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MODULO_03

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M3 
Literatura Brasileira 
CARLOS ANTÔNIO SIMÕES 
Estilos de Época ­ Modernismo 
e Tendências Contemporâneas 
I ­ Introdução ........................................................ 3 
II ­ O Modernismo no Brasil ................................... 5 
III ­ A Semana de Arte Moderna ............................. 8 
IV ­ Grupos e Tendências do Modernismo ............ 11 
V ­A Evolução do Modernismo........................... 13 
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Anotações
Tecnologia              ITAPECURSOS 
3 Literatura ­ M3 
­ ESTILOS DE ÉPOCA ­ 
MODERNISMO E 
TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS 
I ­ INTRODUÇÃO 
1 ­ AS VANGUARDAS EUROPÉIAS 
1.1 ­ A Nova Fisionomia do Século XX 
Os primeiros decênios do século XX representam 
o início de uma nova era na história do homem. 
As transformações provocadas na vida humana 
pela crescente industrialização, pelo rápido progresso 
das Ciências Físicas e Biológicas, pelo desenvolvimento 
da Psicologia; as inovações da Arquitetura; o surgimento 
do automóvel, da televisão, do cinema, do rádio, do avião; 
a difusão e o aperfeiçoamento dos meios de comunicação 
em geral ­ tudo isso deu uma feição particular à cultura 
do século XX. 
Ao lado desse progresso material proporcionado 
pelo desenvolvimento científico e tecnológico, ocorreram 
entretanto graves agitações sociais e políticas, nas quais 
a principal foi a Primeira Guerra Mundial (1914­1918) 
cujos trágicos episódios marcaram profundamente o 
clima espiritual da época, provocando um estado geral 
de angústia e inquietação. 
Desde cedo, manifestaram­se, nas artes, sinais 
de que essa civilização que estava surgindo exigia outros 
modos de expressão, pois os que existiam não eram 
mais capazes de representar a nova realidade. 
A  ânsia  de  buscar  novos  caminhos  para  a 
manifestação artística da experiência humana explica o 
aparecimento  de  uma  série  de  mov imentos, 
principalmente nas artes plásticas e na literatura, que 
ocorreram no começo do século. 
Reivindicando total liberdade, os novos artistas 
rejeitaram os padrões acadêmicos e tradicionalistas, 
pesquisando uma  linguagem nova, mais dinâmica e 
maleável,  que  pudesse  expressar  de  modo mais 
significativo a vida do século XX. 
Para você  ter uma visão geral das  intenções 
renovadoras desses grupos de vanguarda, vamos ler 
alguns  trechos  extraídos  dos  vários  manifestos 
publicados na época. 
Em 1909, o italiano Marinetti, líder do Futurismo, 
escreveu:
“Tendo  a  literatura  até  aqui  enaltecido  a 
imobilidade pensativa, o êxtase e o sono, nós queremos 
exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, o passo 
ginástico, o salto perigoso, a bofetada e o soco.” 
E em 1912: 
“É  preciso  destruir  a  sintaxe,  dispondo  os 
substantivos ao acaso, como nascem.” 
“Deve­se abolir o adjetivo para que o substantivo 
desnudo conserve a sua cor essencial.” 
“Abolir também a pontuação. Estando supressos 
os adjetivos, os advérbios e as conjunções, a pontuação 
está naturalmente anulada na continuidade vária de um 
estilo vivo, que se cria por si, sem as paradas absurdas 
das vírgulas e dos pontos.” 
“Façamos corajosamente o ‘feio’ em literatura e 
matemos de qualquer maneira a solenidade.” 
“Dou o verso livre, eis finalmente a palavra em 
liberdade”.
Tecnologia              ITAPECURSOS 
4  Literatura ­ M3 
Supressão da dor poética 
dos exotismos snobs 
da cópia em arte 
das sintaxes já condenadas pelo uso em todas as línguas 
do adjetivo 
da pontuação 
da harmonia tipográfica 
dos tempos e pessoas dos verbos 
da orquestra 
da forma teatral 
do sublime artístico 
do verso e da estrofe 
das casas 
da crítica e da sátira 
da intriga nas narrativas 
do tédio 
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Nada 
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de
lamentos 
Literatura pura Palavras em liberdade Invenção 
de palavras 
Plástica pura (5 sentidos) 
Criação invenção profecia 
Descrição onomatopéica 
Música total e arte dos ruídos 
Mímica universal e Arte das Luzes 
MaquinismoTorre Eiffel Brooklin e arranha­céus 
Poliglotismo 
Civilização pura 
Normandismo épico exploratismo urbanoArte das 
viagens e dos passeios 
Antigraça 
Estremecimentos diretos em grandes espetáculos 
livres circos, music­halls, etc. 
Continuidade 
1. Técnicas ou ritmos renovados sem cessar. 
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Construção 
Simultaneidade 
Destruição 
em oposição 
ao
Particularismo 
e à 
Divisão 
Eis um trecho do manifesto de um outro movimento: o Cubismo, escrito em 1913 pelo poeta Apollinaire:
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5 Literatura ­ M3 
O Expressionismo  foi  outro movimento  de 
vanguarda. Aqui está um trecho de seu manifesto de 
1917, sobre o estilo: 
“A palavra se torna flecha. Atinge o interior do 
assunto,  é  enfatizada  por  ele.  Ele  se  torna 
cristalinamente a verdadeira imagem do objeto. Então 
desaparecem as palavras supérfluas. O verbo se estende 
e torna­se mais afiado, tenso, para apanhar a expressão 
clara e distintamente. “ 
De  1918  são  estes  trechos  do manifesto  do 
Dadaísmo, movimento que reflete bem o niilismo de 
uma geração marcada pela guerra: 
“Assim  nasceu  DADÁ  de  um  desejo  de 
independência,  de  desconfiança  na  comunidade. 
Aqueles que nos pertencem conservam sua liberdade. 
Nós não reconhecemos nenhuma teoria.” 
“Eu  destruo  as  gavetas  do  cérebro  e  as  da 
organização social; desmoralizar por todo lado e lançar 
a mão do céu ao inferno, os olhos do inferno ao céu, 
restabelecer a roda fecunda de um circo universal nos 
poderes reais e na fantasia de cada indivíduo.” 
Em 1924 escrevia André Breton, no manifesto 
do Surrealismo: 
“A imaginação está talvez a ponto de retomar 
seus  direitos.  Se  as  profundezas  de  nosso  espírito 
abrigam forças estranhas capazes de aumentar as da 
superfície, ou de lutar vitoriosamente contra elas, há 
todo interesse em captá­las, em captá­las desde o início, 
para submetê­las em seguida, se isso ocorrer, ao controle 
de nossa razão.” 
Como  você  pôde  observar,  em  todos  esses 
movimentos estava presente a idéia de que, para se 
conseguir expressar a nova realidade, era necessário 
criar uma nova linguagem. 
Além da  irreverência  e  da  preocupação  em 
destruir  e  rejeitar  os  valores  tradicionais,  o  espírito 
artístico moderno da primeira metade do século XX ainda 
apresenta: exaltação da vida presente e do progresso; 
intenso  experimentalismo  na  busca  de  uma  nova 
linguagem; reivindicação de plena liberdade de pesquisa 
e expressão; profundo individualismo; incorporação do 
quotidiano e do popular à arte; valorização em termos 
artísticos do subconsciente e do inconsciente. 
Torna­se assim evidente que uma nova maneira 
de ver e analisar a realidade estava sendo criada, com a 
rejeição do tradicional e a tentativa de criação de uma 
linguagem capaz de expressar de modo significativo a 
posição do homem nesse novo mundo que surgia. 
(TELES, GILBERTO MENDONÇA. VANGUARDAS EUROPÉIAS 
E MODERNISMO BRASILEIRO.) 
Estudo Dirigido 
1 .Relacione estas duas frases: 
“A máquina se fez presente em todos os momentos da vida do homem no início do século XX.” 
“A guerra tinha lançado no espírito humano a incerteza sobre a permanência e a duração da paz”. 
2. Caracterize, a partir do texto, os aspectos comuns dos movimentos de vanguarda européia. 
II ­ O MODERNISMO NO BRASIL 
1 ­ INQUIETAÇÕES MODERNISTAS 
Enquanto  ocorria  no  Brasil  um  acentuado 
desenvolvimento industrial e urbano, com profundas 
modificações na vida social do país, em decorrênciaprincipalmente da Primeira Guerra Mundial, o mesmo 
não acontecia no campo artístico. A nossa  literatura 
permanecia  ainda  presa  aos  velhos  modelos 
acadêmicos, basicamente parnasiana na linguagem, 
refletindo nas primeiras décadas do século XX a postura 
do século anterior. 
Houve,  no  entanto,  alguns  escritores  nesse 
período, como por exemplo Euclides da Cunha, Monteiro 
Lobato e Lima Barreto, que, embora presos ainda à 
linguagem tradicional, manifestaram uma consciência 
crítica da realidade brasileira, revelando uma visão mais 
aguda de nossos problemas sociais. 
Enquanto na Europa, e sobretudo na França, 
ocorria uma onda de renovação artística e cultural, no 
Brasil essa inquietação manifestava­se timidamente em 
alguns grupos isolados do Rio de Janeiro e de São Paulo, 
na época os principais centros culturais do país. 
Em 1912 o jovem escritor Oswald de Andrade, 
na Europa, toma conhecimento das idéias futuristas que 
mais tarde seriam divulgadas em São Paulo. Nesse 
mesmo tempo, Manuel Bandeira, outro novo poeta,
Tecnologia              ITAPECURSOS 
6  Literatura ­ M3 
entra  em  contato  na  Suíça  com  a  literatura  pós­ 
simbolista. Em 1915, um brasileiro, Ronald de Carvalho, 
toma parte na fundação da revistaOrpheu, que assinala 
o início da vanguarda futurista em Portugal. Funda­se 
em 1916 a Revista do Brasil, marcada por uma linha 
nacionalista. 
Pouco a pouco começam a se formar grupos de 
escritores e artistas que, embora não tivessem ainda 
2 ­ A EXPOSIÇÃO DEANITA MALFATTI 
Um fato importante pela polêmica que provocou 
foi a exposição de pintura moderna feita por Anita Malfatti 
nos meses de dezembro de 1917 e janeiro de 1918, em 
São Paulo. 
Voltando de uma viagem feita à Europa e aos 
Estados Unidos, onde entrara em contato com a era 
moderna, Anita Malfatti, incentivada por alguns amigos, 
resolveu fazer uma exposição de suas últimas obras. 
No  acanhado  meio  artístico  paulistano,  a 
exposição provocou comentários variados, tanto a favor 
como contra. Entretanto, o que realmente desencadeou 
a  polêmica,  em  torno  não  só  da  pintora  mas 
principalmente da questão da validade da nova arte, foi 
um artigo escrito por Monteiro Lobato, na época crítico 
do  jornal O Estado de S. Paulo, na  seção Artes  e 
Artistas e que ficou conhecido pelo título de “Paranóia 
ou mistificação?”. 
Apesar  da  lucidez  com  que  debatia  certos 
problemas brasileiros e das intenções renovadoras que 
possuía, Monteiro Lobato, nessa questão de pintura 
moderna, mostrou­se totalmente passadista, criticando 
violentamente a nova arte, chegando a ridicularizá­la. 
