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Ética Cristã na Idade Média

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Filosofia e Ética
Aula 8
Prof. Luiz Cláudio Deulefeu
Rio de Janeiro, 30 de abril de 2011
Nessa nossa oitava aula teletransmitida da disciplina de Filosofia e Ética vamos juntos estudar a ética cristã e reconhecer a noção medieval de teonomia ética, apresentando as características filosóficas que marcam a moral cristã e a apreciação do seu conteúdo pela ética.
Aula 8
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Durante a idade média ocidental, a filosofia acabou sendo dominada pela doutrina cristã e a ética se limitou aos preceitos da moral veiculada pelo cristianismo (interpretação dos mandamentos e dos preceitos religiosos). A originalidade do cristianismo foi ter nascido e não se vinculado como uma religião de indivíduos que se definiriam por sua nacionalidade ou a um Estado. 
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O que define o cristão é a sua fé num mesmo e único Deus. Até então nas demais religiões antigas a divindade mantinha relação estreita com a comunidade social e politicamente organizada. A vivência ética do cristão não se define por sua relação com a sociedade, mas sim, por sua relação espiritual e interior com Deus. 
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O cristianismo introduz duas diferenças primordiais na antiga concepção ética: em primeiro lugar, a idéia de que a virtude se define por nossa relação com Deus e não com a cidade nem com os outros. Nossa relação com os outros depende da qualidade de nossa relação com Deus, único mediador entre cada indivíduo e os demais. 
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O cristianismo é uma religião, se constrói a partir da fé e dos dogmas. Entretanto fez filosofia com o objetivo de esclarecer e de justificar, por meio de argumentos racionais, a supremacia das verdades reveladas, o seja a filosofia tornou-se serva da teologia. Ao subordinar a filosofia à teologia, também se subordinou a ética à religião.
A filosofia cristã da Idade Média constituiu uma ética pautada na religiosidade. O processo de cristianização da herança filosófica grega foi levado a frente, em especial nas obras éticas de Santo Agostinho (354-430) e de Santo Tomás de Aquino (1226-1274).
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A purificação da alma, em Platão, e a sua ascensão libertadora até elevar-se à contemplação das idéias, transforma-se em Santo Agostinho na elevação ascética até Deus, que culmina no êxtase místico ou felicidade, que não pode ser alcançada neste mundo. Contudo, Santo Agostinho se afasta do pensamento grego antigo ao sublinhar o valor da experiência pessoal, da interioridade, da vontade e do amor. A ética agostiniana se contrapõe, assim, ao racionalismo ético dos gregos.
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A ética tomista coincide nos seus traços gerais com a de Aristóteles, sem esquecer porém que se trata de cristianizar a sua moral como, em geral, a sua filosofia. Deus, para Santo Tomás, é o bem objetivo ou fim supremo, cuja posse causa gozo ou felicidade, que é um bem subjetivo (nisto se afasta de Aristóteles, para quem a felicidade é o fim último). Mas, como em Aristóteles, a contemplação, o conhecimento (como visão de Deus) é o meio mais adequado para alcançar o fim último.
 
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Por este acento intelectualista, aproxima-se de Aristóteles. Na sua doutrina político-social, atém-se à tese do homem como ser social ou político, e, ao referir-se às diversas formas de governo, inclina-se para uma monarquia moderada, ainda que considere que todo o poder derive de Deus e o poder supremo caiba à Igreja.
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Na sociedade cristã medieval, em que a profunda fragmentação econômica e política foram tão características, a religião garante uma certa unidade social, porque a política esta na dependência dela e a Igreja, como instituição que vela pela defesa da religião, exerce plenamente um poder espiritual e monopoliza toda a vida intelectual. 
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A moral concreta, efetiva, e a ética, como doutrina moral, estão impregnadas, também, de um conteúdo religioso que encontramos em todas as manifestações da vida medieval. A moral cristã vigente na época reduz o homem a um ser social ou político, e , ao referir-se às diversas formas de governo, inclina-se para uma monarquia moderada, embora considere que todo o poder derive e Deus e o poder supremo caiba à Igreja. 
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Na época moderna, o homem aparece no centro da política, da ciência, da arte e também da moral. Esta transferência faz com que o homem acabe por se apresentar como o absoluto, ou como o criador ou legislador em diferentes domínios, incluindo a moral. Este novo mundo contribui para que a ética, libertada de seus pressupostos teológicos, seja antropocêntrica, ou seja, que tenha o seu centro e fundamento no homem, dotado de uma natureza universal e imutável. 
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Aurélio Agostinho destaca-se na Patristica como Tomás de Aquino se destaca entre os Escolásticos. E como Tomás de Aquino se inspira na filosofia de Aristóteles, e será o maior vulto da filosofia metafísica cristã, Agostinho inspira-se em Platão, ou melhor, no neoplatonismo. 
