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NOVAIS (1986) I

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F. Novais - As Dimensões da Independência (p. 15-26)
Fernando Novais in
Carlos Guilherme Mota
Em seu breve texto, Novais propõe um esquema interpretativo que vincula a independência com a crise do Antigo Regime (separação e autonomização da colônia com eventos de superação do antigo colonialismo). A intenção é corrigir certos problemas no estudo corrente da independência do Brasil, como, no caso da visão da 1) história econômica, a minimização da emancipação política (normalmente considera-se uma transferência de tutela de Portugal para a Inglaterra). Por outro lado, na óptica dos 2) estudos tradicionais de história, há uma ênfase nos aspectos políticos (dá-se a impressão de que o centro de decisões tinha de fato se transferido para nossos domínios, como se estivéssemos desvinculados do resto do mundo). A análise da crise do sistema colonial (com sua integração de realidades social, política e econômica) pode auxiliar no entendimento. Há uma terceira distorção que este estudo pretende contornar: 3) a atitude valorativa (colonização boa ou má) entre os historiadores que dão peso grande ou pequeno (a ponto de negar a existência das colônias) ao papel das colônias no atraso industrial português. As críticas a essa visão são diretas: a negação do sistema colonial caracterizaria a independência como sucessão, simplesmente. Assim, criticando a atitude de analisar a independência como resultado simples de amadurecimento, Morais inicia sua análise dos mecanismos profundos da crise do sistema colonial.
Crise de um sistema deve ser interpretada como derivada do funcionamento do próprio, e, no caso do sistema colonial do Antigo Regime, este tem que ser entendido como uma estrutura global cujas relações iam além da metrópole-colônia.
A colonização dos séc XVI, XVII e XVIII, marcada pela sua dimensão mercantilista (forma assumida pela "europeização" do mundo), aparece como um desdobramento da expansão comercial, ou seja, com a colonização, a ação econômica ultramarina européia passa da circulação para a produção (o que envolvia povoamento etc), porém, aspectos essenciais do primeiro movimento se mantêm (produção para o mercado europeu). Exploração comercial, portanto, continua sendo o foco da expansão comercial, reativa a acumulação de capital por parte da burguesia mercantil. O desdobramento da expansão em colonização apenas amplia o mecanismo de acumulação de capital comercial na Europa.
RELAÇÕES NO EQUILÍBRIO (E AINDA NÃO NA CRISE):
Em conjunto com o Antigo Regime, os mesmos componentes essenciais da colonização se revelam: época marcada, no plano político, pelo absolutismo; capitalismo comercial (formação do capitalismo moderno) no econômico; sociedade estamental no plano social, caracterizada por privilégios jurídicos e crescente diferenciação de classes. Uma sociedade "de ordens" que se prende cada vez mais, por um lado, à ultracentralização política, e, de outro, ao desenvolvimento da economia de mercado. Em uma sociedade tão heterogênea, o poder da monarquia de direito divino se funda exatamente neste relativo equilíbrio político de forças sociais. Seus gastos e poder ficam limitados, pois, à expansão do setor mercantil da economia (cujos lucros ainda são predominantemente na circulação - não a produção - e a acumulação não ter ainda condições para rápido crescimento). Para continuar o crescimento, a burguesia precisa do apoio extra-econômico do Estado, que, totalmente centralizado, o fornecerá (para levar a cabo a política econômica de enriquecimento de Estado caracterizadora do período mercantilista). Agindo assim, no entanto, propiciará também a aceleração da acumulação primitiva, fortalecendo a burguesia.
No contexto da política mercantilista (os elementos internos - política de privilégios, monopólios etc - e externos - colonização e política colonial), a colonização se ajusta a um sistema maior (sistema colonial, caracterizado por exclusivo metropolitano de comércio colonial, escravismo africano e tráfico negreiro) que se desenvolve nos limites de capacidade do sistema (promovendo a aceleração de capital comercial na Europa).
Passamos do equilíbrio à crise, decorrente do próprio funcionamento do sistema. Com o povoamento e crescente organização da produção (embora a economia continue sendo totalmente dependente), há um impacto na formação social da colônia (crescimento de cidades, ampliação das tarefas administrativas etc) que vai se revelando em oposição ao interesse da metrópole. Paralelamente, este desenvolvimento estimula a economia central (até um ponto em que o conjunto começa a se comprometer pelo capitalismo não se acomodar mais às características do regime).
Considerado o Antigo Regime como um todo interdependente, bastariam esses mecanismos de crise no setor colonial para comprometer conjunto. Mas, no que concerne às metrópoles que adotam a política mercantilista, as relações internacionais tendem à formação de um belicismo (a ser resolvido pela hegemonia de uma das nações). Internamente a elas, a desenfreada competição dos Estados promove o avanço burguês, e o decorrente desequilíbrio social. O intervencionismo passa a ser visto como entrave ao desenvolvimento produtivo e comercial e a burguesia, cada vez mais consciente de si, se incompatibiliza com o Antigo Regime. Problemas, portanto, tanto nas metrópoles quanto na periferia.
Morais, após explica este esquema interpretativo, aponta 3 fatores indispensáveis para seu entendimento:
	1) o arcabouço não pode conter todas as manifestações do fenômeno (como, por exemplo, a citação das colônias de povoamento): é a partir do seu sentido profundo que se tentam explicar as variações do fenômeno (no caso, a crise do sistema colonial), e não o inverso;
	2) os argumentos são válidos quando tratados em conjunto, ou seja, colônias (periféricas) que estimulavam o desenvolvimento das metrópoles (economias centrais), dentro do sistema colonial do mercantilismo;
 	3) o sistema não precisa se esgotar para entrar em crise. As tensões se tornaram insuportáveis numa fase de fase de passagem para o capitalismo industrial, e não quando a industrialização se completou (a articulação do Antigo Regime se dá com o capitalismo comercial). Vê-se que a Inglaterra, primeiro país a abrir caminho no industrialismo, passa a ser hegemônica no cenário de competição internacional.
Daí as possibilidades de INDEPENDÊNCIA. O final do séc XVIII e início do XIX passa a ser um período de reajuste do conjunto, com movimentos reformistas e revolucionários de separação. Este quadro (de crise do Antigo Regime e seu reflexo direto no sistema colonial) é que pode servir de ponto de partida adequado para a análise do movimento de independência.

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