Para você ter uma idéia da violência dessa crítica 
considere este trecho: 
uma consciência clara e definida do que queriam, sentiam 
que a nossa arte devia abandonar os velhos e gastos 
padrões e buscar novos caminhos. 
Vendo na Academia Brasileira de Letras uma 
espécie  de  representação  oficial  do  tradicionalismo 
literário estériI e pomposo, os jovens escritores passaram 
a atacá­la, reivindicando o direito de explorar novos temas 
e de elaborar uma nova linguagem literária. 
“Há  duas  espécies  de  artista. Uma  composta  dos  que  vêem  normalmente  as  coisas  e  em 
conseqüência disso fazem arte pura, guardando os eternos ritmos de vida, e adotados para a concretização 
das emoções estéticas os processos clássicos dos grandes mestres. (...) A outra espécie é formada pelos 
que vêem anormalmente a natureza, e interpretam­na à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica 
de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva. São produtos do cansaço e do 
sadismo de todos os períodos de decadência; são frutos de fins de estação, bichados ao nascedouro. 
Estrelas cadentes, brilham um instante, as mais das vezes com a luz do escândalo, e somem­se logo nas 
trevas do esquecimento. Embora eles se dêem como novos, precursores duma arte a vir, nada é mais velho 
do que a arte anormal ou teratológica: nasceu com a paranóia e com a mistificação. De há muito já que a 
estudam os psiquiatras em seus tratados, documentando­se nos inúmeros desenhos que ornam as paredes 
internas dos manicômios. A única diferença reside em que nos manicômios esta arte é sincera, produto 
ilógico de cérebros transtornados pelas mais estranhas psicoses; e fora deles, nas exposições públicas, 
zabumbadas pela imprensa e absorvidas por americanos malucos, não há sinceridade nenhuma, nem 
nenhuma lógica, sendo mistificação pura.” 
E em outro trecho, falando a respeito da arte moderna em geral: 
“Sejamos sinceros: futurismo, cubismo, impressionismo e ‘tutti quanti’ não passam de outros tantos 
ramos da arte caricatural. É a extensão da caricatura onde não havia até agora penetrado.” 
Essa crítica precipitada de Monteiro Lobato provocou ressentimentos em Anita Malfatti, mas ao mesmo 
tempo despertou uma atitude de simpatia com relação a ela de um grupo de artistas jovens, resultando manifestações 
de repúdio às concepções tradicionais de arte. 
Oswald de Andrade, por exemplo, escreveu no Jornal do Comércio em 11/01/1918: 
“Possuidora de uma alta consciência do que faz, levada por um notável instinto para a apaixonada 
eleição dos seus assuntos e da sua maneira, a vibrante artista não temeu levantar com os seus cinqüenta 
trabalhos as mais irritadas opiniões e as mais contrariantes hostilidades. Era natural que elas surgissem no 
acanhamento da nossa vida artística. A impressão inicial que produzem os seus quadros é de originalidade 
e de diferente visão. As suas telas chocam o preconceito fotográfico que geralmente se leva no espírito 
para as nossas exposições de pintura. “ 
Dentre os que prestigiaram Anita Malfatti estavam, além de Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Di 
Cavalcanti, Guilherme de Almeida e Ribeiro Couto, que junto com outros artistas organizaram alguns anos mais 
tarde, em 1922, a Semana de Arte Moderna.
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7 Literatura ­ M3 
3 ­ DIVULGAÇÃO DAS NOVAS IDÉIAS 
O ano de 1917 marca também o início da amizade 
entre Oswald de Andrade e Mário de Andrade, que tanto 
dinamismo daria ao movimento modernista. 
São publicados  nesse ano alguns  livros que, 
embora não totalmente revolucionários quanto ao estilo, 
já trazem algumas inovações e provocam comentários. 
É o caso de A cinza das horas, de Manuel Bandeira, e 
Nós, de Guilherme de Almeida, além da estréia de Mário 
de  Andrade,  com  o  pseudônimo  de Mário Sobral, 
publicandoHá uma gota de sangue em cada poema. 
Em 1920, um grupo de modernistas “descobre” 
a arte de um jovem escultor, Victor Brecheret, passando 
a elogiá­lo e a divulgar seu nome. Até Monteiro Lobato, 
que anos antes tinha sido tão reacionário com relação à 
pintura moderna, reage favoravelmente e não poupa 
elogios ao artista. 
As novas idéias começam a circular rapidamente. 
Em 24/01/1921, o Correio Paulistano publica um texto 
de Menotti del Picchia em que são ex­postos os princípios 
do novo grupo de escritores, e que foram assim resumidos 
pelo crítico Mário da Silva Bento: 
“a) o  rompimento com o passado, ou seja, a 
repulsa  às  concepções  românticas  parnasianas  e 
realistas;  b)  a  independência  mental  brasileira, 
abandonando­se as sugestões européias, mormente as 
lusitanas  e  gaulesas;  c)  uma  nova  técnica  para  a 
representação da vida em vista de que os processos 
antigos  ou  conhecidos  não  apreendem  mais  os 
problemas contemporâneos da outra expressão verbal 
para a criação literária, que não é mais a mera transcrição 
naturalista mas relação artística, transposição para o 
plano da arte das realidades vitais.” 
Estudo Dirigido 
1. Vamos reconstituir, em ordem cronológica, os principais fatos que influíram na preparação do clima modernista 
que explodiria com alarde em 1922. Complete as lacunas: 
1912 ­ Oswald de Andrade 
1915 ­ Ronald de Carvalho 
1916 ­ Funda­se 
1917 ­ São publicados os livros 
1918 ­ Anita Malfatti 
Monteiro Lobato escreve 
Oswald de Andrade, porém, 
1920­ VictorBrecheret 
1921 ­ O Correio Paulistano publica 
1921 ­ Mário de Andrade publica 
Nesse mesmo ano, Mário de Andrade publica 
uma série de sete estudos sobre os mais destacados 
poetas do Parnasianismo: Francisca Júlia, Raimundo 
Correia, Alberto de Oliveira, Olavo Bilac e Vicente de 
Carvalho. 
Esses estudos, intituladosMestres do passado, 
constituem uma  análise  crítica  e  aguda  da  famosa 
geração parnasiana, e Mário de Andrade, ao apontar­ 
lhes  os méritos,  não  hesita  em  demonstrar  suas 
fragilidades e vícios literários, concluindo que realmente 
a hora do Parnasianismo já tinha passado e que esses 
poetas não ofereciam mais nenhum interesse e nem 
poderiam servir de inspiração para os escritores das 
novas gerações. 
No fim de 1921, intensificaram­se os contatos 
entre os jovens artistas de São Paulo e do Rio de Janeiro. 
O  escritor  consagrado Graça  Aranha,  apesar  de 
pertencer à Academia Brasileira de Letras, resolve aderir 
às novas idéias e começa a participar do movimento. 
Como se pode perceber, havia na época uma 
grande agitação e um clima de debates e reivindicações. 
A proximidade das comemorações do Centenário da 
Independência, para as quais se preparava todo o país, 
reforça a idéia lançada pelo pintor Di Cavalcanti de se 
organizar uma exposição de Arte Moderna, que estaria 
destinada a ser o marco definitivo do Modernismo no 
Brasil. 
(GILBERTO MENDONÇA TELES).
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8  Literatura ­ M3 
2. Pelo trecho da crítica de Monteiro Lobato à exposição de Anita Malfatti, quais eram suas concepções 
estéticas? 
3. De modo geral, que importância teve esse episódio para o Modernismo? 
III ­ A SEMANA DE ARTE MODERNA 
“Foi uma semana de escândalos literários e artísticos que meteu os estribos na barriga 
da burguesiazinha paulistana”. 
(DI CAVALCANTI) 
Nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922 fora realizado no Teatro 
Municipal  de São Paulo o mais  rumoroso  evento da  história das  artes 
no Brasil.
Foram convidadas para esse evento figuras de destaque na sociedade 
e no meio artístico e literário. 
Uma exposição de artes plásticas fora montada no saguão do teatro 
contando com obras de jovens artistas como Vitor Brecheret, Anita Malfatti, 
Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Vicente do Rego Monteiro e outros. 
A abertura da Semana contou com o discurso de Graça Aranha, 
intitulado “Emoção estética na obra de arte”, onde propunha uma radical 
renovação nas artes e nas letras. Em seguida, nessa mesma noite, houve 
declamações de textos poéticos modernos e um concerto de Villa Lobos. 
Já no primeiro dia houve reações nada amistosas por parte da platéia 
que, em sua grande maioria, era constituída pela burguesia conservadora de 
São Paulo, acostumada a peças líricas e óperas naquele palco agora ocupado 
por esses desconhecidos e irreverentes “futuristas”. 
A segunda noite, dia 15 de fevereiro, foi a mais agitada, pois Menotti 
del Picchia com a palestra “Arte Moderna”, reivindicava liberdade, renovação e agressividade, o que provocou vaias 
e apartes nervosos. 
Eis abaixo alguns trechos dessa palestra: 
“A nossa estética é de reação, como tal é guerreira. 
Queremos exprimir nossa mais livre espontaneidade dentro da mais espontânea liberdade. Ser 
como somos, sinceros, sem artificialismos, sem contorcionismos, sem escolas. 
Nada de postiço meloso, artificial, arrevezado, precioso: queremos escrever com sangue ­ que é 
humanidade; com violência ­ que é energia bandeirante.” 
Alguns jovens escritores também foram apresentados e declamaram versos modernos, recebendo como 
batismo artístico uma estrepitosa vaia do público. 
Na noite de 17 de fevereiro, encerrou­se a Semana com a apresentação do maestro Villa Lobos. Essa ter­ 
ceira noite não foi tão rumorosa. Pudera, o público se reduziu a um quinto daquele que comparecera no primeiro dia.
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9 Literatura ­ M3 
Apesar dos desencontros, das inúmeras críticas recebidas, a Semana de 22, pode­se afirmar, conseguiu 
seus objetivos: mostrou que uma fértil e revolucionária geração de artistas existia e lutava por uma renovação 
profunda nas artes nacionais contra o tradicionalismo, a imitação e o imobilismo que até aquele momento imperaram 
nas artes nacionais. 
Poética 
Estou farto do lirismo comedido do lirismo bem comportado 
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestação de apreço ao 
Sr. Diretor 
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo. 
Abaixo os puristas. 
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais 
Todas as expressões sobretudo as sintaxes de exceção 
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis 
Estou farto do lirismo namorador 
Político 
Raquítico 
Sifilítico 
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo. 
De resto não é lirismo 
Será contabilidade tabela de co­senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as 
diferentes maneiras de agradar as mulheres, etc. 
Quero antes o lirismo dos loucos 
O lirismo dos bêbados 
O lirismo difícil e pungente dos bêbados 
O lirismo dos clowns de Shakespeare 
Não quero mais saber do lirismo que não é libertação. 
MANUEL  BANDEIRA 
Esse texto de Manuel Bandeira já contém em seus aspectos estéticos e temáticos renovações e idéias 
propagadas durante a Semana. 
