Pública e a Secretaria Geral da Instrução Pública são suprimidos pela Lei nº 430. Em 26 de agosto de 1897, a Lei nº 520 extingue o Conselho Superior de Instrução Pública e as inspetorias distritais, ficando a direção e a inspeção do ensino sob a responsabilidade de um inspetor geral, em todo o Estado, auxiliado por dez inspetores escolares. Assim “volta-se à pratica, anterior à reforma, de em cada município a fiscalização das escolas estaduais ser exercida por delegados ou representantes das municipalidades” (Ibidem: 128). Essa involução na reforma da instrução pública paulista coincide com o domínio da oligarquia cafeeira que passa a gerir o regime republicano por meio da política dos governadores. No período final da República Velha, com a crise dos anos 20, são retomadas as reformas estaduais da instrução pública e recolocado o problema da educação como uma questão nacional. 29 UNIDADE 5- A PROFISSÃO DE SUPERVISOR CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Explicitar a profissão supervisor ESTUDANDO E REFLETINDO “Na década de 20, há o surgimento dos “profissionais da educação”, dos “técnicos" em escolarização, constituindo-se como uma nova “categoria profissional” (Cf. NAGLE, 1974, p.102). Expressão desse fenômeno foi a criação da Associação Brasileira de Educação em 1924, por iniciativa de Heitor Lira. Entre 1911 e 1925 o Conselho Superior de Ensino era o único órgão encarregado da administração escolar. A Reforma João Luís Alves, de 1925 cria, pelo Decreto nº 16.782-A, o Departamento Nacional de Ensino e o Conselho Nacional de Ensino. Essas medidas reformistas começam a reservar a órgãos específicos, de caráter técnico, o tratamento de assuntos educacionais que até então ficavam a cargo de uma mera repartição do Ministério do Império, e depois, do Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Cinco anos mais tarde foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública. No âmbito dos Estados também se procurou instituir órgãos próprios de administração do ensino em substituição às Inspetorias de Instrução Pública que eram seções das Secretarias do Interior ou da Agricultura, Indústria e Comércio. Essa remodelação ocasionou a separação dos setores técnico-pedagógicos, daqueles especificamente administrativos. A separação entre a “parte administrativa” e a “parte técnica” é condição para o surgimento da figura do supervisor como distinta do diretor e do inspetor. Na divisão do trabalho nas escolas, como assinala Nereide Saviani, cabe ao diretor a “parte administrativa”, ficando o supervisor com a “parte técnica” (Cf. Saviani, 1981: 56-7). E é 30 quando se quer emprestar à figura do inspetor um papel predominantemente de orientação pedagógica e de estímulo à competência técnica, em lugar da fiscalização para detectar falhas e aplicar punições, que esse profissional passa a ser chamado de supervisor. Para os pioneiros da educação nova, (1932) a contribuição das ciências poderia proporcionar maior eficácia e eficiência ao processo educativo, procurando atingir, na educação, o estágio tecnológico, isto é, a conversão da técnica em tecnologia pela via da fundamentação científica objetivando a racionalização do trabalho educativo. Nesse contexto, ganham relevância os técnicos, os especialistas em educação, e entre eles, o supervisor. O desenvolvimento da sociedade brasileira num sentido capitalista intensificou as pressões sociais em torno da questão educacional, conduzindo às reformas dos anos 20, principalmente por iniciativa dos governos estaduais, já que o poder nacional ainda permaneceu um tanto à margem desse movimento. Após a Revolução de 1930, toda a mobilização social em prol da educação ganha expressão nacional, passando a ser coordenada pelo poder central, num processo de estruturação/reestruturação do ensino brasileiro que irá desembocar na Lei nº 4024/61 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional promulgada em 20 de dezembro de 1961. O referido processo se desenvolveu em duas direções reciprocamente dependentes entre si: de um lado temos a criação do Ministério da Educação, das Secretarias Estaduais de Educação, de órgãos federais e estaduais como as Secretarias e Departamentos do Ministério, as Delegacias, Coordenações e Departamentos das Secretarias de