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Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo ISBN 978-65-86753-06-6 192 EIXO TEMÁTICO: ( ) Biogeografia e a Paisagem ( ) Biogeografia e as Mudanças Climáticas ( ) Biogeografia e a Educação Ambiental ( ) Biogeografia e Saúde ( x) Biogeografia Histórica ( ) Biogeografia e Conservação ( ) Biogeografia e Agronegócio ( ) Biogeografia e Agroecologia ( ) Biogeografia e SAFs Biogeografia Histórica Historical Biogeography Biogeografía Histórica Luis Gabriel Rodrigues Sousa Doutor em Direito(faltando apresentar tese), Mestre em Ensino da Saúde e do Ambiente (UNIPLI), Prof. da Rede Municipal de São Gonçalo e Rede Estadual do RJ uisgabrielrso@gmail.com Herika Bastos de Medeiros Mestre em Ensino da Saúde e do Ambiente (UNIPLI), Prof. da Rede Municipal de São Gonçalo e Rede Municipal do Rio de Janeiro herikabastos@yahoo.com.br mailto:uisgabrielrso@gmail.com Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo ISBN 978-65-86753-06-6 193 RESUMO. A Biogeografia é uma ciência complexa e desafiadora que estuda a distribuição geográfica dos seres vivos, no espaço através do tempo, com o objetivo de entender os padrões de organização espacial dos organismos, os processos que resultaram desses tais padrões e que abrange ideias de diversas áreas do conhecimento humano. Neste trabalho são apresentados os principais fatos históricos e conceitos relacionados à trajetória histórica da Biogeografia, para que se compreenda que tal disciplina não surgiu de forma obtusa ou grosseira, mas passou por um processo muito longo de construção que se deu através do acúmulo de contribuições de vários pesquisadores ao longo dos últimos séculos. PALAVRAS-CHAVE: Dispersalismo. Distribuição, Evolução, Vicariância. ABSTRACT. Biogeography is a complex and challenging science that studies the geographic distribution of living beings, in space over time, with the objective of understanding the patterns of spatial organization of organisms, the processes that resulted from these patterns and that encompasses ideas from different areas of human knowledge. This work presents the main historical facts and concepts related to the historical trajectory of Biogeography, so that it is understood that such discipline did not arise in an obtuse or coarse way, but went through a very long process of construction that took place through the accumulation of contributions from several researchers over the past centuries. KEYWORDS: Dispersalism. Distribution, Evolution, Vicariance. RESUMEN. La biogeografía es una ciencia compleja y desafiante que estudia la distribución geográfica de los seres vivos, en el espacio a lo largo del tiempo, con el objetivo de comprender los patrones de organización espacial de los organismos, los procesos que resultaron de estos patrones y que abarca ideas de diferentes áreas. del conocimiento humano. Este trabajo presenta los principales hechos y conceptos históricos relacionados con la trayectoria histórica de la Biogeografía, por lo que se entiende que dicha disciplina no surgió de manera obtusa o tosca, sino que pasó por un proceso de construcción muy largo que tuvo lugar mediante la acumulación de contribuciones de varios investigadores en los últimos siglos. PALABRAS CLAVE: Dispersalismo. Distribución, Evolución, Vicariancia. Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo ISBN 978-65-86753-06-6 194 Introdução A Biogeografia é uma ciência complexa e desafiadora que estuda a distribuição geográfica dos seres vivos, no espaço através do tempo, com o objetivo de entender os padrões de organização espacial dos organismos, os processos que resultaram desses tais padrões e que abrange ideias de diversas áreas do conhecimento. Quando falamos em Biogeografia, é sabido que ao longo da história, vários filósofos e principalmente naturalistas viam-se curiosos por responder a respeito de como seria feita a distribuição dos seres vivos. Dentre os cientistas, que mais estiveram envolvidos no assunto desta ciência, destaca-se, como Carolus Linnaeus (1707-1778), Charles Robert Darwin (1809-1882) e Alfred Russel Wallace (1823-1913), que formularam diversas hipóteses que buscavam entender e responder questões como: Por qual motivo uma determinada espécie vive em uma área exclusiva? O que de fato levou aquela espécie a