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VIVER-E-MORRER

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1 
VIVER 
É
MORRER
Dzongsar Jamyang Khyentse
Como se preparar para 
o morrer, a morte e além
 
Viver é morrer
Como se preparar 
para o morrer, a morte e além
Dzongsar Jamyang Khyentse
Siddhartha’s Intent Brasil, 2020
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Não-
Comercial-SemDerivações 4.0 Internacional. (CC BY-NC-ND 4.0)
Para ver uma cópia desta licença, visite:
 http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/
Pode ser copiada, distribuída ou impressa para uso justo, apenas com 
atribuição total e não para fins comerciais ou compensação pessoal.
Para detalhes completos, consulte a licença Creative Commons.
A edição original foi publicada pela primeira vez no verão de 2018 na página 
da internet https://www.siddharthasintent.org, da Siddharta’s Intent, como 
um livro eletrônico com o título Living is Dying - How to prepare for Dying, 
Death and Beyond. Siddharta’s Intent Brasil recebeu autorização para esta 
tradução ao português diretamente do autor.
© 2019 Dzongsar Jamyang Khyentse
ISBN 978-65-81724-00-9
Coordenação
Siddharta’s Intent Brasil
Tradução
Flávia Pellanda
Revisão Técnica
Ana Cristina Lopes
Revisão
Letícia Braga
Gabriela dos Reis Sampaio
Bruna Polachini
Diagramação
Carla Irusta
Ilustração da capa:
Painel Fantasmas Famintos, Kyoto National Museum, Japão
Sumário
Prefácio 7
Eu vou morrer? 11
Preparação para a morte e além 31
Práticas simples de preparação para a morte 51
Como os budistas se preparam para a morte 57
Prática de aspiração 65
O doloroso bardo da morte 79
Perguntas sobre a morte 103
Como acompanhar quem está morrendo 111
O que dizer para quem está morrendo 123
As instruções sobre o bardo 133
Cuidados com pessoas que estão morrendo ou mortas 153
O que fazer após a morte 169
Perguntas sobre as práticas para os mortos 181
Perguntas sobre outros aspectos da morte 185
Para os tântrikas 197
Preces e práticas 203
Como praticar o tonglen 202
Chutor: Oferenda de água 207
Prática para longa vida e prosperidade: Um método para salvar vidas 211
Tagdrol:“Liberação pelo vestir” 223
Como fazer tsa-tsas 229
Ilustrações 237
Notas 243
Prefácio
∑
A morte não é o oposto da vida, mas parte dela.1
Haruki Murakami
As instruções que os budistas recebem durante o processo da morte, 
ao morrer e depois da morte são as mesmas, quer a pessoa morra em 
paz durante o sono e em idade avançada, quer morra inesperadamente, 
pelo amadurecimento de causas e condições que levam à morte súbita.
 As informações sobre a morte, o morrer e além contidas neste li-
vro são uma apresentação muito simples de um ensinamento budista 
que pertence a uma tradição ancestral específica. Embora muitas ou-
tras tradições budistas autênticas ofereçam essencialmente os mesmos 
conselhos, cada qual desenvolveu a sua própria terminologia e lin-
guagem e, por isso, alguns detalhes podem parecer discrepantes. Por 
favor, não interprete essas variações como sendo contradições.
 Estes ensinamentos sobre a morte e os bardos nos foram legados 
por uma longa linhagem de brilhantes pensadores budistas; cada um 
deles examinou o processo com grande cuidado, nos mínimos deta-
lhes e por todos os ângulos. Os seus conselhos podem ser especial-
mente úteis para os budistas e para todos que se sintam atraídos pelos 
ensinamentos do Buda, mas são igualmente relevantes para qualquer 
pessoa que um dia irá morrer. Desse modo, mesmo não sendo budista, 
VIVER É MORRER8
se você é receptivo, curioso, ou está contemplando a própria morte ou 
a de uma pessoa amada, é bem provável que encontre nestas páginas 
alguma coisa que possa ajudá-lo.
 Tudo o que nos acontece na vida e na morte só depende das causas 
e condições que acumulamos. Portanto, cada pessoa irá experienciar 
a morte física e a dissolução dos elementos do corpo de um jeito bem 
diferente. Cada jornada pelos bardos também será única. Assim, toda 
e qualquer descrição da morte, do morrer e dos bardos sempre será 
uma generalização. Contudo, quando o processo de morte se iniciar, 
ter ao menos uma noção sobre o que está acontecendo aliviará grande 
parte dos nossos piores medos e nos ajudará a enfrentar a morte com 
calma e equanimidade.
