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Homem, Cultura e Sociedade Vivian Fernandes Carvalho de Almeida Mestrado em História - Universidade Estadual de Maringá - UEM Pós-Graduação em Gestão Escolar pela Universidade Estadual do Centro-Oeste - Unicentro Graduação em História - Universidade Estadual de Maringá - UEM Graduada em História pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) e Mestre na área de Concentração: Política, Movimentos Populacionais e Sociais, linha de pesquisa Instituições e História Ideias, com ênfase em policiamento. Especialista em Gestão escolar pela Universidade Esta- dual do Centro-Oeste (Unicentro). Suas pesquisas dão ênfase à Histó- ria Contemporânea do Brasil e Regional. Coordena o Projeto Docente Olhares que estuda a História do Tempo Presente da cidade Maringá com acadêmicos do Centro Universitário de Maringá (Unicesumar). Atua como professora desde 2009 e, atualmente, é Professora de Mediadora e de História Moderna no EaD da Unicesumar. Angélica de Brito Mestrado em História - Universidade Estadual de Maringá - UEM Especialização em História e Humanidades pela Universidade Estadual de Maringá - UEM Graduação em História - Universidade Estadual de Maringá - UEM Mestre e graduada em História, pela Universidade Estadual de Ma- ringá. Tem experiência na área de História, com ênfase em História do Brasil e do Paraná, atuando principalmente nos seguintes temas: Brasil República, Política e Movimentos Sociais - Anticomunismo no Brasil. Trabalha, atualmente, como Professora Mediadora do curso de História EaD da Unicesumar. O conceito “cultura” é discutido há tempos e abarca diversas acepções em linhas gerais. Isso porque, ao pensarmos no termo, não podemos compreendê-lo de forma isolada, pois é carregado da ação humana e social. É comum vê-lo sendo utilizado como sinônimo de sabedoria, conhecimento ou mesmo condição social. Isso porque, no senso comum, a cultura é entendida como sendo algo restrito a indivíduos ou grupos sociais que moram em regiões mais desenvolvidas, pessoas com ensino superior, que dominam várias línguas ou mesmo que são melhores remu- neradas. Viés que contribui com a ideia de que europeus, estadunidenses, japoneses ou qualquer grupo que vive em uma região economicamente mais desenvolvida têm mais acesso à cultura. Concepção que deriva, em boa parte, da compreensão do social base- ada fundamentalmente no desenvolvimento material. Desse modo, regiões ou países menos desenvolvidos economicamente acabam sendo classificados como “culturalmente pobres” – entendimento equivocado, pois desconsidera a cultura como amostra do desenvolvimento humano desvinculado da produção econô- mica, ou seja, desvinculado do dinheiro. Esse posicionamento desconsidera o fato de que indivíduos que não sabem ler ou escrever também têm e produzem cultura. Uma das grandes preocupações das ciências humanas, como a História, Sociologia e Antropologia, é desconstruir esse tipo de perspectiva, demonstrando que qualquer indiví- duo ou grupo social humano é, antes de tudo, cultural. Para essas áreas, a cultura deve ser compreendida como um dos principais meios de diferenciarmos as sociedades; isso porque cada grupo social apresenta dinâmicas específicas, que envolvem maneiras de pensar, fazer e interpretar o mundo que os cerca de forma diversa, bem como comparti- lhar suas experiências entre os membros de seu grupamento social e com outros, propor- cionando, com essas relações, mudanças graduais e constantes. Este livro foi especialmente elaborado para introduzir você, caro(a) acadêmico(a), a discussões fundamentais acerca da condição do homem enquanto ser social, da cultura enquanto produto das relações sociais humanas, bem como de conceitos e discussões im- prescindíveis em torno do tema. Nesse sentido, na Primeira Unidade, demonstramos por- que o homem é um ser social e porque, como seres sociais, somos produtos e produtores da cultura. Em seguida, apresentamos, na Segunda Unidade, o significado do termo cultura, demonstrando que não há cultura superior ou inferior, para isso, abordamos conceitos como Relativismo Cultural, Etnocentrismo, bem como as teorias que os envolvem; abordamos, ainda, nessa unidade, questões acerca da diversidade cultural. Para finalizar, na Terceira Unidade, discorremos acerca de temas que abarcam o conceito de Cultura Popular, o processo de cons- trução das identidades culturais e o impacto da globalização na sociedade contemporânea e, por fim, abordamos questões relacionadas aos processos de diversidade e inclusão. Para compreender esse processo de construção e desconstrução existente nas trocas sociais e, consequentemente, na construção e desconstrução cultural, você deve estar aberto ao “outro”, ao novo, pois só assim perceberá o quanto a cultura é diversa, dinâmica e inovadora. Dito isso, desejamos uma leitura proveitosa e significativamente reflexiva. Boa Leitura! Homem, Cultura e Sociedade O que se entende por culturaunidade 2 O que se entende por cultura Angélica de Brito Vivian Fernandes Carvalho de Almeida Prezado(a) acadêmico(a), na unidade anterior, nosso foco foi a condição do homem enquanto ser social, que constrói a si a partir de tudo que vivencia, mas que também interfere em tudo que o rodeia, isso por- que as trocas simbólicas ocorrem cotidianamente, de forma sutil e contínua. Esta unidade tem o objetivo de lhe apresentar a cultura enquanto conceito. Assim, abordamos discussões fundamentais acerca do que se entende por cultura e um pouco do contexto histórico que cerca esse conceito. Para isso, demonstra- mos que não há cultura superior ou inferior, apresentando a você os conceitos de Relativismo Cultural e Etnocentrismo, bem como as teorias que os envolvem para que você possa perceber o quanto a ideia de evolução cultural é equivocada. Esperamos que as informações e exemplificações expressas nesta unidade sejam apenas o início de seus estudos em torno dos temas aqui abordados. Boa leitura! Homem, Cultura e Sociedade O que se entende por cultura Homem, Cultura e Sociedade O que se entende por cultura O Conceito Cultura e sua Aplicação nas Ciências Humanas O conceito “Cultura” é bastante complexo e tem sofrido alterações em sua apli- cabilidade há tempos. Observando, mesmo que de forma superficial, o desenvolvi- mento teórico do termo, percebemos o quanto ele é envolto de singularidades que o tornam, de