permanecer e viver neste local, mas não em outros locais? Porque existem áreas que possuem uma diversidade maior de espécies que outras? e ainda porque algumas espécies são restritas a determinado local, enquanto outras colonizaram áreas tão diferentes e ainda distantes uma das outras? Por que há muito mais espécies nos trópicos do que nas regiões temperadas e polares? Porque há espécies diferentes ocupando áreas semelhantes? Ademais, sabe-se, que alguns grupos de espécies são restritos a uma determinada área da superfície terrestre, enquanto outros, apresentam ampla distribuição, nesta mesma superfície terrestre. Assim, foi com o intuito de se entender os padrões gerais de distribuição das espécies, através da correlação da biota com suas áreas de distribuição e a própria relação entre as essas áreas, é que nasceu a Biogeografia, entendida, talvez como a mais abrangente e multidisciplinar das ciências biológicas (Nelson e Platnick, 1981). É certo afirmar, que esta é uma ciência complexa que utiliza informações e teorias de outras disciplinas, tais como a Geografia, Geologia, Ecologia, Paleontologia e Sistemática Filogenética, que serve para documentar e entender os padrões de distribuição dos organismos, tanto no espaço, quanto no tempo. De fato, é imperioso citar, que existem três componentes que devem ser avaliados em conjunto para o completo entendimento dos padrões de distribuição da biota: espaço Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo ISBN 978-65-86753-06-6 195 (área geográfica onde se encontramos organismos) , tempo(eventos históricos que interferiram nos padrões atuais das espécies) e forma( que são os grupos de organismos propriamente ditos)(Croizat, 1952; Humphries, 2000). Desenvolvimento Resumidamente, e de posse de tais conceitos, é lícito e pode-se afirmar, que a Biogeografia é a ciência que estuda a distribuição geográfica dos seres vivos no espaço através do tempo, com o objetivo de entender os padrões de organização espacial dos organismos e os processos que resultaram de tais padrões, e ainda envolve informações de diversas ciências – tais como a Geologia, Geografia, Ecologia, etc – e ainda, conforme pesquisas e estudos diversos, esta passou por um processo muito longo de desenvolvimento, processo este, que se deu através do acúmulo de contribuições de diversos pesquisadores, notadamente nos séculos XVIII e XIX(Crisci e col, 2003; Posadas e col, 2006). A história da Biogeografia, de acordo com(Nelson e Platnick), pode ser dividida em dois períodos muito distintos, a saber:1)o período pré-evolutivo, no qual se acreditava no fixismo das espécies, ou seja, na sua constância e estabilidade de lugar na Terra, e em um centro de origem e dispersão; e 2) o período evolutivo, que agrega e incorpora as idéias de mudança tanto da biota(evolução da espécie) quanto da própria Terra ás explicações biogeográficas, resultando no paradigma vicariante que serviu de base para a biogeografia histórica. Fig 1: Dispersão ativa via migração Fonte: Biogeografia histórica e ecológica de Natália Leiner Para compreendermos de fato, no que se refere a história e a teoria biogeográfica, é importante conceituarmos três processos: extinção, dispersão e vicariância(Figura10.1C).Tais processos, são considerados os principais responsáveispor Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo ISBN 978-65-86753-06-6 196 delinear os padrões de distribuição dos organismos propriamente ditos essencialmente. A extinção (Figura 10.1A), dentre os três processos, é o mais simples, podendo ser entendido como o desaparecimento total de um táxon(são categorias usadas no sistema de classificação dos seres vivos. São eles: -domínio –reino -filo –classe –ordem –família –gênero - espécie). Fonte: Profa: Lígia H. apostólico, USP No caso da dispersão, partimos de uma população ancestral de um dado grupo de organismos que originalmente ocorria em apenas uma das áreas hoje ocupadas por tal grupo. Posteriormente, esta população ampliou sua distribuição e em um período conhecido se dispersou para outras áreas, ultrapassando barreiras pré-existentes. Por fim, as duas populações isoladas pela barreira se diferenciaram com o passar do tempo e se modificaram em duas espécies diferentes (Figura 10.1B) O último processo biogeográfico que é a vicariância(Figura 10.1C). A