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R.I. MODULO II. 1 🌏 R.I. MODULO II. Unidade 1 - As Relações Internacionais na Era Moderna 1. A Sociedade Europeia da Era Moderna O período que vai do ano 1000 até 1800 corresponde à transição do feudalismo para o capitalismo. Nesse período, a sociedade europeia feudal – rural, fragmentada no nível nacional, unida pela religião e marcada pelos vínculos de vassalagem – transformou-se em outra completamente distinta, a sociedade capitalista. Nesta, o importante era a vida urbana, influenciada pelas transações comerciais e fundada nas relações de trabalho assalariado. 💡 Quatro acontecimentos são especialmente importantes nesse processo: o Renascimento, as Grandes Navegações, o advento dos Estados nacionais absolutistas e a Reforma. R.I. MODULO II. 2 O Renascimento Marvin Perry observa que “o termo Renascimento foi cunhado em referência à tentativa de artistas e filósofos de recuperar e aplicar a antiga erudição e modelos da Grécia e de Roma”. O movimento surgiu na Itália, aproximadamente em 1350 e se estendeu até meados do século XVII. Não surgiu na Itália por acidente. No século XIV, ela era a região mais dinâmica da Europa: inúmeros centros comerciais, como Gênova, Veneza, Florença e Milão se desenvolviam com vigor. Essas cidades italianas dominavam o comércio com o Oriente e, com isso, destacavam-se no contexto europeu como Potências comerciais e, algumas vezes, militares. O período é um ponto de inflexão. Os contemporâneos tinham a percepção de que davam início a um novo tempo. Tanto é assim que, para se diferenciarem, criaram o termo “Idade Média” para se referirem aos seus predecessores. O Renascimento é especialmente marcado pelas mudanças ocorridas nas artes – destacadamente na pintura, escultura e arquitetura – e nas ciências. Na Idade Média, as artes tinham o propósito fundamental de servir à religião cristã, vinculando-se, muitas vezes, às determinações da Igreja. Na Renascença, o importante era a valorização do ser humano: tinha-se o antropocentrismo renascentista se contrapondo ao teocentrismo da Igreja de Roma. Essa percepção antropocêntrica de mundo não significa, todavia, que houvesse uma rejeição à religião. Sem se afastarem da religião, os renascentistas admitiam considerar o homem, obra máxima da Criação divina, o centro de suas atenções. E o Renascimento não ocorreu apenas nas Artes. A Ciência, da mesma forma, foi afetada pelas investigações de Copérnico, Kepler e Galileu. Copérnico, por exemplo, foi o criador da teoria heliocêntrica, que estabelecia o Sol como o centro do universo. Isso era uma revolução, porque tirava da Terra a primazia sobre os demais corpos celestes. As Grandes Navegações R.I. MODULO II. 3 As Grandes Navegações, iniciadas no final do século XV, são um marco na evolução histórica da Sociedade Internacional. Por meio delas, os europeus aventuram-se além dos limites tradicionais de seu continente e, de maneira generalizada, lançam-se pelos oceanos e seguem para os “quatro cantos do mundo”, entrando em contato com as sociedades asiática, africana e americana como nunca ocorrera antes. Com as Grandes Navegações, tem início um processo que culminaria na hegemonia europeia no mundo e na supremacia da chamada “civilização ocidental” sobre outros povos – muitas vezes, com resultados fatais para as civilizações não europeias. As Grandes Navegações podem ser consideradas o primeiro processo de globalização da era moderna. Com elas, o comércio internacional se desenvolveu e foram estabelecidos vínculos entre as diversas sociedades internacionais que existiam na época. Ademais, graças ao estabelecimento dos vínculos mercantilistas com o Novo Mundo – as Américas –, com a África e com o Extremo Oriente, a Europa se desenvolveu, o modelo capitalista se estruturou, e os Estados-nações europeus se tornaram Grandes Potências. Chegou-se ao ponto em que os conflitos entre os Estados europeus repercutiam pelo planeta. Três fatores levaram às Grandes Navegações do século XV e seguintes. O primeiro foi o surgimento de um vívido interesse pelas vantagens que poderiam ser obtidas por meio do comércio. Para alcançarem a Europa, os produtos do Oriente ou da África subsaariana passavam por uma quantidade significativa de intermediários. Tal fato encarecia substancialmente os produtos tão desejados pelos europeus, como cravo, canela, pimenta, gengibre, noz-moscada, seda ou porcelana. A Economia, como força profunda, impulsionaria os europeus para as Grandes Navegações. Em segundo lugar, havia que se considerar a escassez de metais preciosos na Europa. Sem eles, era muito mais difícil a compra de bens da Ásia ou da África. Isso também dificultava o desenvolvimento das relações comerciais e, consequentemente, das relações sociais e políticas entre as diversas regiões da Europa. Em terceiro lugar, o século XV foi um momento de grandes melhorias na construção de navios, nos conhecimentos geográficos e nas habilidades navais. Nesse sentido, a tecnologia passou a ser outra força profunda a produzir mudanças na conduta dos Atores internacionais do período. Vale lembrar que o conhecimento, tanto de construção de embarcações quanto de técnicas de navegação, era considerado um bem de extremo valor e cuja proteção era questão de Estado, fundamental para países como Portugal e Espanha. Foram os portugueses que primeiro se lançaram em busca de novas rotas de R.I. MODULO II. 4 comércio, desafiando não só a realidade do desconhecido oceano, mas também as ideias e temores do desconhecido gerados pelo imaginário medieval. Apesar dos custos e dos riscos altíssimos, as viagens compensavam pelos também altíssimos lucros obtidos. As viagens geravam, muitas vezes, lucros de até 6.000%. Os lucros serviam, pois, de motor que levava às incursões no litoral da África e à posterior circum-navegação desse continente, bem como às viagens até a Índia e à “descoberta”, pelos europeus, da América. E não tardou para que os europeus – primeiro, os portugueses e espanhóis e, depois, holandeses, franceses e ingleses – instalassem feitorias em locais da Ásia, África e América, que, posteriormente, se transformaram em colônias. O fato é que logo as principais potências europeias se lançariam em busca de novas terras e novas rotas, e uma nova era se iniciaria nas relações internacionais.Como observa Perry (1999, p. 280), “num desenvolvimento sem precedentes, uma pequena parte do globo, a Europa ocidental, tornara-se a senhora das vias marítimas, dona de muitas terras em todo o mundo e o banqueiro e recebedor de lucros numa economia mundial que começava a despontar”. O pequeno continente dava sinais de seu poder e da dominação que exerceria nos séculos seguintes sobre povos e impérios de todo o globo. R.I. MODULO II. 5 Os efeitos para as outras regiões do mundo foram profundos: populações inteiras – especialmente nas Américas – foram dizimadas; outras tantas, particularmente na África, foram reduzidas à condição de escravas; plantas, animais e doenças foram espalhadas pelos quatro cantos do mundo, e, principalmente, dava-se início a um tipo de economia global nunca antes visto. São forças profundas que merecem atenção: a tecnologia, dado o aprimoramento das capacidades bélicas dos europeus e a religião, uma vez que, junto com os conquistadores, iam os catequizadores e a ideia de “obrigação” que tinham os europeus de “difundir o cristianismo aos povos mais atrasados” (missões). O Advento do Estado Absolutista A partir do século XIII, ocorreu na Europa o fenômeno do fortalecimento do rei e da monarquia. Por intermédio de guerras, alianças e casamentos, os reis se fortaleceram e foram decisivos nos processos de construção dos Estados R.I. MODULO II. 6 nacionais europeus. Os Estados nacionais se formaram, então, como uma cunha entre o poder local da nobreza e das cidades e o poder universal da Igreja. Alguns, como Espanha, França e Inglaterra, foram bem sucedidos. Outros, como Itáliae Alemanha, não conseguiram constituir-se em unidades nacionais até a última metade do século XIX. No processo de fortalecimento da monarquia, foi importante a criação de algumas instituições. A primeira delas foi a do imposto nacional, que se diferenciava da cobrança de tributos feita pelos senhores feudais. Enquanto esta se fundava nas relações pessoais de vassalagem, o imposto moderno baseava-se na ideia de que a contribuição era feita para a construção de um bem comum. A segunda importante instituição foi a de exércitos nacionais. Se, antes, os reis dependiam das relações pessoais com a nobreza, pois precisavam dos senhores feudais e de seus exércitos particulares, agora tinham uma força militar própria, mantida com os novos impostos arrecadados. O terceiro aspecto importante para o desenvolvimento do Estado absolutista foi a criação de uma administração civil ligada ou ao rei ou ao Estado. Dessa forma, o soberano se desligava das relações particulares com a nobreza para poder governar. Ademais, tinha-se aí o embrião do que seria a burocracia estatal, essencial para o governo dos Estados modernos. Os Estados absolutistas eram, pois, Estados em que o poder se encontrava concentrado, em razão das instituições como o sistema tributário, o exército nacional e a administração pública, nas mãos do rei. A figura do Estado se fundia com a do soberano. Daí as palavras atribuídas a Luís XIV, soberano absolutista francês: “L’Etat c’est moi!” (“o Estado sou eu!”). Importante considerar, também, a preocupação dos Estados absolutistas com a economia nacional, especialmente com o comércio. R.I. MODULO II. 7 Essa preocupação se dava, porque visava à arrecadação de fundos, especialmente sob a forma de metais preciosos e impostos. Nesse sentido, uma nova classe, cada vez mais próxima do soberano, se estruturou: a burguesia. Era formada pelos comerciantes e outros profissionais liberais das cidades que ganhavam força frente à nobreza ao contribuir para o