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1 MÓDULO I: FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO ANA LUIZA A. PAIVA - TXXV OBJETIVOS 1) Analisar a dengue, considerando conceito, etiologia, epidemiologia, transmissão, quadro clínico, prognóstico, diagnóstico e tratamento. 2) Diferenciar os tipos de manifestação da dengue 3) Justificar os diagnósticos diferenciais entre zika, dengue e Chikungunya 4) Relacionar o impacto do zika vírus na epidemia de microcefalia REFERÊNCIAS MARTINS, Milton A.; et al. Clínica Médica. 2ª ed. Vol. 7. Barueri – SP: Manole, 2016. Ministério da Saúde. Chikungunya: manejo clínico. 1ª ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2017. Ministério da Saúde. Dengue: Diagnóstico e Manejo Clínico. 5ª ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2016. Ministério da Saúde. Vírus Zika no Brasil: a resposta do SUS. 1ª ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2017 CONCEITO É uma doença infecciosa febril aguda, que pode se apresentar de forma benigna ou grave, dependendo de alguns fatores, entre eles: o vírus envolvido, infecção anterior pelo vírus da dengue e fatores individuais como doenças crônicas (diabetes, asma brônquica, anemia falciforme). A dengue é uma doença única, dinâmica e sistêmica. Isso significa que a doença pode evoluir para remissão dos sintomas, ou pode agravar-se exigindo constante reavaliação e observação, para que as intervenções sejam oportunas e que os óbitos não ocorram. EPIDEMIOLOGIA A dengue é um dos principais problemas de saúde pública no mundo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que ocorram anualmente cerca de 50 milhões de casos. Desse total, cerca de 550 mil necessitam de hospitalização e pelo menos 20 mil morrem em consequência da doença. No Brasil, a primeira epidemia documentada clínica e laboratorialmente ocorreu em 1981-1982, em Boa Vista (RR), causada pelos sorotipos 1 e 4. ETIOLOGIA A dengue é uma arboviros (doença transmitida por inseto), do gênero flavivírus, que é transmitida pelo mosquito Aedes aegypti e possui 4 sorotipos bem estabelecidos: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e o DENV-4, sendo que em termos de virulência, o 2 é o que mais se destaca, seguido pelo 3, depois o 4 e, por último, o sorotipo 1 (então para organizar isso: 2 > 3 > 4 > 1). O mosquito não é o causador da doença, ele é apenas o vetor dela, ou seja, não é ele quem produz o vírus, ele apenas o transmite. O Aedes é um mosquito que se alimenta do néctar e da seiva das plantas, no entanto, quando grávida, as fêmeas desenvolvem o hábito da hematofagia (alimentação com sangue) pois só assim elas conseguem alguns nutrientes específicos para o desenvolvimento dos seus ovos. A partir daí, se ela picar uma pessoa que seja portadora do vírus da Dengue, ela irá se infectar e apesar desse vírus não causar nenhuma doença no mosquito, ele consegue ser transmitido nas próximas picadas que ela der e é justamente esse processo que favorece a transmissão da doença. Associado a isso, existem 2 características desse mosquito que favorecem muito a disseminação da dengue que são: 1. Ciclo holometábolo Problema 05: DENGUE, CHIKUNGUNYA E ZIKA 2 MÓDULO I: FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO ANA LUIZA A. PAIVA - TXXV Está relacionado ao processo de metamorfose: então o mosquito põe ovos que depois originam as larvas, que vão formar as pulpas e essas, então, evoluem para os mosquitos em si. E por que isso favorece a disseminação da doença? Porque esses ovos são muito resistentes! A princípio eles só são depositados em águas limpas e paradas, mas os estudos mostram que eles conseguem sobreviver em latência por até 450 dias em desidratação, mas dentro desse período, se ele for exposto água, ele terá a capacidade de retomar seu processo evolutivo e dar origem a novos mosquitos. Para se ter uma noção do impacto dessa característica na disseminação da Dengue: os mosquitos só conseguem voar por até 100-200m de distância dos seus ovos, então se acredita que a principal forma de disseminação da Dengue entre as regiões seja por meio das viagens de pessoas infectadas, associada ao transporte passivo dos ovos, já que eles conseguem resistir por bastante tempo e em situações adversas. Obs: Em média, cada mosquito vive em torno de 30 dias e a fêmea chega a colocar entre 150 e 200 ovos. Se forem postos por uma fêmea contaminada pelo vírus da dengue, ao completarem seu ciclo evolutivo, transmitirão a doença. Estudos demonstram que, uma vez infectada, a fêmea transmitirá o vírus por toda a vida, havendo a possibilidade de, pelo menos, parte de suas descendentes já nascerem portadoras do vírus. 