1 . No texto de Manuel Bandeira ocorre a metalinguagem. Explique, com suas palavras, essa afirmação. 
2. Uma das propostas da “Semana” para a poesia é a liberdade técnica. De que forma o texto de Bandeira 
exemplifica isso?
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10  Literatura ­ M3 
3. Transcreva os versos em que o poeta reivindica a necessidade de uma nova linguagem para a poesia. 
4. Transcreva do texto as referências irônicas: 
a. aos tradicionalistas da língua: 
b. aos parnasianos: 
c. aos românticos: 
5. Tomando­se por base o texto alusivo à Semana de Arte Moderna, responda: Quais eram as propostas 
básicas do pessoal da Semana? 
1. Os modernistas dirigiram suas críticas e ironias sobretudo aos escritores parnasianos. Para você ter uma 
idéia do tom irreverente dessas críticas, transcrevemos, a seguir, um trecho de Antônio de Alcântara Machado, 
que, embora falando de um tempo passado, refere­se claramente à situação de sua época. Leia o trecho com 
atenção e, depois, resuma os pontos básicos da crítica do autor. 
O literato nunca chamava a coisa pelo nome. Nunca. Arranjava sempre um meio de se exprimir indiretamente. 
Com  circunlóquios,  imagens  poéticas,  figuras  de  retórica,  metalepses, metáforas  e  outras  bobagens 
complicadíssimas. Abusando. Ninguém morria: partia para os páramos ignotos. Mulher não era mulher. Qual o 
quê. Era flor, passarinho, anjo da guarda, doçura desta vida, bálsamo de bondade, fada, e diabo. Mulher é que 
não. Depois a mania do sinônimo difícil. A própria coisa não se reconhecia nele. Nem mesmo a palavra. 
Palavra. Tudo fora da vida, do momento, do ambiente. A preocupação de embelezar, de esconder, de colorir. 
Nada de pão pão, queijo queijo. Não senhor. Escrever assim não é vantagem. Mas pão epílogo tostado dos 
trigais dourados, queijo acompanhamento vacum da goiabada dulcífica, sim. É bonito. Disfarça bem a vulgaridade 
das coisas. Canta nos ouvidos. E é asnático, absolutamente asnático. Tem sobretudo essa qualidade.(...) O 
literato não se contentava em exclamar: Como cheiram as magnólias! Não. As magnólias eram capazes de se 
ofender com tanta secura. E ele então acrescentava poeticamente: Flores de carne, seios de virgem. Pronto. 
As magnólias já não tinham direito de se queixar. 
(CITADO POR FRANCISCO DE ASSIS BARBOSA, IN ANTÔNIO DEA. MACHADO, TRECHOS ESCOLHIDOS, RIO DE JANEIRO, AGIR, 1961, P. 7). 
Comentário: 
Os modernistas não só propuseram uma construção poético­literária revolucionária tanto no plano estético 
como no temático, como revolucionaram a linguagem literária. 
No texto, de Antônio de Alcântara Machado, vêem­se críticas a toda afetaçãolingüística da literatura 
convencional e tradicional. 
Com tal procedimento os modernistas buscavam a linguagem espontânea, predominantemente coloquial, 
natural e neológica, sem qualquer afetação artificialista.
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11 Literatura ­ M3 
IV ­ GRUPOS E TENDÊNCIAS DO MODERNISMO 
Em 15 de maio de 1922 surgia a revista Klaxon, que seria uma espécie de 
porta­voz das novas idéias. Assim dizia seu editorial a certa altura: 
“Houve erros proclamados em voz alta. Pregaram­se idéias inadmissíveis. É 
preciso refletir. É preciso esclarecer. É preciso construir. Daí KLAXON.” 
“KLAXON cogita principalmente de arte. Mas quer representar a época de 1920 
em diante.  Por  isso  é  polimorfo,  onipresente,  inquieto,  cômico,  irritante, 
contraditório, invejado, insultado, feliz.” 
Em 1924, Oswald de Andrade lança o movimento Pau­brasil, propondo uma 
literatura autenticamente nacionalista, fundada nas caraterísticas naturais do 
povo brasileiro. Combate a influência estrangeira, a linguagem retórica e vazia. 
Exalta o progresso e a era presente: 
“Contra  o  gabinetismo,  a  prática  culta  da  vida.  Engenheiros  em  vez  de 
jurisconsultos, perdidos como chineses na genealogia das idéias. A língua 
sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária 
de todos os erros. Como falamos. Como somos.” 
“Apenas brasileiros de nossa época. O necessário de química, de mecânica, de economia e de balística.” 
Reagindo contra essa posição primitivista, surge em 1925 o movimentoVerde­amarelo (mais tarde transformado 
no grupo daAnta). Esse novo grupo, formado principalmente por Menotti del Picchia, Cassiano Ricardo, Plínio 
Salgado, Cândido Mota Filho, não aceita a ruptura com o passado: 
“Aceitamos todas as instituições conservadoras, pois é dentro delas mesmo que faremos a inevitável renovação 
do Brasil.” 
Oswald de Andrade, em 1928, junto com Antônio de Alcântara Machado, Raul Bopp e a pintora Tarsila do 
Amaral,  entre  outros,  publica  a  Revista  de Antropofagia.  Está  lançado  o Movimento Antropofágico, 
desenvolvimento do Pau­brasil e reação contra o conservadorismo do grupo Verde­amarelo. 
Ao invés da conciliação, o novo grupo propõe a atitude simbólica de “devoração” dos valores e influências 
estrangeiras, num processo de assimilação, para dar­lhes um caráter nacional. 
Ode ao Burguês 
MÁRIO  DE ANDRADE 
Eu insulto o burguês! O burguês­níquel 
o burguês­burguês! 
A digestão bem feita de São Paulo! 
O homem curva! O homem nádegas! 
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano 
é sempre um cauteloso pouco­a­pouco! 
Eu insulto as aristocracias cautelosas! 
Os barões lampeões! Os condes Joões! os duques zurros! 
que vivem dentro dos muros sem pulos; 
e gemem sangue de alguns mil­réis fracos 
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês 
e tocam o “Printemps” com as unhas!
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12  Literatura ­ M3 
Eu insulto o burguês funesto! 
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições! 
Fora os que algarismam os amanhãs! 
Olha a vida dos nossos setembros! 
Fará Sol? Choverá? Arlequinal! 
Mas à chuva dos rosais 
o êxtase fará sempre Sol! 
Morte à gordura! 
Morte às adiposidades cerebrais! 
Morte ao burguês­mensal! 
ao burguês­cinema! ao burguês­tílburi! 
Padaria Suíssa! Morte viva ao Adriano! 
“­ Ai, filha, que te darei pelos seus anos? 
­ Um colar... ­ Conto e quinhentos!!! 
Mas nós morremos de fome!” 
Come! Come­te a ti mesmo, oh! gelatina pasma! 
Oh! purê de batatas morais 
Oh! cabelos nas ventas! Oh carecas! 
Ódio aos temperamentos regulares! 
Ódio aos relógios musculares! Morte e infâmia! 
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados! 
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos. 
sempiternamente as mesmices convencionais! 
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia! 
Dois a dois! Primeira posição! Marcha! 
Todos para a Central do meu rancor inebriante! 
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio! 
Morte ao burguês de giolhos, 
cheirando religião e que não crê em Deus! 
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico 
Ódio fundamento, sem perdão! 
Fora! Fu! Fora o bom burguês!... 
(IN VANGUARDAS EUROPÉIAS E MODERNISMO BRASILEIRO ­ GILBERTO M. TELLES) 
1) Na Grécia, ODE era um tipo de composição poética para ser cantada. Mário de Andrade num outro texto, 
afirma: “Quem não souber urrar não leia ODE AO BURGUÊS”. A que conclusão você chega partindo dessas 
duas afirmações?
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13 Literatura ­ M3 
2) Transcreva do texto trechos em que o autor traça o perfil irônico do burguês nos seguintes aspectos: 
a) aparência física do burguês: 
b) a preocupação do burguês com respeito ao dinheiro e ao futuro: 
c) comportamento inalteradamente rotineiro do burguês: 
d) costumes que esse tipo social considera como indícios de aristocracia: 
e) títulos burgueses ironizados pelo poeta: 
3) O que pode significar a predominância do ponto de exclamação no poema? 
4) Qual a postura do “eu­lírico” diante do burguês? Justifique sua resposta, utilizando­se de dois versos que 
utilizam a função conativa da linguagem. 
V ­ A EVOLUÇÃO DO MODERNISMO 
1 ­ A SEGUNDA GERAÇÃO MODERNISTA DE 1930 A 1945 
Essa fase é marcada por um período de estabilização e amadurecimento do Movimento Modernista e por 
sensíveis transformações das propostas revolucionárias de 1922. 
Os poetas dessa fase, herdam a irreverência, o espírito crítico e anedótico bem como a liberdade formal da 
primeira fase, mas outras formas de expressão poética ampliam o universo temático da poesia. 
Foi na prosa, entretanto, que o Modernismo ganhou uma nova roupagem na literatura. Os graves problemas 
sociais do Nordeste, a vida agitada das cidades e os conflitos psicológicos do homem moderno despertam­se 
nos romances das décadas de 30, 40 e 50. 
A Bagaceira, de José Américo de Almeida é o romance inaugural do neo­realismo­modernista, que terá 
representantes como Graciliano Ramos, Raquel de Queiróz, José Lins do Rego, Jorge Amado e outros. 
Marques Rebelo e outros escritores desenvolvem a chamada prosa urbana em que as narrativas buscam 
enfocar a célebre dicotomia do século XX ­ homemX cidade.
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14  Literatura ­ M3 
Por último, a prosa intimista ganha importante espaço, principalmente com Clarice Lispector, que deixou uma 
herança que persiste em nossos romances ainda hoje. 
A renovação poética e ficcional da segunda fase modernista conseguiu dar um novo e importante impulso à 
literatura brasileira. A seguir, colocamos alguns textos representativos dessa geração para considerações e 
estudos. 
Em A Rosa do Povo, aparece a inquietação de Drummond, com a beleza do verso e a preocupação com a 
linguagem poética, aspectos evidentes em “A Procura da Poesia”, cujo tema se desenvolve em torno de reflexões 
sobre a construção de poemas, na tentativa de elidir, através do misterioso reino das palavras, sujeito e objeto. 
Procura da poesia 
Não faças versos sobre acontecimentos. 
Não há criação nem morte perante a poesia. 
Diante dela, a vida é um sol estático, 
não aquece nem ilumina. 
As afinidades, os aniversários, os incidentes 
pessoais não contam. 
Não faças poesia com o corpo, 
esse excelente, completo e confortável corpo, 
tão infenso à efusão lírica. 
Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor 
no escuro são indiferentes. 
Nem me reveles teus sentimentos, 
que se prevalecem do equívoco e tentam a 
longa viagem. 
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia. 
Não cantes tua cidade, deixa­a em paz. 
O canto não é o movimento das máquinas nem 
o segredo das casas. 
Não é música ouvida de passagem: rumor do 
mar nas ruas junto à linha de espuma. 
O canto não é a natureza 
nem os homens em sociedade. 
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada 
significam. 
A poesia (não tires poesia das coisas) 
elide sujeito e objeto. 
