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2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 3 2 A REFORMA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL ................................................ 4 2.1 Reformas Psiquiátricas no mundo ...................................................... 14 3 A SAÚDE MENTAL NO CONTEXTO NEOLIBERAL ................................ 16 3.1 Rede de Atenção Psicossocial: a Atual Política de Saúde Mental no Brasil 20 4 POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL E DIREITOS HUMANOS: BREVES REFLEXÕES ............................................................................................................. 28 5 SAÚDE MENTAL ...................................................................................... 33 5.1 A saúde psicológica ........................................................................... 37 5.2 Saúde mental e vulnerabilidade ......................................................... 38 5.3 Saúde psicológica, consentimento e vulnerabilidade ......................... 40 5.4 A investigação no domínio da saúde mental ...................................... 43 5.5 Determinantes da saúde mental ......................................................... 45 5.6 Os determinantes psicológicos ........................................................... 45 5.7 Os determinantes socioeconômicos ................................................... 47 5.8 Determinantes comportamentais ........................................................ 47 6 ORGANIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE MENTAL ......................... 49 7 INDICADORES DE SAÚDE MENTAL NA ATENÇÃO BÁSICA ................ 51 7.1 Capítulos do DSM-IV-TR .................................................................... 53 7.2 Capítulos do DSM-5 ........................................................................... 54 7.3 Os DSM, a farmacologia e a realidade brasileira ............................... 59 8 A PROPOSTA DO MINISTÉRIO PARA A “SAÚDE MENTAL NA ATENÇÃO BÁSICA 61 9 BIBLIOGRAFIA ......................................................................................... 68 3 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta , para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 4 2 A REFORMA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL Fonte: redehumanizasus.net As perspectivas de Basaglia exerceram significativa influência no Brasil. Cumpre lembrar que no país, no fim da década de 1950 os hospícios eram caracterizados por superlotação e maus-tratos aos internos. Além disso, do século e XIX até o início do século XX o Brasil vivenciou uma trajetória no campo da saúde denominada de higienista, no qual os hospitais psiquiátricos funcionavam como dispositivos de controle político e social (Amarante, 1995 apud MIRANDA S; 2019). Ademais, de acordo com Amarante (1995 apud MIRANDA S; 2019) a partir dos anos 1960, constituiu- se no Brasil uma autêntica indústria para o enfrentamento da loucura, tendo em conta que os hospitais psiquiátricos conveniados com o poder público incentivaram a cronicidade das doenças com o intuito de manterem os lucros. O autor demarca que assim que os militares assumiram o governo do país, houve a celebração de convênios com hospitais psiquiátricos privados. 5 Sob a ótica de Amarante (2006 apud MIRANDA S; 2019), o campo psiquiátrico foi o mais explorado pelas empresas privadas no período ditatorial. A falta de direitos dos usuários juntamente com a baixa exigência de qualidade na área, colaborava para a chamada “indústria da loucura”, o número de leitos privados subiu nesse período de 3 mil para quase 56 mil, houve uma expansão dos leitos privados e uma diminuição de investimentos do setor público na área em questão. Toda via, nos anos 1970, seguindo a influência de outros países, instalaram-- se no país críticas com proposições para a transformação do modelo de assistência psiquiátrica e ao paradigma da psiquiatria tradicional (Devera e Costa Rosa, 2007 apud MIRANDA S; 2019). Mobilizações sociais e políticas impulsionaram o movimento da RP brasileira, que teve como um marco histórico as mobilizações ocorridas em 1978.Neste ano, estagiários do Centro Psiquiátrico Pedro II do Rio de Janeiro-RJ, denunciaram uma série de violações aos direitos humanos dos internos da instituição que também abrangiam presos políticos nos quais eram ali eram torturados. Após as denúncias, além dos estagiários, 263 profissionais que defendiam os denunciantes e confirmavam as denúncias foram demitidos (Amarante, 2006 apud MIRANDA S; 2019). Esse episódio foi denominado como a crise da Divisão Nacional da saúde Mental do Ministério da Saúde- DINASM. As denúncias publicitadas pelos profissionais que atuavam nos hospitais que estavam sob a responsabilidade dessa Divisão, repercutiram nacionalmente, ocasionando debates na esfera da sociedade civil, indignada com a forma como Estado tratava os sujeitos internados (Amarante, 2006 apud MIRANDA S; 2019). Os trabalhadores começam a denunciar a ausência de recursos das instituições, as precárias condições de trabalho. É assim que surgiu o Movimento dos Trabalhadores da Saúde Mental-MTSM, que seguiu com a crítica à função segregada a do hospital psiquiátrico e juntou-se com a intensiva mobilização nacional em prol da redemocratização, conforme MIRANDA S; (2019). 6 Os trabalhadores de saúde mental, manifestaram-se intensamente contra a privatização da saúde mental e as práticas desumanas que ocorriam também nas instituições privadas. Por isso, a defesa por um acesso à saúde pública incluía as pautas do movimento da RP no Brasil, conforme MIRANDA S; (2019). O ano de 1978 também foi marcado pela chegada ao Brasil de Franco Basaglia, o psiquiatra italiano que liderava naquele momento, uma das principais experiências de superação do modelo asilar-manicomial no mundo. Basaglia retornou ao país no ano seguinte e ao visitar o Hospital Colônia de Barbacena -Minas Gerais, um dos mais cruéis manicômios brasileiros, comparou o hospital a um campo de concentração que, por sua vez, é denominado por Arendt (2005 apud MIRANDA S; 2019) como campo de extermínio. Para a autora nos campos de concentração e extermínio os sujeitos perdiam a liberdade e a capacidade da ação. O horror era instaurado de tal forma que os internos vivenciam um processo de anulação do eu. Arendt (2005, p.376 apud MIRANDA S; 2019) considerava que o verdadeiro horror dos campos de concentração e de extermínio reside no fato de que os internos, mesmo que consigam manter-se vivos, estão mais isolados do mundo dos vivos do que se tivessem morrido, porque o horror compele ao esquecimento. No mundo concentracionário mata-se um homem tão impessoalmente como se mata um mosquito. Uma pessoa pode morrer em decorrência de tortura ou de fome sistemática, ou porque o campo está superpovoado e há necessidade de liquidar o material humano supérfluo.Tal comparação feita por Basaglia indicava o caráter mortificador do Hospital de Barbacena, despertando a atenção especial da imprensa, que juntamente com a exposição do documentário “Em nome da Razão” e de uma série de reportagens de Hiran Firmino, intituladas “Nos porões da loucura” divulgadas na época trouxeram visibilidade para da questão da saúde mental no Brasil (Amarante, 2006 apud MIRANDA S; 2019). Cenas de outros grandes manicômios do Brasil, tais como o Juqueri, no Estado de São Paulo; a Colônia Juliano Moreira, no Rio de Janeiro foram veiculadas pelos meios de midiáticos. Percebe-se, que estes fatores favoreceram para a comoção da sociedade civil e o envolvimento tanto de pacientes como de familiares ao movimento da RP (Silva, 2012 apud MIRANDA S; 2019). 7 Na década de 1980, de acordo com Tenório (2002 apud MIRANDA S; 2019) houve dois fatores cruciais para a consolidação do movimento da RP: a ampliação dos atores sociais envolvidos no movimento; e a iniciativa de reformulação legislativa nos quais estabeleceram um novo horizonte de ação: não apenas as macros- reformas às instituições psiquiátricas, mas a cultura, o cotidiano, as mentalidades, incorporando novos atores, entre eles, os usuários e seus familiares. Em 1986 ocorreu a VIII Conferência Nacional de Saúde, nesta, formou-se uma comissão para fazer novas propostas para a assistência à saúde mental brasileira. Tal comissão propôs que o atendimento em saúde mental fosse multiprofissional, feito tanto em postos de saúde, como em ambulatórios especializados e em serviços específicos para esse atendimento, no caso os Centros de Atenção Psicossocial – CAPS, conforme MIRANDA S; (2019). Outros eventos de relevância para a estruturação das novas propostas na saúde mental foram a I Conferência Nacional de Saúde Mental e o II Congresso de Trabalhadores de Saúde Mental, ocorrido em 1987, em Bauru, São Paulo. Neste congresso tem-se a criação do Movimento Nacional da Luta antimanicomial e a inclusão dos usuários e seus familiares nas discussões acerca da política. Criou-se o lema “Por uma Sociedade sem Manicômios” e foi a partir do Congresso de Bauru que se instituiu o dia 18 de maio como Dia Nacional da Luta Antimanicomial, conforme MIRANDA S; (2019). Nestes eventos, foram debatidas, sobretudo, propostas de substituição do modelo hospitalocêntrico, baseado na centralidade do hospital psiquiátrico, para o acompanhamento dos sujeitos com sofrimento psíquico pelo modelo comunitário, aberto, com serviços substitutivos e com uma significativa diminuição das internações em hospitais fechados. O impacto das proposições desses eventos colaborou em 1987 para a