certa forma, difícil de definir. Segundo Peter Burke, o termo cultura começou sendo usado para se referir às artes e às ciências. Posteriormente, foi empregado na descrição de equivalentes populares, como: música folclórica, medicina popular, entre outros. Sua utilização foi ampliada e abarcou uma ampla variedade de artefatos, dos quais podemos citar imagens, ferramentas, casas etc., e práticas cotidianas, como conversar, ler, jogar etc. Peter Burke lembra que, para a antropologia, essa percepção era comum, e em meados do século XX, o conceito deveria ser empregado às festas locais, ritmos musicais, comidas típicas e outras características locais de um determinado povo. Além disso, nos anos 1930, o conceito já era definido amplamente como devendo ser empregado “as heranças de artefatos, bens, processos técnicos, ideias, hábitos e valores” (BURKE, 2005, p. 42 e 43). Pense nisso É difícil trabalhar com o conceito de cultura popular, em parte porque essa classificação determina a existência de uma cultura erudita; nesse sentido, ao aplicá-la, precisamos tomar muito cuidado para não classificá-las segundo padrões meramente econômicos, deixando de lado as trocas simbólicas que ocorrem entre os diversos grupos sociais. É interessante pontuar que o interesse pela “cultura popular” ou Volkskultur se originou na Alemanha do final do século XVIII, quando intelectuais de áreas diversas realizaram pesquisas sobre contos populares, danças, rituais, artes e ofícios (BURKE, 2005, p. 29). O Homem, Cultura e Sociedade O que se entendepor cultura tema continuou chamando a atenção dos antropólogos e, em meados do século XX, tornou-se um dos principais interesses de historiadores da História Cultural. Não é necessário nos aprofundarmos muito na história da definição do conceito para percebermos que o seu emprego e definição gerou muitas discussões e, apa- rentemente, avanços e retrocessos. Um exemplo disso é o fato da definição citada anteriormente ter sido empregada de forma similar pelo menos há quase 60 anos. Em 1871, o antropólogo Edward Tylor definiu cultura como “o todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e outras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade” (apud BURKE, 2005, p. 52), o que indica que a amplitude do termo foi sendo assimilada de forma gradual pelos intelectuais da área. A preocupação da antropologia com o cotidiano e com a sociedade estimulou o emprego do termo “cultura” em um sentido mais amplo, e progressivamente outras áreas acadêmicas, como a História e a Sociologia, apropriaram-se dessa noção antropológica. Lendo autores contemporâneos, podemos perceber a mesma tendência de amplia- ção da aplicação do termo. Nesse sentido, em linhas gerais, podemos definir o termo como “como conjunto de modos de ser, viver, pensar e falar de uma dada forma- ção social“ (BOSI, 1992, p. 7). Bem como, “o conjunto de saberes, comportamentos, crenças e costumes adquiridos e transmitidos por um processo coletivo de aprendi- zagem” (ZUCON; BRAGA, 2013, p. 12). Ou, ainda, como nos apresenta José Luiz dos Santos (2013, p. 7) “Cultura é uma preocupação contemporânea, bem viva nos tempos atuais. É uma preocupação em entender os muitos caminhos que con- duziram os outros grupos humanos às suas relações e suas perspectivas do futuro”. Homem, Cultura e Sociedade O que se entende por cultura Podemos continuar citando as definições, mas, para nós, o fundamental é que fique claro que, neste livro, “cultura” é toda ação que envolva as relações humanas. A forma como cada sociedade se relaciona com o mundo a sua volta, bem como tudo que caracteriza as singularidades de um grupo, não apenas presentes em um indivíduo. São os hábitos e ideias conservados no indivíduo, mesmo este estando longe de sua terra. Cultura é identidade, e influencia a forma de cada indivíduo pensar e interagir com o mundo à sua volta. No entanto, como seres sociais que se relacionam conti- nuamente com grupos diferentes dos nossos, estamos em constante mudança, pois, na medida em nos envolvemos com outros, nossa comunicação e aprendizado com o outro nos altera na mesma medida que o outro também é alterado. Vivemos em uma época de hibridismo cultural (HALL, 2006). Segundo Clifford (1998 apud CESNIK; BELTRAME, 2005, p. XVIII), “a cultura não pode ser pensada como tendo amarras inevitáveis à localidade, pois significados são gerados por pessoas em movimento e pelo fluxo de conexões entre culturas”. Assim como as pessoas, a cultura está em constante movimento. Tendo cada grupo caraterísticas próprias; mesclas comportamentais são inevitáveis devido à rede interminável de relações intensificadas no mundo globalizado em que vive- mos, contribuindo com a diversidade da cultura humana, o que torna a humani- dade tão ricamente diversa e mutável. Homem, Cultura e Sociedade O que se entende por cultura Atividade 1. Avalie as seguintes asserções e a relação proposta entre elas. I - Cultura é tudo que caracteriza as singularidades de um grupo, seus hábitos e ideias, percebidos em um indivíduo, mesmo quando este não encontra-se entre os seus. PORQUE II - Cultura é uma identidade coletiva que influencia a forma de cada indivíduo pensar e interagir com o mundo à sua volta. A respeito dessas asserções, assinale a única opção CORRETA: a. As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a segunda é uma justificativa correta da primeira. b. As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a segunda não é uma justificativa correta da primeira. c. A asserção I é uma proposição falsa, e a asserção II é uma proposição verdadeira. d. A asserção I é uma proposição verdadeira, e a asserção II é uma proposição falsa. e. As asserções I e II são falsas. Cultura e Diversidade Apesar de vivermos cada vez mais centrados no mundo que nos cerca – a nossa vida cotidiana – e não viajarmos tanto quanto gostaríamos, uma coisa é certa: todos temos a certeza de que não estamos sozinhos, bem como que a língua, Homem, Cultura e Sociedade O que se entende por cultura comida, geografia etc. de outras regiões do globo é diferente da nossa. Dessa forma, são essas características específicas de cada sociedade que permitem nossa constatação acerca das diferenças de um grupo social para outro, o que, na percepção antropológica, é o mesmo que dizer que a cultura é umas das principais diferenciações da sociedade. Fonte: Rawpixel, 123RF. No entanto, apesar