Agostinho, pela profundidade do seu sentir e pelo seu gênio compreensivo, fundiu em si mesmo o caráter especulativo da patrística grega com o caráter prático da patrística latina, ainda que os problemas que fundamentalmente o preocupam sejam sempre os problemas práticos e morais: o mal, a liberdade, a graça, a predestinação.
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Agostinho considera a filosofia praticamente, platonicamente, como solucionadora do problema da vida, ao qual só o cristianismo pode dar uma solução integral. Todo o seu interesse central está portanto, circunscrito aos problemas de Deus e da alma, visto serem os mais importantes e os mais imediatos para a solução integral do problema da vida.
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Evidentemente, a moral agostiniana é teísta e cristã e, logo, transcendente e ascética. Nota característica da sua moral é o voluntarismo, a saber, a primazia do prático, da ação - própria do pensamento latino - , contrariamente ao primado do teorético, do conhecimento - próprio do pensamento grego. A vontade não é determinada pelo intelecto, mas precede-o. 
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Não obstante, Agostinho tem também atitudes teoréticas como, por exemplo, quando afirma que Deus, fim último das criaturas, é possuído por um ato de inteligência. A virtude não é uma ordem de razão, hábito conforme à razão, como dizia Aristóteles, mas uma ordem do amor.
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Entretanto a vontade é livre, e pode querer o mal, pois é um ser limitado, podendo agir desordenadamente, imoralmente, contra a vontade de Deus. E deve-se considerar não causa eficiente, mas deficiente da sua ação viciosa, porquanto o mal não tem realidade metafísica. O pecado, pois, tem em si mesmo imanente a pena da sua desordem, porquanto a criatura, não podendo lesar a Deus, prejudica a si mesma, determinando a dilaceração da sua natureza.
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A fórmula agostiniana em torno da liberdade em Adão - antes do pecado original - é: poder não pecar ; depois do pecado original é: não poder não pecar ; nos bem-aventurados será: não poder pecar . A vontade humana, portanto, já é impotente sem a graça. O problema da graça - que tanto preocupa Agostinho - tem, além de um interesse teológico, também um interesse filosófico, porquanto se trata de conciliar a causalidade absoluta de Deus com o livre arbítrio do homem. 
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Quanto à família , Agostinho, como Paulo apóstolo, considera o celibato superior ao matrimônio; se o mundo terminasse por causa do celibato, ele alegrar-se-ia, como da passagem do tempo para a eternidade. Quanto à política , ele tem uma concepção negativa da função estatal; se não houvesse pecado e os homens fossem todos justos, o Estado seria inútil.
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Consoante Agostinho, a propriedade seria de direito positivo, e não natural. Nem a escravidão é de direito natural, mas conseqüência do pecado original, que perturbou a natureza humana, individual e social. Ela não pode ser superada naturalmente, racionalmente, porquanto a natureza humana já é corrompida; pode ser superada sobrenaturalmente, asceticamente, mediante a conformação cristã de quem é escravo e a caridade de quem é amo e senhor.
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Agostinho foi profundamente impressionado pelo problema do mal - de que dá uma vasta e
viva fenomenologia. Foi também longamente desviado pela solução dualista dos maniqueus, que lhe impediu o conhecimento do justo conceito de Deus e da possibilidade da vida moral. A solução deste problema por ele achada foi a sua libertação e a sua grande descoberta filosófico-teológica, e marca uma diferença fundamental entre o pensamento grego e o pensamento cristão.
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Quanto ao mal moral, finalmente existe realmente a má vontade que livremente faz o mal; ela, porém, não é causa eficiente, mas deficiente, sendo o mal não-ser. Este não-ser pode unicamente provir do homem, livre e limitado, e não de Deus, que é puro ser e produz unicamente o ser. O mal moral entrou no mundo humano pelo pecado original e atual; por isso, a humanidade foi punida com o sofrimento, físico e moral, além de o ter sido com a perda dos dons gratuitos de Deus. Como se vê, o mal físico tem, deste modo, uma outra explicação mais profunda.
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Remediou este mal moral a redenção de Cristo, Homem-Deus, que restituiu à humanidade os dons sobrenaturais e a possibilidade do bem moral; mas deixou permanecer o sofrimento, conseqüência do pecado, como meio de purificação e expiação. E a explicação última de tudo isso - do mal moral e de suas conseqüências - estaria no fato de que é mais glorioso para Deus tirar o bem do mal, do que não permitir o mal.