fundamental diferença entre dispersão e vicariância está relacionada com a idade da barreira em relação aos táxons (Figuras 10.1B-C). Quando nos referimos a vicariância, há o Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo ISBN 978-65-86753-06-6 197 aparecimento de uma barreira que separa a população original em duas ou mais populações, ocorrendo o isolamento destas populações. Assim, a barreira possui a mesma idade dos táxons resultantes (Figura 10.1C). Ocorre, que no modelo de dispersão, temos a transposição de uma barreira pré-existente por uma parcela da população original. Neste caso, entretanto, a barreira é mais antiga do que os táxons. Outrossim, pode-se definir o processo de vicariância como o surgimento de uma barreira capaz de dividir ou fragmentar a distribuição da população original. Essa divisão pode, como consequência, isolar as duas populações e, assim como no caso da dispersão, deverá ser criada o aparecimento de duas outras espécies distintas. Hodiernamente pode-se ressaltar que o termo “barreira biogeográfica” não está restrito somente a barreiras geológicas, como o soerguimento de uma cadeia de montanhas (como ilustrado na Figura 10.1C) ou a separação dos continentes. É certo, que qualquer aspecto biótico ou abiótico – sendo ele geográfico, ecológico (competição, predação, comportamento), fisiológico (temperatura, profundidade) – que restrinja o movimento ou interação entre populações em diferentes ambientes é considerado uma barreira biogeográfica. De toda forma e desde muito cedo na história da humanidade o ser humano já tinha a necessidade e curiosidade de se saber por que os organismos estão onde estão e porquê. Vários povos, em diversos lugares do mundo, possuem explicações das mais diferentes possíveis para a origem e distribuição tanto da espécie humana quanto das demais espécies espalhadas pela terra, em comum essas explicações são baseadas na quase sua integridade por explicações religiosas, mesmo quando se refere as religiões que não têm traços em comum de religiosidade ou costumes pré-estabelecidos. Acreditava-se que todos os organismos surgiram em uma só área – o centro de origem das espécies– e que posteriormente se dispersaram a partir dali, ocupando toda a superfície da Terra. Uma das mais antigas teorias geográficas é encontrada no Livro do Gênesis, que hoje é conhecida como a bíblia dos cristãos e a torá para os muçulmanos. Nestes livros está escrito e, portanto, registrado, mesmo por dados as vezes apócrifos, que todos os organismos foram criados no Éden e a partir daí se dispersaram para as outras regiões do globo terrestre. A história da biogeografia pré-evolutiva, diz que o mesmo raciocínio se aplica à ideia da Arca de Noé e da Torre de Babel: onde as espécies e povos viventes naquele período inicial da humanidade, respectivamente, surgiram no centro de origem e então se dispersaram e diversificaram a partir dele (Papavero et al., 1997). É necessário registrar, que quando tratamos, de Biogeografia pré-evolutiva, entende-se, que os primeiros questionamentos relacionados à origem e distribuição dos seres vivos Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo ISBN 978-65-86753-06-6 198 datam de séculos atrás, em um período no qual os pensamentos eram enraizados em explicações religiosas e no que estava escrito nas antigas escrituras bíblicas, sem qualquer fundamento científico, visto que, apesar de alguns escritos serem feitos em pergaminhos outros foram descritos através de documentos apócrifos, que como se sabe, não necessariamente podem ser considerados registros verdadeiros. Alguns dos questionamentos mais antigos dos quais se tem conhecimento aparecem no Livro do Gênesis, no hoje chamado livro do Antigo Testamento (bíblia sagrada atual). Neste livro, existem as primeiras idéias de centro de origem e dispersão – os primeiros conceitos biogeográficos –, já anteriormente mencionados por três vezes. A primeira menção ocorre no mito do Jardim do Éden, onde Deus teria criado todos os animais, plantas e o primeiro casal humano(Adão e Eva).E que após o pecado original cometido por ambos, ao comer da árvore do conhecimento, que era taxativamente proibida por Deus, o homem, animais e plantas teriam se dispersado, a partir do Éden, e colonizado outras áreas. O segundo caso é o mito da Arca de