de diferentes, estamos em contato contínuo; claro que, na atualidade, essa proximidade é evidenciada devido à globalização, mas esses con- tatos existem desde os primórdios da humanidade. A questão é que, no decorrer de nossa história, contatos, conflitos e, até mesmo, confrontos foram inevitáveis, e a partir dessa proximidade, a diferença é sempre Homem, Cultura e Sociedade O que se entende por cultura evidente. Como exemplo, peço que você remeta-se ao conteúdo escolar acerca do “descobrimento” da América, em particular a chegada dos portugueses e espanhóis na América, trabalhado em suas aulas de História. Lembre-se que, no continente americano, existiam grupos sociais com organizações diversas, razão pela qual levou os homens oriundos da Europa declararem sua superioridade cultural – esse assunto será discutido à frente. Assim, aqui, basta declarar que diante daquela situação, os europeus submeteram aqueles povos e lhes impuseram seus valores sem tentarem compreender suas crenças, costumes sua cultura. Não valorizaram seus conhecimentos e, diante da resistência, o confronto foi certo. Pense nisso Se inúmeras sociedades habitavam o continente americano quando os europeus aqui chegaram, quem descobriu esse território? Esse capítulo da história, bem sabemos, foi extremamente sangrento e desigual. Hoje, percebemos que aqueles que se julgavam superiores por serem “civilizados” se mostraram “incivilizados” e se comportavam como os “selvagens” e “bárbaros” que tanto julgavam; tudo por conta das riquezas existentes naquela nova terra. O resultado desse posicionamento? A perda de conhecimentos sobre arquitetura, astronomia, matemática etc., conhecimentos que aqueles povos dominavam e que os intelectuais europeus levariam décadas, séculos, para descobrir. Homem, Cultura e Sociedade O que se entende por cultura Pense nisso A palavra bárbaro, na antiguidade, era utilizada com o sentido de estrangeiro; no entanto, com o passar dos séculos, o termo foi estigmatizado, remetendo-se à ideia de homem incivilizado, violento, grotesco etc., em parte por conta de alguns relatos acerca do comportamento de alguns desses grupos. Entre esses relatos, apresentamos, a seguir, a descrição célebre de Amiano Marcelino sobre os Hunos: A sua ferocidade ultrapassa tudo: sulcam de profundas cicatrizes, com um ferro, as faces dos recém-nascidos para lhes destruir as raízes dos pelos; e desse modo crescem e envelhecem imberbes e sem graça, como eunucos. Têm o corpo atarracado, os membros robustos e a nuca grossa; a largura das costas fá-los assustadores. Dir-se-ia que são animais de duas patas ou então daquelas figuras mal desbastadas, em forma de troncos de árvores, que ornamentam os parapeitos das pontes [...] Os Hunos não cozinham nem temperam aquilo que comem; alimentam-se de raízes selvagens ou de carne crua do primeiro animal que apanham e que aquecem por algum tempo na garupa do cavalo, entre as coxas. Não têm abrigos. Não usam casasnem túmulos [...] Cobrem-se com um tecido grosseiro ou com peles de ratos do campo, cosidas umas às outras; não têm uma roupa para estar em casa e outra para sair; desde que enfiam aquelas túnicas de cor des- botada, só as tiram quando elas estão a cair aos bocados [...] Não põem pé em terra nem para comer nem para dormir e dormem deitados sobre o magro pescoço da montada, onde sonham à sua vontade [...]. (AMIANO MARCELINO apud LE GOFF, 1995, p. 34). A partir desse exemplo, é importante pontuar que cada sociedade tem sua pró- pria dinâmica de desenvolvimento, e compará-las, segundo um padrão considerado Homem, Cultura e Sociedade O que se entende por cultura modelo, é inviável. Teorias que buscaram comparar e/ou hierarquizar as culturas será discutido mais à frente, a questão principal aqui é que, independentemente da origem e dos meios que possibilitam uma aproximação dos grupos sociais, os indivíduos se transformam, e dessa transformação possibilita resultados culturais múltiplos. Aqui, cabe abrirmos um parêntese para apresentarmos uma observação importante. Devido a essa multiplicidade cultural, devemos, portanto, pensar a cultura no plural. Cuche observa que existem Cultura e cultura, ou melhor, Culturas e culturas. Para o autor, devemos nos referir à Cultura (com “c” maiúsculo) ao nos referirmos às produções intelectuais de áreas, como a História, Artes, Literatura, Política, Religião etc. É correto também utilizá-la ao nos referirmos às instituições e às práticas sociais, significados e valores (CUCHE, 1999, p. 237 apud TILIO, 2009, p. 37). Por sua vez, cultura (com “c” minúsculo), refere-se à pluralidade do conceito, ou seja, refere-se a grupos sociais que compartilham os mesmos interesses, a mesma forma de se comportar, pensar ou mesmo se comunicar (SWALES, 1990 apud TILIO, 2009, p. 37). Sendo assim, segundo essas observações, podemos afirmar que as pessoas pertencem a diversas culturas, na qual, segundo Cuche (1999, p. 243 apud TILIO, 2009, p. 37), a Cultura está no centro. Nessa perspectiva, os indiví- duos partilham ao mesmo tempo uma Cultura e diversas culturas. Voltando ao “palco da colonização da América e do Brasil”, podemos perceber esse processo de assimilação cultural por meio de nossa alimentação, nosso folclore, danças e, até mesmo, nossa língua. Sabemos que, no Brasil do século XVII, a língua era um misto do português de Portugal e das línguas indígenas, por isso que o por- tuguês falado no Brasil apresenta termos específicos e soa tão diferente do falado em Portugal. Nossos hábitos alimentares também é um ótimo exemplo desse misto cultural: “O que comemos, porque comemos, como preparamos nosso alimento e em que Homem, Cultura e Sociedade O que se entende por cultura ocasiões sociais nos alimentamos são aspectos que sofrem a interferência de diver- sos processos sociais e econômicos, além dos contatos culturais ao longo do tempo” (ZUCON; BRAGA, 2013, p. 13). A mandioca e o milho utilizados pelas tribos indígenas brasileiras, séculos antes da chegada dos europeus no continente americano, hoje faz parte da mesa de pra- ticamente todos os brasileiros; assim como as frutas tropicais específicas do nosso continente, como a goiaba, jabuticaba, maracujá, guaraná, entre outras, são apre- ciadas por todas as regiões do país que apresentam um clima oportuno para o desenvolvimento destas. Temos, também, origem portuguesa. Assim, além da língua, temos muito em