2. Discordância gonotrófica Está relacionado com o processo evolutivo do Aedes, que passou para se adaptar à vida urbana. O que acontece é o seguinte: esse mosquito tem hábitos diurnos e isso é uma desvantagem porque é um período em que as pessoas estão mais ativas e, portanto, mais propensas a matar mosquitos do que se elas estivessem sendo picadas à noite. Por conta disso, o Aedes adquiriu maior agilidade com suas asas e desenvolveu a habilidade de sugar menos sangue, mas de mais pessoas, em vez de tentar sugar tudo de uma só - o que facilitaria que fossem mortos, como acontece com os pernilongos de hábitos noturnos. Dessa forma, além de haver um aumento na sua sobrevida, o Aedes também acabou tendo contato com mais indivíduos, o que também favorece a transmissão da Dengue. FISIOPATOLOGIA Assim que o paciente é contaminado pelo mosquito, o vírus penetra na corrente sanguínea e nesse primeiro momento ele vai se deslocar preferencialmente para 3 locais: -Monócitos; -Linfonodos; - Musculatura Esquelética Os vírus da dengue entram nas células de vertebrados por endocitose e fagocitose e sofrem replicação no citoplasma celular, após um período de latência de 12 a 16 horas. Nos lisossomos, ocorre tradução do RNA para que sejam produzidas proteínas virais e, daí, a maturação dos vírions irá ocorrer dentro de organelas como o Complexo de Golgi ou o Retículo Endoplasmático, o que permitirá a liberação dos mesmos novamente na corrente sanguínea após um determinado período. É nesse momento que o vírus irá se disseminar por todo o corpo do paciente estimulando a produção de citocinas pró-inflamatórias - como a TNF-a e IL-6, especialmente - e iniciando a fase sintomática da doença, sendo que uma das estruturas mais afetadas pela inflamação é a parede vascular, o que acaba aumentando a permeabilidade dela e, com isso, pode desencadear hemorragias ou a perda de plasma para terceiro espaço. 3 MÓDULO I: FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO ANA LUIZA A. PAIVA - TXXV QUADRO CLÍNICO A infecção pelo vírus dengue pode ser assintomática ou sintomática. Quando sintomática, causa uma doença sistêmica e dinâmica de amplo espectro clínico, variando desde formas pouco sintomáticas até quadros graves, podendo evoluir para o óbito. Três fases clínicas podem ocorrer: febril, crítica e de recuperação. FASE FEBRIL A primeira manifestação é a febre que tem duração de dois a sete dias, geralmente alta (39ºC a 40ºC), de início abrupto, associada à cefaleia, à adinamia, às mialgias, às artralgias e a dor retroorbitária. Além disso, o paciente também pode ter náuseas e vômitos, anorexia, diarreia e exantema, sendo que com relação a esses dois últimos sintomas vale destacar que: a) Diarreia: costuma ser pouco volumosa, com fezes pastosas e numa frequência de 3-4x ao dia, o que facilita na hora de diferenciar dos quadros de gastroenterites; b) Exantema: está presente em cerca de 50% dos casos e na maioria das vezes se apresenta no padrão máculo-papular, afetando todo o corpo do paciente (face, tronco, MMSS, MMII, mãos e pés). Após a fase febril, grande parte dos pacientes recupera-se gradativamente com melhora do estado geral eretorno do apetite FASE CRÍTICA Esta fase pode estar presente em alguns pacientes, podendo evoluir para as formas graves e, por esta razão, medidas diferenciadas de manejo clínico e observação devem ser adotadas imediatamente. Caracteriza por uma melhora da febre entre o 3º e o 7º dia de doença, associada ao desenvolvimento de sinais de alarme, os quais são: Sinais de alarme na dengue Dor abdominal intensa (referida ou à palpação) e contínua. Vírus penetra na corrente sanguínea Migram em direção aos monócitos, linfonodos e musculatura esquelética Entram nas células por endocitose e fagocitose Tradução do RNA no lisossomo Produção de proteínas virais Maturação dos vírions no Complexo de Golgi ou o Retículo Endoplasmático Liberação na corrente sanguínea Produção de citocinas pró- inflamatórias 4 MÓDULO I: FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO ANA LUIZA A. PAIVA - TXXV Vômitos persistentes. Acúmulo de líquidos (ascite, derrame pleural, derrame pericárdico). Hipotensão postural e/ou lipotimia. Hepatomegalia maior do que 2 cm abaixo do rebordo costal. Sangramento de mucosa. Letargia e/ou irritabilidade. Aumento progressivo do hematócrito A maioria dos sinais de alarme é resultante do aumento da permeabilidade vascular e a presença de um desses sinais indica que o paciente está deteriorando e tem uma chance maior de evoluir com complicações da doença, sendo a principal: choque. Dengue grave As formas graves da doença podem manifestar-se com extravasamento de plasma, levando ao choque ou acúmulo de líquidos com desconforto respiratório, sangramento grave ou sinais de disfunção orgânica como o coração, os pulmões, os rins, o fígado e o sistema nervoso central (SNC). O quadro clínico é semelhante ao observado no comprometimento