financiamento do Estado moderno. Por fim, o aparecimento dos estados absolutistas provocou grande mudança no sistema internacional. Hélio Jaguaribe (2001, p. 481) observa que “o século XVII se caracterizou na Europa pela emergência de grandes potências, contrastando com o mundo do Renascimento, quando as cidades-estado da Itália desempenhavam os principais papéis na arena internacional, cercadas por países potencialmente poderosos, como a França, a Espanha e a Inglaterra, que, no entanto, viviam em condições medievais. No princípio do século XVII, esses países tinham conseguido em grande parte alcançar sua integração nacional, e começavam a ter um papel internacional importante." No ano de 529, a Academia de Platão, em Atenas, fora fechada. Em um decreto desse ano, o imperador romano Justiniano manifestou-se contra a filosofia, iniciando uma acomodação do desenvolvimento cultural em direção à Igreja. No mesmo ano, é fundada a Ordem dos Beneditinos, a primeira grande ordem religiosa. Dali em diante, os mosteiros passariam a deter o monopólio da educação, da reflexão e da meditação. Na Idade Média, teve plena vigência o clássico ensinamento de Agostinho: “é necessário compreender para crer e crer para compreender”. No século XVI, iniciou-se um amplo movimento de reforma religiosa, que marcou o fim do monopólio religioso da Igreja Católica Romana sobre a Europa Ocidental. Esse movimento afetaria definitivamente a política, a economia, a cultura, a sociedade, enfim, as relações de poder no cenário europeu e mundial. Até a Reforma, além do monopólio sobre a fé da cristandade, a Igreja Católica tinha um domínio cultural, político, econômico e espiritual único. Cada aspecto da vida era rigidamente controlado. A força do Papa, o Bispo de Roma, tanto política quanto religiosa, sobre a Europa Ocidental era tamanha que, no século XIII, a Igreja podia proclamar que cada pessoa, praticamente em toda a Europa Ocidental, tinha fé em Deus de acordo com sua doutrina e seus sacramentos. Esse controle, no entanto, acabou por se voltar contra a própria instituição. Como observa Perry (1999, p. 231), “obstruído pela riqueza, viciado no poder internacional e protegendo seus próprios interesses, o clero, do papa abaixo, tornou-se alvo de um bombardeio de críticas.”. De um lado, criticava-se a supremacia da Igreja sobre os reis. De outro, a corrupção, o nepotismo, a busca de riqueza pessoal por parte dos bispos e do papa, o relaxamento do cumprimento das obrigações espirituais e a venda de indulgências. Inúmeros R.I. MODULO II. 8 cristãos passaram a criticar abertamente as práticas da Igreja e do clero. O mais famoso e mais importante crítico da Igreja foi o monge Martinho Lutero. A Reforma se iniciou em 1517, com as críticas de Lutero à venda de indulgências. Indulgências eram obras que os cristãos faziam, em vida, para reduzir o seu tempo, após a morte, no purgatório. A maior parte dessas obras era constituída de doações à Igreja. Lutero questionava a validade moral da venda de indulgência e a possibilidade de que elas poderiam redimir o homem pecador. Lutero defendia que o homem, apesar de ser intrinsecamente condenado pelo pecado original, poderia obter a redenção por meio da fé, do arrependimento pessoal, do arrependimento pelos pecados e pela confiança na piedade de Deus. Aspecto importante das teses de Lutero repousa no fato de que o monge propunha, em última instância, a dispensa da necessidade da própria Igreja para que o homem tivesse sua religiosidade e seu contato com o Criador. As consequências da doutrina luterana ultrapassavam a esfera religiosa, pois ameaçavam a dominação político-ideológica que a Igreja de Roma exercia sobre os reinos europeus e seus soberanos. Lutero, ao contrário de outros que atacaram a Igreja, obteve proteção da aristocracia europeia. Mais especificamente, foi protegido por Frederico, príncipe da Saxônia, na Alemanha. Posteriormente, Lutero deixou claro que não desejava de forma alguma ser uma ameaça à autoridade política dos príncipes alemães. Além disso, declarou que o bom cristão era aquele que obedecia às leis e à ordem. De fato, Martinho Lutero obteve a simpatia de príncipes e de cidades em toda a Alemanha. As razões foram simples. Ao se desqualificar a Igreja Católica, abria-se a possibilidade de confisco das terras desta pelos príncipes e nobres e do fim dos pesados tributos que a ela eram pagos. Além disso, os príncipes alemães sentiam-se livres para resistir ao Sacro Império Romano, do católico Carlos V. Este, pressionado por ameaças externas – a França, a oeste, e os turcos, a leste – acabou por assinar a Paz de Augsburgo, em 1555. Esse acordo basicamente definiu que cada príncipe poderia determinar a religião de seus súditos. R.I. MODULO II. 9 É importante observar que o descontentamento com a Igreja era grande em boa parte da Europa. O protestantismo, não só da linha luterana, espalhou-se com muita rapidez por todo o norte do continente. A reação católica, a Contrarreforma, deu-se sob diversas formas. A primeira delas foi no campo da atuação religiosa. Como observa Perry (1999, p. 242), “a princípio, a energia para a reforma veio do clero comum, bem como de leigos como Inácio de Loyola”. Loyola foi o fundador da famosa Companhia de Jesus. Como fora treinado como soldado, ele organizou os jesuítas de forma rígida e altamente disciplinada. A Contrarreforma também enfatizava a pregação, a reconversão dos que se afastaram da Igreja, a construção de templos, a censura, a perseguição a protestantes e a outros hereges. Também é importante ressaltar que a Igreja, por intermédio do Concílio de Trento, de 1545 a1563, modificou ou eliminou muito dos pontos criticados pelos protestantes, como, por exemplo, a venda de indulgências. Por outro lado, o Concílio não fez nenhuma concessão ao protestantismo. A Reforma significou o enfraquecimento da Igreja e o consequente fortalecimento dos Estados. Além disso, a Europa se viu divididaem duas: uma protestante, no norte, e outra católica, no sul do continente. Essa tensão permaneceria e seria especialmente sentida no século seguinte. R.I. MODULO II. 10 De fato, as disputas entre católicos e protestantes teriam um importante reflexo nas relações internacionais europeias durante mais de dois séculos, em especial porque estavam associadas também às rivalidades entre as Potências europeias. Do ponto de vista das relações internacionais, os novos Estados protestantes aliavam-se para se contrapor à dominação hegemônica da Igreja e de seu principal defensor político, a dinastia dos Habsburgos, o grandehegemon europeu, que tinha um império que englobava a Espanha e a Áustria. Essas rivalidades religiosas e políticas culminariam na Guerra dos Trinta Anos. 💡 Os conflitos entre católicos e protestantes marcaram a Europa por dois séculos, e seus efeitos alcançam nossos dias. Um filme muito interessante para se compreender o período é A Rainha Margot, de Patrice Chéreau. 2. A Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) A Guerra dos Trinta Anos, de 1618 a 1648, primeiro grande conflito armado dos tempos modernos, envolveu grande parte da Europa. Essa grande confrontação do século XVII poria termo ao período de um século de disputas entre católicos e protestantes e daria início a um novo sistema europeu de relações internacionais cujos fundamentos alcançariam o século XXI. O sistema internacional no século XVII foi marcado inicialmente pela preponderância da Espanha. Seus concorrentes, porém, não tardaram a ocupar o seu lugar de destaque. A França surgiu como um país importante enquanto a Inglaterra preparou o terreno, especialmente nas últimas décadas do século, para se tornar hegemônica no século seguinte. A perda da hegemonia espanhola esteve ligada a vários fatores. Jaguaribe (2001, p. 486) observa que a decadência espanhola “resultou da combinação de quatro causas principais: certas debilidades institucionais; estruturas sociais predatórias; compromissos ideológicos utópicos; e a adoção de políticas equivocadas” Importante lembrar que a Espanha, católica, era a potência hegemônica no início do século XVII. O domínio de Felipe III (1598-1621) abrangia toda a Península Ibérica, as colônias da América, incluindo o Brasil, o sul da Itália, Milão, ilhas no Mediterrâneo, Filipinas e enclaves na África. R.I. MODULO II. 11 Especialmente equivocada foi a decisão espanhola de ser defensora da fé católica. Isso não apenas fez ressurgir, em grau muito maior, as guerras religiosas do século anterior, mas também levou a Espanha a perder a sua condição de principal potência do continente europeu. O século XVII, ressalta Jaguaribe (2001, p. 485), "foi marcado pelos conflitos religiosos mais agudos já ocorrido no ocidente. Herdados do século precedente, eles culminaram na Guerra dos Trinta Anos (1618-1648)", que foi, pois a tentativa militar dos católicos de conter o protestantismo. Antes de entrarmos diretamente na Guerra dos Trinta Anos, convém um rápido parêntese. Em 1556, o Imperador Carlos V, após ter assinado a Paz de Augsburgo, abdicou e dividiu em dois os seus domínios: de um lado, a Espanha, Países Baixos, colônias americanas e Itália ficaram para seu filho Felipe II (no mapa, em laranja); de outro, a Áustria, que ficou com seu irmão Fernando (em amarelo). Com isso, a família Habsburgo ficou dividida em dois ramos, ambos católicos e, frequentemente, aliados. R.I. MODULO II. 12 A chamada Guerra dos Trinta Anos começou em 1618 como conflito religioso entre católicos e protestantes na Boêmia e adquiriu caráter político em torno das contradições entre Estados territoriais e principados. Envolveu a Alemanha, Áustria, Hungria, Espanha, Holanda, Dinamarca, França e Suécia. Importante para o início da Guerra dos Trinta Anos foi a ascensão de Fernando II ao trono austríaco, em 1619. Na época, Fernando II, imperador do Sacro Império Romano-Germânico era também rei da Boêmia. Os rebeldes negaram-lhe esse