Educação, o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, a Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior, os Centros Brasileiros e Regionais de Pesquisas Educacionais, a Fundação do Livro, etc., de outro lado, tratava-se da formação de agentes para operar essa complexa maquina burocrática. Para atender a essa segunda exigência instituiu-se, no âmbito das reformas Francisco Campos, o Estatuto das Universidades Brasileiras que previa a implantação de Faculdades de Educação, Ciências e Letras que acabou por 31 denominar-se Filosofia, Ciências e Letras, cabendo-lhes a tarefa de formar os professores das diferentes disciplinas das escolas secundárias, criando-se, em seu interior, o curso de Pedagogia, com a incumbência de formar professores do Curso Normal, bem como os “técnicos de educação”. Em verdade os cursos de Pedagogia formavam pedagogos e o significado de “técnicos da educação” coincidia com o “pedagogo generalista”, assim permanecendo até o final dos anos 60. BUSCANDO CONHECIMENTO A supervisão no período militar. Após o golpe de 1964, buscou-se ajustar a educação à nova situação por intermédio de reformas de ensino que incluíram a aprovação, pelo então Conselho Federal de Educação, do Parecer nº 252 de 1969 que reformulou os cursos de Pedagogia, ficando organizado na forma de habilitações. Após um núcleo comum centrado nas disciplinas de fundamentos da educação, os cursos de Pedagogia deveriam garantir uma formação diversificada numa função específica da ação educativa: administração, inspeção, supervisão e orientação. Ficou também definido que a habilitação para o magistério de disciplinas profissionalizantes dos cursos normais poderia ser cursada concomitantemente com uma dentre as da área técnica. A habilitação correspondente ao Planejamento Educacional foi reservada para o nível de pós-graduação (mestrado). A introdução das habilitações nos cursos de Pedagogia acontece quando tem início a chamada “pedagogia tecnicista” (Saviani, 1997: 23-7) que, a partir de 1969, foi assumida oficialmente pelo aparelho de Estado brasileiro visando a sua implementação em todo o país para garantir a “eficiência e a produtividade do processo educativo, através da racionalização que envolvia o planejamento do processo educativo pelos técnicos supostamente habilitados subordinando os professores à organização “racional” dos meios”. (Saviani, 1991, p.82). Foi, na verdade a aplicação da “taylorização” ao trabalho 32 pedagógico por meio da divisão técnica do trabalho e parcelamento das tarefas. Com isso abria-se o caminho para o reconhecimento profissional da atividade do supervisor no sistema de ensino. A delimitação das atividades profissionais comespecificação de funções, requisitos formativos, prerrogativas de exercício exclusivo, atingiu a sua plenitude no regime das Corporações de Ofícios que se iniciou, no século XII, e atingiu o apogeu, no século XIV, para depois decair até sua extinção legal em fins do século XVIII e inicio do XIX (Cf. Santoni Rugiu, 1998: 23). A abolição dos privilégios das corporações decorreu do triunfo da burguesia sobre o antigo regime. Entende-se, assim, por que durante todo o século XIX se evitou conferir caráter profissional ao direito de trabalho. Temia-se, a volta do antigo corporativismo. Essa orientação prevaleceu na nossa primeira Constituição republicana (1891), mas, a Constituição de 1934 determinava, no Titulo IV, artº. 121, letra I, a “regulamentação do exercício de todas as profissões” (Campanhole, 1983: 541). Embora as Constituições posteriores não tenham mantido esse dispositivo, esse princípio veio sendo aplicado, desde 1930 até recentemente, quando o clima neoliberal dominante vem contrariar essa tendência, advogando a liberdade de exercício profissional com a consequente desregulamentação das profissões, o que acabou por se firmar na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9394, de 20/12/1996). A nova estrutura do curso de Pedagogia abria claramente a perspectiva de profissionalização da supervisão educacional, pois preenchia dois requisitos básicos para se constituir uma atividade com o status de profissão: a necessidade social e a especificação das características da profissão. Entretanto, há outro e fundamental requisito, pressuposto dos dois acima referidos: uma