Não dramatizes, não invoques, 
não indagues. Não percas tempo em mentir. 
Não te aborreças. 
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos 
de família 
desaparecem na curva do tempo, é algo 
imprestável. 
Não recomponhas 
Tua sepultada e merencória infância. 
Não osciles entre o espelho e a memória em dissipação. 
Que se dissipou, não era poesia. 
Que se partiu, cristal não era. 
(ANDRADE DE, CARLOS DRUMMOND DE. ANTOLOGIA POÉTICA. RIO DE JANEIRO, JOSÉ OLYMPIO, 1977, P. 175­7). 
Penetra surdamente no reino das palavras. 
Lá estão os poemas que esperam ser escritos. 
Estão paralisados, mas não há desespero, 
há calma e frescura na superfície intata. 
(...) 
Chega mais perto e contemple as palavras. 
Cada uma 
tem mil faces secretas sob a face neutra 
e te pergunta, sem interesse pela resposta 
pobre ou terrível, que lhe deres: 
Trouxeste a chave? 
Repara: 
ermas de melodia e conceito, 
elas se refugiaram na noite, as palavras. 
Ainda úmidas e impregnadas de sono, 
rolam num rio difícil e se transformam 
em desprezo.
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15 Literatura ­ M3 
1)  O poema de Drummond constitui um metapoema. 
Por quê? 
2)  Há na primeira parte do texto a presença marcante do imperativo negativo. Qual é o objetivo do poeta com 
esse artifício? 
3)  Retire do texto as características das palavras segundo o poeta. 
4)  Retire do texto os versos que combinam a metáfora e a personificação. 
5)  Partindo do conceito do que não é poesia, o poeta vai se aproximando do seu conceito. Justifique a afirmação. 
6)  Todas as concepções de poesia enumeradas abaixo são negadas pelo poema, EXCETO: 
a) criação a partir do circunstancial e do acidental. 
b) poesia como forma de extravasamento da emoção. 
c) poesia como representação da realidade. 
d) poesia como fusão do poeta e da realidade. 
e) poesia como expressão do momentâneo, do transitório. 
7)  Situando­se na segunda fase da obra de Drummond, o poema deixa de apresentar todas as características 
abaixo, EXCETO: 
a) acentuada preocupação com a forma. 
b) concepção de que o poema é um artefato. 
c) reaparecimento do verso metrificado. 
d) reaparecimento da rima. 
e) convicção de que os versos se fazem com palavras.
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16  Literatura ­ M3 
8) Todos os versos abaixo, extraídos do poema em estudo, negam a concepção romântica de poesia, EXCETO: 
a) “Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro são indiferentes”. 
b) “O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia”. 
c) “O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas”. 
d) “Não dramatizes, não indagues. Não percas tempo em mentir”. 
e) “Não recomponhas tua sepultada e merencória infância”. 
9) Todos os versos abaixo, extraídos do poema em estudo, negam a concepção realista de poesia, EXCETO: 
a) “Nem me reveles teus sentimentos, 
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem”. 
b) “Não faças versos sobre acontecimentos”. 
c) “Não faças poesias com o corpo, 
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica”. 
d) “Não há criação nem morte perante a poesia,” 
e) “Diante dela, a vida é um sol estático, 
não aquece nem ilumina.” 
10) A convicção moderna de que o poeta é um homem comum, cujo maior atributo é conhecer palavras e saber 
trabalhar com elas, aparece em todos os versos, abaixo, EXCETO: 
a) “Penetra surdamente no reino das palavras. 
Lá estão os poemas que esperam ser escritos”. 
b) “Ei­los sós e mudos, em estado de dicionário”. 
c) “Convive com teus poemas, antes de escrevê­los”. 
d) “A poesia (não tires poesia das coisas) 
elide sujeito e objeto”. 
e) “Espera que cada um se realize e consume 
com seu poder de palavra 
e seu poder de silêncio”. 
11) Todas as características abaixo, da 3ª fase do Modernismo Brasileiro, estão presentes no poema em 
estudo, EXCETO: 
a) importância da palavra. 
b) universalismo temático. 
c) experiências novas na prosa e na poesia. 
d) tendência para o hermetismo. 
e) tendência para o intelectualismo.
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17 Literatura ­ M3 
2 ­ TEXTOS DE DRUMMOND PARA ANÁLISE 
José 
E agora, José? 
A festa acabou, 
a luz apagou, 
o povo sumiu, 
a noite esfriou, 
e agora, José? 
e agora, você? 
você que é sem nome, 
que zomba dos outros, 
você que faz versos, 
que ama, protesta 
e agora, José? 
Está sem mulher, 
está sem discurso, 
está sem carinho, 
já não pode beber, 
já não pode fumar, 
cuspir já não pode, 
a noite esfriou, 
o dia não veio 
o bonde não veio, 
o riso não veio 
não veio a utopia 
e tudo acabou 
e tudo fugiu 
e tudo mofou 
e agora, José? 
E agora, José? 
Sua doce palavra, 
seu instante de febre, 
sua gula e jejum, 
sua biblioteca, 
sua lavra de ouro, 
seu terno de vidro, 
sua incoerência, 
seu ódio ­ e agora? 
Com a chave na mão 
quer abrir a porta, 
não existe porta; 
quer morrer no mar, 
mas o mar secou; 
quer ir para Minas, 
Minas não há mais. 
José, e agora? 
Se você gritasse, 
se você gemesse, 
se você tocasse 
a valsa vienense, 
se você dormisse, 
se você cansasse, 
se você morresse... 
Mas você não morre, 
você é duro, José! 
Sozinho no escuro 
qual bicho­do­mato, 
sem teogonia, 
sem parede nua 
para se encostar, 
sem cavalo preto 
que fuja a galope, 
você marcha, José! 
José, para onde? 
No Meio do Caminho 
No meio do caminho tinha uma pedra 
tinha uma pedra no meio do caminho 
tinha uma pedra 
no meio do caminho tinha uma pedra. 
Nunca me esquecerei desse acontecimento 
na vida de minhas retinas tão fatigadas. 
Nunca me esquecerei que no meio do caminho 
tinha uma pedra 
tinha uma pedra no meio do caminho 
no meio do caminho tinha uma pedra. 
(ANDRADE, CARLOS DRUMMOND DE. IN: OP. CIT.) 
Soneto da Perdida Esperança 
Perdi o bonde e a esperança. 
Volto pálido para casa. 
A rua é inútil e nenhum auto 
passaria sobre meu corpo. 
Vou subir a ladeira lenta 
em que os caminhos se fundem. 
Todos eles conduzem ao 
princípio do drama e da flora. 
Não sei se estou sofrendo 
ou se é alguém que se diverte 
por que não? na noite escassa 
com um insolúvel flautim. 
Entretanto há muito tempo 
nós gritamos: sim! ao eterno.
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18  Literatura ­ M3 
Confidência do Itabirano 
Alguns anos vivi em Itabira. 
Principalmente nasci em Itabira. 
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro. 
Noventa por cento de ferro nas calçadas. 
Oitenta por cento de ferro nas almas. 
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação. 
A vontade de amar, que me paralisa o trabalho, 
vem de ltabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes. 
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte, 
é doce herança itabirana. 
De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço: 
esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil; 
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval; 
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas; 
este orgulho, esta cabeça baixa... 
Tive ouro, tive gado, tive fazendas. 
Hoje sou funcionário público. 
Itabira é apenas uma fotografia na parede. 
Mas como dói! 
(ANDRADE, CARLOS DRUMMOND DE. IN: OP. CIT.) 
Quadrilha 
João amava Teresa que amava Raimundo 
que amava Maria que amava Joaquim que 
amava Lili 
que não amava ninguém. 
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o 
convento, 
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para 
tia, 
Joaquim suicidou­se e Lili casou com J. Pinto 
Fernandes 
que não tinha entrado na história. 
(ANDRADE, CARLOS DRUMMOND DE. ANTOLOGIA POÉTICA. RIO DE JANEIRO, JOSÉ OLYMPIO. P. 4, 10­2, 124­7, 136.) 
3­ OUTROS POETAS DA 2ª GERAÇÃO 
Murilo Mendes 
Duas Mulheres 
Duas mulheres na sombra 
Decifram o alfabeto oculto, 
Ouvem o contraste das ondas, 
Falam com os deuses de pedra. 
Dançam a roda, murmuram, 
Decifram o enigma das sombras, 
Uma triste, outra morena, 
Ambas são ágeis e esbeltas, 
Vestem roupagens de nuvens. 
Segredam amores eternos, 
Tocam súbito a corneta 
Para despertar os peixes. 
Duas mulheres na sombra 
Encarnando lua e árvore 
Decifram o alfabeto oculto. 
O Mundo Inimigo 
O cavalo mecânico arrebata o manequim 
pensativo 
que invade a sombra das casas no espaço 
elástico.Ao sinal do sonho a vida move direitinho as 
estátuas 
que retomam seu lugar na série do planeta. 
Os homens largam a ação na paisagem 
elementar 
e invocam os pesadelos de mármore na beira do 
infinito. 
Os fantasmas vibram mensagens de outra luz 
nos olhos, 
expulsam o sol do espaço e se instalam no mundo. 
(MENDES, MURILO. POESIAS. RIO DE JANEIRO. J. OLYMPIO, 1959, P. 224­34.)
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19 Literatura ­ M3 
Jorge de Lima 
Soneto 
Não procureis qualquer nexo naquilo 
que os poetas pronunciam acordados, 
pois eles vivem no âmbito intranqüilo 
em que se agitam seres ignorados. 
No meio dos desertos habitados 
só eles é que entendem o sigilo 
dos que no mundo vivem sem asilo 
perecendo com eles renegados. 
Eles possuem, porém, milhões de antenas 
distribuídas por todos os seus poros 
aonde aportam do mundo suas penas 
São os que gritam quando tudo cala, 
são os que vibram de si estranhos coros 
para a fala de Deus que é sua fala. 
Boneca de Pano 
Boneca de pano dos olhos de conta, 
vestido de chita, 
cabelo de fita, 
cheinha de lã. 
De dia, de noite, os olhos abertos, 
olhando os bonecos que sabem marchar, 
calungas de mola que sabem pular. 
Boneca de pano que cai: 
não se quebra, que custa um tostão. 
Boneca de pano das meninas infelizes que 
são guias de aleijados, que apanham pontas 
de cigarro, que mendigam nas esquinas, coitadas! 
Boneca de pano de rosto parado como essas 
meninas. 
Boneca sujinha, cheinha de lã. ­ 
Os olhos de conta caíram. Ceguinha 
rolou na sarjeta. 
O homem do lixo a levou, 
coberta de lama, nuinha, 
como quis Nosso Senhor. 
(LIMA, JORGE DE. POESIAS COMPLETAS. J. AGUILLAR, 
1974. V. 1 E 2.) 
Cecília Meireles 
Canção Póstuma 
Fiz uma canção para dar­te; 
porém tu já estavas morrendo. 
A morte é um poderoso vento. 
E é um suspiro tão tímido a Arte... 
É um suspiro tímido e breve 
como o da respiração diária. 
Choro de pomba. E a Morte é uma águia 
cujo grito ninguém descreve. 