desses órgãos por outras causas. Derrame pleural e ascite podem ser clinicamente detectáveis, em função da intensidade do extravasamento e da quantidade excessiva de fluidos infundidos. Choque O choque ocorre quando um volume crítico de plasma é perdido através do extravasamento, o que geralmente ocorre entre o 4° e 5° dia (com intervalo entre 3 a 7 dias) de doença, geralmente precedido por sinais de alarme. O período de extravasamento plasmático e choque leva de 24 a 48 horas, costumando evoluir ao óbito em um intervalo de 12 a 24 horas ou a sua recuperação rápida, após terapia antichoque apropriada. . O choque prolongado e a consequente hipoperfusão de órgãos resultam no comprometimento progressivo destes, bem como em acidose metabólica e coagulação intravascular disseminada. Isso, por sua vez, pode levar a hemorragias graves, causando diminuição de hematócrito agravando ainda mais o choque. Hemorragias grave Em alguns casos pode ocorrer hemorragia massiva sem choque prolongado e este sangramento massivo é critério de dengue grave. Esse sangramento se dá não só pelo acometimento vascular, mas também pelo fato deles afetarem as plaquetas, o que torna mais difícil o processo de tamponamento. Inclusive, é justamente por conta dessa complicação que é contraindicado para os pacientes com diagnóstico ou suspeita de Dengue, o uso de medicamentos como o ácido acetil- salicílico (AAS) e os AINEs, já que eles afetam a cascata de coagulação e por isso podem acabar estimulando ainda mais as hemorragias. Disfunções graves de órgãos 5 MÓDULO I: FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO ANA LUIZA A. PAIVA - TXXV O grave comprometimento orgânico, como hepatites, encefalites ou miorcardites pode ocorrer sem o concomitante extravasamento plasmático ou choque. A Dengue também pode levar ao comprometimento funcional de vários órgãos como o fígado (que pode desenvolver hepatite devido à elevação de enzimas hepáticas), o coração (que pode ter uma miocardite - alteração do ritmo cardíaco), os rins (que entram em insuficiência aguda) e também o sistema nervoso central (provocando convulsões, encefalites, etc.). Isso mostra para a gente que é importante incluir na nossa solicitação de pacientes com Dengue Grave, uma série de exames para avaliar função orgânica geral como, por exemplo: TGO e TGP, ECG, ureia e creatinina. FASE DE RECUPERAÇÃO Por fim, a última fase da doença é a de recuperação, que é quando o paciente começa a ter uma melhora progressiva dos sintomas e do estado geral, mas isso não significa que vamos ficar tranquilos e pronto. A fase crítica começa do mesmo jeito, então é importante continuar acompanhando o paciente por um tempo e mantê-lo orientado de que deve retornar aos serviços caso identifique algum dos sinais de alarme Somado a isso, quando se encerra o quadro de Dengue, ficará mais fácil de se identificar a presença de outras infecções associadas, então nós temos que ficar atento a isso. E além disso, é nessa fase que o paciente irá começar a reabsorver o líquido perdido para terceiro espaço, de modo que nós devemos nos preocupar também com o risco de hiper- hidratação Nesta fase o débito urinário se normaliza ou aumenta, podem ocorrer ainda bradicardia e mudanças no eletrocardiograma. Alguns pacientes podem apresentar um rash cutâneo acompanhado ou não de prurido generalizado. ASPECTOS CLÍNICOS NA CRIANÇA A dengue na criança pode ser assintomática ou apresentar-se como uma síndrome febril clássica viral, ou com sinais e sintomas inespecíficos: adinamia, sonolência, recusa da alimentação e de líquidos, vômitos, diarreia ou fezes amolecidas. Nos menores de 2 anos de idade os sinais e os sintomas de dor podem manifestar-se por choro persistente, adinamia e irritabilidade, podendo ser confundidos com outros quadros infecciosos febris, próprios da faixa etária. O início da doença pode passar despercebido e o quadro grave ser identificado como a primeira manifestação clínica. O agravamento, em geral, é mais súbito do que ocorre no adulto, em que os sinais de alarme são mais facilmente detectados. ASPECTOS CLÍNICOS NA GESTANTE GESTANTES As gestantes necessitam de vigilância, independente da gravidade, devendo o médico estar atento aos riscos para mãe e concepto. Os riscos para mãe infectada estão principalmente relacionados ao aumento de sangramentos de origem obstétrica e às alterações fisiológicas da gravidez, que podem interferir nas manifestações clínicas da doença. Para o concepto de mãe infectada durante a gestação, há risco aumentado de aborto e baixo peso ao nascer; Obs: Gestantes com sangramento, independente do período gestacional, devem ser questionadas quanto à presença de febre ou ao histórico de febre nos últimos sete dias. .
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