comum com os lusitanos; entre inúmeros exemplos, podemos citar nossa religio- sidade católica romana, uma vez que ainda somos o país com o maior número de praticantes católicos, graças a grande influência que a Igreja Católica exercia sobre Portugal durante todo nosso processo de colonização. Nossa culinária tam- bém muito próxima da culinária portuguesa: o bacalhau, por exemplo, é um prato conhecido nas diversas regiões brasileiras, e se não é apreciado diariamente, bem sabemos que é preparado ao menos às Sextas-feiras Santas de muitas famílias de tradição católica. Avançando um pouco mais na história com as imigrações dos séculos XIX e XX, o Brasil se tornou ainda mais diversificado com a presença de italianos, alemães, poloneses, japoneses, entre outros. Hoje, o macarrão tipicamente italiano e oriental também é apreciado no Brasil. O salame, produzido pelos imigrantes ucranianos do Paraná, conhecido como Cracóvia, tem sido cada vez mais apreciado em todo sul do país, região que também tem se especializado na plantação de uvas e fabri- cação de vinhos que encontram cada vez mais espaço no mercado. Observe, caro(a) acadêmico(a), queremos deixar claro que os contatos entre diferentes grupos sociais possibilitam trocas e até misturas culturais, isso porque Homem, Cultura e Sociedade O que se entende por cultura expressamos nossas origens por meio de nossa língua, dança, roupa, culinária etc., isso porque não conseguimos deixar de expressar nossa identidade, nossa cultura. Nesse aspecto, independentemente se os contatos sociais foram pacíficos ou se provocaram conflitos e confrontos, por maiores que tenham sido os estranhamentos existentes entre os diferentes povos, a história registra abundantemente essas trans- formações, o que se confirma nas palavras de Santos (1983, p. 7): [...] entre modos diferentes de organizar a vida social, de se apropriar dos recursos naturais e transformá-los, de conceber a realidade e expressá-la. A história registra com abundância as transformações por que passam as culturas, seja movidas por suas forças internas, seja em consequência desses contatos e conflitos, mais frequentemente por ambos os motivos. Por essa razão, ao discutirmos cultura, é fundamental termos em mente toda riqueza e multiplicidade de formas existente na humanidade, bem como que o homem – sendo um ser social, que se comunica, relaciona-se – está em constante transformação, desejando ele essa mudança ou não. Pode ser que, após esses exemplos corriqueiros, você esteja se perguntando: Porque as culturas variam tanto? E/ou Porque tantas variações? Mas para responder essas perguntas, precisamos fugir dos exemplos tangíveis à nossa vida cotidiana e vol- tarmos um pouco na história da humanidade. Apesar de terem uma origem biológica comum, os seres humanos se expandi- ram, o que levou a ocupação de todos os continentes do Planeta. Nesse processo, o contato entre os grupos humanos foi frequente, mas, ao mesmo tempo, isolamentos de determinados grupos era também inevitável, o que contribuiu para que muitas histórias paralelas marcassem o desenvolvimento dos grupos humanos (HARARI, 2015). Acerca desse processo, Santos pontua que: Homem, Cultura e Sociedade O que se entende por cultura O desenvolvimento dos grupos humanos se fez segundo ritmos diversos e moda- lidades variáveis, não obstante a constatação de certas tendências globais. Isso se aplica, por exemplo, às formas de utilização e transformação dos recursos naturais disponíveis. Não só esses recursos são heterogêneos ao longo das terras habitáveis, como ainda territórios semelhantes foram ocupados de modo dife- rente por populações diferentes. Apesar dessa variabilidade são notórias algu- mas tendências dominantes (SANTOS, 1983, p. 10 e 11). Assim é que se deu o processo de transição dos grupos nômades; dependentes da caça e da coleta, eles passaram à domesticação de animais e plantas (desenvolvi- mento da agricultura), possibilitando que vivessem em vilas e se sedentarizassem. Contudo, quando pensamos no desenvolvimento dos grupos humanos, não podemos nos manter apenas na compreensão de seu domínio dos recursos naturais à sua dis- posição. Mais importante ainda é observar cada agrupamento marcado pelas formas como se organizaram e transformaram a vida em sociedade, bem como superaram os conflitos sociais, comuns dentro de qualquer grupo social (SANTOS, 1983). Nesse sentido, a sedentarização pela qualpassaram os grupos humanos não é uma simples resposta dos homens aos recursos naturais que os cercam. Esse salto no desenvolvimento da evolução social da humanidade só se tornou possível e, até mesmo, viável “porque os grupos humanos envolvidos conseguiram reorganizar sua vida social de modo satisfatório, criando novas possibilidades de desenvolvi- mento, e ao fazer isso conseguiram inclusive alterar as condições e recursos natu- rais” (SANTOS, 1983, p. 11) que tinham ao seu dispor. Conforme a organização de cada grupo e diante dos meios que se apropria- ram dos recursos naturais que tinham à disposição, percebemos as especificida- des da forma como controlaram seus membros ou, em outras palavras, organi- zaram suas instituições políticas, religiosas e até mesmo jurídicas. Vale pontuar Homem, Cultura e Sociedade O que se entende por cultura que alguns desses grupos se organizaram de forma dominante com instituições extremamente centralizadas. Muito já se discutiu acerca da possibilidade de se organizar as sociedades huma- nas em um esquema único de desenvolvimento social, ou seja, organizar as cultu- ras de uma forma rígida, que proporcionasse um meio de compará-las, mas essas tentativas não foram bem-sucedidas. Isso porque, apesar de no decorrer da história de cada sociedade ser constatáveis certas características gerais, não é possível deter- minar com precisão sequências fixas eficientes para detalhar por quais passaram tantas realidades culturais. Acerca dessas tentativas, Santos (1983, p.12) nos coloca que “cada cultura é o resultado de uma história particular, e isso inclui também suas relações com outras culturas, as quais podem ter características bem diferentes” Isto é, se quisermos entender o processo de desenvolvimento da sociedade euro- peia ocidental, é possível organizar o desenvolvimento humano em etapas e fazer uso de conceitos, como selvageria, barbárie e civilização. Observe que a palavra civilização representaria, então, o