implantação do primeiro CAPS no Brasil em São Paulo, o CAPS Luiz da Rocha Cerqueira (Goldberg, 2001 apud MIRANDA S; 2019). Tratava-se de um serviço intermediário, ou seja, com ações entre o hospital e a comunidade, aderia a lógica de “desospitalização do modelo americano, e por outro lado à ideia de transformação cultural do modelo italiano” (Anaya, 2004, p.73 apud MIRANDA S; 2019). Em 1989 merece frisar a intervenção do poder público no hospital psiquiátrico particular “Casa de Saúde Anchieta” em Santos-SP em virtude de denúncias anônimas de maus tratos aos pacientes e mortes violentas. Com o fechamento da instituição foram implantados no município os Núcleos de Atenção Psicossocial 8 (NAPS) com funcionamento de 24 horas, cooperativas e residências para os egressos do hospital e associações, conforme MIRANDA S; (2019). Estes núcleos foram inspirados nos Centros de Saúde Triestinos, “adotando as noções tanto de serviços substitutivos quanto de tomada de responsabilidade e território” (Freire, Úga e Amarante apud Liberato, 2011, p.39; apud MIRANDA S; 2019). Para Liberato (2011 apud MIRANDA S; 2019) a experiência de Santos foi a materialização da possibilidade de atenção integrada com base em uma rede de serviços assistenciais e culturais, com um modelo de ação realmente substitutivo ao manicômio. Em relação ao serviço substitutivo, de acordo com a Psiquiatria Democrática, este não convive com o hospital psiquiátrico, mas ao contrário, o substitui e o supera, opõe-se à noção de serviços alternativos, complementares ou suplementares (Anaya, 2004 apud MIRANDA S; 2019). A partir dessa lógica substitutiva, de superação do manicômio, foi apresentado em 1989 o Projeto de Lei do deputado Paulo Delgado que propunha a regulamentação dos direitos da pessoa com sofrimento mental e a extinção progressiva dos manicômios no país. Esse marco, foi considerado como o início das lutas do movimento da Reforma Psiquiátrica nos campos legislativo e normativo (Brasil, 2005 apud MIRANDA S; 2019). É pertinente aclarar que ao longo desse trabalho recorre-se ao termo de serviços substitutivos para designar os serviços que substituem ao modelo hospitalocêntrico, ou seja, que substitui uma lógica de cuidado centrada na figura do hospital psiquiátrico. Nota-se, até aqui, que a efervescência da RP esteve circunscrita ao contexto de redemocratização brasileira, intrinsecamente vinculada à CF/88 e a construção do SUS. Nessa perspectiva, sua característica dominante é a proposição do resgate da cidadania de sujeitos historicamente tutelados e segregados, conforme MIRANDA S; (2019). Para Tenório (2002 apud MIRANDA S; 2019), a importância analítica de inserir a cidadania como valor fundante e organizador das propostas de mudanças nas formas de assistência aos sujeitos com sofrimento psíquico, está em que a Reforma é sobretudo um campo heterogêneo, que abarca a clínica, a política, o social, o cultural e as relações com o âmbito jurídico, e é obra de atores muito diferentes entre si. Por estas características Diaz (2009 apud MIRANDA S; 2019) entende que a RP é um movimento social que tem como pauta a luta pela cidadania e dos direitos das pessoas com sofrimento mental. Com base nisto, pode-se compreender que tal movimento tem como bandeira de luta o reconhecimento social destes sujeitos. Sobre 9 este aspecto, Axel Honneth (2003 apud MIRANDA S; 2019) ao discorrer sobre a teoria crítica do reconhecimento, traz contribuições para subsidiar a reflexão da trajetória dos sujeitos com sofrimento mental na esfera das políticas sociais e no âmbito do direito. Este autor busca mostrar que os conflitos sociais são essencialmente baseados numa luta por reconhecimento social e que esta luta é o motor das mudanças sociais. Honneth (2003 apud MIRANDA S; 2019) considera como um tipo de desrespeito, o fato do sujeito permanecer estruturalmente excluído da posse de determinados direitos no interior de uma sociedade e para ele a experiência de desrespeito está sempre acompanhada de sentimentos afetivos que podem revelar ao indivíduo que determinadas formas de reconhecimento lhe são socialmente denegadas e é “nessas reações emocionais de vergonha, que a experiência de desrespeito pode tornar-se o impulso motivacional de uma luta por reconhecimento” (2003, p.224 apud MIRANDA S; 2019), assim, o desrespeito converte-se num motivo da resistência política. A particularidade nas formas de desrespeito, como as existentes na privação de direitos ou na exclusão social, não representa somente a limitação violenta da autonomia pessoal, mas também sua associação com o sentimento de não possuir status de um parceiro da interação com igual valor, moralmente em pé de igualdade. Nesse sentido, para Honneth (2003 apud MIRANDA S; 2019) a dimensão do auto respeito é resgatada na participação em um movimento social: “A aceitação por um grupo na luta política restitui ao indivíduo um pouco do seu auto respeito negado” (2003, p. 96 apud MIRANDA S; 2019). No que tange à Reforma Psiquiátrica, observa-se que o movimento foi iniciado pelos trabalhadores de saúde e que posteriormente passou a incluir os usuários e seus familiares e diversos segmentosda sociedade. Foi a ação política dos profissionais, inicialmente, que colocou à vista a luta por reconhecimento social dos sujeitos com sofrimento mental, conforme MIRANDA S; (2019). Lembrando que para Arendt (2004 apud MIRANDA S; 2019), em sua obra A condição humana, é na pluralidade que se revela a ação e é partir da ação é possível instaurar interrupções e novos processos. Frente a baixa vocalização dessa parcela, é que se observa o quão crucial foram e são as articulações dos trabalhadores em saúde mental para o início das mudanças na forma do Estado tratar tal parcela. 10 Contudo, o movimento é caracterizado por um instável conjunto de acentuados conflitos e tensões (Diaz, 2009 apud MIRANDA S; 2019). Amarante (1995 apud MIRANDA S; 2019) mostra que alguns setores da sociedade eram (e ainda são) resistentes à Reforma Psiquiátrica, ele realça que na época de efervescência do movimento, os principais opositores foram: A Associação Brasileira de Psiquiatria – ABP, que não optou por afrontar os segmentos tidos como conservadores da universidade, do aparato estatal, do empresariado de saúde, até porque parte destes setores eram membros da própria ABP e estavam comprometidos com um olhar mais tradicional da psiquiatria, conforme MIRANDA S; (2019). A Indústria farmacêutica, haja vista, que a RP brasileira tem como uma das bandeiras de luta o posicionamento contrário à medicalização da vida e à cronificação dos sujeitos por meio de psicofárrmacos, conforme MIRANDA S; (2019). setor privado, sobretudo a Federação Brasileira de Hospitais -FBH, que embora seja uma entidade de prestadores privados de saúde em geral, tinha em sua composição uma parcela significativa de “empresários da loucura”. Segundo Amarante (1995) no contexto do governo ditatorial houve uma ampla expansão de serviços psiquiátricos particulares, e ao final da década de 1980, com a promulgação da CF/1988, estes serviços passaram a disputar o cliente psiquiátrico com o setor público. Em torno do movimento da Reforma Psiquiátrica no Brasil há uma gama de conflitos, interesses e disputas de espaço. Apesar dessas tensões, surgiram as normatizações que fortaleceram as propostas da Reforma. Um marco que colaborou para a responsabilização do Estado quanto à questão da saúde mental no país refere- se à assinatura da Declaração de Caracas, em 1990. Esta descrevia que os governos deveriam assegurar os direitos humanos às pessoas com sofrimento mental e organizar serviços comunitários de saúde mental, conforme MIRANDA S; (2019). Os desdobramentos da declaração são percebidos no Brasil com a intensificação de serviços “substitutivos” implantados. No início dos anos 1990 foram aprovadas as portarias 189/91 e 224/92 do Ministério da Saúde, que originaram a possibilidade, inexistente até então, para o SUS financiar programas de assistência 11 externos ao hospital psiquiátrico para as pessoas com sofrimento psíquico e seus familiares, conforme MIRANDA S; (2019). Oficializaram, ainda, as normas para o funcionamento dos CAPS, delimitando suas atribuições e diferenciando suas modalidades de acordo com a complexidade dos atendimentos e abrangência populacional (Brasil, 1992 apud MIRANDA S; 2019). Tais portarias indicam o caminho que vai sendo traçado pela saúde mental no Brasil num contexto de ideologia neoliberal. Os serviços que vão sendo preconizados se assimilam com os serviços extra hospitalares da psiquiatria preventiva dos EUA, de caráter intermediário (CAPS), ao invés de apresentarem um caráter de fato substitutivo (NAPS). Em 2000, outra portaria relevante nesse processo de normatização de serviços extramuros foi a portaria 106 que criou um significativo serviço: a residência terapêutica, com vistas a abrigar pacientes psiquiátricos desospitalizados que não conseguiram voltar para o retorno da vida no seio familiar (Brasil, 2000 apud MIRANDA S; 2019). No ano seguinte, após dez anos de tramitação do projeto de Lei de Paulo Delgado, e com as pressões do empresariado e de grupos interessados na manutenção do modelo manicomial, os senadores optam em aprovar o projeto de lei do senador Sebastião Rocha (PDTAP), que se transformou na lei 10.216/2001. Esta lei estabeleceu os direitos das pessoas com sofrimento psíquico preconizando que assistência a esses sujeitos seja feita em serviços comunitários e não centralizada no hospital psiquiátrico e que a internação hospitalar ocorra somente quando todos os recursos extra hospitalares não forem suficientes (Brasil, 2001 apud MIRANDA S; 2019). Apesar do seu texto legal diferir do projeto inicial, sobretudo ao ignorar a proibição da construção de novos hospitais psiquiátricos, foi considerada a principal lei para o movimento da RP. Foi definido pela Lei que o tratamento paute na reinserção social do paciente em seu meio, por isso coloca que a pessoa com sofrimento mental tem o direito de ser assistido preferencialmente em serviços comunitários de saúde mental. Com a institucionalização da Lei, os CAPS assumem um lugar central no novo modelo, passam a ser concebidos como serviços “substitutivos” à internação psiquiátrica. Merhy (2007 apud MIRANDA S; 2019) compreende que estes serviços podem fazer a crítica ao mundo manicomial e ao mesmo tempo desenvolver práticas alternativas e substitutivas. 