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Resumindo a doutrina agostiniana a respeito do mal, diremos: o mal é, fundamentalmente, privação de bem (de ser); este bem pode ser não devido (mal metafísico) ou devido (mal físico e moral) a uma determinada natureza; se o bem é devido nasce o verdadeiro problema do mal; a solução deste problema é estética para o mal físico, moral (pecado original e Redenção) para o mal moral (e físico).
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Diversamente do agostinianismo, e em harmonia com o pensamento aristotélico, Tomás considera a filosofia como uma disciplina essencialmente teorética, para resolver o problema do mundo. Considera também a filosofia como absolutamente distinta da teologia, - não oposta - visto ser o conteúdo da teologia arcano e revelado, o da filosofia evidente e racional.
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Na segunda parte da Summa Theologiae, Tomás de Aquino desenvolve um sistema ético autônomo, distanciando-se de Agostinho. Para ele, a razão humana não foi totalmente corrompida pelo pecado. Pela razão teórica, o homem pode conhecer coisas boas. Para conhecer verdades sobrenaturais, depende da revelação divina, mas no âmbito natural dispõe de um princípio prático no qual pode orientar a ação: “Deve fazer-se o bem e evitar o mal”.
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Para Tomás, tal axioma não é apenas formal, mas as inclinações naturais caracterizam o esforço humano. Entre essas inclinações naturais, destaca-se o instinto de autoconservação, da procriação e da convivência comunitária. Com a ajuda da razão, pode ordenar-se o potencial de realização. Ao conjunto de normas que daí surgem Tomás de Aquino chama lei natural. 
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Para garantir a eficiência duradoura dessa lei, precisam-se hábitos, Tomás de Aquino elabora uma doutrina sistemática das virtudes. Mas, Tomás de Aquino deixa claro que a determinação última do homem situa-se além da razão, numa visão beatífica de Deus, da qual o homem sabe através da revelação divina. 
Aí reconhece lugar especial às virtudes teologais (fé, esperança e caridade) como atitudes de conduta adequadas, pois a salvação é graça. Entretanto, reveladas as verdades sobrenaturais podem ser penetradas racionalmente.
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Também no campo da moral, Tomás se distingue do agostinianismo, pois a moral tomista é essencialmente intelectualista, ao passo que a moral agostiniana é voluntarista, quer dizer, a vontade não é condição de conhecimento, mas tem como fim o conhecimento. 
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A ordem moral, pois, não depende da vontade arbitrária de Deus, e sim da necessidade racional da divina essência, isto é, a ordem moral é imanente, essencial, inseparável da natureza humana, que é uma determinada imagem da essência divina, que Deus quis realizar no mundo. Desta sorte, agir moralmente significa agir racionalmente, em harmonia com a natureza racional do homem.
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Entretanto, se a vontade não determina a ordem moral, é a vontade todavia que executa livremente esta ordem moral. Tomás afirma e demonstra a liberdade da vontade, recorrendo a um argumento metafísico fundamental. A vontade tende necessariamente para o bem em geral. Se o intelecto tivesse a intuição do bem absoluto, isto é, de Deus, a vontade seria determinada por este bem infinito, conhecido intuitivamente pelo intelecto.
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Ao invés, no mundo a vontade está em relação imediata apenas com seres e bens finitos que, portanto, não podem determinar a sua infinita capacidade de bem; logo, é livre. Não é mister acrescentar que, para a integridade do ato moral, são necessários dois elementos: o elemento objetivo, a lei, que se atinge mediante a razão; e o elemento subjetivo, a intenção, que depende da vontade.
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Analisando a natureza humana, resulta que o homem é um animal social (político) e portanto forçado a viver em sociedade com os outros homens. A primeira forma da sociedade humana é a família, de que depende a conservação do gênero humano; a Segunda forma é o estado, de que depende o bem comum dos indivíduos.
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Sendo que apenas o indivíduo tem realidade substancial e transcendente, se compreende como o indivíduo não é um meio para o estado, mas o estado um meio para o indivíduo. Segundo Tomás de Aquino, o estado não tem apenas função negativa (repressiva) e material (econômica), mas também positiva (organizadora) e espiritual (moral).
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Embora o estado seja completo em seu gênero, fica, porém, subordinado, em tudo quanto diz respeito à religião e à moral, à Igreja, que tem como escopo o bem eterno das almas, ao passo que o estado tem apenas como escopo, como finalidade, o bem temporal dos indivíduos.
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Na próxima aula vamos juntos abordar:
Ética moderna e contemporânea
Reconhecer as principais escolas que caracterizam a ética moderna, ressaltando-se a dimensão humana, o papel da ação política, a autonomia, as vantagens que os efeitos de ações podem trazer e o intuicionismo no plano moral; 2. Identificar as duas grandes reflexões que caracterizam os problemas éticos contemporâneos: a essência, origem, finalidade da ética e a linguagem ética.
Não percam e até breve!
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