Vim cantar­te a canção do mundo, 
mas estás de ouvidos fechados 
para os meus lábios inexatos 
­ atento a um canto mais profundo. 
E estou como alguém que chegasse 
ao centro do mar, comparando 
aquele universo de pranto 
com a lágrima de sua face. 
E agora fecho grandes portas 
sobre a canção que chegou tarde. 
E sofro sem saber de que Arte 
se ocupam as pessoas mortas. 
Por isso é tão desesperada 
a pequena, humana cantiga. 
Talvez dure mais do que a vida. 
Mas à morte não diz mais nada. 
A Doce Canção 
Pus­me a cantar minha pena 
com uma palavra tão doce, 
de maneira tão serena, 
que até Deus pensou que fosse 
felicidade ­ e não pena. 
Anjos de lira dourada 
debruçaram­se da altura. 
Não houve, no chão, criatura 
de que eu não fosse invejada, 
pela minha voz tão pura. 
Acordei a quem dormia, 
fiz suspirarem defuntos. 
Um arco­íris de alegria 
da minha boca se erguia 
pondo o sonho e a vida juntos. 
O mistério do meu canto, 
Deus não soube, tu não viste. 
Prodígio imenso do pranto: 
­ Todos perdidos de encanto, 
só eu morrendo de triste!
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20  Literatura ­ M3 
Vinícius de Moraes 
Ternura 
Eu te peço perdão por te amar de repente 
Embora meu amor seja uma velha canção 
nos teus ouvidos 
Das horas que passei à sombra dos teus gestos 
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos 
Das noites que vivi acalentado 
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo 
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente 
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo 
Não traz o exaspero das lágrimas nem a 
fascinação 
das promessas 
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma... 
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias 
E só te pede que te repouses quieta, muito quieta 
E deixes que as mãos cálidas da noite 
encontrem sem 
fatalidade o olhar estático da aurora. 
Poema de Natal 
Para isso fomos feitos: 
Para lembrar e ser lembrados 
Para chorar e fazer chorar 
Para enterrar os nossos mortos ­ 
Por isso temos braços longos para os adeuses 
Mãos para colher o que foi dado 
Dedos para cavar a terra. 
Assim será a nossa vida: 
Uma tarde sempre a esquecer 
Uma estrela a se apagar na treva 
Um caminho entre dois túmulos 
Por isso precisamos velar 
Falar baixo, pisar leve, ver 
A noite dormir em silêncio. 
Não há muito que dizer: 
Uma canção sobre um berço 
Um verso, talvez, de amor 
Uma prece por quem se vai 
Mas que essa hora não esqueça 
E por ela nossos corações 
Se deixem, graves e simples. 
Pois para isso fomos feitos: 
Para a esperança no milagre 
Soneto da Fidelidade 
De tudo, ao meu amor serei atento 
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto 
Que mesmo em face do maior encanto 
Dele se encante mais meu pensamento. 
Quero vivê­lo em cada vão momento 
E em seu louvor hei de espalhar meu canto 
E rir meu riso e derramar meu pranto 
Ao seu pesar ou seu contentamento. 
E assim, quando mais tarde me procure 
Quem sabe a morte, angústia de quem vive 
Quem sabe a solidão, fim de quem ama 
Eu possa me dizer do amor (que tive): 
Que não seja imortal posto que é chama 
Mas que seja infinito enquanto dure. 
(ESTORIL, OUTUBRO, 1939) 
Dialética 
É claro que a vida é boa 
E a alegria, a única indizível emoção 
É claro que te acho linda 
Em ti bendigo o amor das coisas simples 
É claro que te amo 
E tenho tudo para ser feliz 
Mas acontece que eu sou triste. 
(MORAES, VINÍCIUS DE. IN: OBRA POÉTICA. RIO DE JANEIRO. AGUILAR. 1968. P. 587).
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21 Literatura ­ M3 
4 ­ A PROSA DA 2ª GERAÇÃO 
A literatura regionalista moderna, iniciada com A Bagaceira, de José Américo de Almeida, ganha forte impulso 
com a publicação de O Quinze, de Rachel de Queiróz. 
A autora, neste romance, fornece uma visão profunda do sofrimento físico e moral em que vivem os retirantes 
cearenses da seca de 1915, transformados em personagens da obra. 
A pobreza de pessoas esmagadas pelas forças naturais, pela exploração ou abandono dos patrões, pela fome 
e miséria vão se chocar com o progresso material da civilização. 
Rachel de Queiróz e Graciliano Ramos foram os autores que melhor traduziram esse universo regional em suas 
obras. 
A seguir, um pequeno excerto de O Quinze, de Rachel de Queiróz. 
O Quinze 
Quando  Chico  Bento,  depois  daquela  noite 
passada, ali, no abandono da estrada, chamou a mulher 
e, ajudando a levantar um dos meninos, foi andando em 
procura do povoado, em vão buscou, pelas voltas do 
caminho, sentado nalguma pedra, o vulto de Pedro. 
Na estrada limpa e seca só se via um homem 
com uma trouxinha no cacete, e mais à frente, dentro 
de uma nuvem de poeira, um cavaleiro galopando. 
De repente, uma idéia o sossegou: 
– Que besteira! Naturalmente ele já está no 
Acarape... 
Mas  chegaram  ao  Acarape,  e  debalde 
perguntaram  pelo menino  a  todo  o mundo.  Não... 
Ninguém tinha visto... Sabia lá!... A toda hora estava 
passando retirante... 
Numa bodega, onde o vaqueiro novamente fez 
indagações, alguém lembrou: 
– Homem, por que você não vai falar ao delegado? 
Ele é quem pode dar jeito. Mora ali, naquela casa de 
alpendre. 
No modo que agora era o seu, curvado, quase 
trôpego, Chico Bento endireitou para a casa apontada, 
que ficava meio apartada das outras, tendo de um lado 
um alpendre onde se viam algumas cangalhas de palha 
roída. 
E bateu à porta, enquanto Cordulina se sentava 
no chão, na beirada do alpendre. 
Lá de dentro, uma voz de mulher disse baixinho: 
– Abre não, menina, é retirante... É melhor fingir 
que não ouve... 
Chico Bento escutou; e sua voz lenta explicou, 
dolorida: 
– Não vim pedir esmola, dona; eu careço é de 
ver o delegado daqui... 
Um homem de cachimbo no queixo mostrou a 
cara na meia porta: 
– Está falando com ele. O que é? 
Chico  Bento  ficou  um  instante  encarando  o 
homem, reconhecendo­o. 
Mas o delegado, impaciente, repetiu a pergunta: 
– O que é que você queria? 
– Eu vim falar ao senhor mode um filho meu, 
que desde ontem tomou sumiço. Nós ficamos na estrada, 
eu assim, variando, muito fraco... e eleveio vindo até 
aqui. Quando de manhã cacei o menino, não teve quem 
desse notícia. 
– E como é ele? 
– Assim comprido, magrinho, a cara chupada... 
está dentro dos doze anos...
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22  Literatura ­ M3 
O delegado tirou o cachimbo da boca e calcando 
com o dedo o tabaco, abanou a cabeça: 
– Não tenho jeito que dar não, meu amigo... O 
menino, naturalmente, foi­se embora com alguém... Um 
rapazinho, assim sozinho, muita gente quer. 
Cordulina ouvia confusamente o que diziam, e 
chorava, baixinho. Desanimado, Chico Bento sentou­se 
na mesma beirada de tijolo, junto à mulher. 
Ainda na porta, o delegado entrou a fitar o caboclo 
com insistência, reconhecendo também aquela cara, o 
jeito de ombros, a fala. 
E perguntou: 
– Donde você é? 
A voz cansada soou fracamente: 
­ Eu sou filho natural de Iguatu, mas faz muito 
tempo que morava pras bandas do Quixadá. 
O homem procurou arejar a memória: 
­ Nas terras de Dona Maroca? 
­ Inhor sim, nas Aroeiras... 
O delegado abriu a porta e saiu para o alpendre: 
­  Bem  que  estava  conhecendo!  É  o  meu 
compadre Chico Bento! 
Chico Bento pôs­se em pé: 
­ Inhor sim... Eu também, assim que olhei pra 
vosmecê,  disse  logo  comigo:  este  só  pode  ser  o 
compadre  Luís  Bezerra... Mas  pensei  que  não  se 
lembrava mais de mim... 
O delegado convidou: 
­ Entre, compadre! Essa é a comadre? Adeus, 
comadre, entre também! Cadê meu afilhado? Será esse 
que fugiu? 
Cordulina entrava, puxando por um dos meninos, 
e respondeu: 
­ Inhor não... O seu afilhado era o Josias, morreu 
na viagem... 
O homem chamou a mulher: 
­ Eh! Doninha! Venha falar com uns conhecidos! 
Entre, comadre, ela está na cozinha. Vá entrando! 
Depois, ficando só com Chico Bento, atentou na 
miséria esquelética e esfarrapada do retirante: 
­ Então, compadre, que foi isso? A velha largou 
você? 
­ Ela não quis tratar do gado mode a seca, e 
mandou abrir as porteiras... E eu fiquei sem ter o que 
fazer. A morrer de fome lá, antes andando... 
O delegado quase deixou cair o cachimbo, num 
assombro: 
­ Não diga isso, compadre, não é possível! Deixar 
morrer aquele gadão todinho, sem mais pra quê! ­ Pois 
mandou soltar no dia de São José! Eu ainda esperei 
obra duma semana... 
O delegado se exaltou, gesticulando o cachimbo: 
­ Aquela velha é uma desgraça! Tenho fé em 
Deus que o dinheiro que ela poupa ainda há de Ihe servir 
pra comer em cima duma cama... Você não se lembra 
por que  foi que eu sai das Aroeiras,  compadre? Me 
convidou para abrir uma bodega, que me dava mundos 
e fundos, garantia de um tudo. Gastei o que tinha e o 
que não tinha em mercadoria, e o resultado foi aquele... 
Era obrigado a fornecer a ela pelo custo, tinha de fazer 
isso,  fazer  aquilo,  e  ela  não me  dava  interesse  de 
qualidade nenhuma. Um dia mandei  tudo pro diabo, 
liquidei como pude o que possuía, e me larguei pra cá. 
Inda hoje não me arrependi... 
Mas  você  ficou,  foi­se  fiar  nesse  negócio  de 
madrinha Maroca, teve o pago... 
Chico Bento  baixou  a  cabeça,  concordando; 
olhou em redor, a casa caiada, a mesa envernizada, 
uma arca de couro, um relógio de parede: 
­ É compadre, você está bem... 
Lá de dentro a voz de Doninha chamou o marido: 
­ Luís, traz o compadre aqui, pra botar qualquer 
coisa no estômago! 
Quando viu Chico Bento abancado, comendo, o 
delegado saiu da sala: 
Vou mandar dois cabras atrás de seu menino. 
Não mando praça, porque só tem lá na Redenção. Aqui 
no Acarape, só requisitando. 
Do  alpendre, mandou  um moleque  com um 
recado, e os dois cabras chegaram: 
­ Vocês vão ver se encontram um menino, filho 
de retirante, que atende por Pedro. Sumiu­se esta noite. 