título e entronizaram o príncipe eleitor calvinista Frederico do Palatinado. Segundo Perry (1999, p. 266): A Guerra dos Trinta Anos começou quando os boêmios (...) tentaram colocar no seu trono um rei protestante. Os Habsburgos austríacos e espanhóis reagiram, mandando um exército ao reino da Boêmia; de súbito, todo o império foi forçado a tomar partido dentro de linhas religiosas. A Boêmia sofreu uma devastação quase inimaginável: três quartos de suas cidades foram saqueadas e queimadas e sua aristocracia foi praticamente exterminada. O resultado foi o envolvimento de outros príncipes protestantes. O mais importante deles na primeira fase da Guerra, que vai até 1632, foi o rei da Suécia, Gustavo Adolfo, morto em batalha naquele ano. A possibilidade de paz entre Fernando II e os príncipes alemães leva à cena um novo Ator, a França, preocupada com a excessiva força que poderia ter a Áustria. Sob o comando do cardeal Richelieu, a França, apesar de católica como os austríacos, posicionou-se contra estes. Primeiramente, de forma encoberta, depois de maneira ostensiva. Richelieu estava convencido de que a continuidade da França como grande poder internacional dependia da guerra contra os Habsburgos. Assim, a França financiava ou apoiava todos os que se opusessem ao domínio austríaco ou espanhol, ou, quando necessário, guerreavam diretamente contra eles. A França, aliás, derrotou o até então imbatível exército espanhol na batalha de Rocroy, em 1643. Para a Espanha, o custo dessa derrota foi altíssimo, pois significou o fim da invencibilidade de seu poderoso exército e a vida de 15 mil soldados. A maneira como Richelieu se portou politicamente influenciaria o sistema internacional pelos próximos séculos. Richelieu criou ou ajudou a criar conceitos como o de “razão de estado” e “equilíbrio de poder”. Henry Kissinger (1999, p. 60) analisa que “de início, ele [Richelieu] queria impedir a dominação dos Habsburgos sobre a Europa, mas ao final deixou um legado que por dois séculos R.I. MODULO II. 13 provocou seus sucessores a tentarem o primado francês na Europa. Do fracasso dessas tentativas, brotou o equilíbrio de poder, primeiro como um fato da vida, depois como forma de organizar relações internacionais (...). Quando a guerra terminou, em 1648, a Europa Central fora devastada e a Alemanha perdera quase um terço de sua população. No tumulto desse conflito trágico, o cardeal Richelieu enxertou o princípio da raison d´état (razão de estado) na política externa francesa, princípio que os outros estados europeus adotaram nos cem anos seguintes”. Convém reproduzir mais algumas das conclusões de Kissinger (1999, p. 63): “o objetivo de Richelieu era romper o que ele considerava o cerco da França, exaurir os Habsburgos e impedir a emergência de uma grande potência nas fronteiras da França – especialmente na fronteira alemã. Seu único critério para alianças era que elas atendessem aos interesses da França, aplicado primeiramente aos estados protestantes, mais tarde até ao Império Otomano muçulmano”. Assim, a conduta da França reflete a maneira racional e pragmática como as grandes Potências atuam no cenário internacional. Apesar de católica, a França não hesitou em aliar- se aos protestantes para se contrapor à hegemonia espanhola. Essa conduta garantiria o fortalecimento da França nos anos seguintes, de modo que, com o fim da guerra e o declínio do poder espanhol, o Estado francês assumiria o papel de nova Potência hegemônica no continente. A Guerra dos Trinta Anos chegaria a termo por meio da Paz de Westfália (1648), e uma Nova Ordem seria estabelecida no cenário europeu e, consequentemente, nas relações internacionais da Era Moderna. A Paz de Westfália (1648) A paz foi alcançada porque a guerra, após as suas várias fases, se mostrou impossível de ser vencida de maneira efetiva. Segundo Jaguaribe (2001, p. 483), “se foi possível chegar finalmente a um acordo negociado, depois de disputas ferozes, isso se deveu àincapacidade dos Atores em conflito de impor pela força os seus respectivos dogmas”. O primeiro dos tratados, assinado em janeiro de 1648, pôs fim à guerra entre Espanha e Holanda. Em outubro do mesmo ano, pressionada por seus aliados alemães, a Espanha também selou a paz com os franceses. Os tratados de Westfália significaram o fim das ambições dos Habsburgos austríacos e espanhóis e a vitória da política externa francesa, iniciada com Richelieu. Os franceses, além de acabarem com as pretensões dos seus adversários, ainda tiveram algumas importantes R.I. MODULO II. 14 conquistas territoriais. O fantasma de uma Alemanha unificada, ameaça à França pelo leste, manteve-se afastado por duzentos anos. Carpentier e Lebrun (1993, p. 229) anotam que a Europa era “politicamente muito diferente da de 1560 ou 1600. A Casa da Áustria já não era um perigo para a paz europeia. (...) A Espanha, enfraquecida e amputada, já se não contava entre as potências de primeira plana. A Inglaterra, saída do isolamento em que havia ficado a seguir à guerra civil (...), as Províncias Unidas [Holanda], independentes e aumentadas, a Suécia, dominadora do Báltico, eram já grandes potências (...). O facto essencial era, todavia, a situação de preponderância adquirida pela França. O reino (...) não só era mais vasto e mais bem defendido como também dispunha de uma clientela em que se contavam quase todos os países europeus. De resto, o prestígio intelectual e artístico da França não cessava de crescer. Começara a era da preponderância francesa na Europa”. No Mapa 7, pode-se perceber a nova configuração de poder no continente europeu, com destaque para as fronteiras nacionais e os limites assegurados pelo Tratado de Westfália. A maior parte dessas fronteiras acabaria modificada nos séculos seguintes. O Legado de Westfália Importante sublinhar que o Tratado de Westfália marca o fim de cento e cinquenta anos de conflito entre os nascentes Estados europeus e o fim das ambições dos Habsburgos. Nasce, então, um novo tipo de Sistema Internacional, cujos Atores eram, essencialmente, os Estados. Além disso, a história posterior da Europa caracterizar-se-ia pelo princípio da anti- R.I. MODULO II. 15 hegemonia, isto é, os Estados agiriam no sentido de evitar que um se tornasse a potência hegemônica (balanço de poder). O Tratado de Westfália, assim, foi responsável por grandes mudanças no sistema internacional europeu. Ao contrário de boa parte dos acordos e pactos que eram firmados anteriormente, ele não serviu apenas para pôr fim a um conflito, mas também para tornar o Estado o principal Ator das relações internacionais. Além disso, os Estados, independentemente do tamanho, se viram como iguais e participantes de um mesmo Sistema Internacional. Trata-se de um momento histórico fundamental para as Relações Internacionais. O Tratado de Westfália, de 1648, inaugurou uma nova fase na história política daquele continente, propiciando o triunfo da igualdade jurídica dos Estados, com o que ficaram estabelecidas sólidas bases para uma regulamentação internacional mínima. Essa igualdade jurídica elevou os Estados ao patamar de únicos Atores nas políticas internacionais, eliminando o poder da Igreja nas relações entre os mesmos e conferindo aos mais diversos Estados o direito de escolher seu próprio caminho econômico, político ou religioso. Ficou, então, consagrado o modelo da soberania externa absoluta, tendo início uma ordem internacional protagonizada por Atores com poder supremo dentro de fronteiras territoriais estabelecidas. Mais tarde, os contratualistas (Locke, Rousseau) e, em 1789, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, trariam os elementos caracterizadores da soberania que seriam adotados por várias Constituições: unidade, indivisibilidade, inalienabilidade e imprescritibilidade. Importante também sublinhar que o primeiro ponto em que os diplomatas em Westfália acordaram foi que as três confissões religiosas dominantes no Sacro Império (o catolicismo, o luteranismo e o calvinismo) seriam consideradas iguais. Revogava-se, assim, a disposição anterior nesse assunto, firmada pela Paz de Augsburgo, em 1555, que dizia que o povo tinha que seguir a religião do seu príncipe (cuius regios, eius religio). Isso não só abria uma brecha no despotismo como abria caminho para a concepção de tolerância religiosa, que, no século seguinte, se tornaria bandeira dos iluministas, como John Locke e Voltaire. Além disso, a nova doutrina da Razão de Estado, extraída das experiências provocadas pela Guerra dos Trinta Anos, exposta e defendida pelo Cardeal Richelieu, defendia que um reino tem interesses permanentes que o colocam acima das motivações religiosas. O antigo sistema medieval, que depositava a autoridade suprema no Império e no Papado, dando-lhes direito de intervenção nos assuntos internos dos reinos e principados, foi substituído pelo conceito de soberania de Estado, inaugurando-se um novo sistema em que os Estados têm direitos iguais baseados numa ordem constituída por tratados e pela sujeição à lei internacional. Essa situação político-jurídica perdura até os nossos dias, apesar de haver hoje, particularmente da parte dos EUA, um forte movimento supranacional intervencionista, com o objetivo de suspender as garantias de privacidade de qualquer Estado frente a uma situação de emergência ou de flagrante violação dos direitos humanos. R.I. MODULO II. 16 A Nova Ordem Internacional a partir de Westfália A história europeia após o tratado de Westfália é a contínua busca, por parte da França, de obtenção da hegemonia europeia e a resistência, por parte dos demais Atores europeus, a esse intento. Na busca desses objetivos, imperam as relações pragmáticas e as alianças de ocasião. No século que se seguiu à Paz de Westfália, “a raison d’état [razão de estado] passou a ser o princípio orientador da diplomacia europeia”, registra Kissinger (1999, p. 66). O período pode ser divido em três fases: A primeira vai de 1648 a 1740 e é de preponderância francesa. A Áustria recuou de suas pretensões na Alemanha e conquistou, gradativamente, vastas regiões ao longo do rio Danúbio. A Espanha lentamente se retirava do papel de potência de primeira ordem. A Inglaterra, a partir da Revolução Gloriosa, de 1688, tornou-se uma monarquia em que o Parlamento tinha papel preponderante. A França, especialmente sob Luís XIV “esforçou-se (...) por reforçar o absolutismo monárquico em França e por impor, mais ou menos diretamente, a sua lei à Europa. Falhou, porém, nesta sua última pretensão perante a coligação dos Estados europeus – enquanto, na Europa Central e Oriental, a Prússia começava a salientar-se, e Pedro, o Grande, procurava conseguir que a Rússia saísse do seu isolamento” (CARPENTIER; LEBRUN, 1993, p. 233). A segunda fase vai de 1740 a 1792 e se caracteriza pela preponderância marítima da Inglaterra e pelo equilíbrio das potências continentais. “A luta, no mar e nas colônias, entre a Inglaterra – onde, a despeito das tendências de poder pessoal de Jorge III, prosseguia a evolução para o regime parlamentar – e a França – onde o absolutismo de Luís XV e Luís XVI enfrentava dificuldades cada vez maiores – veio a dar a vantagem à Inglaterra, que se tornou a primeira potência mundial graças à sua superioridade marítima e ao avanço resultante dos começos da revolução industrial. Na Europa Central e Oriental, a Prússia de Frederico II, a Áustria de Maria Teresa e José II e a Rússia de Isabel e de Catarina II eram concorrentes entre si, mas equilibravam-se e chegaram a acordo para crescer à custa do Império Otomano e da Polônia, que foi totalmente desmembrada” (CARPENTIER; LEBRUN, 1993, p. 247). O último período vai de 1792 a 1815 e se caracteriza por ser o momento do apogeu e do fracasso do projeto de uma Europa francesa. “Entre 1789 e 1815, a Europa respirou ao ritmo da França. A ‘Grande Nação’ impôs-se, primeiro, pela força das ideias e, depois, pela das armas.De 1792 até 1815, a guerra opôs permanentemente a França às monarquias europeias. Napoleão Bonaparte, herdeiro dessa guerra, tentou construir uma Europa Continental francesa. Mas a obstinação britânica, que inspirava e financiava as diversas coligações das coroas, acabaria por vencer o Grande Império. A França foi, então, vítima R.I. MODULO II. 17 não só dos reis como também dos povos, cujos sentimentos ajudara a despertar” (CARPENTIER; LEBRUN, 1993, p. 277). Sob o prisma das Relações Internacionais, convém observar a importância da Potência hegemônica em um sistema e o grau de influência sobre os outros Atores. Na Nova Ordem estabelecida a partir de Westfália, a França ascendeu à condição de Potência hegemônica, que havia sido da Espanha sob os Habsburgos. O século que se seguiu à Guerra dos Trinta Anos foi um século francês, no qual a sociedade internacional era influenciada pela sociedade francesa. Daí a expansão do Iluminismo pela Europa e Américas, os costumes e até o idioma francês influenciando outros povos ou gerando reações nacionalistas, como ocorre hoje com a língua inglesa e o american way of life.Assim, o sistema passou a gravitar em torno da França. Essa ordem começou a ruir quando se modificou o equilíbrio de poder no continente, em virtude de transformações radicais no interior do hegemon. A maior dessas transformações foi a Revolução Francesa, que abalou a estrutura de poder no interior da Potência hegemônica e acabou repercutindo em todo o continente – chegando inclusive ao Novo Mundo – com as guerras napoleônicas. Unidade 2 - A Nova Ordem Internacional do Século XIX 1. A Nova Internacional do Século XIX - Antecedentes A Revolução Francesa (1789) foi um evento que marcou profundamente a sociedade europeia. Inspirada pelos ideais iluministas e liderada pela burguesia com apoio popular, a Revolução tinha por lema "Liberdade, Igualdade, Fraternidade" e ressonou em todo o mundo, da Europa ao continente americano, pondo abaixo regimes absolutistas e ascendendo os valores burgueses. Foi marco e referência para grandes transformações sociais e políticas que aconteceriam pelo mundo nos séculos seguintes. R.I. MODULO II. 18 Registre-se que essa ressonância da Revolução Francesa foi tanto prática quanto simbólica. A Revolução foi marcante por ter atingido a principal monarquia europeia e o maior e mais populoso país europeu (se excluída a Rússia). De fato, as transformações que marcariam a Europa e a civilização ocidental no século XIX seriam influenciadas diretamente por aquelas mudanças ocorridas no âmbito doméstico da França, então a Potência hegemônica no continente. Nesse sentido, podemos perceber como transformações nas Grandes Potências acabam afetando todo o sistema internacional, proporcionalmente ao grau de poder dessa Potência. Assim, para os defensores da ordem, a Revolução era perigosa, porque retirava os alicerces do Antigo Regime. A título de exemplo, foi apenas em 1789 que, pela primeira vez na história da França, uma Assembleia Nacional foi eleita e aboliu o feudalismo e seus privilégios. Além disso, também naquele ano, a Bastilha, o símbolo do poder real, foi tomada de assalto, palácios foram saqueados e revoltas ocorreram no campo, com os camponeses se sublevando e questionando, de maneira praticamente inédita no país, o modelo de servidão estabelecido pelo sistema feudal. Como se não bastasse, uma Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi proclamada como preparativo para uma Constituição, e a Igreja foi subordinada ao Estado. Eram mudanças que afetavam o cerne de uma ordem doméstica R.I. MODULO II. 19 tradicional e que acabariam afetando as estruturas da ordem internacional que tinha a França como principal protagonista. Não tardou, pois, a reação. As Potências Europeias promoveram ataques contra o território francês na tentativa de restabelecer o trono de Luís XVI e o Antigo Regime (vide Mapa 10 – em roxo, a ofensiva dos países da coalizão). As cabeças coroadas da Europa não poderiam arriscar que um de seus membros mais importantes fosse derrubado por um levante popular. Nesse contexto, Luís XVI tentou fugir para o exterior. Preso no meio do caminho, foi levado de volta a Paris e guilhotinado. A República foi proclamada, e a França se viu, externamente, em um estado quase permanente de guerra. Internamente, a Revolução mergulhou no Terror – aproximadamente 40 mil pessoas morreram – e na luta entre as diversas facções. Após um período de contrarrevolução e de agravamento dos conflitos internos, o poder passou para as mãos dos generais. Um deles, Napoleão Bonaparte, assumiu o controle do governo em novembro de 1799. Napoleão Bonaparte Napoleão, “na verdade, pertencia à tradição do despotismo esclarecido do século XVIII. R.I. MODULO II. 20 Da mesma maneira que os déspotas reformadores, admirava a uniformidade e a eficiência administrativas, era avesso ao feudalismo, à perseguição religiosa e à desigualdade civil e defendia a regulamentação governamental na indústria e no comércio” (PERRY, 1999, p. 339). Apesar de não se identificar com o republicanismo e com a democracia das fases mais radicais da Revolução, Bonaparte era visto, pelos demais países europeus como seu continuador. Isso se deu, em grande parte, porque o general corso estendeu, “com diferentes graus de determinação e sucesso, (...) as reformas da Revolução a outras terras. Seus funcionários instituíram o Código Napoleônico, organizaram um serviço civil efetivo, abriram carreiras de talento e nivelaram os encargos tributários. Além de abolir a servidão, os pagamentos senhoriais e as cortes da nobreza, eliminaram os tribunais clericais, fomentaram a liberdade religiosa, autorizaram o casamento civil, exigiram que se concedessem direitos civis aos judeus e combateram a interferência do clero na autoridade secular. (...) Napoleão dera início a uma revolução social de amplitude europeia, que atacou os privilégios da aristocracia e do clero – que se referiam a ele como o ‘jacobino coroado’ – e beneficiou a burguesia” (PERRY, 1999, p. 344). As zonas “assimiladas”, anexadas ao território do grande Império, ou efetivamente vassalas (reino da Itália): aí, os direitos feudais foram suprimidos, a igualdade estabelecida perante a lei, o código napoleônico adotado e a administração calcada sobre a da França. As zonas de “influência”, onde a anexação foi indireta, mas o Antigo Regime foi eliminado pelas autoridades francesas. É o caso da maior parte da Alemanha entre o Reno e o Elba, do Grão-Ducado de Varsóvia, do Reino da Sicília e do Reino de Nápoles. As zonas de “resistência positiva”, essencialmente a Prússia, onde os dirigentes (...) calcularam que o melhor meio de encerrar a luta contra a França era pôr em prática extensas reformas sociais (abolição da servidão e dos direitos feudais). As zonas de “resistência passiva”, essencialmente a Áustria e a Rússia, onde a luta contra a França não se fez acompanhar de nenhuma reforma profunda: o sistema senhorial foi mantido na Áustria, a servidão e o Tchin (nobreza ligada à função pública) na Rússia. R.I. MODULO II. 21 Enfim, a Inglaterra, depois de 1800 chamada de “Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda”, que, por um lado, jamais havia sido conquistada e, por outro, já possuía um regime suficientemente liberal para que tivesse a tentação ardente de imitar a França. Portanto, a Era Napoleônica foi marcada por uma série de conflitos armados ocorridos entre 1799 e 1815, quando a França enfrentou várias alianças de Potências europeias. O principal motivo das campanhas francesas, após 1789, era defender e difundir os ideais da Revolução Francesa, mas, com a ascensão de Napoleão, o objetivo passou a ser a expansão da influência e do território franceses. O império napoleônico chegou a dominar parte significativa daEuropa. Napoleão sonhava com uma Europa em que, sob a hegemonia francesa, não houvesse mais espaço para as estruturas absolutistas do AntigoRegime. Nessas regiões, as sementes dos ideais revolucionários de 1789 foram plantadas e germinariam nas décadas seguintes. Para a contenção do expansionismo francês, foram necessárias várias coalizões das Grandes Potências. No Mapa, pode-se ter a ideia da dimensão do Império Napoleônico em seu apogeu (em verde). R.I. MODULO II. 22 Em 1812, Napoleão conduziu uma campanha vitoriosa contra os russos chegando até Moscou. Entretanto, a vitória logo se converteu em grande derrota. Os russos simplesmente abandonaram Moscou, depois de destruir os campos cultivados e de incendiar a cidade. Sem abrigo ou provisões, o exército francês, enfrentando o rigoroso inverno, foi obrigado a deixar a Rússia sob o intenso fogo do exército russo, perdendo aproximadamente 95% dos cerca de 600 mil homens que participaram da desastrosa campanha. Aproveitando-se do enfraquecimento de Napoleão, Áustria, Prússia, Rússia, Inglaterra e Suécia formaram a 6.