3
Para quem se importa com detalhes desse tipo, devo dizer algumas 
palavras sobre o uso inconsistente da ortografia e dos diacríticos sâns-
critos neste livro. Em geral, quando o sânscrito aparece em caracteres 
romanos em lugar da escrita devanāgarī, são empregados diacríticos 
para ajudar o leitor a pronunciar as palavras de modo correto. Hoje 
em dia, porém, o estudo do sânscrito é relativamente raro, cada vez 
menos pessoas conseguem ler os diacríticos e, para alguns, a mera 
visão daqueles rabiscos e pontinhos só serve para acrescentar mais um 
nível de confusão. Os diacríticos, portanto, não foram aplicados aos 
termos sânscritos que aparecem no corpo do texto, tampouco aos no-
mes das deidades, bodisatvas etc., mas alguns foram mantidos nas ci-
tações de textos. Do mesmo modo, quando os textos citados incluíam 
palavras do sânscrito escritas no estilo tibetano, como, por exemplo, 
hung em vez de hum, elas foram mantidas como no original.
 Embora nos últimos tempos eu esteja sempre muito ocupado, por 
ironia, no íntimo sou excepcionalmente preguiçoso. Tentar equilibrar 
esses dois extremos exige algum malabarismo, e foi por isso que aca-
bei escrevendo boa parte deste livro em um aplicativo de mídia social. 
9 PREFÁCIO
Se o meu inglês está pelo menos legível é graças a Janine Schulz, Sarah 
K. C. Wilkinson, Chimé Metok, Pema Maya e Sarah A. Wilkinson.
 O conteúdo deste livro foi criado para responder a uma lista de 
cerca de cem excelentes perguntas sobre a morte que foram reuni-
das por vários amigos meus. Gostaria de agradecer em particular às 
minhas amigas chinesas Jennifer Qi, Jane W. e Dolly V. T.; a Philip 
Philippou e à equipe do Spiritual Care de Sukhavati, em Bad Saarow, 
Alemanha; a Chris Whiteside e à equipe do Spiritual Care de Dzog-
chen Beara; à Miriam Pokora, do Bodhicharya Hospice de Berlim; e a 
todos os que assistiram o ensinamento em Schloss Langenburg.
 Também gostaria de agradecer a Orgyen Tobgyal Rinpoche, Pema 
Chödrön, Khenpo Sonam Tashi, Khenpo Sonam Phuntsok, Thang-
tong Tulku e Yann Devorsine, que contribuíram com o seu conhe-
cimento; a Adam Pearcey, Erik Pema Kunsang, John Canti e Larry 
Mermelstein, por disponibilizarem generosamente as suas traduções; 
a Jane W., Chou Su-ching e Vera Ho, Florence Koh, Kris Yao, Paravi 
Wongchirachai, Seiko Sakuragi e Rui Faro Saraiva, por sua ajuda e 
sugestões; a Cecile Hohenlohe e sua família, a Veer Singh e todos os 
demais da Vana, por sua hospitalidade gentil e generosa; a Andreas 
Schulz pelo projeto gráfico e diagramação do Living is Dying; e aos 
artistas Arjun Kaicker e Tara di Gesu, por terem contribuído com as 
suas belas ilustrações.
 
Eu vou morrer?
∑
Nas primeiras três décadas da sua vida, o Príncipe Siddhartha levou 
uma existência idílica entre as paredes do vasto palácio do seu pai. 
Amado e admirado por todos, o belo príncipe casou com uma linda 
princesa, eles tiveram um filho, e todos viviam felizes. Mas, durante 
todo esse tempo, o príncipe não saiu do palácio sequer uma vez.
 Aos trinta anos, Siddhartha pediu a seu fiel cocheiro, Channa, que 
o levasse para passear pelas ruas da grande cidade do seu pai e, pela 
primeira vez na vida, o príncipe viu um morto. Foi um choque terrível.
 “O que aconteceu com aquele homem vai acontecer comigo?” per-
guntou para Channa. “Eu também vou morrer?”
 “Sim, majestade,” respondeu Channa, “todos morrem. Inclusive 
os príncipes.”
 “Volte a carruagem, Channa,” ordenou o príncipe. “Leve-me para 
casa!” 
 De volta ao palácio, o príncipe Siddhartha pensou sobre o que 
acabara de ver. Qual era a vantagem de ser rei, se não apenas a sua 
família, mas todas as pessoas nesta Terra eram obrigadas a viver à 
sombra do medo da morte? Naquela mesma hora e lugar o príncipe 
VIVER É MORRER12
decidiu que, para o bem de todos, devotaria o restoda vida a descobrir 
como os seres humanos poderiam ir além do nascimento e da morte.