12 Na opinião de Souza (2015, p.51 apud MIRANDA S; 2019) é preciso substituir não só os hospitais psiquiátricos, mas sobretudo a lógica do modelo hospitalar”, ou seja, a existência de serviços físicos não necessariamente caracteriza uma mudança na perspectiva da “desinstitucionalização”, um CAPS pode funcionar como um serviço aberto, porém não está livre de reproduzir práticas manicomiais. Com base na Lei 10.216 de 2001, em 2002 foi publicada a portaria 336, estabelecendo distintas modalidades de CAPS. O incentivo ao financiamento destes serviços foi prescrito na portaria nº 245, de 17 de fevereiro de 2005 no qual foi republicada em dezembro 2011 pela portaria Nº 3.089 que institui o recurso financeiro fixo para as diversas modalidades de CAPS que estejam credenciados pelo Ministério da Saúde, conforme MIRANDA S; (2019). Ademais, no mesmo ano, em dezembro de 2011, foi criada a principal portaria que diz respeito aos serviços “substitutivos”, a de nº 3088 que institui a Rede de Atenção Psicossocial-RAPS, dispondo sobre a criação, ampliação e articulação de pontos de atenção à saúde para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do SUS. As diretrizes que norteiam o funcionamento da RAPS- Rede de Atenção Psicossocial pautavam-se no respeito aos direitos humanos; no reconhecimento dos determinantes sociais da saúde; na oferta de cuidado e assistência multiprofissional sob a lógica interdisciplinar; diversificação das estratégias de cuidado com o foco em serviços de base territorial e comunitária e na inclusão da participação e controle social dos usuários dos serviços e de seus familiares (Brasil, 2011 apud MIRANDA S; 2019). Entende-se aqui, a relevância de expor estas diretrizes, pois estas mostravam que a proposta da RAPS- Rede de Atenção Psicossocial era totalmente oposta à lógica de tratamento do modelo centralizado no hospital psiquiátrico. Tanto é que, na descrição de seus componentes o hospital psiquiátrico não se apresenta como dispositivo da Rede. Ele pode até ser acionado por ela, mas a ênfase da RAPS está nos serviços abertos, conforme MIRANDA S; (2019). No entanto, seis anos após o estabelecimento da RAPS, em 21 de dezembro de 2017, foi publicada no Dário Oficial da União a portaria nº3.588 que trouxe alterações profundas na RAPS- Rede de Atenção Psicossocial. Uma das principais mudanças dizem respeito à inclusão do Hospital Psiquiátrico Especializado como componente da Rede (Brasil, 2017apud MIRANDA S; 2019). Os defensores da RP 13 fizerem críticas às modificações propostas por entenderem que a portaria favorece o fortalecimento dos hospitais psiquiátricos indo contra os princípios da Lei nº 10.216/2001, que enfatiza o cuidado nos serviços de base territorial e por acreditarem que a inclusão destes hospitais na Rede de atendimento traz prejuízos de investimento em serviços de base territorial e comunitária, por isso, os estudiosos da Reforma ponderam que as alterações são retrocessos para a política de saúde mental que vinha tentando se consolidar no país (ABRASME, 2018 apud MIRANDA S; 2019). A partir destes marcos, para Paulo Amarante (2006 apud MIRANDA S; 2019) a RP como um processo complexo abrange quatro dimensões, sendo: Dimensão técnico-conceitual, que se refere ao questionamento das bases teóricas e conceituais do paradigma clássico de olhar os sujeitos com sofrimento mental. Descontrói, portanto os conceitos de doença mental, de normalidade, concepção de cura, conforme MIRANDA S; (2019). Dimensão técnico-assistencial, que se reporta à construção de dispositivos estratégicos, como lugares de acolhimento e de trocas sociais, conforme MIRANDA S; (2019). Dimensão jurídico-política, que demarca a necessidade de revisão na legislação (sanitária, civil e penal), no que concerne as ações que historicamente relacionaram a loucura com a periculosidade, irracionalidade, incapacidade civil, de exercício de cidadania, irresponsabilidade, e a necessidade da criação de um arcabouço jurídico que respalde dos direitos dos sujeitos com sofrimento mental, como por exemplo a instituição da lei 10.216 de 2001; referindo assim, essencialmente ao aspecto da cidadania, conforme MIRANDA S; (2019). Dimensão sociocultural, pauta-se pela transformação do imaginário social sobre a loucura e de relações que não sejam baseadas na intolerância, mas sim na reciprocidade e solidariedade. Também inclui o envolvimento da sociedade com a RP (Amarante, 2007 apud MIRANDA S; 2019). Portanto, este processo complexo permeado por tais dimensões ora segue com avanços significativos ora com impasses e recuos, o momento atual é apreensivo. Fato é que tem havido no Brasil profundas mudanças para a política de 14 saúde mental. Ao refletir tais mudanças é crucialsituar asinterferências neoliberais para o desenrolar desta política, conforme MIRANDA S; (2019). 2.1 Reformas Psiquiátricas no mundo Se o século XIX foi o século dos manicômios o século XX será o século das Reformas Psiquiátricas. Como elucidado, no período pós-guerra, houve críticas e experiências reformistas em relação aos hospitais psiquiátricos. Com base em Amarante (1995 apud MIRANDA S; 2019), abaixo está uma síntese das principais propostas no mundo: - Comunidade Terapêutica (Inglaterra -1959 apud MIRANDA S; 2019): Processo de reformas institucionais predominantemente restritas ao espaço do hospital psiquiátrico, marcado por medidas administrativas e técnicas que enfatizavam aspectos democráticos, participativos e coletivos, como o envolvimento de pacientes e familiares no tratamento, com vistas a uma transformação da dinâmica institucional asilar. - Psiquiatria de Setor (França apud MIRANDA S; 2019): Enfoque na criação de novas instituições intermediárias, extra hospitalares, setorizando o território. - Psicoterapia institucional (França-1952 apud MIRANDA S; 2019): Recebeu influências da psicanálise. O movimento pautou-se no resgate do potencial terapêutico do hospital psiquiátrico com ênfase ao coletivo dos pacientes e técnicos, de todas as categorias, em oposição ao modelo tradicional, da hierarquia e da verticalidade. - Psiquiatria preventiva (EUA- 1955 apud MIRANDA S; 2019): Caracterizou- se pelo deslocamento da lógica de doença mental para saúde mental. Buscou realizar intervenções na comunidade com o objetivo da promoção da saúde mental. Foco em serviços para prevenção. Requer sublinhar a criação de serviços extra hospitalares de caráter intermediário. Caráter este que pode ter dois sentidos: o primeiro, é no sentido de 'passagem' entre o hospital e a comunidade ou vice- versa (isto é, quando o paciente transita pelo serviço em processo de saída hospitalar, em processo de readaptação social, ou quando por tentativa de evitar a internação integral e imediata); o segundo, é no sentido de 'provisório', isto é, como modalidade assistencial que deveria existir até o momento em que o hospital tornar-se-ia obsoleto, dada a implantação da rede de serviços preventivos e comunitários (Amarante, 1996, p.43 apud MIRANDA S; 2019). 15 - Psiquiatria Democrática (Itália Déc.1970 apud MIRANDA S; 2019): criticou radicalmente os fundamentos do paradigma psiquiátrico clássico. Destaca-se o movimento de RP na Itália, em especial na década de 1970, denominado de “Psiquiatria Democrática” conduzido pelo psiquiatra Franco Basaglia que ao fazer uma crítica ao paradigma psiquiátrico até então instituído, propôs processo de desinstitucionalização fundamentado no desmonte do hospital psiquiátrico tendo em contrapartida a implantação de novos espaços e maneiras de lidar com o sofrimento psíquico. Segundo Amarante (1995 apud MIRANDA S; 2019), a tradição Basaglia trouxe em seu centro a exigência de uma análise histórico-crítica em relação a como a sociedade interage com o sofrimento e a diferença. A crítica ao paradigma psiquiátrico tradicional teve início na experiência do hospital psiquiátrico de Goriza. Basaglia assumiu a direção do hospital em 1960 e introduziu mudanças sob a influência Comunidade Terapêutica e da Psicoterapia Institucional, só que indo além ao preconizar a modificação das relações de poder na instituição, extinguindo os métodos punitivos/coercitivos e abrindo alguns espaços para a comunidade (Gomes, 2013 apud MIRANDA S; 2019). Será, porém, no hospital de Trieste a grande experiência de desinstitucionalização encabeçada por Basaglia. O psiquiatra italiano percebeu que as contradições fundantes no interior do manicômio, estavam na própria ordem social. Ao chegar em 1971 em Trieste, iniciou uma desmontagem do aparato manicomial, seguido da criação de novos espaços e modos de lidar com a loucura, ou melhor com o sofrimento mental, pois propôs colocar a doença entre parênteses e se atentar para a dimensão do sofrimento do sujeito. Nesse sentido foram