ª Coalizão e declararam guerra à França. Napoleão derrotou os exércitos da Rússia e da Prússia, enquanto os exércitos franceses estavam sendo derrotados na Península Ibérica por forças espanholas e inglesas. Após a Batalha de Leipzig, a Batalha das Nações, em 1813, os exércitos de Napoleão abandonaram os principados alemães. A rebelião contra o império se estendeu à Itália, Bélgica e Holanda. Em 1814, um grande exército da 6.ª Coalizão invadiu a França e ocupou Paris. Napoleão, obrigado a renunciar, foi exilado na Ilha de Elba (próxima da Córsega, sua terra natal), e a monarquia francesa restaurada com Luís XVIII, irmão de Luís XVI. Os membros da Coalizão reuniram-se, então, no Congresso de Viena para restaurar as monarquias na Europa. No entanto, enquanto era traçado o novo mapa europeu, em março de 1815, Napoleão fugiu de Elba, voltou à França, e iniciou a formação de um novo exército. O rei enviou uma guarnição de soldados para prendê-lo, mas estes aderiram a Napoleão. Luís XVIII fugiu para a Bélgica. Contra Napoleão foi rapidamente formada uma 7ª Coalizão, composta por Inglaterra, Áustria, Prússia e Rússia. Sem tempo para preparar um exército, Bonaparte enfrentou novos combates, mas foi derrotado definitivamente naBatalha de Waterloo (18 de junho de 1815). Napoleão foi então mantido prisioneiro na Ilha de Santa Helena, no Atlântico Sul, onde morreu em 1821. Luís XVIII reassumiu o trono francês com o apoio do Congresso de Viena. Chegaram ao fim as Guerras Napoleônicas. Apesar da derrota definitiva em 1815, as ações de Napoleão e os ideais revolucionários atingiram, de forma irreversível, o Antigo Regime em boa parte da Europa e aceleraram o processo de modernização do continente. Seus efeitos alcançaram o continente americano, repercutindo nos processos de independência de toda a América Latina e nos princípios R.I. MODULO II. 23 jurídicos e políticos que regeriam os novos governos na região. O mundo passou, portanto, por grandes transformações em virtude da Era Napoleônica. As relações internacionais nunca mais seriam como antes. O Congresso de Viena (1815) e o Concerto Europeu O fim das guerras napoleônicas marcou o início de um sistema internacional baseado no equilíbrio de poder entre as Potências europeias que durou cem anos, até a Primeira Guerra Mundial. Foi o mais longo período de paz da história da Europa ou, pelo menos, o período em que não houve nenhuma guerra que envolvesse, de forma generalizada, as Potências europeias. Durante 40 anos, isto é, entre o Congresso de Viena e a Guerra da Crimeia (1854), não houve uma guerra sequer entre as grandes Potências e, nos 60 anos seguintes, exceto pela Guerra Franco-Prussiana de 1871, nenhum conflito importante ocorreu. O Congresso de Viena foi marcado pelo medo e pelas lembranças trazidas pelos 25 anos anteriores. Os homens que reconstruíram o mapa da Europa em 1815 o fizeram preocupados em evitar que a ordem sofresse novos abalos. Apesar de todos os negociadores serem adversários da Revolução, estavam perfeitamente conscientes de que a Europa de 1815 não poderia voltar a ser aquela de 1792. Não obstante, estavam determinados a evitar novas catástrofes. Para isso, seriam utilizados dois princípios: o da legitimidade e o do equilíbrio europeu. Nas palavras de Duroselle (1976, p. 4): Primeiro, restabelecer a ‘legitimidade’ dos soberanos. Mas ‘na ordem das combinações legítimas, ligar-se de preferência àquelas que podem com maior eficácia concorrer para o estabelecimento e conservação de um verdadeiro equilíbrio’. Serão, então, utilizados com flexibilidade e em proveito dos grandes Estados os dois princípios, um moral e jurídico, o da legitimidade, outro, puramente prático, o do equilíbrio europeu. Como resultado dos debates de Viena, o mapa da Europa sofreu alterações importantes que refletiam a nova configuração de poder estabelecida pelas Grandes Potências. A Alemanha, por exemplo, passou de 300 Estados para 38 (comparar o Mapa 12 com o Mapa 11). Um fato, porém, não pode ser deixado de lado. Na conformação do novo sistema de equilíbrio europeu, a França continuava a grande preocupação. Sua condição hegemônica R.I. MODULO II. 24 tinha sido excessivamente danosa para as outras Potências europeias. O Congresso de Viena foi realizado sob o signo de se evitar que ela ameaçasse novamente o resto do continente. Dois tratados pós-Congresso de Viena merecem destaque. O primeiro é o Tratado da Santa Aliança, firmado entre o Czar da Rússia, o Imperador da Áustria e o Rei da Prússia, em 26 de setembro de 1815. O segundo é o tratado conhecido como o da Quádrupla Aliança, entre os Quatro Grandes (Inglaterra, Rússia, Áustria e Prússia) em 20 de novembro de 1815. O Tratado da Santa Aliança estabelecia a restauração na Europa da ordem religiosa e monárquica, fundamento do Antigo Regime que a Revolução Francesa quis derrubar. Fundando-se no mundo cristão, excluía o sultão otomano, apesar de o Czar desejar que o sistema abarcasse a França e a Espanha. Segundo Duroselle (1976, p. 5), “a ‘Santa Aliança’, produto dos sonhos do Czar tinha pouca consistência, e que a verdadeira realidade era a Quádrupla Aliança, assinada secretamente a 20 de novembro de 1815 entre a Rússia, a Inglaterra, a Áustria e a Prússia, contra a França.” Até 1830, o equilíbrio europeu foi assegurado graças aos entendimentos entre Inglaterra, Rússia, Áustria e Prússia – os “Quatro Grandes” – e à estabilização política da França. Como resultado de habilidosa diplomacia, já em 1818 os franceses conseguiram associar-se à política de garantia da ordem na Europa. Estava estruturado o Concerto Europeu, por meio do qual as Grandes Potências europeias conduziriam o continente por décadas. O equilíbrio de forças entre Inglaterra, Rússia, Áustria, Prússia e França garantia a estabilidade, uma vez que nenhum desses Estados ou qualquer outro país europeu era suficientemente poderoso para enfrentar sozinho uma coalizão formada pelos demais. Assim, estabelecia-se um verdadeiro consórcio entre as Grandes Potências europeias, que lhes permitiu projetar seu poder sobre toda a Europa e pelo mundo. O século XIX seria o século da Paz na Europa e da hegemonia europeia sobre todo o planeta. A partir de 1815, a ação dos países europeus intensificou-se em escala mundial. A Inglaterra, por exemplo, divulgava mais e mais o liberalismo político e econômico, e a expansão desses ideais liberais foi um dos objetivos da política externa inglesa no século XIX, pela qual os britânicos atuaram, direta ou indiretamente, na independência das colônias espanholas e portuguesas na América e na organização dessas novas nações americanas. Da mesma forma, os russos cada vez mais se preocupavam com a decadência e o fatiamento territorial do Império Otomano. Isso explica, em grande parte, a concorrência e a inimizade que iriam marcar as relações entre Inglaterra e Rússia em boa parte do século XIX. A Europa que emergiu do Congresso Viena estava ansiosa pela eliminação dos traços da Revolução Francesa.Era uma Europa legitimista, clerical, desigual, aristocrática e, principalmente, reacionária. R.I. MODULO II. 25 Importante registrar, no entanto, que o fantasma de 1789 não desapareceu. Intelectuais, trabalhadores, liberais, democratas, burgueses estavam descontentes com o restabelecimento do Antigo Regime. Sob diversos matizes ideológicos, o século XIX testemunhou um longo desenrolar de revoluções. O Século das Revoluções A Europa pós-Congresso de Viena foi marcada pelo equilíbrio de poder entre os Estados europeus, o que permitia certa estabilidade no cenário internacional. Apesar desse quadro de tranquilidade, o século XIX foi tempo de revoluções tanto políticas quanto econômicas. Politicamente, houve três grandes ondas revolucionárias: 1820, 1830 e 1848. O período entre 1817 e 1850 foi época de crise econômica e baixa de preços, ou seja, período de grande tensão. As grandes ondas revolucionárias de 1830 e 1848, bem como as investidas contrarrevolucionárias, estão indicadas nos Mapas 13 a 15. A onda revolucionária de 1830 marca a derrota definitiva dos aristocratas pelo poder burguês na Europa Ocidental e o triunfo do liberalismo moderado. Propagou-se o sistema parlamentar (com inspiração no modelo britânico) de qualificação por propriedade (voto censitário) sob monarquias constitucionais. R.I. MODULO II. 26 A França era o ponto de irradiação, dada a classe média liberal e radical que se formara com o movimento jacobino na época da Revolução Francesa. Em 1830, também já era possível notar o aparecimento de uma classe operária como uma força política autoconsciente e independente, que começava a reunir os jacobinos mais extremados. Já em 1848, a agitação popular tornava-se contrária à classe média liberal (o “perigo vermelho”). Os radicais ficaram desapontados com o fracasso dos franceses em desempenhar o papel de libertadores internacionais. Esse desapontamento, junto com o crescente nacionalismo da década de 1830 e a nova consciência das diferenças