Vejam lá se dão um jeito de achar. O pai anda em tempo 
de correr doido e é meu compadre! 
Depois foi à cozinha, consolou Cordulina: 
­ Sossegue, comadre, já mandei caçar seu filho. 
Se estiver por cima do chão, se acha... 
Mas  os  cabras  voltaram ao meio­dia  sem o 
menino. 
Um deles não conseguira apurar nada. O outro 
contou que o menino tinha sido visto na véspera de noite, 
num rancho de comboieiros de cachaça. 
(QUEIRÓZ, RAQUEL DE. O QUINZE, 23ª ED. RIO DE JANEIRO. J. OLYMPIO, 1977)
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23 Literatura ­ M3 
GRACILIANO RAMOS 
Vidas Secas 
Sinhá  Vitória  achava­se  em 
dificuldade:  torcia­se  para  satisfazer  uma 
precisão  e  não  sabia  como  se  desem­ 
baraçar.  Podia  esconder­se  no  fundo  do 
quadro, por detrás das barracas para lá dos 
tamboretes das doceiras. Ergueu­se meio 
decidida, tornou a acocorar­se. Abandonar 
os meninos,  o marido  naquele  estado? 
Apertou­se e observou os quatro cantos com 
desespero,  que  a  precisão  era  grande. 
Escapuliu­se  disfarçadamente,  chegou  à 
esquina da loja, onde havia um magote de 
mulheres  agachadas.  E,  olhando,  as 
frontarias das casas e as lanternas de papel, 
molhou o chão e os pés das outras matutas. 
Arrastou­se para junto da família, tirou do 
bolso  o  cachimbo  de  barro,  atochou­o, 
acendeu­o, largou algumas baforadas longas 
de satisfação. Livre da necessidade, viu com 
interesse  o  formigueiro  que  circulava  na 
praça, a mesa do leilão, as listas luminosas 
dos foguetes. Realmente a vida não era má. 
Pensou com um arrepio na seca, na viagem 
medonha  que  fizera  em  caminhos 
abrasados,  vendo  ossos  e  garranchos. 
Afastou a lembrança ruim, atentou naquelas 
belezas. O burburinho da multidão era doce, 
o  realejo  fanhoso  dos  cavalinhos  não 
descansava. Para a vida ser boa, só faltava 
à Sinhá Vitória uma cama  igual à de seu 
Tomás da bolandeira. Suspirou, pensando 
na cama de varas em que dormia. Ficou ali 
de  cócoras,  cachimbando,  os  olhos  e  os 
ouvidos muito  abertos para  não perder  a 
festa. 
Os meninos  trocavam  impressões 
cochichando,  aflitos  com  o  desapa­ 
recimento da cachorra. Puxaram a manga 
da mãe. Que fim teria levado Baleia? Sinhá 
Vitória levantou o braço num gesto mole e 
indicou vagamente dois pontos cardeais com 
o  canudo  do  cachimbo.  Os  pequenos 
insistiram.  Onde  estaria  a  cachorrinha? 
Indiferentes à igreja, as lanternas de papel, 
aos  bazares,  às mesas  de  jogo  e  aos 
foguetes, só se importavam com as pernas 
dos transeuntes. Coitadinha, andava por aí 
perdida, agüentando pontapés. 
De repente Baleia apareceu. Trepou­ 
se na  calçada, mergulhou  entre as 
saias das mulheres, passou por cima 
de Fabiano e chegou­se aos amigos, 
manifestando com a língua e com o 
rabo  um  vivo  contentamento.  O 
menino mais velho agarrou­a. Estava 
segura.  Tentaram  explicar­lhe  que 
tinham tido susto enorme por causa 
dela, mas Baleia não ligou importân­ 
cia  à  explicação.  Achava  é  que 
perdiam tempo num lugar esquisito, 
cheio de odores desconhecidos. Quis 
latir, expressar oposição a tudo aquilo, 
mas percebeu que não convenceria 
ninguém  e  encolheu­se,  baixou  a 
cauda, resignou­se ao capricho dos 
seus donos. 
A  opinião  dos  meninos 
assemelhava­se  à  dela.  Agora 
olhavam as lojas, as toldas, a mesa 
do  leilão.  E  conferenciavam 
pasmados.  Tinham  percebido  que 
havia muitas  pessoas  no mundo. 
Ocupavam­se  em  descobrir  uma 
enorme  quantidade  de  objetos. 
Comunicaram baixinho um ao outro as 
surpresas que os enchiam. Impossível 
imaginar tantas mara­vilhas juntas. O 
menino mais novo teve uma dúvida e 
apressou­a  timidamente  ao  irmão. 
Seria que aquilo tinha sido feito por 
gente? O menino mais velho hesitou, 
espiou as lojas, as toldas iluminadas, 
as moças bem vestidas. Encolheu os 
ombros.  Talvez  aquilo  tivesse  sido 
feito  por  gente.  Nova  dificuldade 
chegou­lhe ao espírito, soprou­a no  ILUSTRAÇÃO  SIDNEY  F. 
ouvido do irmão, provavelmente aquelas coisas tinham nomes. O 
menino mais novo interrogou­o com os olhos. Sim, com certeza as 
preciosidades que se exibiam nos altares da igreja e nas prateleiras 
das lojas tinham nomes. Puseram­se a discutir a questão intrincada. 
Como podiam os homens guardar tantas palavras? Era impossível, 
ninguémconservaria tão grande soma de conhecimentos. Livres 
dos nomes, as coisas ficavam distantes, misteriosas. Não tinham 
sido feitas por gente. E os indivíduos que mexiam nelas cometiam 
imprudência. Vistas de longe, eram bonitas. Admirados e medrosos 
falavam baixo para não desencadear as forças estranhas que elas 
porventura encerrassem.
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24  Literatura ­ M3 
Baleia  cochilava,  de  quando  em  quando 
balançava a cabeça e franzia o focinho. A cidade se 
enchera de suores que a desconcertavam. 
Sinhá Vitória envergava, através das barracas, 
a cama de seu Tomás da bolandeira, uma cama de 
verdade. 
Fabiano roncava de papo para cima, as abas do 
chapéu cobrindo­lhe os olhos, o quengo sobre as botinas 
de vaqueta. Sonhava, agoniado, e Baleia percebia nele 
um  cheiro  que  o  tornava  irreconhecível.  Fabiano  se 
agitava,  soprando. Muitos soldados amarelos  tinham 
aparecido, pisavam­lhe os pés com enormes reiúnas e 
ameaçavam­no com facões terríveis. 
(RAMOS, GRACILIANO. VIDAS SECAS, 14 ED. SÃO PAULO. LIVRARIA MARTINS, 1966, P. 101­4) 
Fabiano 
Sinhá Vitória 
o soldado 
seu Tomás da bolandeira 
o fazendeiro 
Baleia 
a humildade e a ignorância do homem rude, a opressão do homem pelo 
meio do sertão nordestino 
a mulher sonhadora, que fantasia a realidade, simplória e indiferente 
a força política da sociedade 
a ineficácia da sabedoria no meio em que vive 
a esperteza, a astúcia, a exploração dos humildes 
a humanização, a personificação 
Principais personagens e seu significado no romance 
5 ­ A TERCEIRA GERAÇÃO MODERNISTA 
Essa geração notabilizou­se principalmente por sua atitude e realizações experimentalistas na prosa e na poesia. 
Seus principais representantes abandonam a irreverência e o caráter desleixado da geração de 22, bem como 
o excessivo engajamento da geração de 30 na prosa, e se aventuram a novas percepções estéticas e temáticas. 
As preocupações com aspectos estruturais do texto, com o valor sugestivo e estético da frase ou do verso 
caracterizam essa geração, representada principalmente por Guimarães Rosa, Clarice Lispector e por João 
Cabral de Melo Neto na poesia. 
As transformações estéticas e temáticas propostas e acontecidas na literatura não são alheias ao contexto 
histórico. O ano de 1945 marca o fim da Segunda Grande Guerra e a explosão da bomba atômica. No nível 
interno, o fim da ditadura Vargas abre o processo de redemocratização do Brasil. 
Tanto a prosa quanto a poesia trilham caminhos mais universais, que pouco têm a ver com os pioneiros de 22. 
Vejamos a seguir alguns textos representativos dessa geração. 
João Guimarães Rosa 
Desenredo 
Do narrador a seus ouvintes: 
­ Jó Joaquim, cliente, era quieto, respeitado, bom 
como o cheiro de cerveja. Tinha o para não ser célebre. 
Com elas quem pode, porém? Foi Adão dormir, e Eva 
nascer. Chamando­se Livíria, Rivília ou Irlívia, a que, nesta 
observação, a Jó Joaquim apareceu. 
Antes bonita, olhos de viva mosca, morena mel 
e  pão.  Aliás,  casada.  Sorriram­se,  viram­se.  Era 
infinitamente maio e Jó Joaquim pegou o amor. Enfim, 
entenderam­se. Voando  o mais  em  ímpeto  de  nau 
ILUSTRAÇÃO  SIDNEY  F.
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25 Literatura ­ M3 
tangida a vela e vento. Mas muito tendo tudo de ser 
secreto, claro, coberto de sete capas. 
Porque o marido se fazia notório, na valentia com 
ciúme; e as aldeias são a alheia vigilância. Então ao 
rigor geral os dois se sujeitaram, conforme o clandestino 
amor em sua forma local, conforme o mundo é mundo. 
Todo abismo é navegável a barquinhos de papel. 
Não se via quando e como se viam. Jó Joaquim, 
além disso,  existindo  só  retraído, minuciosamente. 
Esperar é reconhecer­se incompleto. Dependiam eles 
de enorme milagre. O inebriado engano. 
Até que ­ deu­se o desmastreio. O trágico não 
vem a conta­gotas. Apanhara o marido a mulher: com 
outro, um terceiro... Sem mais cá nem mais lá, mediante 
revólver, assustou­a e matou­o. Diz­se, também, que 
de leve a ferira, leviano modo. 
Jó  Joaquim,  derrubadamente  surpreso,  no 
absurdo desistia de crer, e foi para o decúbito dorsal, 
por dores, frios, calores, quiçá lágrimas, devolvido ao 
barro, entre o inefável e o infando. Imaginara­a jamais a 
ter o pé em três estribos; chegou a maldizer de seus 
próprios  e  gratos  abusufrutos.  Reteve­se  de  vê­la. 
Proibia­se de ser pseudopersonagem, em lance de tão 
vermelha e preta amplitude. 
Ela ­ longe ­ sempre ou ao máximo mais formosa, 
já  sarada  e  sã.  Ele  exercitava­se  a  agüentar,  nas 
defeituosas emoções. 
Enquanto, ora, as coisas amaduravam. Todo fim 
é impossível? Azarado fugitivo, e como à Providência 
praz, o marido faleceu, afogado ou de tifo. O tempo é 
engenhoso. 
Soube­o logo Jó Joaquim, em seu franciscanato, 
dolorido mas já medicado. Vai, pois, com a amada se 
encontrou ­ ela sutil como uma colher de chá, grude de 
engodos, o firme fascínio. Nela acreditou, num abrir e 
não fechar de ouvidos. Daí, de repente, casaram­se. 
Alegres, sim, para feliz escândalo popular, por que forma 
fosse. 