Noé, segundo o qual, após o dilúvio, a arca teria desembarcado no monte Ararat (atual território Turco) e, a partir deste lugar, após baixarem as águas do dilúvio, o homem e todos os animais e plantas mantidos na arca teriam colonizado o restante da terra e se espalhado por todos os continentes do mundo terrestre. E, por fim, a terceira menção aparece no mito da torre de Babel, com a história da diversificação dos povos e línguas. Durante o século XVIII, o pensamento da época permanecia baseado nas explicações religiosas propostas pela Igreja. Foi nesse período em que viveu e nasceu, o primeiro nome de destaque no contexto histórico deste período biogeográfico pré- evolutivo: Linnaeus. Este integrante da escola dispersalista Carl Von Linné(Linneaus Lineu)(1707 a 1778), foi o botânico sueco que formulou a primeira teoria biogeográfica dos tempos modernos. De acordo com ela, áreas distintas da Terra com a mesma ecologia, deveriam possuir exatamente a mesma flora. Desse modo, plantas que habitam áreas semelhantes, mas em continentes diferentes, deveriam pertencer à mesma espécie (Papavero et al., 1997). Ele é primeiramente reconhecido por sua contribuição na área da Biologia, com a criação da nomenclatura binominal e do sistema de classificação de seres vivos, ambos utilizados até os dias de hoje. Além disso, sua curiosidade a respeito do mundo natural também o fez indagar sobre a origem e a distribuição dos seres vivos na Terra. Conterrâneo aos pensamentos da época, Linnaeus baseou-se no mito do Jardim do Éden para criar a tese e hipotetizar que todas as formas de vida haviam surgido em uma Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo ISBN 978-65-86753-06-6 199 montanha paradisíaca, localizada próxima ao Equador (i.e., ideia de centro de origem), e depois se dispersado pelo restante do mundo. De acordo com a explicação de Linnaeus, cada espécie estaria adaptada a determinada condição climática na montanha e, após sua dispersão, habitaria regiões com condições similares no globo terrestre inteiro. Quando seguimos essa lógica, organismos adaptados às regiões mais frias de altitude da montanha se dispersariam para áreas frias do globo terrestre, enquanto que aqueles que habitavam as regiões menos elevadas da montanha se dispersariam para as regiões mais quentes. Conforme entendimento de Linnaeus, essa mesma lógica explicaria a dispersão dos seres vivos a partir do Monte Ararat, local no qual,segundo o mito biblíco do dilúvio, a Arca de Nóe teria fundeado devido ao dilúvio e posteriormente desembarcado as pessoas, plantas e animais que estavam naquela Arca. As ideias de Linnaeus a respeito da distribuição geográfica dos seres vivos foram apresentadas em uma publicação denominada Oratio de Telluris Habitabilis Incremento publicado no ano de 1744.O século XVIII foi ainda marcado e influenciado pelas grandes viagens exploratórias realizadas pelos diversos naturalistas desta época, as quais permitiram descobrir sobre a enorme diversidade de espécies de plantas e animais, desconhecidas até aquele momento pelos seres humanos. Com o início das descrições mais detalhadas e especificadas por táxons/categorias de espécies sobre a distribuição dos seres vivos, os naturalistas daquela ocasião começaram a se perguntar sobre a licitude das ideais criacionistas e a buscar explicações para compreender de forma objetiva, o que gerava tais padrões de distribuição nas diferentes regiões da Terra. Posteriormente, George Louis Leclerc, Conde de Buffon (1707-1788), examinou espécies de mamíferos do Velho Mundo conhecidas na época e percebeu que elas não eram encontradas no Novo Mundo. A partir de suas descobertas foi elaborada a lei de Buffon, segundo a qual diferentes regiões do globo, apesar de compartilharem as mesmas condições, são habitadas por diferentes espécies de animais e plantas. Buffon não questionou a noção de centro de origem, mas sugeriu um novo fato: as espécies se modificariam (por degeneração), quando expostas a diferentes condições ambientais. Os estudos de Buffon, sugerem causas históricas para os padrões de distribuição, ou seja, ou o grupo de organismos surgiu naquela dada área ou veio de outro lugar. No primeiro caso, se for uma espécie, implica em dizer, que a especiação ocorreu naquela área; no segundo caso ocorreu dispersão e consequente