nos aspectos revolucionários de cada país, despedaçou o internacionalismo unificado (centrado na França) a que os revolucionários tinham aspirado durante a Restauração (o pós-1815). Em 1848, as nações de fato se sublevaram separadamente. Os radicais, os republicanos e os novos movimentos proletários se retiraram da aliança com os liberais, dado que o liberalismo moderado se tornara hostil em razão do seu maior medo, a república social e democrática (em oposição à monarquia constitucional), a qual era, nesse momento, o slogan da esquerda. De uma forma geral, as revoluções de 1848 foram revoluções sociais de trabalhadores pobres. Quando se viram diante da revolução “vermelha” (ameaça à propriedade), os R.I. MODULO II. 27 moderados liberais e os conservadores se uniram. Os trabalhadores ficaram isolados diante da união de forças conservadoras e ex-moderadas aliadas ao velho regime. Com essa aliança, os regimes conservadores restaurados estavam preparados para fazer concessões ao liberalismo econômico. A década de 1850 viria a ser, de fato, um período de liberalização sistemática: fim da legislação de guildas e liberdade para se praticar qualquer forma de comércio; fim do severo controle estatal sobre a mineração; realização de uma série de tratados de livre- comércio etc. Nesse momento, a burguesia deixava de ser uma força revolucionária. Esses fatos abriram o caminho para a Revolução Industrial a partir da segunda metade do século XIX (vários autores se referem a ela como “Segunda Revolução Industrial”, para distingui-la do avanço industrial no século XVIII). Com a retirada da nobreza e a diversificação das formas de se fazer dinheiro (início da chamada haute finance – conjugação dos capitais comercial e financeiro), as décadas de 1850 e 1860 foram prósperas e capazes de incorporar os cidadãos instruídos ao mercado de trabalho. De 1850 até pelo menos 1873, o tempo foi de prosperidade. Como observa Duroselle (1976, p. 21), a prosperidade, “interrompida por alguns recessos, rompe o ímpeto revolucionário. Este só voltará a ressurgir na França em 1869 aproximadamente. Com um nível de vida momentaneamente acrescido, as massas toleram mais facilmente o jugo, se tiverem a impressão de que o poder favorece a expansão.” A Revolução Industrial modificou toda a sociedade europeia. Se na sociedade pré-industrial do século XVIII a agricultura ainda era o centro das atividades humanas, no século XIX a vida se deslocava progressivamente para as cidades e para as indústrias. Simultaneamente, o poder, a influência e os valores da aristocracia perderam força. Em seu lugar, ganharam importância o dinheiro e a capacidade individual. A modernização da sociedade colaborou, também, para a progressiva universalização do voto e para a secularização da sociedade. Por fim, a tecnologia ampliou a diferença entre o Ocidente e as demais regiões do mundo. Divisão da Europa – Nacionalidade X Legitimidade R.I. MODULO II. 28 A Europa de 1815 foi construída sobre o princípio de que era essencial preservar o continente de uma possível ameaça francesa. Assim, no redesenho do mapa continental, o princípio da nacionalidade fora deixado em segundo plano. Nem por isso, no entanto, inexistia a afirmação da nacionalidade. O nacionalismo foi um dos filhos das ondas revolucionárias da primeira metade do século XIX. O nacionalismo se propagou a partir da classe média e teve nas escolas e nas universidades seus grandes defensores. Vários movimentos nacionalistas jovens começaram a se espalhar a partir das revoluções de 1830: a Jovem Itália, a Jovem Polônia, a Jovem Suíça, a Jovem Alemanha, a Jovem França e a Jovem Irlanda. Parte da onda nacionalista vinha dos escombros do Império Otomano, o qual, nas palavras do Czar, era o ancião enfermo da Europa. Progressivamente, o Império Otomano foi perdendo terras para austríacos, russos e para nações que iam surgindo de suas fraquezas. A primeira delas foi a Grécia, cuja independência foi tema de preocupação durante toda a década de 1820. Finalmente independente em 1830, serviu como exemplo para muitos outros: a Sérvia, alguns anos depois, conquistava autonomia, e, em 1856, Romênia e Bulgária se tornaram independentes. O Império Otomano existiu aproximadamente de 1300 a 1922 e, no período de maior extensão territorial, abrangeu três continentes: da Hungria, ao norte, até Aden, ao sul, e da Argélia, a oeste, até a fronteira iraniana, a leste, embora centrado na região da atual Turquia. Por meio do Estado vassalo do janato da Crimeia, o poder otomano também se expandiu na Ucrânia e no sul da Rússia. Seu nome deriva de seu fundador, o guerreiro muçulmano turco Osman (ou Utman I Gazi), que fundou a dinastia que governou o império durante sua história. No restante da Europa, no entanto, apenas a Bélgica se tornou independente da Holanda, em 1830. Para isso, assumiu o caráter de nação neutra, com aval das Grandes Potências. A neutralidade belga, garantida pela Grã-Bretanha, seria violada em 1914 pelo avanço alemão contra a França e contribuiria para que Londres declarasse guerra a Berlim. Outras tentativas de independência no continente europeu fracassaram. A Polônia não conseguiu a autonomia diante da Rússia (1830), e a Hungria alcançou uma semi- independência em relação à Áustria (1867). Dos movimentos nacionais de afirmação, os mais importantes foram os da Itália e da Alemanha, países que se unificaram a partir da segunda metade do século. De fato, a unificação da Itália e, sobretudo, a da Alemanha, seriam acontecimentos importantes para alterar o equilíbrio de poder na Europa estabelecido pelo Concerto Europeu, e afetariam diretamente as relações internacionais do período, culminando nos processos que levaram à I Guerra Mundial. R.I. MODULO II. 29 A Unificação da Alemanha Não seria temerário afirmar que a unificação da Alemanha, ocorrida em 1871, foi, após o Congresso de Viena, o evento mais importante da política internacionaldo século XIX. A unificação alemã provocou o desmoronamento dos fundamentos do equilíbrio internacional surgidos em 1815 e levou a política internacional ao retorno às lutas irrestritas do século XVIII. Ademais, seus efeitos estariam diretamente relacionados com eventos marcantes do século seguinte, como a I e a II Guerras Mundiais, a Guerra Fria e a integração europeia. O principal temor dos franceses do século XVII era a unificação alemã. Richelieu, por exemplo, via na Alemanha unificada uma ameaça potencialmente mais perigosa para a França. A unificação, entretanto, somente foi possível porque a Prússia conseguiu, ao longo de 150 anos, construir um Estado forte o bastante para que pudesse, no fim do século XIX, almejar a preponderância entre os Estados alemães. Também não se pode esquecer a ação deBismarck, primeiro-ministro prussiano que soube, por meio de uma política interna autoritária e uma política externa cuidadosa e pragmática, unificar a Alemanha. A maneira racional, pragmática e calculada como Bismarck conduziu a política alemã ficou conhecida como Realpolitik. Assim, externamente, o Chanceler prussiano foi bem-sucedido em três guerras. Junto com a Áustria, atacou e conquistou territórios da Dinamarca, em 1864. Dois anos depois, a luta pelos espólios dessa conquista fez com que os austríacos declarassem guerra à Prússia. Vencedores, os prussianos conseguiram afastar a Áustria dos assuntos alemães. Continuando com a sua Realpolitik e derrotada a Áustria, Bismarck conquistou territórios e forçou os Estados alemães menores a se aliarem a ele. Em 1871, sabedor de sua vantagem militar, Bismarck provocou os franceses. Estes Otto von Bismarck (1815-1898), o “Chanceler de Ferro”, foi o grande artífice e primeiro chanceler do segundo império alemão. Seu pai era um latifundiário de origem nobre, e sua mãe pertencia à burguesia. Em sua personalidade, fundiam- se a sutileza intelectual e o provincianismo da aristocracia conservadora. Entrou na política em 1847. Como delegado da primeira Dieta prussiana, destacou-se como um dos mais férreos conservadores. Quando eclodiu a Revolução de 1848, foi para Berlim e pediu que o rei Frederico Guilherme IV reprimisse a sublevação. Seu conselho não foi levado em consideração, mas sua lealdade foi recompensada ao ser nomeado representante prussiano na Confederação Germânica, a liga dos 39 estados alemães, em 1851. Passou a ser embaixador na Rússia em 1859 e foi designado para a França em 1862. Designado Chanceler prussiano no mesmo R.I. MODULO II. 30 declararam guerra e foram rapidamente derrotados. Como vitória, Bismarck conseguiu o apoio suficiente de que necessitava para que os outros Estados alemães aceitassem integrar-se à Prússia, formando o Império Alemão, ou Segundo Reich ano, procedeu com uma série de reformas internas e deu início à suaRealpolitik, que garantiria a vitória sobre Grandes Potências europeias, como a Áustria e a França, e conduziria à unificação alemã. Em 1890, desentendeu-se com o Kaiser (ou Imperador) em virtude do direcionamento da Política Externa do Reich, sendo demitido e deixando a vida pública. Depois da unificação, a Alemanha desenvolveu-se de maneira significativa, sobretudo nas áreas industrial e militar. Em três décadas, o país já se mostrava a principal Potência do continente em desenvolvimento industrial e tecnológico, superando a França. Ademais, com uma intensa política de construção naval, logo as marinhas mercante e de guerra alemãs ameaçavam a hegemonia britânica no mundo. Na virada do século, os alemães já deixavam claro que desejavam ocupar seu lugar de destaque entre as Grandes Potências, sendo fundamental para isso o estabelecimento de um império colonial e a conquista de novos mercados pelo planeta. Entretanto, as pretensões do Reich acabariam chocando-se com os interesses das Grandes Potências tradicionais – em especial, Grã-Bretanha e França –, o que levaria a Europa à Primeira Guerra Mundial, em agosto de 1914. Expansão colonial Outro