ápice do desenvolvimento humano. No entanto, apesar de, para franceses e ingleses, “civilização” referir-se ao orgulho da importân- cia de suas nações para o progresso do Ocidente e da humanidade, o termo não significava o mesmo para as diferentes nações ocidentais (ELIAS, 1994). Saiba mais Na obra O processo civilizador: Uma história dos costumes, de Norbert Elias, o sociólogo discute a diferença dos termos “Civilização” e “Kultur”, comparando-os entre franceses, ingleses e alemães. Por meio dessa obra fantástica, podemos perceber o quanto esses conceitos se confundiram e se modificaram no decorrer dos tempos. Sugiro um vídeo que apresenta um pouco sobre a vida do sociólogo Norbert Elias e suas contribuições teóricas para as ciências humanas, disponível em: www.youtube.com. https://www.youtube.com/watch%3Fv%3DlNxq_B9Oz9I Homem, Cultura e Sociedade O que se entende por cultura Façamos uma reflexão sobre os apontamentos apresentados até o momento. Afirmamos que cultura é tudo aquilo que caracteriza uma população, ou grupo social humano, o que engloba sua língua, seus costumes e até a forma de organiza- ção de suas instituições. Nesse sentido, diante de contatos entre diferentes culturas, não é possível enumerá-las ou até mesmo classificá-las. Assim, diante da multiplicidade cultural, há duas formas de nos voltarmos para elas relacionando-as. Na primeira, hierarquizam-se as culturas segundo um critério ou modelo. Por exemplo, usando o critério de capacidade de produção material, é possível afirmar que uma cultura é mais avançada que a outra. Pode-se, também, compará-las segundo o desenvolvimento e/ou controle de tecnologias específicas, como a metalurgia; nesse aspecto, podemos pensar que uma é mais desenvolvida que a outra. Na segunda possibilidade, nega-se a viabilidade de comparação entre diferentes grupos. Nela, entende-se que cada grupo tem suas especificidades, portanto, não podem ser comparadas, uma vez que tal comparação submete uma sociedade aos moldes de outra. Assim, a análise de cada sociedade deve ser única, ou seja, partindo do contexto social e histórico da sociedade que está sendo alvo de estudos (SANTOS, 1983). Tomemos, novamente, o exemplo da chegada dos europeus à América. Se colo- carmos em prática a primeira forma de observarmos as sociedades, podemos afir- mar que as tribos indígenas que habitavam a parcela leste da América eram menos desenvolvidas que as que habitavam o oeste, uma vez que estas não domi- navam técnicas de metalurgia, enquanto que os grupos que habitam o extremo oeste do continente (como astecas e incas) já dominavam. No entanto, se aplicamos o segundo meio de analisar as culturas, o termo “avançado” ou “mais desenvolvido” não se aplica, uma vez que a metalurgia não faz parte daquela cultura e não se pode comprovar se um dia fará. Assim não se pode compará-las, pois, deste modo, estaremos submetendo uma cultura ao processo de desenvolvimento da outra. Homem, Cultura e Sociedade O que se entende por cultura Pense nisso Se pensarmos em um único grupo indígena que se dividiu de forma que parte deles passaram a conviver com portugueses, enquanto a outra parte com outras tribos indígenas, algumas gerações depois, teremos grupos distintos culturalmente, uma vez que as características desses grupos europeus são distintas. Dessas misturas, poderemos identificar características comuns nesses dois grupos indígenas, uma vez que compartilhavam da mesma origem; no entanto, outros hábitos e costumes serão diferentes, uma vez que portugueses e espanhóis apresentam hábitos específicos. Para que você compreenda um pouco mais os cuidados necessários no momento de se pensar a cultura, é importante que façamos algumas retomadas históricas acerca do caminho da ciência até a definição dos métodos de análise da diversi- dade cultural. Passemos, agora, a uma discussão muito importante sobre a evolu- ção das culturas ou etnocentrismo, relativismo e sobre a Antropologia utilizada com o auxílio da História. Teorias e Algumas reflexões Sobre os Conceitos: Cultura e Evolução Ainda sobre as tentativas de se classificar as sociedades humanas e suas cul- turas, desenvolveu-se alguns conceitos que ainda hoje são muito utilizados, os de selvageria, barbárie e civilização. Nessa perspectiva, selvageria seria aplicada a sociedades, como as tribos indígenas existentes na América; enquanto barbárie às sociedades que se encontravam na África e civilização aos europeus. Um pouco antes, apresentamos o exemplo das diferentes sociedades existentes na América no momento do “descobrimento” do continente americano pelos europeus; Homem, Cultura e Sociedade O que se entende por cultura no entanto, temos afirmado que comparar diferentes sociedades a partir de um modelo social é muito delicado e perigoso, principalmente quando busca-se compa- rar culturas ou mesmo hierarquizá-las; mas não ficou clara a razão dessa atitude ser comprometedora. Neste tópico, daremos mais atenção a esse tema, discutindo, com você, os conceitos de evolução e relativismo na cultura. A noção de evolução foi considerada durante muito tempo, dentro da própria antropologia, como fator de explicação das diferenças entre o “eu” e o “outro”. Nos séculos XVIII e XIX, ganhou força a ideia de que as sociedades se encontravam em diferentes graus de evolução, ou seja, algumas eram consideradas mais evoluídas que outras. Essa concepção defendia a existência de uma linha de progresso con- tínuo, nesse sentido, as sociedades partiriam de estágios primitivos rumo aos mais evoluídos (ROCHA, 2006). Renomados cientistas sociais desse período empenharam-se em enquadrar as mais diferentes culturas nesta régua de desenvolvimento. Para tanto, adotaram o conceito de cultura desenvolvido pelo antropólogo britânico Edward Burnett Tylor, segundo o qual, a cultura seria um conjunto que envolveria conhecimento, crença, arte, leis, moral, costumese outras capacidades e hábitos adquiridos por quem vive em sociedade. Empregavam essas categorias para avaliar culturas nas quais, mui- tas vezes, o conteúdo de ideias, como lei e moral, nem existiam. Isto é, utilizavam ideias próprias e características de sua sociedade que, por sua vez, resultavam de processos históricos muito particulares para avaliar e classificar as demais, como se todas as sociedades enfrentassem os mesmos problemas e valorizassem as mesmas coisas, em outras palavras, o