colonização da espécie. Diversos autores posteriores chegaram às mesmas conclusões de Bufonn quanto a distribuição diferenciada dos organismos, a partir do estudo de outros grupos de seres Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo ISBN 978-65-86753-06-6 200 vivos, como Alexander von Humboldt (1769-1859)-plantas, Pierre Latreille (1762- 1833)- insetos; Georges Cuvier (1769-1832)-répteis. Dentro desta ideia ainda, o naturalista George-Louis Leclerc, o Conde de Buffon (1707- 1788), foi o primeiro a contestar às ideias de seu contemporâneo, Linnaeus. Buffon ao estudar com profundidade o fenômeno, observou que em diferentes áreas tropicais da terra, mesmo aquelas onde as condições ambientais e climáticas eram similares, eram habitadas por espécies de mamíferos completamente distintas. Na visão de Leclerc, a origem dos seres vivos deveria ter acontecido em regiões mais próximas ao norte da Europa, e jamais tão próximas aos trópicos conhecidos. Baseado nessa hipótese, Leclerc defendia que, ao longo do processo de dispersão pelo mundo terrestre, as espécies se modificavam mais quanto mais distantes de seu centro de origem. Essa ideia permitiu a formulação do primeiro princípio biogeográfico, conhecido como Lei de Buffon, o qual postulava que as diferentes regiões da Terra, apesar de compartilharem determinadas características, seriam habitadas por diferentes espécies de plantas e animais. É certo ressaltar, que o alemão Johann Reinhold Forster (1729-1798) foi outro naturalista de destaque neste período. Quando de suas viagens exploratórias pelo mundo, Forster coletou milhares de espécies de plantas não descritas até então e comprovou que a Lei de Buffon aplicava-se não somente aos mamíferos, mas também às plantas e a outros animais. Através de suas anotações e observações, ele descreveu de forma contundente e objetiva os gradientes latitudinais de diversidade que ocorrem no mundo, deixando claro quanto a possibilidade de aumento da riqueza de espécies, quando estas vivem em direção às baixas latitudes e em regiões tropicais. Da mesma época de J. Forster, Alexander von Humboldt (1769-1859) foi outro naturalista dos mais importantes para o desenvolvimento da Biogeografia, que, após viagens exploratórias pelo mundo, generalizou de forma simples a Lei de Buffon para inserir as plantas e a maioria dos animais viventes terrestres conhecidos até hoje. Sua principal contribuição sobre este assunto, porém, foi resultado de sua ideia de escalar mais de 5800 metros para chegar ao topo do vulcão Chimborazo, localizado no Equador, durante uma de suas expedições à América do Sul. Como resultado desta exploração, Humboldt observou que a riqueza de espécies de plantas diminuía conforme se aumentava a altitude em relação ao topo do vulcão. Segundo ele, existiam faixas de distribuição ao longo das diferentes altitudes, ou uma sucessão altitudinal – similares ao gradiente latitudinal de diversidade proposto por Forster –, as quais ele denominou de zonas fisionômicas. Durante o século XIX, o botânico suíço Augustin Pyramus de Candolle (1778-1841), influenciado pelos trabalhos de Humboldt, teve grande contribuição para o Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo ISBN 978-65-86753-06-6 201 fortalecimento da Biogeografia como ciência de forma estrita. A ele pode ser atribuída, por exemplo, a primeira distinção entre Biogeografia Ecológica e Histórica quando em 1820 cunhou, respectivamente, os termos ‘estações’ e ‘habitações’. Candolle, detalha em sua literatura, o primeiro termo que se referia às causas físicas atuantes no presente, preferencialmente ao clima e à topografia. Quanto ao segundo termo estaria relacionado às causas externas, que ocorreram no passado, principalmente circunstâncias geográficas e geológicas ocorridas na formatação da terra, fazendo menção ao período permiano, onde se deu origem às plantas com flores e os mamíferos, nesta ocasião os grandes répteis foram extintos pelo menos a 70 milhões de anos. As definições, procedimentos e conceitos formulados por de Candolle foram a primeira tentativa de entender e depois explicar os fatores que levariam os organismos a se distribuírem em determinados locais, mas não em outros, como era entendido que poderia acontecer. Através desta linha de pensamento, Candolle observou que algumas espécies