aspecto importante da Sociedade Internacional do século XIX é a nova expansão colonial. Durante todo o século, mas sobretudo em sua segunda metade, desenvolveu-se um processo de conquistas europeias sobre a África e Ásia, denominado Neocolonialismo. Na virada do século, praticamente todo o continente africano, à exceção da Etiópia e da Libéria, estava sob jugo das Potências europeias como parte de seus impérios coloniais. O Neocolonialismo foi a principal expressão do Nacionalismo e do Imperialismo, este último a forma assumida pelo capitalismo a partir da Segunda Revolução Industrial, segundo os globalistas. Os defensores do Estado-nação entendiam o Estado como progressista (capaz de desenvolver uma economia, tecnologia, organização burocrática e força militar viáveis), ou seja, precisava ser pelo menos territorialmente grande. Para a sociedade burguesa moderna, liberal e progressista, a unidade estatal natural deveria ser extensa, daí o decorrente expansionismo R.I. MODULO II. 31 colonial. O padrão de programa nacional do século XX seria diferente: Estado totalmente independente, homogêneo territorial e linguisticamente, laico e provavelmente republicano/parlamentar. O sionismo, que refundaria o Estado de Israel, seguiria esse padrão: tomar o território, inventar uma língua e laicizar as estruturas de um povo cuja unidade histórica havia sido apenas a prática de uma religião comum. A concepção nacionalista de Estado do século XIX se casou perfeitamente com os objetivos capitalistas. O domínio das Potências europeias sobre povos dos outros continentes não foi apenas econômico, mas também militar, político e social, impondo à força um novo modelo de organização do trabalho que pudesse garantir, principalmente, a obtenção de matéria- prima para as indústrias europeias. À violência militar e à exploração do trabalho somam-se as imposições sociais, incluindo a disseminação do cristianismo entre os povos nativos, num processo de aculturação, sob a justificativa de que se estaria levando os valores ocidentais da “civilização” aos povos primitivos. Era o “ideal civilizador do homem branco”. Nesse processo mercantil-civilizador, a África foi conquistada e dividida, o mesmo acontecendo com parte da Ásia. Impérios tradicionais como a China sucumbiram à hegemonia europeia. O mundo nunca se mostrara tão eurocêntrico, e as nações europeias efetivamente eram as protagonistas das relações internacionais. O planeta como um todo tornou-se o tabuleiro do jogo de poder entre as Potências europeias. A partir da segunda metade do século XIX, portanto, as preocupações europeias se tornaram mundiais. As rivalidades se projetavam nos outros continentes. “O século XIX é extraordinariamente dinâmico: vai assistir-se à expansão da Europa pelo mundo, tanto pela ação política dos seus Estados, pelos fluxos migratórios, pelo escoamento das suas economias, como pela sua influência civilizadora.” (PELLISTRANDI, 2000, p. 115). As Grandes Potências europeias cuidavam de estabelecer seus impérios coloniais subjugando os povos dos outros continentes, particularmente da Ásia e da África. Especialmente importante é o Congresso de Berlim, em 1885. As razões políticas do imperialismo de final do século XIX eram tão importantes quanto as razões econômicas. Para as nações recém-unificadas – Itália e Alemanha – a obtenção de territórios na África e na Ásia significava prestígio e auto reconhecimento. Para a França, profundamente traumatizada após a derrota de 1871 (na Guerra Franco-Prussiana), as conquistas coloniais eram um meio de readquirir respeito. R.I. MODULO II. 32 As novas Potências – Estados Unidos da América e Japão A segunda metade do século XIX vê também o aparecimento de dois Atores importantes no jogo político internacional: Estados Unidos da América (EUA) e Japão. Os EUA começaram a se projetar como Potência após a violenta Guerra Civil, travada para impedir a separaçãodos estados do sul do país. Pouco antes, os norte-americanos haviam consolidado o seu processo de expansão colonial às expensas do México. Além disso, em 1867, compraram da Rússia o Alasca e, após derrotarem a Espanha, em 1898, adquiriram Porto Rico, Filipinas e um virtual controle sobre Cuba. Da mesma forma, o Oceano Pacífico tornava-se uma área de projeção de poder dos EUA. Internamente, os EUA iniciaram um vigoroso processo de industrialização graças a um mercado interno crescente, a uma estrutura tarifária protecionista para afastar a concorrência estrangeira, a uma estrutura estável de comércio e ao grande número de inovações tecnológicas. Em 1914, às vésperas da I Guerra Mundial, o país já era, de longe, a principal Potência industrial do planeta. Sobre a situação dos EUA frente a outras potências na virada do século, vide Paul Kennedy, op.cit. O Japão é outro exemplo de rápido crescimento econômico. Até 1854, mantivera-se fechado ao exterior. Nesse ano, uma esquadra norte-americana forçou o país a abrir-se e aceitar o comércio com o exterior. “Decidido a preservar a independência do país, um grupo de samurais (...) tomou o governo. A Restauração Meiji de 1867, como ficou conhecido esse episódio, devolveu o poder ao imperador” (PERRY, 1999, p. 473). Inspirado por uma forte ideologia nacionalista, o governo Meiji iniciou um importante conjunto de reformas: os privilégios sociais foram eliminados, o serviço militar obrigatório foi implantado, uma Constituição foi elaborada, e passou a existir parlamento. Além disso, a economia foi rapidamente modernizada. Fábricas foram instaladas, tecnologia europeia foi comprada, ferrovias, portos, estradas e telégrafos instalados. Em menos de 20 anos, o novo poder japonês dava sinais de existência: em 1894, derrotava a China, e, em 1905, a Rússia. Na Guerra Russo-Japonesa (1904-1905), pela primeira vez na era moderna uma Potência do Oriente derrotava um poderoso Estado europeu. O Estado-nação O Estado-nação é o resultado moderno da experiência de formação e construção do Estado desde Westfália e pressupõe a formação propriamente dita de uma burocracia (no sentido de separação dos meios administrativos dos patrimônios particulares dos agentes da R.I. MODULO II. 33 administração). Testemunhou-se um processo de racionalização da atividade estatal. A relação entre poder político e território sofreu uma revolução, com uma completa transformação das relações do poder político central com as múltiplas tradições locais – o estabelecimento de uma única lei, uma única língua, uma única política fiscal e preceitos políticos uniformes para todo um território. Havia razões políticas e econômicas por trás desse processo. De um lado, a necessidade de um contrato social voltado para a “coisa pública”, em que os “objetivos públicos” deixariam de ter nos corpos estamentais de privilégios os intermediários da ação político-administrativa estatal; e, de outro, a necessidade de facilitar a circulação dos bens num território, através da redução, simplificação e uniformização do sistema tributário (com a superação da fragmentação legislativa e do patrimonialismo fiscal), e de estimular o equilíbrio entre as regiões de um Estado e o aumento das trocas inter-regionais. Uma das consequências desse processo foi a anulação sistemática das tradições locais de vários povos; ou seja, a partir das várias identidades dever-se-ia inventar uma identidade nacional que integrasse a população em novos referenciais de pertencimento, de associação. Assim, os vários Estados buscaram constituir internamente suas nações. A mesma demanda conjuntural ocorria nas grandes massas territoriais e étnicas do centro-leste europeu (Império Prussiano, Império Austro-Húngaro e Império Russo). Todos passaram a buscar pelo caráter de sua nação e a igualmente se perguntar se de várias nações era possível formar um espírito comum. Enfim, construir um Estado-nação significou, do século XIX ao XX, não apenas desenvolver uma economia e uma organização econômico-político-militar viável, mas também agrupar vários grupos sociais localmente circunscritos com suas línguas, tradições, costumes e leis próprias num grande agrupamento social politicamente representado e juridicamente nivelado por um Estado laico regido por um conjunto geral de leis soberanas – a Constituição. Estados constitucionais e não constitucionais aprenderam a avaliar a força política que era a capacidade de apelar para seus súditos na base da nacionalidade (o Czar da Rússia não apenas baseava seu governo nos princípios da autocracia e da ortodoxia como passou a apelar aos russos como russos na década de 1880). A escola primária passou a ser o meio de se ensinar às crianças a serem bons súditos e cidadãos. Os Estados criaram nações, ou seja, o patriotismo nacional, e cidadãos linguística e administrativamente homogeneizados (a Itália usou a escola e o serviço militar para fazer italianos, os EUA tornaram o conhecimento da língua inglesa condição para a cidadania americana, a Rússia tentou dar à língua russa o monopólio da educação, com o fim de “russificar” as nacionalidades menores). Esse processo auxiliava a definir as nacionalidades excluídas da nacionalidade oficial, que, caso contrário, poderiam vir a oferecer resistência e a se refugiar em algum partido socialista. R.I. MODULO II. 34 Esse era o pano de fundo para um século “de extremos”, o século XX, em que os principais Atores internacionais se confrontariam numa intensidade nunca antes vista na história da Sociedade Internacional. RESUMO O período de 1815 a 1914, quando comparado aos séculos anteriores e ao século XX, foi de relativa paz para a Europa. Excetuando-se a Guerra da Crimeia (1854),não existiram grandes conflitos entre as principais potências. O sistema de equilíbrio de poder estabelecido no Congresso de Viena mostrou-se bastante bem-sucedido e só foi desarticulado a partir do momento em que Bismarck conseguiu unificar a Alemanha. Após 1871 e especialmente após 1890, a Europa viveu