identidade própria, isto é, um conjunto de características exclusivas dela e que a distinguem das demais atividades profissionais. Esse aspecto foi e continua sendo, ainda hoje, objeto de controvérsia. Na reestruturação do curso de Pedagogia (Parecer 252/69), surgiram questionamentos no sentido de desmascarar a pretensa neutralidade da educação, das 33 habilitações pedagógicas, da atuação dos especialistas, em detrimento de sua dimensão política. Saviani relata que como expositor do Painel 2, que tratou do tema “caracterização do supervisor educacional no atual contexto”, no âmbito do II Encontro Nacional de Supervisores de Educação realizado em Curitiba, em outubro de 1979, defendeu a tese segundo a qual A função do supervisor é uma função precipuamente política e não principalmente técnica”, isto é, “mesmo quando a função do supervisor se apresenta sob a roupagem da técnica ela está cumprindo, basicamente, um papel político. Isto significa que quanto mais a supervisão se apresenta sob a roupagem de procedimentos técnicos, tanto mais ela é eficaz na defesa dos interesses socialmente dominantes. Se os supervisores quiserem se colocar a serviço da população, do operariado em geral, eles necessitam assumir o seu papel político de modo explicito. (SAVIANI, 1979, p: 106) A par desses questionamentos referentes à função política do supervisor, desenvolveu-se, também, a crítica no que se refere à especificidade das habilitações, de modo geral, e da supervisão em particular. O argumento levantado foi o de que as habilitações pedagógicas careciam de especificidade, tanto em termos teóricos como em termos práticos. Em termos teóricos porque não dispunham de um corpo próprio de conceitos, sendo, por exemplo, a chamada teoria da supervisão, um arranjo de conceitos que integravam as áreas básicas como Sociologia da Educação, Filosofia da Educação, Psicologia da Educação, História da Educação ou Didática. Em termos práticos essa falta de especificidade se traduzia na reversibilidade com que os diferentes “profissionais” ocupavam os postos da burocracia educacional, independentemente do tipo de habilitação constante de seus diplomas. Quer dizer: se a escola necessitava de um supervisor, era importante a sua formação em educação, obtida, via regra, no curso de Pedagogia; quanto à habilitação, isso já não era tão relevante. Essa constatação levou à convicção de que, em verdade, as chamadas habilitações técnicas não passavam de uma divisão de tarefas no campo da educação, passiveis, pois, de serem exercidas pelo mesmo 34 profissional desde que adequadamente qualificado. A profissão, isto é, a atividade socialmente requerida, seria uma só: a educação; e o profissional apto a desempenhá-la seria, igualmente, apenas um: o educador ou pedagogo. Administração, orientação, supervisão, etc. seriam tarefas educativas que integram a lista de atribuições de um mesmo profissional: o educador. É nesse contexto que ganhou corpo a tese de que o curso de Pedagogia deveria formar o profissional da educação capaz de exercer as diferentes atribuições requeridas pelos sistemas de ensino e unidades escolares. Assim, ainda que nem sempre com consciência clara dos pressupostos e implicações dessa posição, a referida tese foi se tornando majoritária no seio do movimento pró-reformulação dos cursos de formação de educadores que se esboçou no final dos anos setenta, se organizou na Primeira Conferencia Brasileira de Educação em 1980 e se expressa hoje na Associação Nacional de Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE). A questão da identidade do supervisor educacional continua, pois, em discussão. 35 UNIDADE 6 - QUALIDADE EDUCATIVA E SERVIDÃO METODOLÓGICA CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Refletir sobre o papel social da escola Analisar que cada sociedade tem seu sistema educativo nacional do momento e que esse sistema este que entra em jogo com a dinâmica social de outros sistemas no conjunto dinâmico da sociedade ESTUDANDO E REFLETINDO A necessidade de um fundamento teórico-metodológico no tratamento dos fatos educativos, como é o caso da consideração da qualidade educativa é o que dignifica e dá prestígio ao fazer pedagógico, a fim de não se cair no artificialismo pedagógico, que consiste em ignorar essa exigência em torno do