construídos sete centros de saúde mental, um para cada área da cidade, cada qual abrangendo de 20 a 40 mil habitantes funcionamento 24 horas ao dia, sete dias por semana. São abertos também vários grupos-apartamento, que são residências ondem moram os usuários, algumas vezes só, algumas vezes acompanhados por técnicos e/ou outros operadores voluntários, que prestam cuidados a um enorme contingente de pessoas, em mais de trinta locais diferentes (Amarante, 1995, p.50 apud MIRANDA S; 2019). A repercussão do trabalho em Trieste culminou na aprovação da Lei 180, no ano de 1978, que determinou a extinção dos manicômios e a substituição do modelo psiquiátrico por outras modalidades, assistência, sendo até hoje a única no gênero em todo o mundo (Amarante, 2006 apud MIRANDA S; 2019). No que concerne ao aspecto conceitual de desinstitucionalização é importante salientar que esse termo pode apresentar significações distintas como aponta Amarante (1996 apud MIRANDA S; 2019). De acordo com o autor, a noção inicial de desinstitucionalização surgiu nos EUA em virtude do Plano de Saúde Mental do 16 governo Kennedy a partir da psiquiatria preventiva, sendo compreendida como um conjunto de medidas de desospitalização, voltadas para objetivos administrativos (redução dos custos da assistência para os cofres públicos), sem colocar o hospital psiquiátrico em questão. Outra tendência para o sentido de desinstitucionalização é o seu entendimento como desassistência, que significaria no abandonodos doentes à própria sorte, de que o Estado se exime da responsabilidade com esse público. E, por fim, a terceira direção de sentido atribuída diz respeito à crítica vigorosa ao saber psiquiátrico, ao aparato manicomial e de segregação. Desinstitucionalizar significaria “entender instituição no sentido dinâmico e necessariamente complexo das práticas e saberes que produzem determinadas formas de perceber, entender e relacionar-se com os fenômenos sociais e históricos” (1995, p.48 apud MIRANDA S; 2019). Nesta última tendência que o movimento de RP brasileira buscou inspiração. 3 A SAÚDE MENTAL NO CONTEXTO NEOLIBERAL Fonte: revistahsm.com.br Sob a perspectiva do ideário neoliberal, viu-se que há um retraimento do Estado nos investimentos na política de saúde. No caso brasileiro, tem-se um descompromisso com a sustentação de um sistema de saúde pública prescrito na CF/88. Há uma tendência do mercado regular os serviços de saúde: os sujeitos que podem pagar recorrem aos serviços privados e o Estado presta os serviços apenas 17 àqueles que não os adquirem pela via do mercado. Segundo Vasconcelos (2010, p. 03, apud MIRANDA S; 2019), para a maioria da população, “fica uma assistência pública sucateada, focalizada e/ou uma forte tendência para a privatização crescente de várias linhas de atendimento à população, via provisão de serviços de saúde e saúde mental terceirizados”. No país, os processos sociais e políticos se veem refletidos na degradação do quadro de saúde e saúde mental da população, desencadeando crescentes demandas de assistência. Nesse contexto, os desafios postos à sociedade, ao Estado e à política de saúde mental podem direcionar para uma regressão das conquistas nesta área (Vasconcelos, 2010 apud MIRANDA S; 2019). Cumpre assinalar, que tais conquistas estão associadas ao entendimento de que todo o decurso da RP provocou mudanças na forma da sociedade lidar com os sujeitos com sofrimento psíquico, haja vista, que o movimento pautou pela defesa dos direitos desses indivíduos e de serviços inclusivos, abertos e não segregadores como procederam, historicamente, os hospitais psiquiátricos. Foram insuficientes, contudo, tanto na assistência integral quanto na substituição dos serviços, conforme MIRANDA S; (2019). Vasconcelos (2010 apud MIRANDA S; 2019) compreende que os grandes obstáculos encarados tanto pela RP como pela Reforma Sanitária, na realidade, representam um desafio com proporção mais abrangente que diz respeito ao processo de universalização das políticas sociais em contexto periférico ou semiperiférico, o qual tem se dado em meio à crise das políticas de bem -estar social na esfera mundial e a hegemonia e expansão de políticas neoliberais, resultantes em desemprego estrutural, sucateamento das políticas sociais públicas, desfiliação e desassistência aos grupos sociais subalternos. A transição dos cuidados às pessoas com sofrimento psíquico do modelo asilar ao modelo de atenção psicossocial - que para Costa-Rosa (2000 apud MIRANDA S; 2019) são as formas políticas e teórico técnicas que fazem oposição ao modelo hospitalocêntrico- insere-se no cenário de um SUS instável, cheio de tensões e crises. Como já descrito, houve um amplo movimento de mudanças do modelo da assistência à saúde mental no Brasil, o hospital psiquiátrico perdeu a centralidade da assistência e os serviços comunitários ganharam espaço. 18 De acordo com Andreoli (2007 apud MIRANDA S; 2019) novas modalidades de tratamento têm sido disponibilizadas, incluindo o acesso gratuito aos psicotrópicos, contudo, apesar das expansões dos serviços, a RP não foi seguida pelo aumento do investimento público em saúde mental. O autor esclarece que a Reforma não consiste numa estratégia de redução de custos; pelo contrário, ela necessariamente implica a expansão de investimentos se de fato os governos estabelecessem aprimorar os cuidados em saúde mental aos distintos grupos sociais, em especial, aos grupos em desvantagens. A lógica da RP não é meramente suprimir à assistência psiquiátrica asilar, mas de deslocar e incorporar investimentos públicos em outros modos de assistência. A questão que cabe levantar é se os investimentos feitos nesses novos modos de cuidar têm viabilizado os cuidados necessários à população com sofrimento mental no Brasil, conforme MIRANDA S; (2019). De acordo com Bandeira (1991 apud MIRANDA S; 2019), a implementabilidade de um sistema depende do apoio financeiro que obtém e neste aspecto, o campo da saúde mental no formato da atenção psicossocial baseada em serviços substitutivos ao modelo asilar de cuidado, vive um dilema estrutural quanto ao financiamento adequado. Para Fonseca (2007, p.38 apud MIRANDA S; 2019), diferentemente das outras áreas da saúde, os problemas de sofrimento psíquico. Não são transmissíveis por vírus ou bactérias, não são identificáveis por radiografia, ou exame de sangue e não afetam, portanto, de modo claro, a taxa de mortalidade da população. As terapêuticas custam caro porque dependem fundamentalmente de pessoas que cuidam de pessoas, por um prazo, em geral, indeterminado. Ou seja, é uma área da saúde para o qual o conceito “cura” não faz qualquer sentido, e o resultados terapêuticos, portanto, não podem ser apresentados sem uma boa dose de elementos subjetivos e qualitativos de análise, conforme MIRANDA S; (2019). Por estas razões, do ponto de vista do autor, para os gestores públicos, que de modo geral são orientados pelo horizonte do curto prazo de quatro anos de mandato, a saúde mental é uma área de investimento de baixa rentabilidade político-eleitoral. Por exemplo, “Diz-se efetuamos 15000 operações de catarata, ou aplicamos 1 milhão de vacinas, mas não se pode dizer “realizamos 200 reabilitações psicossociais” (Fonseca 2007, p.39 apud MIRANDA S; 2019). 19 Com base nesse raciocínio o autor pondera que a defesa por uma política de saúde pública eficaz, já é difícil, do ponto de vista de se assegurar os recursos necessários à implementação dos princípios básicos do SUS, os desafios postos à saúde Mental são ainda mais corpulentos, conforme MIRANDA S; (2019). O quadro político no campo da saúde no Brasil tem apresentado problemas graves, o sub financiamento das políticas sociais tem inviabilizado o funcionamento de qualidade de muitos serviços substitutivos. Segundo Vasconcelos (2010 apud MIRANDA S; 2019), no Brasil muitos CAPS ainda não funcionam 24 horas e os que funcionam muitas vezes estão abarrotados, ficam fechados aos finais de semana, sobretudo nas regiões do interior. Há, assim, dificuldades da prestação de atendimento à crise aguda de um portador de sofrimento psíquico grave nestas regiões. A Reforma previu a necessidade de instituições públicas que deem conta da complexidade nessa área, incluindo os subsídios para o atendimento dos quadros mais agudos e de crises que demande o internamento, que deveria ser feito em hospital geral com condições para tal. Esse atendimento na perspectiva de integralidade é muito difuso no país, conforme MIRANDA S; (2019). O autor assinala que nas cidades de médio/pequeno porte o número de médicos psiquiatras disponíveis é baixo e é menor ainda os que se dispõem a trabalhar na atenção psicossocial, o que dificulta os plantões desses profissionais nos CAPS (Vasconcelos, 2010 apud MIRANDA S; 2019). Diante disto, entende-se que a trajetória da política de atendimento às pessoas com sofrimento mental no Brasil é complexa uma vez que engloba distintos atores e discursos. Nesse sentido, pondera-se que a RP no Brasil ainda está em curso, ou seja, está inacabada e inconclusa. Correa e Passos (2017 apud MIRANDA S; 2019) afirmam que é “Impossível voltar atrás”. Em concordância com as autoras, defende- se que numa sociedade democrática não há espaços para instituições que segreguem o “diferente”, que cerceeios direitos sociais e humanos, ou seja, é preciso reconhecer que as mudanças propostas ao campo da saúde mental na perspectiva da desinstitucionalização basagliana foram avanços importantes para a legislação brasileira. Porém, isso não isenta problematizar se as normativas atuais e as gestões públicas têm de fato ofertado à pessoa com sofrimento mental um lugar distinto do da exclusão e marginalidade que atenda sua real demanda. 