tempos de incerteza. A guerra voltou a ser considerada alternativa cada vez mais provável. França e Alemanha não poderiam se reconciliar por causa da Alsácia-Lorena, território que a primeira perdera para a segunda na Guerra Franco-Prussiana de 1870-1871. França e Inglaterra estavam envolvidas em um grande processo de divisão colonial na África. A Inglaterra e a Rússia, por causa da Índia e da Ásia Central, encontravam-se em permanente estado de tensão. Na Ásia, uma nova Potência surgia: o Japão. Além disso, a mais complexa das áreas de conflito não pode ser esquecida: os Bálcãs. Ali, os interesses contraditórios de Áustria-Hungria, Rússia, Sérvia e Império Otomano fomentavam uma rivalidade crescente. Uma disputa de poder daria início à I Guerra Mundial (1914-1918), que, por sua vez, poria fim à “Era dos Impérios”. Unidade 3 - A I Guerra Mundial e os Entre- Guerras A I Guerra Mundial Para muitos estudiosos das relações internacionais, o século XX não se inicia em 1901, mas em 1914, com a deflagração do maior de todos os conflitos que o mundo presenciara até então: a I Guerra Mundial. Durante muito tempo chamado de a Grande Guerra, esse conflito, que durou de 1914 a 1918, iniciou-se na Europa e acabou envolvendo outras nações do R.I. MODULO II. 35 globo, inclusive novas Potências emergentes que não pertenciam ao continente europeu, com destaque para os EUA e o Japão. Nunca se havia tido um conflito tão destrutivo e arrasador como a I Guerra Mundial. Trata-se do primeiro grande confronto internacional da era industrial. Foi maciço o uso das ferrovias, e “os caminhões se tornaram tão importantes quanto os cavalos no abastecimento de soldados no campo” (ROBERTS, 2002, p. 681). Pela primeira vez, foram empregados de maneira efetiva novos equipamentos de combate, como o avião e o tanque de guerra. Também foram utilizados, por ambos os lados em luta, gases letais, responsáveis por milhares de baixas.Ao final do conflito, o sistema internacional mudaria definitivamente. A Europa sofreria intensa destruição, os impérios coloniais começariam a ruir, e a hegemonia europeia no mundo daria seus últimos suspiros. A Sociedade Internacional se apresentaria ainda mais complexa e com novos Atores não europeus a ditar suas regras. A Belle Époque seria apenas nostalgia. Causas da Grande Guerra Crise e incerteza. Esses eram os sentimentos que dominavam a Europa após 1890. Essa data não é aleatória. É o ano em que Bismarck deixa de ser o Chanceler alemão. Bismarck sabia muito bem o que queria: manter a França permanentemente enfraquecida e sem chances de revanche, além de afastada das preocupações territoriais. Seus sucessores, especialmente o KaiserGuilherme II, não tinham planos nesse sentido, ou, se os tinham, eram confusos, erráticos e provocativos. A isso se somava o fato de que cada país europeu tinha a sua lista de reivindicações. A França não esquecia a perda da Alsácia-Lorena para a Alemanha. Tal fato era o motor do nacionalismo francês. Além disso, preocupada em recuperar prestígio, a França lançou-se, com todas as suas forças, na corrida colonial. R.I. MODULO II. 36 A Rússia buscava expandir-se na Ásia Central, no Extremo Oriente e nos Bálcãs. Como resultado dessa política, atritou-se com os ingleses na disputa pelo Afeganistão, com o Japão (guerra em 1905), e permanecia em constante estado de tensão com os austríacos e com os otomanos pela hegemonia da península balcânica. Os britânicos, por sua vez, temiam as ambições russas na Ásia Central e as pretensões coloniais francesas na África. Passaram, também, a temer cada vez mais os alemães, principalmente depois que estes ensejaram uma política de construção naval em 1897. Além disso, a Alemanha unificada revelou-se formidável concorrente econômica, superando os ingleses em áreas como química, siderurgia e energia, mostrando-se, por fim, a partir da queda de Bismarck, mais e mais interessada em estabelecer um império colonial e disputar espaço com outros países europeus na África e Ásia. A Áustria-Hungria era percebida, assim como a Rússia e o Império Otomano, como a Potência decadente da Sociedade Europeia. Cercados por todos os lados, os austríacos tinham interesses conflitantes com os russos e com os eslavos da península balcânica. Além disso, sendo um país multiétnico, o Império Austro-Húngaro defrontava-se com crescentes pressões domésticas das minorias internas que desejavam maior autonomia. Cada vez mais, a Áustria- Hungria sustentava sua segurança no apoio da Alemanha. Tratados de não agressão e assistência recíproca foram celebrados entre os dois Estados germânicos nos anos anteriores à I Guerra Mundial. O temor de Bismarck de ver a Alemanha ameaçada nos fronts oriental e ocidental tornou-se realidade, em grande parte, em virtude da política externa de Guilherme II. Preocupado em mostrar-se forte e influente, mas sem a habilidade política de Bismarck, o Kaiser acabou atraindo para si muitos inimigos. Grã-Bretanha, França e Rússia se aliaram, principalmente, para fazer frente ao poderio alemão. Para agravar a situação, as políticas governamentais nas Potências europeias eram ditadas por ânimos nacionalistas e não havia nenhuma instituição internacional que pudesse mediar conflitos. O Congresso de Viena há muito deixara de ter importância e nada de significativo surgira em seu lugar. É verdade que existia, desde 1899, a Corte Internacional de Justiça de Haia. Infelizmente, no entanto, ela se mostrou ineficaz. A paz anterior a 1914 era obtida pelas ameaças mútuas, e não pelas decisões da Corte de Haia. A guerra, por sua vez, era articulada por meio de alianças secretas entre as Potências: era a diplomacia secreta que marcava as relações internacionais da Europa até a I Guerra Mundial. Acrescente-se a isso o recrudescimento dos discursos nacionalistas, como o pan-germanismo e o pan-eslavismo, que pregavam a reunião dos povos de etnia germânica e eslava, respectivamente, em uma só nação, ou a coalizão dos Estados de uma mesma etnia contra ameaças de Estados de outras. Esses movimentos também questionavam a existência de impérios multiétnicos como o Otomano, o Austro-Húngaro e mesmo o Russo, e defendiam a R.I. MODULO II. 37 independência dos povos sob o jugo de Viena, Constantinopla e São Petersburgo. Outra forma de nacionalismo era o francês, com forte viés revanchista contra a Alemanha e desejoso de recuperar a “grandeza da França”. Assim, as relações internacionais às vésperas da I Guerra Mundial eram marcadas pela disputa entre as Grandes Potências por mercados e pelo interesse das novas Potências, em especial a Alemanha e a Itália, de possuírem impérios coloniais e de se equipararem às principais Potências coloniais europeias. Também caracterizava as relações internacionais anteriores à Grande Guerra uma significativa corrida armamentista entre os principais Atores europeus, com rivalidades que afloravam entre eles e refletiam-se em um sistema de alianças estabelecidas, na maior parte das vezes, por meio da diplomacia secreta. As diferenças entre as Potências eram, ademais, significativas. Na arena europeia havia novas Potências, como a Alemanha e a Itália, que desejavam ampliar seu poder e tinham interesses conflitantes com as Grandes Potências tradicionais e ainda poderosas Grã-Bretanha e França, que buscavam manter-se na liderança da Sociedade Internacional a qualquer custo. Havia, ainda, os grandes impérios em decadência – o Império Russo, o Império Austro-Húngaro e o Império Otomano – que, em virtude das dificuldades domésticas, em especial dos movimentos nacionalistas separatistas em seu interior, viam-se enfraquecidos demais para permanecerem, ainda durante muito tempo, em condição de igualdade com a Grã-Bretanha, a França e a Alemanha. No início do século XX, a estrutura do Concerto Europeu fora definitivamente substituída pela política de alianças. De um lado, ainda sob a articulação de Bismarck, as chamadas Potências Centrais – Alemanha e Áustria – assinaram com a Itália, em 1882, o Tratado da Tríplice Aliança, que dava a cada parte garantia de assistência das demais em caso de ataque por uma Potência externa. Como resposta à Tríplice Aliança, franceses, britânicos e russos constituíram a Tríplice Entente, a qual reuniria as Potências aliadas na Grande Guerra. A Europa, antes de 1914, viu-se, pois, em uma série de crises. Após sobreviver a duas ou três realmente graves, o assassinato do Arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austro-húngaro, foi o estopim que deu início ao conflito. A Áustria considerou o assassinato a oportunidade ideal para resolver, de forma definitiva, os problemas com a Sérvia. Sob a alegação de que o governo sérvio era responsável pelo assassinato, fez uma série de exigências. Em suas exigências, os austríacos contavam com o apoio irrestrito do Kaiser alemão. A Sérvia, por sua vez, como país eslavo, acreditava que contaria com o apoio da Rússia. Como em um dominó, o sistema de alianças fez com que a guerra entre austríacos e sérvios atingisse, também, alemães e russos. Estes últimos, graças a outra aliança, atraíram para o conflito os franceses. Os ingleses entraram na guerra para defender a Bélgica, país que fora invadido pelos alemães. Assim, um sistema de alianças rígido e um sistema de mobilização R.I. MODULO II. 38 militar conduziram os europeus para a Guerra. De um lado, estavam Inglaterra, França, Rússia e Sérvia. De outro, Alemanha e Áustria-Hungria. Durante o desenrolar do conflito, muitos outros países se envolveriam. Inicialmente, os que iam para o front acreditavam que a guerra terminaria em poucas semanas. Não é falso dizer que os soldados, de ambos os lados, iam para a guerra entusiasmados pelo fervor nacionalista, acreditando que alcançariam vitória fácil e rápida. Infelizmente, no entanto, o conflito acabou por ser longo e penoso. As operações militares na Europa se desenvolveram
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