ser, tendo como base transformar o educativo em razões do dever ser. É preciso considerar o elementar conselho epistemológico que, a partir de Weber, se denomina "eliminação da tentação profética”. A utopia deve ser a meta a que se aspira, mas antes deve-se colocar os pés no chão e explicar as peculiaridades das condições educativas que a sociedade em que vivemos possui e na qual lutamos para mudar essas condições e podermos viver de outra forma. Uma das referências epistemológicas aplicável à compreensão e explicação do entorno educativo é a de Aristóteles na Ética a Nicômaco (Ética Nicomáquea, 1998: 132): “[...] Porque é próprio do homem instruído buscar a exatidão em cada matéria na medida em que admite a natureza do assunto, evidentemente tão absurdo seria aceitar que um matemático empregasse a persuasão, como exigir de um retórico, demonstrações”. Em que consiste buscar essa “exatidão”, no tratamento de fator educativo? Qual é a primeira consideração que se deve ter em conta? Em que parâmetros de “segurança científica” 36 devemos nos mover ao indagar qual a razão mais lógica, que melhor explica a entidade educativa? O fazer científico – no caso da educação e especialmente da qualidade educativa – não pode ser construído a partir de um vazio empírico, sobre uma realidade desfigurada ou encoberta, já que isso supõe mascarar sua própria “ordem interna”. Quando a realidade educativa é arrazoada sem considerar sua verdadeira entidade ou ordem interna, e sem a devida explicação de seu ocultamento, cai então numa absurda falta de razão, que origina desconcerto epistemológico. Se a lógica é antes de tudo a ciência do arrazoamento correto, para que a ciência do educativo seja considerada como tal deve superar a primeira prova de poder reconhecer-se num discurso coerente sobrea entidade da realidade educativa, explicando adequadamente primeiro sua razão de ser, depois a dialética de sua existência. Para considerar o papel social da escola é preciso compreender sua servidão institucional com relação à sociopolítica, ou seja, o estudo da dinâmica do sistema escolar no conjunto dinâmico do sistema social, e é nesta correspondência estrutural que se contextualiza o sentido de sua servidão institucional. Quando falamos da escola estamos falando de uma parte da sociedade e o estudo dessa parte requer a visão de conjunto da sociedade para poder entender a relação recíproca de uma escola com outra. Faz-se necessário que tenhamos um conhecimento “intimo” desse conjunto para chegar a uma compreensão arquitetônica do mesmo, e isso supõe uma atenção mais filosófica que analítica, pois a escola é apenas uma parte do sistema educativo geral de uma sociedade ou um povo, e não se pode perder de vista esta referência mais ampla, pois não se trata de desagregar, mas de propor a unidade de todas as práticas educativas num “senso comum”. Nas palavras de Durkheim (1975:77): [...] Todas as práticas educacionais, sejam elas quais forem, quaisquer que sejam as diferenças existentes entre elas, possuem em comum um caráter essencial. [...] As práticas educacionais não são fatos isolados uns de outros, mas, por uma mesma sociedade, estão ligadas num mesmo sistema, cujas partes concorrem para um mesmo fim: e este é o sistema de educação próprio desse país e 37 dessa época. Cada povo tem o seu, da mesma forma que tem seu sistema moral, religioso, econômico, etc. (DURKHEIM, 1975, p: 77) Cada sociedade tem seu sistema educativo nacional do momento, sistema este que entra em jogo com a dinâmica social de outros sistemas no conjunto dinâmico da sociedade. Não há homem que possa conseguir que uma sociedade tenha, num dado momento, outro sistema educacional senão aquele que está implicado em sua estrutura. As práticas educativas não são estritamente educativas, são estruturalmente educativas e estão implicadas numa estrutura na qual se justificam e para a qual contribuem, conforme os interesses que demanda “a economia interna” da sociedade. Utilizando o econômico como sinônimo de administração domestica, há uma conjunção de todas as práticas educativas, e é preciso fazer uma distinção entre prática educativa familiar e a prática escolar. Admite-se que a família contribua para a manutenção da estrutura social mediante a socialização dos filhos na base dessa