20 3.1 Rede de Atenção Psicossocial: a Atual Política de Saúde Mental no Brasil A Reforma Psiquiátrica, também conhecida como Luta Antimanicomial, abordada acima, tem suas nomenclaturas atribuídas a uma grande mobilização social que já dura mais de duas décadas e vem propondo a reformulação das políticas públicas de saúde mental, de modo a superar o modelo asilar que há muitos anos fora praticado no Brasil e no mundo, fundamentado sobre a discriminação e a segregação de pessoas, com a intenção de substituí-lo por um conjunto de serviços abertos e comunitários que garantam à pessoa com transtorno mental o cuidado necessário para viver com segurança em liberdade, no convívio familiar e social tanto quanto possível, assim como qualquer outro cidadão, conforme ZANELLA F; (2019). O marco legal visto como uma conquista para as pessoas com transtornos mentais foi a aprovação da Lei Federal nº 10.216/2001, que deu respaldo jurídico e legitimidade ao movimento de Reforma Psiquiátrica. A Lei dispõe sobre a proteção das pessoas com transtornos mentais e redireciona todo o modelo assistencial na área para todos que dele necessitam, conforme ZANELLA F; (2019). Conforme Moura (2011 apud ZANELLA F; 2019), a rede de atenção à saúde mental brasileira é parte integrante do SUS, rede organizada de ações e serviços públicos de saúde instituída no Brasil pelas Leis Federais nº 8080/1990 e nº 8142/1990. Leis, Portarias e Resoluções do Ministério da Saúde priorizam o atendimento à pessoa com transtorno mental no sistema comunitário, indo de encontro com o que é reivindicado pelo Movimento da Reforma Psiquiátrica dentro da política de saúde mental. Diante disso, o Estado passa a ter a responsabilidade de pensar e criar e rever políticas públicas para assistir às necessidades de atendimento das pessoas com transtorno mental de forma extra-hospitalares. São, portanto, instalados os primeiros centros de atenção psicossocial no país para responder à nova demanda de atendimento das pessoas com transtorno mental oriundas de longos internamentos nos hospitais psiquiátricos que aos poucos foram reduzindo seus leitos, conforme ZANELLA F; (2019). 21 Conforme Moura (2011 apud ZANELLA F; 2019), o primeiro CAPS no Brasil foi inaugurado em março de 1986, em São Paulo. O Centro de Atenção Psicossocial Professor Luiz da Rocha Cergueira, conhecido como CAPS da Rua Itapeva, com mais de trinta anos de funcionamento, serviu de referência para as instalações de mais CAPS por todo o país. Os Núcleos de Apoio Psicossocial (NAPS) ou Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) foram criados oficialmente a partir da Portaria nº 224/1992, que regulamentou o funcionamento de todos os serviços de saúde mental em acordo com as diretrizes de descentralização e hierarquização das Leis Orgânicas do SUS, conforme ZANELLA F; (2019). Essa Portaria define os NAPS/CAPS como unidades de saúde locais/regionalizadas que contam com uma população adscrita definida pelo nível local e que oferecem atendimento de cuidados intermediários entre o regime ambulatorial e a internação hospitalar. Os NAPS/CAPS podem constituir-se também em porta de entrada da rede de serviços para as ações relativas à saúde mental e atendem também a pacientes referenciados de outros serviços de saúde, dos serviços de urgência psiquiátrica ou egressos de internação hospitalar (MOURA, 2011 apud ZANELLA F; 2019). A pessoas dependentes químicas e as pessoas com transtornos mentais têm seu tratamento e acompanhamento priorizados pela RAPS, principalmente nos CAPS ou UA, pois a dependência química é definida pela 10ª edição da Classificação Internacional de Doenças da OMS como um conjunto de fenômenos comportamentais, cognitivos e fisiológicos que se desenvolvem após o uso repetido de determinada substância, conforme ZANELLA F; (2019). De acordo com ZANELLA F; (2019), em 2003, o Ministério da Saúde publicou “A Política do Ministério da Saúde para a Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas”, assumindo o compromisso de prevenir, tratar e reabilitar esses usuários através dessa política. Para isso, desenvolveu algumas práticas a serem contempladas, entre elas: [...] proporcionar tratamento na atenção primária, garantir o acesso a medicamentos, garantir atenção na comunidade, fornecer educação em saúde para a população, envolver comunidades/famílias/usuários, formar recursos humanos, criar vínculos com outros setores, monitorizar a saúde mental na comunidade, dar mais apoio à pesquisa e estabelecer programas específicos (BRASIL, 2003, p. 11 apud ZANELLA F; 2019). 22 Para que o tratamento da saúde das pessoas com dependência de álcool e outras drogas seja atendido de forma integral, devem ser vistas para além do aspecto econômico e social para a recuperação do usuário. Neste mesmo movimento, o Ministério da Saúde, com a implementação da política de atenção a usuários de álcool e outras drogas, buscou implantar novos programas, como a criação de Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPSAD). Criaram-se também redes de dispositivos comunitários, integrados ao meio cultural e articulados à rede assistencial em saúde mental e aos princípios de Reforma Psiquiátrica para dar suporte aos dependentes, conforme ZANELLA F; (2019). A Portaria nº 336/MS, publicada em 19 de fevereiro de 2002, um ano após a implementação da Lei Federal nº 10.216/2001, que atualizou a Portaria nº 224/92, regulamenta o funcionamento dos CAPS. Uma vez necessário projetar serviços públicos de saúde, substitutivos ao modelo asilar, de referência nos territórios comunitários e de livre acesso para as pessoas com transtornos mentais sejam crianças, adolescentes ou adultos, um dos mais populares modelos de assistência para esse público foram os CAPS, que propõem serviços de atenção psicossocial através do SUS em um local destinado a dar atenção, oferecer tratamento, acompanhamento e, ao mesmo tempo, espaço social no sentido de produção de projetos de vida e de exercício de direitos, conforme ZANELLA F; (2019). Nessa perspectiva, projetar o espaço CAPS requer considerar, em particular, A afirmação da perspectiva de serviços de portas abertas, no sentido literal e simbólico: espaços e relações de “portas abertas”; a disponibilidade e o desenvolvimento de acolhimento, cuidado, apoio e suporte; A configuração de um serviço substitutivo, territorial, aberto e comunitário espaços que expressem o “cuidar em liberdade” e a afirmação do lugar social das pessoas com a experiência do sofrimento psíquico e da garantia de seus direitos; A atenção contínua 24 horas compreendida na perspectiva de hospitalidade; A permeabilidade entre “espaço do serviço” e os territórios no sentido de produzir serviços de referência nos territórios (BRASIL, 2013, p.17 apud ZANELLA F; 2019). O espaço do CAPS deve ser pensado de forma a acolher as pessoas com transtorno mental, para que continuem seu tratamento e tenham acompanhamento de forma livre, estimulando o convívio comunitário. Em 1989, três anos depois na região onde foi instalado o primeiro CAPS no país, a Secretaria Municipal de Saúde de Santos, São Paulo, deu início a um processo de intervenção em um hospital psiquiátrico, a Casa de Saúde Anchieta, local onde havia denúncias de maus-tratos e mortes de pacientes, conforme ZANELLA F; (2019). 23 Essa ação teve repercussão nacional e colaborou com a visibilidade de atençãoao tipo de tratamento que era oferecido no hospital psiquiátrico, agitando, em nível nacional, a necessidade de construção de uma rede de cuidados para essas pessoas que fosse substitutiva ao hospital psiquiátrico. Assim, neste período, foram implantados em Santos NAPS com atendimento 24 horas e criadas cooperativas e residências para os egressos do hospital e associações (BRASIL, 2005 apud ZANELLA F; 2019). Os NAPS possuem o mesmo objetivo de atendimento de um CAPS, com nomenclatura diferente, tendo requisitos de equipe técnica como prevê o manual que orienta a estrutura física dos Centros de Atenção Psicossocial e Unidades de Acolhimento. Publicado em 2013, o manual traz orientações para elaboração de projetos de construção, reforma e ampliação de CAPS e de Unidades de Atendimento (UA), conforme ZANELLA F; (2019). De acordo com ZANELLA F; (2019), os CAPS estão organizados conforme modalidades para melhor atendimento de sua população usuária. Conforme especificações e tipificações previstas no manual, CAPS I: Atende pessoas de todas as faixas etárias que apresentam prioritariamente intenso sofrimento psíquico decorrente de transtornos mentais graves e persistentes, incluindo aqueles relacionados ao uso de substâncias psicoativas, e outras situações clínicas que impossibilitem estabelecer laços sociais e realizar projetos de vida. Indicado para Municípios ou regiões de saúde com população acima de quinze mil habitantes (BRASIL, 2013, p. 13 apud ZANELLA F; 2019). Equipe mínima necessária para compor o CAPS I: um médico com formação em saúde mental; um enfermeiro; três profissionais de nível superior, que podem ser: psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional, e quatro profissionais de nível médio. Apesar de o manual trazer a informação de que o atendimento é para todas as faixas etárias, pode se afirmar que o público de crianças e adolescentes é atendido pelo CAPSi, quando houver nas cidades com maior número de habitantes, conforme ZANELLA F; (2019). Há também o CAPSII – previsto para municípios com população acima de