que a sociedade do “eu” considerava como primitivo ou evoluído deveria ser considerado, também, pela sociedade do “outro”. Essa postura de tornar absoluta as nossas percepções e atribuí-las indiscrimina- damente aos demais está diretamente atrelada a uma das principais característi- cas do etnocentrismo: não permitir que o “outro” fale de si mesmo, negar a ele esse Homem, Cultura e Sociedade O que se entende por cultura mínimo de autonomia enquanto produzimos representações distorcidas sobre ele com base em elementos de nossa própria cultura. Entretanto, para falar de evolução, precisamos nos voltar ao século XIX, que é um século marcado pela valorização da ciência, período fundamental para o conhecimento que temos na atualidade; no entanto, muitos pesquisadores, em certo grau influenciado pela teoria da evolução de Charles Darwin, tentaram hierarqui- zar todas as culturas humanas buscando classificá-las (SILVA, K.; SILVA, M., 2006). Figura 2.1 - Evolução do Homem Fonte: Neyro2008, 123RF. Homem, Cultura e Sociedade O que se entende por cultura Nessa perspectiva, todas as culturas existentes ou já extintas seriam classificadas em estágios diferentes da evolução, como se todas as sociedades humanas passas- sem pelo mesmo processo evolutivo, tanto biológico quanto social. Defendia-se, assim, que as sociedades progrediriam das mais primitivas para as mais avança- das ao longo do tempo, sendo que o estágio mais avançado da humanidade seria o atingido pelo Ocidente, em particular a Europa. Teorias que deram status de ciência ao etnocentrismo (SILVA, K.; SILVA, M., 2006). Resultado da justaposição entre a palavra de origem grega “ethos”, cujo signifi- cado remonta a ideia de nação, tribo ou pessoas que vivem juntas, e centrismo, o etnocentrismo pode ser compreendido como uma visão de mundo, na qual determi- nado grupo étnico se considera o centro de tudo, na qual os demais povos são pen- sados por meio de seus valores, modelos e definições sobre a existência. A história da humanidade está repleta de exemplos do poder nefasto das ideias etnocêntricas, a crença na superioridade de um grupo ou etnia em relação aos demais originou, em diversos momentos, atitudes preconceituosas, radicais e xenófobas. A perseguição e o extermínio de aproximadamente 6 milhões de judeus, organizado e patrocinado pelo governo nazista alemão na primeira metade do século XX é um dos exem- plos que podemos mencionar. Ciganos, deficientes físicos e mentais, homossexuais e outros grupos considerados racialmente inferiores ou cujo posicionamento político, ideológico ou comportamental não fossem aceitos pelo poder estabelecido também foram perseguidos e exterminados. O etnocentrismo pode ser pensado como um fenômeno que envolve tanto ele- mentos intelectuais e racionais como emocionais e afetivos. Nessa perspectiva, a dificuldade de pensar e compreender o diferente e os sentimentos de medo, estra- nheza e hostilidade encontram-se intimamente ligados (ROCHA, 2006). Segundo esse autor, como pano de fundo da questão etnocêntrica, temos o choque cultural ao nos depararmos com o “outro”. Este, que muitas vezes apresenta formas de Homem, Cultura e Sociedade O que se entende por cultura pensar, falar, morar, vestir diferentes das nossas, diferentes do que conhecemos e consideramos como moralmente correto ou aceito. Observe, caro(a) acadêmico(a), que, nesse caso, tomamos nossos próprios costumes e práticas como referência para avaliar e julgar o que é diferente. Santos (1983, p. 14) observa que as “sociedades indígenas da Amazônia pode- riam ser classificadas nos estágios de selvageria, reinos africanos, no estágio de barbárie. Quanto à Europa classificada no estágio da civilização”, considerava-se que ela já havia passado pelos estágios anteriores. Pense nisso O fato de, em pleno século XV, os europeus desbravaram os mares em suas naus e caravelas justifica a teoria que classificava os povos indígenas como selvagens e os africanos como bárbaros? Se pensarmos nas ações violentas utilizadas pelos europeus no processo colonização da América, essa teoria se sustenta? Não tardou a se perceber que esses estudos apresentavam uma visão europeia da humanidade, visões que construíam uma escala evolutiva, na qual a Europa era superior; mas, hoje, é possível perceber de forma clara o quanto esse discurso serviu para legitimar o Imperialismo vivido nos finais do século XIX ou, em outras palavras, ele legitimou o processo de dominação dos principais países capitalistas sobre outros povos do mundo. Homem, Cultura e Sociedade O que se entende por cultura Atividade 2. Analise a biografia apresentada a seguir e assinale a alternativa que apresenta o nome correto do intelectual. No início do século XX, de forma pioneira, ao buscar explicações acerca da diver- sidade cultural aproximou a Antropologia da História. A importância de seu tra- balho foi tão significativa que, ainda hoje, sua contribuição teórica é muito utili- zada entre as Ciências Humanas. a. Denys Cuche. b. Franz Boas. c. Peter Berger. d. Yuval Noah Harari. e. Norbert Elias. Homem, Cultura e Sociedade O que se entende por cultura Atividade 3. A grosso modo, o relativismo cultural consiste na ideia que não podemos julgar outras sociedades com base em nossos próprios padrões de valores. Essa perspec- tiva surgiu em contraponto à visão etnocêntrica que estudamos inicialmente e em grande parte graças aos esforços e pesquisas desenvolvidas pelo antropólogo: a. Lewis Morgan. b. Franz Boas. c. Gilberto Freyre. d. Edward Burnett Tylor. e. Charles Darwin. Além da justificativa do domínio dos mais desenvolvidos sobre os menos desen- volvidos, defendidas pelas teorias etnocêntricas, ideias racistas também contribu- íram com tais pesquisas. Um exemplo disso é a ideologia de branqueamento, que vivemos no Brasil no final do século XIX. Não foi por acaso que as políticas de imi- gração europeia foram intensificadas diante da crise instalada com a Lei Áurea, derradeira lei abolicionista de 1888. Em síntese, as concepções de evolução linear foram extremamente criticadas com a ideia de que cada sociedade tem seu tempo e cada cultura suas especificidades, suas verdades, o que torna impossível sua classificação hierarquizada (SANTOS, 1983). Contudo, de qualquer forma, apesar de serem inviáveis e até mesmo ingê- nuas, tais teorias estiveram ligadas ao preconceito e discriminação e influenciaram