estrutura; e que na escola se leva a cabo a socialização secundária mediante o aprendizado dos papeis sociais que a sociedade necessita. Tomada a família como ponto de referência, nos socializamos primeiro no básico do âmbito de pertinência do familiar, como é sua religião, sua língua, suas esperanças e suas frustrações, etc.; mas nos socializamos sobretudo no âmbito do estrato social em que, por condição de classe, se situa cada família. Cada criança se socializa como crianças de classe baixa, média e alta, e isso na dinâmica de determinada sociedade onde a composição e a configuração da estrutura de classes se diferencia. De acordo com isso, pode-se dizer que a família é a primeira instituição mediante a qual se “reproduz” o básico da sociedade, papel reprodutor que alguns costumam aplicar exclusivamente à escola, gerando assim uma confusão na interpretação da dinâmica estrutural. A “escola nacional” deve ser entendida como o planejamento que o Estado faz de uma mesma escola para toda nação, objetivando os interesses sociopolíticos pertinentes àquela sociedade. Sendo a mesma escola para todos, a escola precisa tratar a todos de forma igual, a partir de uma aparente neutralidade ou objetividade. Consequentemente, cada qual ingressa na escola, com um capital cultural correspondente 38 a sua condição de classe, o que quer dizer que se a lista de conteúdos for, em teoria, a mesma para todos, nem todos poderão superá-la no mesmo grau. Podemos dizer então que se é a família que basicamente reproduz a estrutura social, é a escola a que legitima essa reprodução. Se a estratificação social tem sua pertinente correspondência educativa, pode-se traduzir essa conjunção numa representação gráfica de sua estrutura piramidal para perceber de modo mais claro a situação socioeducativa de determinada sociedade, destacando-se, sobretudo os índices de escolaridade por níveis e idade. A análise da estrutura piramidal permite que melhor se perceba a importância que exerce o escolar na legitimação da estrutura social. Diante de um quadro piramidal, podemos nos perguntar: para que tipo de escola dessa pirâmide vamos propor o tema da qualidade educativa? Para a criança de classe alta, baixa, da escola privada ou da pública? Há que se considerar que ha diferenças diante de uma pirâmide que reflete a estrutura social de um país muito ou pouco desenvolvido, na Europa, na América Latina ou na América do Norte. De acordo com o local, muda a consideração da educação como variável independente no desenvolvimento social. Para percebermos as condições intimas da estrutura, temos que agudecer o conhecimento para descobrir as variáveis que são responsáveis pela dinâmica da estrutura social. Ao analisar a “arquitetura dinâmica” das variáveis, merece atenção, a dívida externa, por que: “Dívida externa reduz investimentos na área social: o endividamento externo é um dos maiores responsáveis pelos problemas sociais dos países devedores. Ao pagar juros e amortizações, deixa-se de aplicar muito dinheiro na área social”. (O Estado de São Paulo, 28 de abril de1999)1. 1 Além dessa variável é preciso considerar a globalização da economia, as decisões do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional ou de outras instâncias supranacionais que detém o verdadeiro controle da dinâmica sócio estrutural das sociedades em desenvolvimento. Às variáveis da própria estrutura devemos acrescentar os interesses econômicos da estrutura da aldeia global que dirigem os mercados financeiros com uma mensagem similar e unificadora: “reduzir o gasto público, aumentar as taxas de poupança, acabar com o déficit público e com a inflação, sejam quais forem as circunstâncias e os âmbitos geográficos, diante do que qualquer argumento tem que se curvar” (ESTEFÂNIA, 1997, p: 183). 