cem mil habitantes, que deve contar com equipe mínima de um médico psiquiatra; um enfermeiro com formação em saúde mental; quatro profissionais de nível superior e seis profissionais de nível médio para o atendimento administrativo. Cabe aqui ressaltar que se enquadram os auxiliares e técnicos em enfermagem no nível médio 24 dos profissionais que compõem uma equipe de CAPS, seja de que porte for, conforme ZANELLA F; (2019). CAPS II: Atende prioritariamente pessoas em intenso sofrimento psíquico decorrente de transtornos mentais graves e persistentes, incluindo aqueles relacionados ao uso de substâncias psicoativas, e outras situações clínicas que impossibilitem estabelecer laços sociais e realizar projetos de vida (BRASIL, 2013, p. 13 apud ZANELLA F; 2019). Para Municípios ou regiões de saúde com população acima de cento e cinquenta mil habitantes, há previsão do CAPSIII, que atende prioritariamente pessoas em intenso sofrimento psíquico decorrente de transtornos mentais graves e persistentes, incluindo aqueles relacionados ao uso de substâncias psicoativas, e outras situações clínicas que impossibilitem estabelecer laços sociais e realizar projetos de vida, conforme ZANELLA F; (2019). O CAPSIII proporciona serviços de atenção contínua, com funcionamento vinte e quatro horas, incluindo feriados e finais de semana, ofertando retaguarda clínica e acolhimento noturno a outros serviços de saúde mental, inclusive para atendimentos do CAPS AD. Equipe mínima: 02 médicos psiquiatras; 01 enfermeiros com formação em saúde mental, 05 profissionais de nível universitário, 08 profissionais de nível médio (BRASIL, 2013, p. 13 apud ZANELLA F; 2019). O CAPSIII, por ter um serviço contínuo, o acolhimento noturno, com atendimento 24 horas por dia, necessita de equipe técnica composta por três técnicos/auxiliares de enfermagem, sob supervisão do enfermeiro do serviço, e um profissional de nível médio da área de apoio. Para as 12 horas diurnas, nos sábados, domingos e feriados, a equipe deve ser composta por um profissional de nível superior, três técnicos/auxiliares de enfermagem, sob supervisão do enfermeiro do serviço, e um profissional de nível médio da área de apoio, conforme previsto no manual, conforme ZANELLA F; (2019). Temos ainda o CAPSAD centro de atenção psicossocial álcool e drogas, direcionado ao tratamento e acompanhamento de pessoas de todas as faixas etárias que apresentam intenso sofrimento psíquico decorrente do uso de crack, álcool e outras drogas. [...] proporciona serviços de atenção contínua, com funcionamento vinte e quatro horas, incluindo feriados e finais de semana, ofertando retaguarda clínica e acolhimento noturno. Indicado para Municípios ou regiões de saúde com população acima de cento e cinquenta mil habitantes. Equipe mínima: 1 médico 25 psiquiatra; 01 enfermeiros com formação em saúde mental; 1 médico clínico, responsável pela triagem, avaliação e acompanhamento das intercorrências clínicas; 4 profissionais de nível universitário, 6 profissionais de nível médio (BRASIL, 2013, p. 14 apud ZANELLA F; 2019). Como há também o CAPSADIII, que atende adultos, crianças e adolescentes, com funcionamento no período de 24 horas e que possui até doze leitos, quando pessoas em atendimento pelo CAPSAD necessitam fazem uso do CAPSADIII quando houver necessidade e disponibilidade na cidade. Este possui Serviço com no máximo 12 leitos para observação e monitoramento, de funcionamento 24 horas, incluindo feriados e finais de semana; indicado para municípios ou regiões com população acima de 150.000 habitantes. Equipe mínima: 1 médico clínico; 1 médico psiquiatra; 1 enfermeiro com experiência e/ou formação na área de saúde mental; 5 profissionais de nível universitário, 4 técnicos de enfermagem; 4 profissionais de nível médio; 1 profissional de nível médio para a realização de atividades de natureza administrativa (BRASIL, 2013, p. 14 apud ZANELLA F; 2019). Considerando as normativas do Estatuto da Criança e do Adolescente, quando há crianças ou adolescentes com necessidades de cuidados clínicos contínuos em instituições, inclusive nos CAPSIII e CAPSADIII, prioriza-se o menor tempo possível de permanência para que a criança ou adolescente possa dar continuidade de seu tratamento e acompanhamento de forma ambulatorial, conforme ZANELLA F; (2019). Há, ainda, o Centro de Atenção Psicossocial que atende somente crianças e adolescentes, chamado de CAPSi, o CAPS infantil ou infanto-juvenil, atende crianças e adolescentes que apresentam prioritariamente intenso sofrimento psíquico decorrente de transtornos mentais graves e persistentes, incluindo aqueles relacionados ao uso de substâncias psicoativas, e outras situações clínicas que impossibilitem estabelecer laços sociais e realizar projetos de vida. Indicado para municípios ou regiões com população acima de 70 mil habitantes (BRASIL, 2013, p. 15 apud ZANELLA F; 2019). O manual, quando se refere a profissionais de nível superior para compor a equipe técnica, está referenciando psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional, pedagogo fonoaudiólogo, profissional de educação física, enfermeiro ou outro profissional de nível superior que contribua para o projeto terapêutico. Já os de nível médio são os auxiliares e técnicos de enfermagem, técnico administrativo, técnico artesão, entre outros, conforme necessidade do serviço, conforme ZANELLA F; (2019). 26 Para o funcionamento do CAPSi, está previsto como equipe técnica mínima: um médico psiquiatra, ou neurologista ou pediatra com formação em saúde mental; um enfermeiro; quatro profissionais de nível superior e cinco profissionais de nível médio (BRASIL, 2013 apud ZANELLA F; 2019). Segundo BRASIL (2004 apud ZANELLA F; 2019), os municípios com menos de vinte milhabitantes não obrigatoriamente precisam ter CAPS, segundo a lógica de organização proposta pelo Ministério da Saúde, e podem começar a estruturar sua rede de cuidados a partir da Atenção Básica do próprio município. Há como serviço extra-hospitalar na área da saúde mental as UA para adultos, destinada às pessoas que fazem uso de álcool e outras drogas maiores de dezoito anos. Com funcionamento 24 horas, conforme consta no manual (2013 apud ZANELLA F; 2019), são previstos pelo menos um profissional de nível superior (médico, psicólogo, assistente social, profissional de educação física, entre outros), por período de atendimento manhã, tarde e noite, além de dois profissionais de nível médio no local. Já as Unidades de Acolhimento Infanto-Juvenil, destinadas às crianças e aos adolescentes entre dez e dezoito anos incompletos, possuem a mesma necessidade mínima de equipe técnica que uma UA para adultos, porém com 12 horas diárias de funcionamento e com o requisito de “40 horas de profissionais de nível superior na área de educação, distribuídas de maneira a garantir a presença mínima de 1 profissional por período em todos os dias úteis da semana, das 7h às 19 horas” (BRASIL, 2013, p. 16 apud ZANELLA F; 2019). Todos esses dispositivos foram criados para organizar a rede municipal de atenção a pessoas com transtornos mentais. Os CAPS em todas as suas modalidades, são serviços de saúde municipal, abertos, comunitários, que oferecem atendimento diário. Eles devem ser territorializados, devem estar circunscritos no espaço de convívio social daqueles usuários que os frequentam, conforme ZANELLA F; (2019). Os CAPS, dentro da atual política de saúde mental do Ministério da Saúde, são considerados dispositivos estratégicos para a organização da rede de atenção em saúde mental. Com a criação desses centros, possibilita-se a organização de uma rede substitutiva aos hospitais psiquiátricos que mantinham longos internamentos e impossibilitavam que muitas pessoas não tivessem convívio social e familiar. O 27 principal objetivo é oferecer atendimento à população, realizar o acompanhamento clínico e a reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários, conforme ZANELLA F; (2019). As práticas realizadas nos CAPS têm como característica ocorrerem em ambiente aberto, acolhedor e inserido na cidade, no bairro. Os projetos desses serviços, muitas vezes, ultrapassam a própria estrutura física, em busca da rede de suporte social, preocupando-se com o sujeito e sua singularidade, sua história, sua cultura e sua vida cotidiana (BRASIL, 2004 apud ZANELLA F; 2019). Com o objetivo de promover a ressocialização da pessoa com transtorno mental, proporciona de forma emancipatória o exercício da cidadania, ao invés da exclusão que vinha sendo praticada por muitos anos no país. Os CAPS possuem, por fim, um papel estratégico na organização da rede comunitária de cuidados às pessoas com transtorno mentais, além de direcionar e de desenvolver projetos terapêuticos e comunitários para seus usuários. O processo de construção dos serviços de atenção psicossocial tem revelado outras realidades, conforme (BRASIL, 2004 apud ZANELLA F; 2019) as teorias e os modelos prontos de atendimento vão se tornando insuficientes diante das demandas das relações diárias com o sofrimento e a singularidade desse tipo de atenção que o sujeito requer e necessita. É preciso criar, observar, escutar, estar atento à complexidade da vida das pessoas, ir para além do que se está previsto em legislação, visto como mínimo para estruturar um CAPS e modelo terapêutico de tratamento. Para tanto, é necessário que, ao definir atividades, como estratégias terapêuticas nos CAPS, sejam repensados os conceitos, as práticas e as relações que podem promover saúde entre as pessoas: técnicos, usuários, familiares e comunidade. É