 Essa famosa história contém grandes ensinamentos. O simples 
fato de o príncipe Siddhartha ter feito a pergunta “Eu vou morrer?”, 
além de ser algo comovente pela sua inocência, também é notavel-
mente corajoso. “Eu vou morrer? O poderoso Siddhartha, o futuro rei 
dos Shakyas, cujo destino é o de vir a ser o ‘Senhor do Universo’ deve 
morrer?” Quantas pessoas, desde a realeza até gente comum como eu 
e você, sequer pensariam em fazer tal pergunta?
 A pergunta foi corajosa, mas a reação do príncipe, “Leve-me para 
casa!”, soa um pouco infantil. Os adultos não deveriam saber lidar 
com as novidades perturbadoras com mais maturidade? Por outro 
lado, quantos adultos se preocupariam em perguntar “Eu vou mor-
rer?” E quantos interromperiam um passeio interessante para exami-
nar e contemplar a resposta?
 Nós, seres humanos, nos achamos muito inteligentes. Veja todos 
os sistemas e redes que montamos. Quase todos nós temos um ende-
reço para onde cartas e pacotes podem ser enviados e contas bancárias 
Channa conduz Príncipe Siddhartha para fora do palácio do seu pai
13 EU VOU MORRER?
onde nosso dinheiro pode ser guardado em segurança. Um ser huma-
no inventou o relógio de pulso para que todos os demais pudessem 
saber as horas, e outro ser humano inventou o iPhone para estarmos 
sempre em contato com a rede de amigos, conhecidos, colegas de tra-
balho e parentes.
 Os seres humanos também criaram sistemas para garantir que a 
sociedade funcione bem: a polícia mantém a ordem pública, os semá-
foros controlam o fluxo do tráfego nas ruas e os governos administram 
o bem-estar social e os sistemas de defesa.
 Apesar disso, embora nós, seres humanos, tenhamos passado vi-
das inteiras organizando, planejando e estruturando cada aspecto do 
nosso mundo, quantos de nós tiveram a coragem de indagar “Eu vou 
morrer?” Não deveríamos tentar contemplar a inevitabilidade da nos-
sa própria morte ao menos uma vez na vida? Principalmente porque 
todos e cada um de nós vai morrer – o que, por si só, é uma informação 
de importância crucial -, não faria sentido aplicar algum esforço para 
processar o fato inescapável de que vamos morrer?
 Uma vez mortos, o que será de todos os nossos endereços, casas, 
negócios e retiros nos feriados? O que será dos relógios de pulso, iPho-
nes e semáforos? Dos seguros de vida e das aposentadorias? Do fio 
dental que você comprou hoje de manhã? 
 Os budistas acreditam que, entre todos os seres deste planeta, os 
humanos são os mais propensos a perguntar “Eu vou morrer?” Dá para 
imaginar um papagaio pensando, “Será que devo comer as minhas no-
zes e sementes agora mesmo, para o caso eu morra esta noite? Ou me 
arrisco e guardo para amanhã?” Os animais, simplesmente, não pen-
sam assim. E, com certeza, não pensam sobre causas e condições.
 De fato, segundo o Buddhadharma, nem mesmo os deuses e seres 
celestiais jamais pensam em perguntar “Eu vou morrer?” Os deuses 
estão bem mais interessados em açucareiros de porcelana e colheres 
de prata meticulosamente limpos, em chás preparados com esmero 
e música encantadora. Dizem que os deuses adoram ficar olhando 
vastas formações de nuvens, criando magicamente piscinas ou fontes 
VIVER É MORRER14
nas maiores e mais fofas, para, então, passarem horas, às vezes dias, 
contemplando aquela beleza. É esse tipo de atividade que domina a 
vida dos deuses, e eles consideram que isso é muito mais interessante 
do que perguntar “Eu vou morrer?”. Duvido que tal ideia passe pela 
cabeça deles.
 Os seres humanos, por outro lado, são capazes de fazer conjec-
turas, ainda que a inexorabilidade da morte raramente lhes ocorra. 
Quando nos acontece de pensar na morte? Quando passamos por um 
sofrimento terrível? Não. Em meio a uma felicidade extasiante? De 
novo, não. Somos inteligentes e conscientes e, portanto, desfrutamos 
das condições que podem nos levar a formular tal pergunta, mas, ain-
da assim, empregamos todo o nosso tempo e energia para consolidar a 
autoilusão de que nunca vamos morrer. Nos entorpecemos para fugir 
à dor da realidade inescapável, ocupando e entretendo a mente, ou 
inventado planos detalhados para o futuro. De certo modo, é jus-
tamente isso que torna a nossa condição humana tão maravilhosa, 
mas o problema é que isso cria um falso sentimento de segurança. 