de planta apresentavam uma distribuição muito ampla, podendo ser encontradas em quase todas as regiões do planeta, enquanto outras estavam aglomeradas em áreas restritas a regiões singulares. Dessa forma e a partir dessas observações, que Candolle formulou o conceito de endemismo – usado para designar espécies restritas a uma única região e um dos conceitos centrais da Biogeografia Cladística – e também uma das primeiras propostas de classificação do planeta em regiões biogeográficas de acordo com as espécies encontradas. De acordo como é entendido os métodos de Biogeografia Cladística, se compararmos cladogramas de área derivados de cladogramas de táxons de diferentes grupos que habitam determinada região, seria possível reconhecer o padrão geral de fragmentação da biota, e consequentemente da área, nas regiões analisadas e, assim, obter um cladograma geral da área a ser explorada. O educandário da Biogeografia Evolutiva teve seu surgimento a partir das ideias de dois notáveis naturalistas ingleses, Darwin e Wallace. Darwin e sua teoria da evolução por meio da seleção natural, além de sua indiscutível contribuição à Biologia, teve também consequências positivas para a Biogeografia. Antes do surgimento desse pensamento, os naturalistas da época limitavam suas explicações às descrições dos padrões de distribuição observados, sem enfatizar a questão do tempo, de forma que as explicações levavam em consideração notadamente aspectos ecológicos, mas não históricos. Por conseguinte, ao contrário da ideia fixista, de que as espécies seriam imutáveis, as ideias de Darwin permitiram combinar a teoriada evolução com o modelo de dispersão dos táxons. Ressalta-se, que apesar de Darwin e Wallace preocuparem-se com a distribuição Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo ISBN 978-65-86753-06-6 202 dos organismos, ambos mantiveram as ideias a respeito de centros de origem e de dispersão como única força motora de diversificação (paradigma dispersalista). O estudioso Srº Wallace foi conhecido, principalmente, por ter proposto a teoria da evolução por seleção natural ao mesmo tempo que o Srº Darwin. Na área da Biogeografia, Wallace é identificado como o pai da Zoogeografia, devido a sua proposta de regionalização do mundo em zonas zoogeográficas. Essa proposta foi baseada no trabalho do ornitólogo britânico Philip Sclater (1829-1913), publicado em 1858. Baseado na composição de espécies de aves nas diferentes áreas do globo, Sclater reconheceu a existência de duas grandes divisões, ou “locais de criação” – Velho e Novo Mundo –, as quais eram subdivididas em seis regiões biogeográficas. Em 1876, Wallace expandiu o número de regiões biogeográficas propostas por Sclater após a inclusão de outros grupos animais além das aves. As regiões biogeográficas estabelecidas por Wallace são identificadas até hoje como realizadas por ele. Ademais, durante sua expedição às ilhas malaias, Wallace observou a existência de uma demarcação entre as ilhas do leste e do oeste do arquipélago quanto à distribuição das espécies. Segundo ele, a fauna das ilhas a oeste era muito semelhante àquela encontrada na Ásia, enquanto que as espécies das ilhas a leste eram mais similares às espécies que habitavam a Austrália. Essa demarcação imaginária entre leste e oeste ficou conhecida como Linha de Wallace e é aceita pelos zoogeógrafos desde então. Os escritores da escola da Biogeografia Evolutiva se baseavam na ideia de centros de origem, delineados como centros geradores de fauna e flora, a partir dos quais as espécies poderiam se disseminar para novas áreas. Para esses escritores, o centro de origem deveria ser o local onde estariam divididas as espécies de origem mais recente (mais derivadas), as quais poderiam levar ao deslocamento de espécies mais antigas para regiões mais periféricas devido à competição por recursos. Essa ideia é oposta ao que conjecturava a lei de Buffon. Ademais, o centro de origem seria o local com maior diversidade de espécies, uma vez que, por ser o local mais antigo, deveria conter o maior número de espécies viventes. É certo, dizer, que o conceito de centro de origem sofreu mudanças conceituais drásticas ao longo do tempo, especialmente durante o predomínio da escola da Biogeografia Filogenética. Durante o século XIX, as ideias dos dispersalistas