preciso que todos os envolvidos participem desta construção o máximo possível, questionando e avaliando permanentemente os direcionamentos do serviço, tratamento e acompanhamento, para que possam estar próximos de garantir os direitos humanos de cada usuário, conforme ZANELLA F; (2019). Temos ainda previsto em legislações como serviço na rede extra hospitalar o Serviço Residencial Terapêutico (SRT). Segundo o Ministério da Saúde (2004 apud ZANELLA F; 2019), as residências terapêuticas constituem-se como alternativas de moradia para as pessoas que estiveram internadas há anos em hospitais psiquiátricos 28 por não contarem com suporte adequado na comunidade e, principalmente, por não contar com suporte familiar e social suficientes para garantir espaço adequado de moradia. O “número de usuários pode variar desde 1 indivíduo até um pequeno grupo de no máximo 8 pessoas, que deverão contar sempre com suporte profissional sensível às demandas e necessidades de cada um” (BRASIL, 2004, p. 6 apud ZANELLA F; 2019). A reabilitação psicossocial deve buscar a inserção do usuário na rede de serviços, organizações e relações sociais da comunidade. Ou seja, a inserção em um SRT é o início de longo processo de reabilitação da pessoa com transtorno mental, serviço que deverá buscar a progressiva inclusão social do morador que possui algum tipo de transtorno mental em sociedade mesmo que já não possua vínculos familiares, conforme ZANELLA F; (2019). 4 POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL E DIREITOS HUMANOS: BREVES REFLEXÕES Fonte: exactstringask.com Para entendermos a ligação entre a saúde mental, a política de saúde mental e os direitos humanos, é preciso esclarecer conceitos e compreensões para conseguimos refletir sobre o tema, compreender que os direitos humanos perpassam 29 por todas as pessoas e políticas públicas, inclusive a política de saúde mental, conforme ZANELLA F; (2019). O princípio da dignidade da pessoa humana está previsto no art. 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988, sendo um princípio fundamental da República brasileira e norma constitucional que permeia todo o ordenamento jurídico no país (BRASIL, 1988 apud ZANELLA F; 2019). O princípio da dignidade da pessoa humana é um valor moral e espiritual inerente à pessoa, ou seja, todo ser humano é dotado desse preceito. Ainda acerca da Constituição, o art. 6º trata dos direitos sociais pelos quais todo ser humano está, ou deveria estar, assegurado em nosso país, São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (BRASIL,1988, p. 6 apud ZANELLA F; 2019). A Constituição Federal de 1988 foi instituída para assegurar, através de garantias constitucionais, maior efetividade aos direitos fundamentais, inerentes a todos os que vivem no Brasil, permitindo a participação do Poder Judiciário sempre que houver lesão ou ameaça de lesão a direitos, conforme ZANELLA F; (2019). O direito à saúde permeia a dimensão da dignidade do ser humano, e o respeito a esse direito não é simplesmente uma questão de solidariedade ou de cidadania, mas, sim, e antes de tudo, de sobrevivência de toda uma nação, direito à vida como aborda o art. 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida” (BRASIL, 1988, p. 2 apud ZANELLA F; 2019). Do preâmbulo da Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) de 1948, duas considerações devem ser destacadas para auxiliar na reflexão sobre o tema: "Considerando que a liberdade, a justiça e a paz no mundo têm por base o reconhecimento da dignidade intrínseca e dos direitos iguais e inalienáveis de todos os membros da família humana" e, ainda, "considerando que o desconhecimentoe o menosprezo dos direitos humanos tem originado atos de barbárie ultrajantes para a consciência da humanidade, conforme ZANELLA F; (2019). Em outras palavras, os direitos humanos são inerentes a todos, independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição, o respeito à vida é igualitário assim como deveriam haver todas as condições de subsistência para garantir a dignidade da vida humana, como moradia, 30 alimentação, saúde, lazer, liberdade de expressão, entre tantas outras necessidades humanas objetivas e subjetivas, conforme ZANELLA F; (2019). De acordo com ZANELLA F; (2019), fundados sobre o respeito pela dignidade e o valor de cada pessoa, os direitos humanos têm como principais características, assim como traz o informativo online do Nações Unidas do Brasil, [...] são universais, o que quer dizer que são aplicados de forma igual e sem discriminação a todas as pessoas; os direitos humanos são inalienáveis, e ninguém pode ser privado de seus direitos humanos; eles podem ser limitados em situações específicas. Por exemplo, o direito à liberdade pode ser restringido se uma pessoa é considerada culpada de um crime diante de um tribunal e com o devido processo legal; os direitos humanos são indivisíveis, inter-relacionados e interdependentes, já que é insuficiente respeitar alguns direitos humanos e outros não. Na prática, a violação de um direito vai afetar o respeito por muitos outros (ONUBR, 2019, p. 2 apud ZANELLA F; 2019). Compreende-se, assim, que direitos humanos são todos os direitos individuais fundamentais, como moradia, educação, trabalho, lazer, saúde e entre outras necessidades, os direitos econômicos relativos à empregabilidade, meio ambiente e suas riquezas naturais e consumidor e, ainda, os direitos políticos relativos às formas de realização e exercício da cidadania, conforme ZANELLA F; (2019). A pessoa com transtorno mental merece tratamento digno em relação à sua saúde mental, assim como todos os direitos resguardados a qualquer outro cidadão, respeitando suas necessidades e a integração com a família e a comunidade. Segundo Moura (2011 apud ZANELLA F; 2019), a pessoa com transtorno mental apresenta formas não convencionais de fazer-estar no mundo, necessitando de políticas públicas voltadas a elas com respeito à dignidade humana. A DUDH prevê a ampla e irrestrita aplicação de seus princípios para todos, inclusive para as pessoas com transtornos mentais. Exige, ainda, a necessidade da implantação de leis que assegurem direitos universais aos ditos “loucos”, para que se tenha dignidade em seu tratamento e convivência em seu meio social e familiar, conforme ZANELLA F; (2019). Outrossim, diferentes países, inclusive o Brasil, manifestam a aceitação do conjunto dos direitos humanos, baseados nos princípios da dignidade humana, consolidando e reconhecendo liberdades individuais, direitos civis, sociais e à vida sem violência, tal como traz a DUDH. Desse modo, na medida em que o Brasil se responsabilizou por compromissos internacionais pela garantia dos direitos humanos 31 e incorporou a noção de igualdade e justiça na Constituição, assumindo o Programa de Direitos Humanos, selou um compromisso expresso e formal, necessitando pensar políticas públicas voltadas a atender as mais variadas necessidades humanas, como na área da saúde pública, na saúde mental, educacional, habitacional, entre tantas outras, conforme ZANELLA F; (2019). É preciso que se assimile efetivamente o significado dos direitos humanos, exigindo cidadania plena e dignidade para todos, seja legalmente, seja no cotidiano. Respeitar e reconhecer as diferenças é o exercício de democracia na busca de um mundo mais justo para todos. Segundo a cartilha Direito à Saúde Mental, produzida em 2012 pelo Ministério Público Federal, a saúde mental “é um direito fundamental do cidadão, previsto na Constituição Federal para assegurar bem-estar mental, integridade psíquica e pleno desenvolvimento intelectual e emocional” (BRASIL, 2012, p. 14 apud ZANELLA F; 2019). Para aqueles que necessitam de tratamento na área da saúde mental, é preciso considerar que ela não é apenas o contrário de doença mental. Em seu conceito mais profundo está implícito o respeito ao direito à dignidade humana, isto é, uma vida sem preconceitos, sem discriminações e sem violência em qualquer nível que preserve a saúde física e mental de todos, conforme ZANELLA F; (2019). Conforme a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), um ambiente que respeite e proteja os direitos básicos civis, políticos, socioeconômicos e culturais é fundamental para a promoção da saúde mental. De acordo com a ONUBR (2016), somente é possível ter saúde quando há completo bem-estar físico, mental e social. Sem a segurança e a liberdade asseguradas por esses direitos, torna-se muito difícil manter um elevado nível de saúde mental, conforme pontuou a organização no dia mundial para o tema, conforme ZANELLA F; (2019). Saúde mental é determinada por uma série de fatores que, são eles, socioeconômicos, biológicos e ambientais, ainda conforme a OMS, diversos fatores podem colocar em risco a saúde mental dos indivíduos: rápidas mudanças sociais, condições de trabalho estressantes, discriminação de gênero, exclusão social, estilo de vida não saudável, violência e violação dos direitos humanos. ONUBR (2016 apud ZANELLA F; 2019). 