pesquisas terríveis, em que as cobaias eram seres humanos. Essas experiências, bem Homem, Cultura e Sociedade O que se entende por cultura como os campos de concentração, que marcarão para sempre o século XX, devem ser sempre uma cicatriz na História da Humanidade que nos lembre dos riscos de teorias como essas. Saiba mais Para uma reflexão mais aprofundada acerca de experiências realizadas em campos de concentração, sugerimos o documentário Em Nome da Raça e da Ciência, de 2013. Disponível em: www.youtube.com. Muitas vezes, essa visão etnocêntrica nos é transmitida e reforçada em espa- ços destinados ao aprendizado, como a escola. Rocha (1988), em suas pesquisas, analisou a imagem do indígena que era transmitida em diversos livros didáticos utilizados em diversos colégios brasileiros e se deparou com uma triste realidade. Em muitos deles, a figura do indígena foi retratada como preguiçosa, indolente, imprópria para trabalhar nos engenhos e lavourasdos colonizadores. Por se recusar a trabalhar, muitas vezes em regime de escravidão, em uma terra que não era sua e em benefícios de outros, o indígena foi rotulado de forma depreciativa. Este foi apenas um exemplo, caro(a) acadêmico(a); a história do nosso país está repleta de situações em que o indígena é representado de acordo com os interesses e parâme- tros de quem produz essa representação. O etnocentrismo está mais próximo de nossa realidade do que imaginamos. Muitas vezes, nossas atitudes frente a outros grupos sociais trazem resquícios etno- cêntricos. Ao aplicarmos estereótipos e rotularmos o “outro” que faz parte do nosso convívio, estamos fazendo uso de juízos de valor que, segundo o autor, são perigo- samente etnocêntricos. Em contraponto ao etnocentrismo, existe o que conhecemos como relativismo. A grosso modo, o relativismo consiste na ideia que não podemos julgar outras https://www.youtube.com/watch%3Fv%3DxzvKAet0gac Homem, Cultura e Sociedade O que se entende por cultura sociedades com base em nossos próprios padrões de valores. Analisar uma ação e seu significado em seu contexto específico, compreender o outro considerando os seus próprios valores e não os nossos, são exemplos de relativização. Nesse sentido, “Relativizar é não transformar a diferença em hierarquia, em superiores e inferio- res ou em bem e mal, mas vê-la na sua dimensão de riqueza por ser diferença” (ROCHA, 2006, p. 10). No campo da antropologia, a perspectiva relativista, que só posteriormente rece- beu esse nome, foi inicialmente desenvolvida a partir dos estudos do antropólogo alemão, naturalizado estadunidense, Franz Boas. Ao analisar e buscar compreen- der as culturas humanas considerando suas particularidades, Boas promoveu uma ruptura significativa com as ideias evolucionistas. Toda uma geração de antropó- logos e cientistas sociais foi influenciada por suas reflexões, estudiosos que deram seguimento e aceitação no meio científico aos princípios relativistas de Boas. O relativismo cultural está ligado a uma área da filosofia chamada “Relativismo Moral”. Essa tese defende que qualquer ação pode ser considerada correta ou incor- reta, dependendo apenas do sistema moral da sociedade que a avalia, nesse aspecto não existe uma verdade universal. Caro(a) acadêmico(a), vamos tomar o seguinte exemplo como ponto de partida: em algumas sociedades na África, Oriente Médio e sudeste da Ásia, é comum a prática de rituais que envolvem a clitoridectomia, ou seja, a mutilação genital de meninas de até 14 anos. O objetivo desses rituais é extinguir o prazer sexual femi- nino, condenado em algumas culturas, ou também preservar a virgindade das envolvidas. Aos nossos olhos e de acordo com o código moral da nossa sociedade, tal costume representa uma atrocidade. Esse exemplo nos permite perceber que, de acordo com a perspectiva relativista, as sociedades possuem códigos morais diferentes, ou seja, o que é aceito em uma pode ser condenado em outra. Não existe um padrão que defina uma sociedade Homem, Cultura e Sociedade O que se entende por cultura como melhor que as demais, bem como um código moral universal a ser seguido por todos os grupos. Outro princípio relativista extremamente difundido é a impor- tância de se praticar a tolerância face às diferenças culturais que observamos e vivenciamos. O relativismo cultural, como qualquer outra linha de interpretação científica, é alvo de críticas. Se por um lado permite entender as mais diferentes culturas considerando suas particularidades, sua dinâmica própria de existência e funcio- namento, por outro enfrenta alguns desafios. Nesse aspecto, de acordo com Santos (2006, p. 16 e 17): Só se pode propriamente respeitar a diversidade cultural se se entender a inserção dessas culturas particulares na história mundial. Se insistirmos em relativizar as culturas e só vê-las de dentro para fora, teremos de nos recusar a admitir os aspectos objetivos que o desenvolvimento histórico e da rela- ção entre povos e nações impõe. Não há superioridade ou inferioridade de culturas ou traços culturais de modo absoluto, não há nenhuma lei natural que diga que as características de uma cultura a façam superior a outras. Existem no entanto processos históricos que as relacionam e estabelecem marcas verdadeiras e concretas entre elas. Não podemos relativizar o estudo acerca das sociedades e suas culturas, pois, deste modo, reflexões importantes acerca da história da humanidade não serão fei- tas, como: indagações acerca dos processos de transformações dos grupos humanos; ou sobre a produção material que ocorreram no decorrer dessas transformações; ou, ainda, sobre as relações e interferências possibilitadas pelos contatos entre diferen- tes sociedades. Homem, Cultura e Sociedade O que se entende por cultura Atividade 4. Leia o excerto a seguir e assinale a alternativa que indica a teoria correta. [...] nas versões mais comuns desses estudos, a humanidade passaria por etapas sucessivas de evolução social que a conduziria desde um estágio primordial onde se iniciaria a distinção da espécie humana de outras espécies animais até a civili- zação tal como conhecemos na Europa ocidental de então. Todas as sociedades humanas fariam necessariamente parte dessa escala evolutiva, dessa evolução em linha única (SANTOS, 1983, p. 14). a. Evolucionismo. b. Etnocentrismo. c. Relativismo. d. Teocentrismo. e. Antropologia. Homem, Cultura e Sociedade O que