39 Diante dessas exigências da globalização da economia os novos parâmetros da eficácia, da competência e da eficiência estão conduzindo a um novo tipo de homem: o homem como cidadão se transformou na pessoa como recurso humano, isto é, como um custo a mais. “Estamos no século do grande mercado globalizado no qual tudo – bens, capitais, recursos humanos – será traduzido em termos mercantis”. (ESTEFÂNIA, 1997, p: 29). BUSCANDO CONHECIMENTO Partindo de um ponto de vista ético, chega-se a uma pergunta ética: em que parâmetros filosóficos vamos fundamentar os critérios ou indicadores sociais para determinar o que deve ser qualidade educativa? Uma das referências para orientar a decisão da qualidade educativa é a que se faz com relação às ideologias imperantes; a liberal, a igualitarista, a pluralista, entre outras. Temos ainda que responder que quando falamos de “tempos de mudança”, estamos nos referindo aos agentes internos que constituem a nossa estrutura social, ou aos agentes internos oriundos da arquitetura da aldeia global que também imprimem um caráter à dinâmica de nossa sociedade? A solução seria a de entrar num acordo, estabelecendo um pacto educativo. O pacto educativo pode levar à solução sobre os rumos e qualidade da educação, se não perdermos de vista que ele é, antes de mais nada, um pacto social. A dificuldade do pacto educativo dependerá das forças e interessessociais que dele participam. Deve- se partir da situação real, o que não constitui uma situação negativa, e sim uma positiva metodologia de por os pés no chão. Sobre qualidade educativa de pacto educativo, um dos textos mais interessantes é a obra de Juan Carlos Tedesco (1995), “El nuevo pacto educativo. Educacion, competitividade y ciudadanía em la sociedade moderna”. Seu referencial é a sociedade moderna democrática que já superou o nível quantitativo e que se propõe a discutir 40 questões qualitativas, a partir de duas linhas de análise: a primeira referindo-se à questão dos conteúdos da socialização escolar, e a segunda, ao desenho institucional. Ainda com relação ao pacto educativo, Tedesco (1995, p: 183) diz que “as exigências futuras da mudança educativa permitem postular a hipótese segundo a qual a alternativa à reforma tradicional e às revoluções de diferentes signos será uma estratégia de mudança por acordo, por consenso, por contato entre diferentes autores”, e continua “numa sociedade diferenciada e que respeita as diferenças, mas também coesa a partir do acordo sobre certas regras básicas de jogo, o acordo sobre as estratégias educativas permite, por um lado, superar a concepção segundo a qual a educação é responsabilidade de um só e, por outro, garantir o nível adequado de continuidade que exige aplicação de estratégias de médio e longo prazo” (idem:183). Isto quer dizer que o projeto de Tedesco dirige-se e é aconselhável para sociedades diferentes e que respeita as diferenças, como, por exemplo, entre loiros e morenos, porque entre muito ricos e muito pobres parece que não pode haver a coesão suficiente como variável necessária do pacto. Temos, então, de falar de qualidade educativa a partir da qualidade na equidade social, pois retomando o discurso de ética política de Aristóteles, a primeira condição da polis é formar verdadeiros cidadãos, cuja felicidade consiste em terem sido educados para uma obediência racional e livre e para a participação política. A educação política do cidadão em seus direitos elementares, como é o da educação em combinação com outros direitos, é um requisito que exige o máximo esforço dos políticos, dos intelectuais, dos pedagogos e dos docentes, e de todo aquele que faça uso da razão e da voz para expressar-se, para forçar o pacto social a favor, primeiro, dos excluídos do direito de cidadania. 41 Um caminho para o educador Não existem soluções concretas e pontuais para se realizar mudanças educativas, mas algumas sugestões poderão ser úteis como a resposta de Durkheim, quando se pergunta como resolver o problema da mudança educativa: As transformações profundas que sofreram ou que estão sofrendo as sociedades contemporâneas exigem transformações paralelas na educação nacional. Portanto, se bem sentimos a necessidade de mudanças, não sabemos exatamente quais devam ser estas. Sejam quais forem as convicções particulares dos indivíduos ou dos partidos, a opinião pública permanece indecisa e ansiosa. Por conseguinte, o problema pedagógico não se coloca para nós com a mesma serenidade que para os homens do século XVII. Já não se trata de por em prática ideias já assentadas, mas de encontrar ideias que nos guiem. Mas como? Como descobri-las se não nos remontarmos até a fonte de vida educativa, isto é, até a sociedade? É, portanto, a sociedade a quem se deve interrogar, são suas necessidades as que se deve desconhecer, por isso são suas necessidades as que se deve conhecer, por isso são suas necessidades as que se devem satisfazer [...]