foram contestadas por escritores como Joseph Hooker (1817-1911) e John Willis (1868-1959), estes consideravam que seria pouco provável que eventos de dispersão de longo alcance pudessem esclarecer os padrões de distribuição observados até então. Esse novo grupo, conhecido como extensionistas, defendia a ideia de que, em tempos remotos, existiram pontes intercontinentais conectando todos os continentes atuais. Para esses escritores, estas Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo ISBN 978-65-86753-06-6 203 pontes, submersas pelos oceanos nos tempos atuais, seriam a fonte de explicação mais adequada para se compreender a distribuição separada de muitos grupos em continentes atualmente desunidos. Entretanto, as ideias extensionistas entraram logo em descrença, e o dispersalismo foi liberado como única explicação possível para os escritores do início do século XX. Para obtermos o conceito abrangente de vicariância devemos analisar a seguinte frase “Vida e terra evoluem juntas”. O autor desta frase, o botânico Léon Croizat (1894-1982), foi um dos principais críticos às explicações dos dispersalistas e ao conceito de centros de origem. Segundo Croizat, não parecia sensato acreditar que padrões semelhantes de distribuição de diferentes organismos estivessem ligados a histórias independentes de dispersão. A dispersão seria um evento que dependia do acaso e também da capacidade de dispersão de cada espécie, de forma que era mais lógico assumir que os padrões observados seriam consequência de histórias compartilhadas, causadas por respostas similares às modificações da superfície do planeta. Defensor de que as barreiras geográficas evoluem juntamente com as biotas, Croizat acreditava que a teoria de Wegener de deriva continental explicava de forma satisfatória padrões antigos de distribuição de biotas, mas seria insuficiente para explicar os eventos geológicos associados aos padrões de distribuição geográficos complexos e mais recentes1 . O conceito central formulado por Croizat para explicar a evolução das biotas foi o chamado “form-making process” – termo que pode ser entendido como o processo de mudança de forma ao longo do tempo, mas incluindo, nesse caso, a importância de movimento no espaço. Para a ocorrência desse processo, Croizat defendia que deveria existir um estágio de mobilidade, o que permitiria que as espécies expandissem sua distribuição, e um estágio de imobilidade, resultado do processo de vicariância. A partir dessa lógica, o autor defendia que uma espécie ancestral deveria estar amplamente distribuída (cosmopolitismo ancestral) em determinada área. Para ele, eventos vicariantes—tais como o surgimento de lagos, montanhas ou vulcões—seriam responsáveis pela fragmentação da área de distribuição da população original e resultariam, dessa forma, em processos de especiação alopátrica, ou seja, de diferenciação em novas espécies. Em oposição ao modelo de evolução por seleção natural de Darwin, Croizat enfatizava a importância dos eventos vicariantes para a mudança de forma (form-making process) ao longo do tempo3. Quando Croizat formulou a Pan-biogeografia, alguns cientistas de sua época levaram em consideração suas contribuições. No entanto, Croizat era alvo de críticas de muitos de 1(Profª Lígia Haselmann apostólico, USP, com grifos nossos) Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo ISBN 978-65-86753-06-6 204 seus contemporâneos, não somente pela falta de credibilidade científica de algumas de suas análises, mas também devido a sua personalidade e ao estilo de escrita e linguagem pouco ortodoxos de seus trabalhos, os quais continham, com frequência, críticas a outros autores. Esses fatores acabaram por surtir um efeito negativo sobre suas ideias, as quais foram ignoradas ou desacreditadas por grande parte da comunidade científica da época.42 Conclusão Hodiernamente, podemos arrematar, que após todo histórico apresentado pelas obras de Nelson e Platnick, dentre outros escritores, pode-se dizer que estas foram fundamentais para a Biogeografia atualmente vigente. É possível, também garantir, que com o surgimento da Biogeografia Cladística foi possível comensurar os conhecimentos de tectônica de placas (a deriva continental de Wegener), da Sistemática Filogenética de Hennig e o conceito mais enxuto de vicariância, possibilitando