32 A promoção da saúde mental envolve ações que permitam às pessoas adotar e manter estilos de vida saudáveis ou, aos que adoeceram e desenvolveram algum tipo de transtorno mental, acompanhamento e tratamento que preserve sua dignidade humana. A Organização Mundial de Saúde afirma que não existe definição "oficial" de saúde mental. Diferenças culturais, julgamentos subjetivos e teorias relacionadas concorrentes afetam o modo como a "saúde mental" é definida. Saúde mental é um termo usado para descrever o nível de qualidade de vida cognitiva ou emocional, e pode incluir a capacidade de um indivíduo de apreciar a vida e procurar um equilíbrio entre as atividades e os esforços para atingir a resiliência psicológica. Admite-se, entretanto, que o conceito de Saúde Mental é mais amplo que a ausência de transtornos mentais (ONUBR, 2016 apud ZANELLA F; 2019). O atendimento das pessoas com transtornos mentais deve ser realizado na perspectiva de garantia dos direitos humanos, sendo que, para isso, as iniciativas governamentais são fundamentais, com destaque para a construção e consolidação de uma política de saúde mental fortalecida, com investimentos que possibilitem a expansão de atendimento e, mais importante ainda, a possibilidade de preservar e prevenir o adoecimento, pois saúde mental engloba vários outros segmentos, conforme ZANELLA F; (2019). Segundo a ONUBR (2016 apud ZANELLA F; 2019), a saúde mental é uma parte integrante e essencial da saúde e significa mais do que a ausência de transtornos mentais ou deficiências. Trata-se de um estado de bem-estar no qual cada pessoa realiza e desenvolve suas próprias habilidades, podendo trabalhar e participar da vida societária. Pensar na saúde mental e no bem-estar é fundamental para nossa capacidade coletiva e individual, como seres humanos, como seres sociais, para que todos tenham a possibilidade de gozar de uma vida digna, independente de idade, raça, sexo, religião, condições econômicas, pensar e promover a saúde mental é pensar em garantia de direitos humanos. É nesse sentido que podemos afirmar que a Política de Saúde mental proposta pela Lei nº 10.216/10 é um instrumento que possibilita, através de seus serviços e legislação, a promoção de direitos humanos das pessoas com transtorno mental. Prioriza-se o tratamento e o acompanhamento das pessoas com transtorno mental com humanização, o desenvolvimento da sociabilidade em meio à família e à comunidade,além de se respeitar e promover o exercício da cidadania, ao contrário 33 do isolamento e exclusão como eram tratadas essas pessoas por longos anos em nosso país e mundialmente também, conforme ZANELLA F; (2019). 5 SAÚDE MENTAL Fonte: folhadeirati.com.br O âmbito da saúde mental, por sua amplitude, engloba diversas áreas de estudo como neurologia, filosofia, psicologia, psiquiatria, entre outros; podendo conectar profissionais com diferentes conhecimentos específicos para fins em comum na saúde da população (AMARANTE, 2013 apud SOUZA A; et al., 2019). Como saúde não significa somente a ausência de doenças, mas sim o bem- estar completo do indivíduo, torna o tema mais complexo, gerando uma reflexão sobre o que ditaria um indivíduo como “normal”, ou seja, em sanidade mental (AMARANTE, 2013 apud SOUZA A; et al., 2019). Na época que antecedeu a reforma psiquiátrica, os cientistas que estudavam e tratavam dos transtornos mentais eram conhecidos como alienistas. Neste tempo, em que ocorria a criação dos hospitais, pensava-se que o isolamento poderia ser usado como tratamento ao homem que havia perdido a liberdade pela alienação. A alienação era apresentada como uma desordem da razão e não a falta da mesma, relacionada 34 ao estrangeiro, “alienígena”, semelhante a algo fora da realidade ou de outro mundo (AMARANTE, 2013 apud SOUZA A; et al., 2019). O modo de trabalhar da ciência, com o passar do tempo, começou a se chocar com os fundamentos éticos, principalmente, por causa da criação dos hospícios, desencadeando um processo social complexo de novas objeções e enfrentamentos; agentes sociais demonstrando novos interesses, novas ideologias, com diferentes visões do mundo e da ciência; novas formações teóricas, religiosas, étnicas em diferentes classes sociais (AMARANTE, 1998, 2013 apud SOUZA A; et al., 2019). Porém, para se concretizar uma intervenção no modo de tratamento mental da população, necessitava-se de uma ligação entre a ciência, a ideologia, a ética e a política, algo muito custoso para acontecer na história, levando muitos anos para a sua construção. A construção baseava-se, principalmente, em colocar o sujeito, que sofre com a doença, em foco e não a doença em si, para não tornar o sujeito em um objeto natural de estudo; deixando então a doença subentendida para romper com a coisificação da experiência humana (AMARANTE, 1998, 2013 apud SOUZA A; et al., 2019). Houve criação de redes de ponto de encontro para cooperação, iniciativas simultâneas e envolvimento de atores sociais, gerando a Rede de Atenção à Saúde Mental. Dentro desta rede se estabelecem os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), residências terapêuticas, hospital geral, instituições de defesa dos direitos do usuário, centro comunitário, entre outras áreas mais pessoais como família, escola, trabalho e esportes. Uma das formas também utilizadas na atenção primária em saúde da família atualmente é a Estratégia Saúde da Família (ESF) (AMARANTE, 2013; BRASIL, 2005 apud SOUZA A; et al., 2019). Com isto, atualmente, o termo “sujeitos em sofrimento psíquico ou mental” é utilizado em vez de “alienado”, já se notando um avanço social na área da saúde mental. Entretanto, a construção dos direitos de cidadania não depende só de decretos políticos e nem somente de determinados indivíduos que lutam pela saúde mental, mas da população como um todo durante um processo social (AMARANTE, 2013; BRASIL, 2005 apud SOUZA A; et al., 2019). 35 Com base no avanço social em relação à saúde mental, são analisados as fases e os acontecimentos ao longo da história que foram significativos para a melhora no tratamento de transtornos mentais e, principalmente, dos indivíduos que vivem em sofrimento psíquico, conforme SOUZA A; et al., (2019). Saúde e saúde mental têm conceitos complexos e historicamente influenciados por contextos sociopolíticos e pela evolução de práticas em saúde. Os dois últimos séculos têm visto a ascensão de um discurso hegemônico que define esses termos como específicos do campo da medicina. Entretanto, com a consolidação de um cuidado em saúde multidisciplinar, diferentes áreas de conhecimento têm, gradualmente, incorporado tais conceitos, conforme GAINO L; et al, (2018). De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade. Essa definição, de 1946, foi inovadora e ambiciosa, pois, em vez de oferecer um conceito inapropriado de saúde, expandiu a noção incluindo aspectos físicos, mentais e sociais. Apesar das intenções positivas pressupostas nessa definição, ela tem recebido intensa crítica ao longo de seus 60 anos de existência. Isso se deve especialmente ao fato de que é proposto um significado irreal, em que as limitações humanas e ambientais fariam a condição de completo bem-estar impossível de ser atingida, conforme GAINO L; et al, (2018). Decorrentes das críticas ao conceito da OMS e somadas aos vários eventos políticos e econômicos, surgiram as discussões sobre um novo paradigma, a saúde como produção social. Essa nova visão constitui-se da combinação das abordagens da medicina preventiva e da saúde integrativa, da expansão do conceito de educação em saúde e da rejeição da abordagem higienista, conforme GAINO L; et al, (2018). Seguindo propostas de reforma do sistema de saúde brasileiro, o conceito de saúde foi formalmente revisitado e influenciado por experiências internacionais envolvendo políticas de saúde, como discutido principalmente na 8° Conferência Nacional de Saúde, em 1986. Naquela ocasião foi sugerido que a saúde incluísse fatores como dieta, educação, trabalho, situação de moradia, renda e acesso a serviços de saúde, conforme GAINO L; et al, (2018). 36 Como resultado, o conceito brasileiro de saúde começou a ser entendido de forma mais complexa, considerando os princípios de universalidade, integralidade e equidade no cuidado à saúde. Esses princípios, contudo, coexistem com abordagens claramente ligadas à antiga visão. O termo ‘bem-estar’, presente na definição da OMS, é um componente tanto do conceito de saúde, quanto de saúde mental, é entendido como um constructo de natureza subjetiva, fortemente influenciado pela cultura, conforme GAINO L; et al, (2018). A OMS define saúde mental como um estado de bem-estar no qual um indivíduo percebe suas próprias habilidades, pode lidar com os estresses cotidianos, pode trabalhar produtivamente e é capaz de contribuir para sua comunidade. (OMS, 1946, apud GAINO, 2018, p. 110). Definições de saúde mental são objeto de diversos saberes, porém, prevalece um discurso psiquiátrico que a entende como oposta à loucura, denotando que pessoas com diagnósticos de transtornos mentais não podem ter nenhum grau de saúde mental, bem-estar ou qualidade de vida, como se suas crises ou sintomas fossem contínuos, conforme GAINO L; et al, (2018). Nos anos 1960, o psiquiatra italiano Franco Basaglia propôs uma reformulação no conceito de loucura, mudando o foco da doença e expandindo-o com questões de cidadania e inclusão social. Tal ideia ganhou adeptos e acendeu um movimento que influenciou o conceito de saúde mental no Brasil e resultou na Reforma Psiquiátrica Brasileira, conforme GAINO L; et al, (2018). Frente ao exposto, entende-se que há dois paradigmas principais para discussão dos conceitos de saúde e saúde mental, ou seja, o paradigma biomédico e o da produção social de saúde. No primeiro, o foco é exclusivamente na doença e em suas manifestações, a loucura como sendo essencialmente o objeto de estudo da psiquiatria, conforme GAINO L; et al, (2018). No segundo, a saúde é mais complexa que as manifestações das doenças e inclui aspectos sociais, econômicos, culturais e ambientais. Neste paradigma, loucura
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