se entende por cultura Atividade 5. Considere o excerto a seguir: Assim, a colocação central sobre o etnocentrismo pode ser expressa como a pro- cura de sabermos os mecanismos, as formas, os caminhos e razões, enfim, pelos quais tantas e tão profundas distorções se perpetuam nas emoções, pensamentos, imagens e representações que fazemos da vida daqueles que são diferentes de nós (ROCHA, 1988, p. 6). A respeito do etnocentrismo, analise as afirmativas a seguir e assinale a alternativa correta. I – O etnocentrismo é um fenômeno exclusivo das sociedades pós-modernas. II – No plano afetivo, o etnocentrismo pode ser visto associado a sentimentos de medo, estranheza e hostilidade. III – Quando nos deparamos com o “outro”, ocorre uma espécie de choque cultu- ral, que pode ser considerado como pano de fundo do etnocentrismo. IV – Nesse contexto, as diferenças não desempenham um papel relevante, visto que a semelhança da condição humana é o fator determinante. É correto o que se afirma em: a. I, apenas. b. II, apenas. c. I e III, apenas. d. II e III, apenas. e. I, II, III e IV. Homem, Cultura e Sociedade O que se entende por cultura Tentemos tornar essa observação mais clara. Ao insistirmos em enxergar as culturas de dentro para fora, simplesmente relativizarmos qualquer tipo de estudo sobre elas, isso porque “teremos que nos recusar a admitir os aspectos objetivos que o desenvolvimento histórico e da relação entre os povos e nações impõe” (SANTOS, 1983, p. 16). Além disso, o observador de uma cultura terá sempre uma cultura própria, isso significa que todas as culturas serão estudadas a partir das compara- ções e relações possíveis, segundo o olhar desse observador. Assim, se pensarmos que as observações realizadas acerca das sociedades humanas também são culturais, tudo é relativo, o que nos leva a concluir que não apenas os europeus impõem seus valores, mas qualquer estudioso que não fizer uso dos métodos adequados, inde- pendente de sua origem ou nacionalidade; pois, como já citamos anteriormente, cultura também envolve um processo coletivo de aprendizagem. Em outras pala- vras, compreendemos tudo que está a nossa volta, partindo de nossa realidade, partindo do senso comum que compartilhamos com nossos pares sociais (BERGER; LUCKMANN, 2004). Não sendo possível nos despirmos de nossos conhecimentos, de nossas culturas para observarmos o que nos cerca, então, para respeitarmosa diversidade cultural, precisamos nos voltar para a inserção de cada cultura na história da humanidade. Franz Boas foi um dos pioneiros a afirmar que “toda cultura tem uma história própria, que se desenvolve de forma particular e não pode ser julgada a partir da história de outras culturas” (SILVA, K.; SILVA, M., 2006, p. 85). No século XX, Boas utilizou a História para explicar a diversidade cultural, demonstrando as diferen- ças entre culturas na humanidade. É esse importante pesquisador que aproximou a História da Antropologia, o que é, até hoje, bastante utilizado (SILVA, K.; SILVA, M., 2006). Por Gilberto Freire ter sido discípulo de Franz Boas, sua obra Casa-grande e senzala, escrito em 1933, é um dos exemplos mais citados de pesquisa que segue Homem, Cultura e Sociedade O que se entende por cultura essa vertente. Contudo, outras obras também lembram esse segmento, sendo eles Raízes do Brasil, de Sergio Buarque de Holanda, de 1936, e O Povo Brasileiro, de Darcy Ribeiro, de 1995. Esses autores se preocuparam em tentar compreender a formação da sociedade brasileira por meio de análises do processo de colonização brasileira, considerando as relações entre as culturas indígena, europeia e africana e as heranças resultantes desse contato. Nessas obras, percebemos a defesa de que “a cultura estabeleceria vínculos com a dinâmica das sociedades, com base em suas transformações no tempo e nos contatos com o outro” (ZUCON; BRAGA, 2013, p.13). Outro desafio enfrentado pelos que defendem o relativismo é questão das crí- ticas a práticas adotadas por algumas culturas que atentam contra os direitos humanos mais elementares. Algumas tribos no Brasil, por exemplo, mantêm a tradição do infanticídio. Nessas comunidades, crianças recém-nascidas que apre- sentam alguma deficiência ou problema de saúde, são consideradas amaldiçoadas e, portanto podem ser assassinadas ou abandonadas na floresta por seus familiares. Até que ponto é possível conciliar o respeito às diversas tradições quando os direitos humanos são ameaçados? O debate acerca dessa temática é amplo, foge do que pretendemos abordar aqui, porém, é fundamental na medida em que compreen- demos que todas as teorias podem e devem ser questionadas. Caro(a) acadêmico(a), postas tais observações, então é chegado o momento de concluirmos esta unidade. Deste modo, finalizamos com a reiteração de que é essen- cial ao cientista social, independentemente de sua área de atuação (antropologia, sociologia, história, geografia e afins), atentar-se ao fato de que cada civilização deve ser compreendida dentro de sua História. Apresentamos, nesta unidade, um pouco do processo de compreensão histórica acerca do desenvolvimento cultural histórico. Explicamos que o conceito de evolu- ção, ao nos referirmos à dinâmica social de cada sociedade, é indevido, uma vez que cada sociedade tem uma organização específica e deve ser compreendida Homem, Cultura e Sociedade O que se entende por cultura a partir de suas relações históricas. Para concluirmos essa discussão, salientamos, então, que ao nos propormos aos estudos acerca da diversidade cultural, não pode- mos trocar o equívoco da evolução cultural, representada no etnocentrismo, pelo equívoco do relativismo cultural, precisamos ter claro que não há superioridade ou inferioridade entre as culturas, mas sim relações desiguais. Relações nas quais sociedades se impõem em todos os sentidos, hierarquizando povos de sociedades diversas. Fato que deve ser sempre considerado e observado à luz da História da Humanidade. Dica de leitura Nome do livro: Introdução às culturas populares no Brasil Editora: InterSaberes Autor: Otavio Zucon e Geslline Giovana Braga ISBN: 978-85-8212-918-0 o livro apresenta uma introdução histórica e antropológica das culturas no Brasil, popularmente conhecidas. Tem destaque os saberes, celebrações e todos os itens que envolvem o conhecimento sobre a cultura em nosso país.
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