Mas. 
Sempre vem imprevisível o abominoso? Ou: os 
tempos se seguem e parafraseiam­se. Deu­se a entrada 
dos demônios. 
Da vez,  Jó Joaquim  foi quem a deparou, em 
péssima hora: traído e traidora. De amor não a matou, 
que não era para truz de tigre ou leão. Expulsou­a apenas, 
apostrofando­se como inédito poeta e homem. E viajou 
fugida a mulher, a desconhecido destino. 
Tudo aplaudiu e reprovou o povo, repartido. Pelo 
fato, Jó Joaquim sentiu­se histórico, quase criminoso, 
reincidente. Triste, pois que tão calado. Suas lágrimas 
corriam atrás dela, como formiguinhas brancas. Mas, 
no frágio da barca, de novo respeitado, quieto. Vá­se a 
camisa, que não o dela dentro. Era o seu um amor 
meditado, a prova de remorsos. Dedicou­se a endireitar­ 
se. 
Mais. 
No  decorrer  e  comenos,  Jó  Joaquim  entrou 
sensível  a  aplicar­se,  a  progressivo,  jeitoso  afã.  A 
bonança nada tem a ver com a  tempestade. Crível? 
Sábio sempre foi Ulisses, que começou por se fazer de 
louco. Desejava ele, Jó Joaquim, a  felicidade ­  idéia 
inata. Entregou­se a remir, redimir a mulher, à conta 
inteira. Incrível? É de notar que o ar vem do ar. De sofrer 
e amar, a gente não se desafaz. Ele queria apenas os 
arquétipos, platonizava. Ela era um aroma. 
Nunca tivera ela amantes! Não um. Não dois. 
Disse­se e dizia isso Jó Joaquim. Reportava a lenda a 
embustes,  falsas  lérias  escabrosas.  Cumpria­lhe 
descaluniá­la, obrigava­se por tudo. Trouxe à boca­de­ 
cena do mundo, de caso raso, o que fora tão claro como 
água suja. Demonstrando­o, amatemático, contrário ao 
público pensamento e à lógica, desde que Aristóteles a 
fundou. O que não era tão fácil como refritar almôndegas. 
Sem  malícia,  com  paciência,  sem  insistência, 
principalmente. 
O ponto está em que o soube, de tal arte: por 
antipesquisas,  acronologia miúda,  conversinhas 
escudadas,  remendados  testemunhos.  Jó  Joaquim, 
genial,  operava  o  passado  ­  plástico  e  contraditório 
rascunho. Criava nova, transformada realidade, mais 
alta. Mais certa? 
Celebrava­a,  ufanático,  tendo­a  por  justa  e 
averiguada, com convicção manifesta. Haja o absoluto 
amar ­ e qualquer causa se irrefuta. 
Pois, produziu efeito. Surtiu bem. Sumiram­se 
os pontos das reticências, o tempo secou o assunto. 
Total o transato desmanchava­se a anterior evidência e 
seu nevoeiro. O real e válido, na árvore, é a reta que vai 
para cima. Todos já acreditavam. Jó Joaquim primeiro 
que todos. 
Mesmo a mulher, até, por fim. Chegou­lhe lá a 
notícia, onde se achava, em ignota, defendida, perfeita 
distância. Soube­se nua e pura. Veio sem culpa. Voltou, 
com dengos e fofos de bandeira ao vento. 
Três vezes passa perto da gente a felicidade. Jó 
Joaquim  e  Vilíria  retomaram­se,  e  conviveram, 
convolados, o verdadeiro e melhor de sua útil vida. 
E pôs­se a fábula em ata. 
(ROSA, JOÃO GUIMARÃES. IN: BOSI, ALFREDO. O CONTO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO.SÃO PAULO, CULTRIX/EDUSP, 1975, P. 58­60).
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26  Literatura ­ M3 
João Cabral de Melo Neto 
Antiode 
Poesia, te escrevia: 
flor! conhecendo 
que és fezes. Fezes 
como qualquer, 
gerando cogumelos 
(raros, frágeis cogu­ 
melos) no úmido 
calor de nossa boca. 
Delicado, escrevia: 
flor! (Cogumelos 
serão flor? Espécie 
estranha, espécie 
extinta de flor, flor 
não de todo flor, 
mas flor, bolha 
aberta no maduro.) 
Delicado, evitava 
o estrume do poema 
seu caule seu ovário, 
suas destilações; 
esperava as puras, 
transparentes florações, 
nascidas do ar, no ar, 
como as brisas. 
(MELO NETO, JOÃO CABRAL DE ­ ANTOLOGIA POÉTICA, RIO DE JANEIRO, DO AUTOR, 1965. P. 173­4.) 
O Rio 
.................................................. 
A um rio sempre espera 
um mais vasto e ancho mar. 
Para a gente que desce 
é que nem sempre existe esse mar, 
pois eles não encontram 
na cidade que imaginavam mar 
senão outro deserto 
de pântanos perto do mar. 
Por entre esta cidade 
ainda mais lenta é minha pisada; 
retardo enquanto posso 
os últimos dias da jornada. 
Não há talhas que ver, 
muito menos o que tombar: 
há apenas esta gente 
e minha simpatia calada. 
Já deixando o Recife 
entro pelos caminhos comuns do mar: 
entre barcos de longe, 
sábios de muito viajar; 
junto desta varcaça 
que vai no rumo de Itamaracá; 
lado a lado com rios 
que chegam do Pina com o Jiquiá 
Ao partir companhia 
dessa gente dos alagados, 
que Ihe posso deixar, 
que conselho, que recado? 
Somente a relação 
de nosso comum retirar; 
só esta relação 
tecida em grosso tear.
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27 Literatura ­ M3 
Clarice Lispector 
Feliz Aniversário 
Em breve  as  fatias  eram  distribuídas  pelos 
pratinhos, num silêncio cheio de reboliço. As crianças 
pequenas, com a boca escondida pela mesa e os olhos 
ao nível desta, acompanhavam a distribuição com muda 
intensidade. As passas rolavam do bolo entre farelos 
secos. As crianças angustiadas viam se desper­diçarem 
as passas, acompanhavam atentas a queda. 
E quando foram ver, não é que a aniversariante 
já estava devorando o seu último bocado? 
E por assim dizer a festa estava terminada. 
Cordélia olhava ausente para todos, sorria. 
­ Já Ihe disse: hoje não se  fala em negócios! 
respondeu José radiante. 
­  Está certo,  está  certo!,  recolheu­se Manoel 
conciliador sem olhar a esposa que não o desfitava. 
Está certo, tentou Manoel sorrir e uma contração passou­ 
lhe rápida pelos músculos da cara. 
­ Hoje é dia da mãe! disse José. 
Na cabeceira da mesa, a toalha manchada de 
coca­cola, o bolo desabado, ela era a mãe. A aniver­ 
sariante piscou. 
Eles se mexiam agitados, rindo, a sua família. E 
ela era a mãe de todos. E se de repente não se ergueu, 
como um morto se levanta devagar e obriga mudez e 
terror aos vivos, a aniversariante  ficou mais dura na 
cadeira, e mais alta. Ela era a mãe de todos. E como a 
presilha a sufocasse, ela era a mãe de todos e, impotente 
à cadeira, desprezava­os. E olhava­os piscando. Todos 
aqueles  seus  filhos  e  netos  e  bisnetos  que  não 
passavam de carne de seu joelho, pensou de repente 
como se cuspisse. Rodrigo, o neto de sete anos, era o 
único a ser a carne de seu coração. Rodrigo, com aquela 
carinha dura, viril e despenteada. Cadê Rodrigo? Rodrigo 
com olhar sonolento e entumescido naquela cabecinha 
ardente,  confusa.  Aquele  seria  um  homem.  Mas, 
piscando, ela olhava os outros, a aniversariante. Oh o 
desprezo pela vida que falhava. Como?! como tendo 
sido tão forte pudera dar à luz aqueles seres opacos, 
com braços moles e rostos ansiosos? Ela, a forte, que 
casara em hora e tempo devidos com um bom homem 
a quem obediente e independente, ela respeitara; a quem 
respeitara e que Ihe fizera filhos e Ihe pagara os partos 
e Ihe honrara os resguardos. O tronco fora bom. Mas 
dera aqueles azedos e infelizes frutos, sem capacidade 
sequer para uma boa alegria. Como pudera ela dar à luz 
aqueles seres risonhos,  fracos, sem austeridade? O 
rancor roncava no seu peito vazio. Uns comunistas, era 
o que eram; uns comunistas. Olhou­os com sua cólera 
de velha. Pareciam ratos se acotovelando, a sua família. 
Incoercível, virou a cabeça e com força insuspeita cuspiu 
no chão. 
­ Mamãe! gritou mortificada a dona da casa. Que 
é isso, mamãe! gritou ela passada de vergonha, e não 
queria sequer olhar os outros, sabia que os desgraçados 
se entreolhavam vitoriosos como se coubesse a ela dar 
educação à velha, e não faltaria muito para dizerem que 
ela  já  não  dava  mais  banho  na  mãe,  jamais 
compreenderiam o sacrifício que ela fazia. ­ Mamãe, 
que é isso! disse baixo, angustiada. A senhora nunca 
fez  isso! acrescentou alto para que  todos ouvissem, 
queria se agregar ao espanto dos outros, quando o galo 
cantar pela terceira vez renegarás tua mãe. Mas seu 
enorme vexame suavizou­se quando ela percebeu que 
eles abanavam a cabeça como se estivessem de acordo 
que a velha não passava agora de uma criança. 
­ Ultimamente ela deu pra cuspir, terminou então 
confessando contrita para todos. 
Todos olharam a aniversariante, compungidos, 
respeitosos, em silêncio. 
Pareciam ratos se acotovelando, a sua família. 
Os meninos, embora crescidos ­ provavelmente já além 
dos cinqüenta anos, que sei eu!  ­ os meninos ainda 
conservavam os traços bonitinhos. Mas que mulheres 
haviam escolhido! E que mulheres os netos ­ ainda mais 
fracos e mais azedos ­ haviam escolhido. Todas vaidosas 
e de pernas finas, com aqueles colares falsificados de 
mulher  que  na  hora  não  agüenta  a mão,  aquelas 
mulherezinhas  que  casavam mal  os  filhos,  que  não 
sabiam pôr uma criada em seu lugar, e todas elas com 
as orelhas cheias de brincos ­ nenhum, nenhum de ouro! 
A raiva a sufocava. 
­ Me dá um copo de vinho! disse. 
ILUSTRAÇÃO  SIDNEY  F.
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28  Literatura ­ M3 
O silêncio se fez de súbito, cada um com o copo 
imobilizado na mão. 
­  Vovozinha,  não  vai  Ihe  fazer mal?  insinuou 
cautelosamente a neta roliça e baixinha. 
­ Que vovozinha que nada! explodiu amarga a 
aniversariante. Que  o  diabo  vos  carregue,  corja  de 
maricas, cornos e vagabundas! Me dá um copo de vinho, 
Dorothy!, ordenou. 