associar de maneira mais precisa o relacionamento filogenético dos táxons, seus padrões de distribuição e a história evolutiva do planeta terra. A necessidade de tornarmos a Biogeografia como uma das ciências mais importantes nas últimas décadas pode ser atribuída a um conjunto de transformações, não somente conceituais, mas também relacionadas à aplicação de novas metodologias e aos avanços tecnológicos de outras áreas como a Biologia Molecular. Os estudos biogeográficos descritivos deram lugar a uma disciplina nova, que objetiva construir e testar hipóteses biogeográficas a respeito da distribuição dos seres vivos. É por certo afirmamos, que nas 3(três) últimas décadas, nota-se que a Biogeografia tem deixadode ser uma ciência praticada por ecólogos, sistematas ou paleontólogos, por exemplo, passando a constituir uma disciplina praticada por biogeógrafos. A explicação sensata a ocorrência desta mudança pode ser entendido, em parte, à produção de livros relacionados à Biogeografia e sua publicação nas grades curriculares de grande parte das universidades, atividades que passaram a ser corriqueiras desde do início da década de 1980. Ademais, com o advento da prosperidade cada vez maior da tecnologia de programas computacionais que permitem a coleção e manuseio de grandes conjuntos de dados, associados à utilização de dados de métodos georreferenciados e de parâmetros ambientais (climáticos, geológicos, geográficos, dentre outros), tem 2,4 (Profª Lígia Haselmann apostólico, USP, com grifos nossos) Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo ISBN 978-65-86753-06-6 205 permitido um avanço na precisão de reconstruções da história evolutiva dos táxons e do próprio planeta terra. AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer ao Drº. Antônio Carlos de Miranda e a MSc. Judite Pereira por aceitarem participar na revisão deste artigo. Agradeço pela leitura crítica e por compartilharem o conhecimento de cada um de vocês a respeito desse tema ilimitado. Todas as correções, críticas, comentários e sugestões foram fundamentais para aprimorar o texto e para amadurecer muitos dos conceitos da Biogeografia citados neste artigo. Com certeza o conteúdo final ficou muito melhor graças à colaboração de todos. Gostaria de agradecer também a MSc. Herika Bastos de Medeiros pela ajuda na elaboração inicial deste artigo, pelas leituras de texto sugeridos e por acrescentar observações fundamentais, pois sem elas o conteúdo do artigo ficaria incompleto. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Brown, J. H. & M. V. Lomolino. 1998. Biogeography. Sunderland: Sinauer Associates Inc., 2 edition, 704p. Carvalho, C. J. B. & E. A. B. Almeida. 2010. Biogeografia da América do Sul: Padrões & a Processos. 1 edição. Roca. São Paulo. 306p. Carvalho, C. J. B. & E. A. B. Almeida. 2016. Biogeografia da América do Sul – Análise de Tempo, a Espaço e Forma. 2 edição Roca. São Paulo. 324p. Colley, E. & M. L. Fischer. 2013. Especiação e seus mecanismos: histórico conceitual e avanços recentes. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, 20 (4): 1671–1694. th Cox, C. B. & P. D. Moore. 2005. Biogeography: An ecological and evolutionary approach. 7 edition. Blackwell Publishing. Malden. 440p. Craw, R. C., Grehan, J. R. & M. J. Heads. 1999. Panbiogeography – Tracking the history of life. Oxford University Press. Oxford. 240p. Humphries, C. J. & L. R. Parenti. 1999. Cladistic Biogeography – Interpreting patterns of plant and nd animal distributions. 2ª edition. Oxford University Press. Oxford. 187p. st Macdonald, G. M. 2001. Biogeography: Space, time and life. 1ª edition. John Wiley & Sons Inc. New York. 528p. st Morrone, J. J. 2009. Evolutionary Biogeography: An integrative approach with case studies. 1ª edition. Columbia University Press. New York. 301p. Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo ISBN 978-65-86753-06-6 206 FRANÇA, Júnia Lessa et al. Manual para normalização de publicações técnico-cientificas. 6. ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: UFMG, 2003. 230 p. IBGE. Normas de apresentação tabular. 3. ed. 1993. LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de metodologia científica. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 1991. 270 p.
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