. (DURKHEIM, 1975, p: 116). Desse modo, a própria ciência é a orientadora da prática: ou ação bem orientada ou o ativismo às cegas. A ciência deve nos explicar com a razão mais lógica possível a realidade à qual se refere, como por exemplo, o sistema educativo brasileiro. Ao fazê-lo, nos revela a trama da “ordem” que define esse sistema, o que nos produz verdade e consciência em vez de alienação; e essa verdade é a que nos faz livres para, uma vez conhecida, agir de forma mais conveniente. Essas são as “armas” ou argumentações sociológicas ou “cientificas” que revelam ou desvelam a trama estrutural do sistema educativo, coisa que não costuma agradar aos políticos, mas devemos reconhecer que uma coisa é o papel do educador e outra é a do político. Para expressar melhor a necessidade de oferecer um caminho ao educador, vale o texto abaixo: O laço mais forte que pode unir todos os homens de uma sociedade é a semelhança de seus princípios, e esta semelhança só 42 pode existir como resultado do ensino outorgado a todos os cidadãos. (SAINT SIMON, 1975, p: 106). A educação é primeiro, e antes de tudo, educação de cidadãos. Mas em que consiste? De novo Aristóteles (1975, p:16 ss.): “a primeira tarefa da educação é formar a razão, formar personalidades realmente lógicas e donas de sua razão. Mas a formação da razão lógica ou aprendizagem da autotransformação é insuficiente e incompleta se não for acompanhada de uma consequente formação da razão moral ou autogoverno”. (Aristóteles, 1976, p: 16). Se o educador for educado, será um bom formador de ambas as razões, a lógica e a moral, transmitindo mais que conteúdos, ou transmitindo ao mesmo tempo atitudes básicas para o conhecimento, que são: capacidade de análise, capacidade de critica e capacidade de síntese, formando cidadãos que aprendam a estar no mundo e frente ao mundo, e isto é uma boa razão para fomentar um bom clima de qualidade educativa no sistema escolar. 43 UNIDADE 7 – SUPERVISÃO: DO SONHO À AÇÃO – UMA PRÁTICA EM TRANSFORMAÇÃO CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Mostrar os vários momentos pelos quais passou a supervisão escolar no seu processo evolutivo, até os dias de hoje. ESTUDANDO E REFLETINDO No Brasil, situa-se nas últimas quatro décadas o modo como se tem idealizado a supervisão. Nos anos 60 e 70, a supervisão é tida como especialidade pedagógica que deva garantir a eficiência dos meios e eficácia dos resultados do trabalho didático- pedagógico da e na escola. É uma supervisão que acompanha, controla, avalia, evitando “desvios” na direção do sucesso previsto, e tendo no currículo e no processo didático os seus objetos de controle de qualidade. Valoriza-se, portanto, o “especialista” e tenta-se negar a realidade do contesto desigual da sociedade sem escolas e sem cidadania para todos. Este é o modo “tecnicista” da supervisão, entendendo-se o tecnicismo como o uso descontextualizado da técnica, ou seja, dos recursos de trabalho. Surge, assim, a crítica justificada que denuncia a alienação e define a escola como instituição social que reproduz a hegemonia, a elitização, a seletividade, a discriminação, o preconceito. Pode- se dizer que estão sendo estabelecidas as condições que levarão os educandos das classes desfavorecidas à exclusão social. Os anos 80 e 90 Nos anos em questão, os problemas sociais reprimidos ganham força e pressionam a realidade de tal forma que nos anos 80 espera-se melhorar a qualidade do ensino afastando da escola o supervisor educacional. Como “especialista”, o supervisor estaria 44 submetendo a escola às “regras” de interesse da política socioeconômica. É preciso transformar o sistema educacional e sociopolítico, e entende-se que na complexidade da análise do capitalismo e seus desdobramentos, o supervisor e sua especialidade, isola, desarticula, setoriza e sectariza os serviços e atividades escolares, desconectando-as entre si e com a problemática social. Nesta “revolução de ideias e conceitos”, as especialidades pedagógicas são vistas como contaminadas pelas ideias tecnicistas do capitalismo e dão lugar à disseminação das ideias que defendiam
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