Dorothy não sabia o que fazer, olhou para todos 
em pedido cômico de socorro. Mas, como máscaras 
isentas  e  inapeláveis,  de  súbito  nenhum  rosto  se 
manifestava.  A  festa  interrompida,  os  sanduíches 
mordidos na mão, algum pedaço que estava na boca a 
sobrar seco,  inchando tão  fora de hora a bochecha. 
Todos  tinham  ficado  cegos,  surdos  e mudos,  com 
croquetes na mão. E olhavam impassíveis. 
Desamparada, divertida, Dorothy deu o vinho: 
astuciosamente  apenas  dois  dedos  no  copo. 
Inexpressivos,  preparados,  todos  esperaram  pela 
tempestade. 
Mas não só a aniversariante não explodiu com a 
miséria de vinho que Dorothy Ihe dera como não mexeu 
no copo. 
Seu olhar estava fixo, silencioso. Como se nada 
tivesse acontecido. 
Todos  se  entreolharam  polidos,  sorrindo 
cegamente, abstratos como se um cachorro tivesse feito 
pipi na sala. Com estoicismo, recomeçaram as vozes e 
risadas. A nora de Olana, que  tivera o seu primeiro 
momento uníssono com os outros quando a tragédia 
vitoriosamente parecia prestes a se desencadear, teve 
que retornar sozinha à sua severidade, sem ao menos o 
apoio  dos  três  filhos  que  agora  se  misturavam 
traidoramente com os outros. De sua cadeira reclusa, 
ela  analisava  crítica  aqueles  vestidos  sem nenhum 
modelo, sem um drapeado, a mania que tinham de usar 
vestido preto com colar de pérolas, o que não era moda 
coisa  nenhuma,  não  passava  era  de  economia. 
Examinando distante os sanduíches  que quase não 
tinham levado manteiga. Ela não se servira de nada, de 
nada! Só comera uma coisa de cada, para experimentar. 
E  por  assim  dizer,  de  novo  a  festa  estava 
terminada. 
As  pessoas  ficaram  sentadas  benevolentes. 
Algumas com a atenção voltada para dentro de si,à 
espera  de  alguma  coisa  a  dizer.  Outras  vazias  e 
expectantes, com um sorriso amável, o estômago cheio 
daquelas porcarias que não alimentavam mas tiravam a 
fome. As crianças, já incontroláveis, gritavam cheias 
de vigor. Umas já estavam de cara imunda; as outras, 
menores,  já molhadas; a  tarde caía  rapidamente. E 
Cordélia? Cordélia  olhava  ausente,  com um  sorriso 
estonteado, suportando sozinha o seu segredo. Que é 
que ela tem? alguém perguntou com uma curiosidade 
negligente, indicando­a de longe com a cabeça, mas 
também não responderam. Acenderam o resto das luzes 
para  precipitar  a  tranqüilidade  da  noite,  as  crianças 
começavam a brigar. Mas as luzes eram mais pálidas 
que  a  tensão  pálida  da  tarde.  E  o  crepúsculo  de 
Copacabana, sem ceder, no entanto se alargava cada 
vez mais e penetrava pelas janelas como um peso. 
­ Tenho que ir, disse perturbada uma da noras 
levantando­se e sacudindo os farelos da saia. Vários se 
ergueram sorrindo. 
A aniversariante recebeu um beijo cauteloso de 
cada um como se sua pele  tão  infamiliar  fosse uma 
armadilha. E, impassível, piscando, recebeu aquelas 
palavras propositadamente atropeladas que Ihe diziam 
tentando dar um final arranco de efusão ao que não era 
mais senão passado: a noite já viera quase totalmente. 
A luz da sala parecia então mais amarela e mais rica, 
as  pessoas  envelhecidas.  As  crianças  já  estavam 
histéricas. 
­ Será que ela pensa que o bolo substitui o jantar, 
indagava­se a velha nas suas profundezas. 
Mas ninguém poderia adivinhar o que ela pensava. 
E para aqueles que junto da porta ainda a olharam uma 
vez, a aniversariante era apenas o que parecia ser.: 
sentada  à  cabeceira  da mesa  imunda,  com  a mão 
fechada sobre a toalha como encerrando um cetro, e 
com aquela mudez que era a sua última palavra. Com 
um punho fechado sobre a mesa, nunca mais ela seria 
apenas o que ela pensasse. Sua aparência afinal a 
ultrapassara  e,  superando­a,  se  agigantava  serena. 
Cordélia olhou­a espantada. O punho mudo e severo 
sobre a mesa dizia para a infeliz nora que sem remédio 
amava talvez pela última vez. É preciso que se saiba. É 
preciso que se saiba. Que a vida é curta. Que a vida é 
curta. 
Porém nenhuma  vez mais  repetiu.  Porque  a 
verdade era um relance. Cordélia olhou­a estarrecida. 
E, para nunca mais, nenhuma vez repetiu ­ enquanto 
Rodrigo, o neto da aniversariante, puxava a mão daquela 
mãe culpada, perplexa e desesperada que mais uma 
vez olhou para trás implorando à velhice ainda um sinal 
de que uma mulher deve, num ímpeto dilacerante, enfim 
agarrar a sua derradeira chance e viver. Mais uma vez 
Cordélia quis olhar. 
Mas a esse novo olhar ­ a aniversariante era uma 
velha à cabeceira da mesa. 
Passara o relance. E arrastada pela mão paciente 
e insistente de Rodrigo a nora seguiu­o espantada. 
­ Nem todos têm o privilégio e o orgulho de se 
reunirem em torno da mãe, pigarreou José
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29 Literatura ­ M3 
lembrando­se de que Jonga é quem fazia os 
discursos. 
­ Da mãe, vírgula! riu baixo a sobrinha, e a prima 
mais lenta riu sem achar graça. 
­ Nós temos, disse Manoel acabrunhado sem 
mais  olhar  para  a  esposa. Nós  temos  esse  grande 
privilégio, disse distraído enxugando a palma úmida das 
mãos. 
Mas não era nada disso, apenas o mal­estar da 
despedida, nunca se sabendo ao certo o que dizer, José 
esperando de si mesmo com perseverança e confiança 
a próxima frase do discurso. Que não vinha. Que não 
vinha. Que não vinha. Os outros aguardavam. Como 
Jonga fazia falta nessas horas ­ José enxugou a testa 
com o  lenço ­ como Jonga fazia  falta nessas horas! 
Também fora o único a quem a velha sempre aprovara e 
respeitara, e isso dera a Jonga tanta segurança. E quando 
ele morrera, a velha nunca mais falara nele, pondo um 
muro entre sua morte e os outros. Esquecera­o talvez. 
Mas não esquecera aquele mesmo olhar firme e direto 
com que desde sempre olhara os outros filhos, fazendo­ 
os sempre desviar os olhos. Amor de mãe era duro de 
suportar: José enxugou a testa, heróico, risonho. 
E de repente veio a frase: 
­ Até o ano que vem! disse José subitamente 
com malícia,  encontrando,  assim,  sem mais  nem 
menos, a frase certa: uma indireta feliz! Até o ano que 
vem, hein?, repetiu com receio de não ser compreendido. 
Olhou­a, orgulhoso da artimanha da velha que 
espertamente sempre vivia mais um ano. 
­ No ano que vem nos veremos diante do bolo 
aceso! esclareceu melhor o filho Manoel, aperfeiçoando 
o espírito do sócio. Até o ano que vem, mamãe! e diante 
do bolo aceso! disse ele bem explicado, perto de seu 
ouvido, enquanto olhava obsequiador para José. E a 
velha de súbito cacarejou um riso frouxo, compreendendo 
a alusão. 
Então ela abriu a boca e disse: 
­ Pois é. 
Estimulado  pela  coisa  ter  dado  tão 
inesperadamente certo, José gritou­lhe emocionado, 
grato, com os olhos úmidos: 
­ No ano que vem nos veremos, mamãe! 
­ Não sou surda! disse a aniversariante rude, 
acarinhada. 
Os filhos se olharam rindo, vexados, felizes. A 
coisa tinha dado certo. 
As crianças foram saindo alegres, com o apetite 
estragado. A nora de Olaria deu um cascudo de vingança 
no filho alegre demais e já sem gravata. As escadas 
eram difíceis, escuras, incrível insistir em morar num 
prediozinho  que  seria  fatalmente  demolido mais  dia 
menos dia, e na ação de despejo Zilda ainda  ia dar 
trabalho e querer empurrar a velha para as noras ­ pisado 
o  último  degrau,  com  alívio  os  convidados  se 
encontraram na tranqüilidade fresca da rua. Era noite, 
sim. Com o seu primeiro arrepio. 
Adeus,  até  outro  dia,  precisamos  nos  ver. 
Apareçam, disseram rapidamente. Alguns conseguiram 
olhar nos olhos dos outros com uma cordialidade sem 
receio. Alguns abotoavam os casacos das crianças, 
olhando­o  e  olhavam­se  sorrindo, mudos.  Era  um 
instante que pedia para ser vivo. Mas que era morto. 
Começaram a se separar, andando meio de costas, sem 
saber como se desligar dos parentes sem brusquidão. 
­ Até o ano que vem! repetiu José a indireta feliz, 
acenando a mão com vigor efusivo, os cabelos ralos e 
brancos esvoaçavam. Ele estava era gordo, pensaram, 
precisava tomar cuidado com o coração. Até o ano que 
vem! gritou José eloqüente e grande, e sua altura parecia 
desmoronável. Mas as pessoas já afastadas não sabiam 
se deviam rir alto para ele ouvir ou se bastaria sorrir 
mesmo no  escuro.  Além  de  alguns  pensarem  que 
felizmente havia mais do que uma brincadeira na indireta 
e que só no próximo ano seriam obrigados a se encontrar 
diante do bolo aceso; enquanto que outros, já mais no 
escuro da rua, pensavam se a velha resistiria mais um 
ano ao  nervoso e  à  impaciência  de Zilda, mas eles 
sinceramente nada podiam fazer a respeito. “Pelo menos 
noventa anos”, pensou melancólica a nora de Ipanema. 
“Para completar uma data bonita”, pensou sonhadora. 
Enquanto  isso,  lá em  cima, sobre  escadas e 
contingências,  estava  a  aniversariante  sentada  à 
cabeceira da mesa, erecta, definitiva, maior do que ela 
mesma. Será que hoje não vai ter jantar, meditava ela. 
A morte era o seu mistério. 
(LISPECTOR, CLARICE. LAÇOS DE FAMÍLIA. RIO DE JANEIRO, FRANCISCOALVES, 1960.)
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30  Literatura ­ M3 
6 ­ A LITERATURA PÓS­MODERNA 
Desde 1957 a arte vem propondo novas posturas artísticas, que mais uma vez, entre tantas revoluções do 
século XX, procuram insistentemente novas formas de expressão e de postura do artista e da arte diante do 
mundo. 
Em 1952 aparece o movimento concretista, com a publicação da revista Noigrandes. O grupo liderado por 
Haroldo de Campos, Décio Pignatari e Augusto de Campos renovam o conteúdo da poesia utilizando todos os 
recursos possíveis da palavra. Nessa poesia, a palavra extrapola o sistema semântico e atinge também a 
significação visual. 
ovo 
n   o   v   e   I   o 
novo      no    velho 
o   f i lho    em   folhos 
na   jaula   dos  joelhos 
infante

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