Esquecemos que tanto a nossa morte quanto a morte daqueles que 
conhecemos e amamos são inescapáveis.
 Pense nisto: quando cada um de nós tiver vivido um quarto de 
século, terá perdido pelo menos um amigo próximo ou um membro 
da família. Um dia você está almoçando com seus pais, no outro eles 
estão mortos e você nunca mais poderá estar com eles. Esse tipo de 
experiência nos força a enfrentar a verdade da morte; para alguns, é 
uma verdade muito amarga e aterradora.
Medo da morte
Temer a morte, senhores, não é nada mais do que pensar que se é 
sábio quando não se é; pensar que se sabe o que não se sabe. Nin-
guém sabe se a morte não é a maior das bênçãos para o homem; 
ainda assim, os homens a temem como se soubessem que ela é o 
maior dos males. E, com certeza, a mais censurável das ignorâncias é 
acreditar saber o que não se sabe.2 
Sócrates
 EU VOU MORRER? 15
 Por que sentimos tanto medo da morte?
 Por muitas razões, mas a principal é que a morte é um território 
completamente desconhecido. Nenhuma pessoa que conhecemos 
voltou dos mortos para nos contar como é a morte. Mesmo que al-
guém voltasse, acreditaríamos nela?
 A morte é um mistério e fazemos todo tipo de conjecturas a res-
peito dela, apesar de não termos ideia do que acontece quando mor-
remos. Supomos que depois de mortos não poderemos voltar para 
casa; que, a partir do momento que morrermos, nunca mais pode-
remos sentar em nosso sofá favorito. Pensamos: se eu estiver morto, 
não poderei assistir às próximas Olimpíadas nem descobrir quem era 
o agente duplo na nova série de espionagem. Mas estamos apenas 
tentando adivinhar. No fundo, simplesmente não sabemos. É esse 
não saber que nos apavora.
 À medida que a morte se aproxima, começamos a relembrar a 
vida e sentir vergonha e culpa por coisas que foram feitas ou deixadas 
de fazer. Além do medo de perder nossas referências e tudo mais a 
que nos apegamos nesta vida, tememos ser julgados por nossos atos 
censuráveis. A ideia da morte torna-se ainda mais terrível perante 
essas duas perspectivas.
 Não há volta nem escapatória da morte. Talvez seja o único acon-
tecimento na vida que nos deixa sem escolha a não ser enfrentá-lo. 
Não podemos simplesmente evitá-lo. Nem mesmo podemos tentar 
apressar o processo nos suicidando; não funciona porque, por mais 
rápido que se morra, o medo não tem um botão de “desliga”. Ainda 
será necessário sentir o medo inimaginável que acompanha o morrer, 
porque não podemos nos transformar em objetos inanimados como 
as pedras para termos certeza de não sentir nada.
 Como, então, nos livrarmos do medo que nos entorpece e paralisa 
perante a morte?
Certa vez eu, Zhuang Zhou, sonhei que era uma borboleta, e era feliz 
como borboleta. Tinha consciência de estar muito contente comigo 
mesmo, mas não sabia que era Zhou. Acordei de repente e lá estava 
VIVER É MORRER16
eu, visivelmente Zhou. De fato, não sei se eu era Zhou sonhando que 
era uma borboleta, ou uma borboleta sonhando que era Zhou. Com 
certeza, existe alguma diferença entre Zhou e uma borboleta. Isso se 
chama a transformação das coisas.3
 Vale a pena contemplar a questão proposta pelo célebre filósofo 
chinês. Quando você olha para uma borboleta, como pode saber se 
você próprio não é apenas uma pequena parte do sonho da borbo-
leta? O que o leva a pensar que está “vivo” neste momento? Como 
pode ter certeza de que está “vivendo”? Não pode. Tudo o que pode 
fazer é supor.
 Pense nisso! Como pode provar a si mesmo que está vivo e que 
existe? O que você pode fazer? Um dos métodos mais conhecidos para 
provar que não estamos sonhando é nos beliscarmos. Hoje em dia,algumas pessoas tentam se sentir mais vivas cortando a pele ou até 
os pulsos. Outras, menos dramáticas, vão às compras, casam ou pro-
vocam brigas com os esposos. Nada o impede de tentar todos esses 
métodos. Você pode brigar, se cortar e se beliscar tanto quanto queira, 
mas nada do que faça provará, categoricamente, que está vivo. Mesmo 
assim, junto com a maior parte dos seres humanos, você continua 
tendo medo da morte.
 Isso é o que o Buda chamou de “fixação”. Você fica fixado nos mé-
todos que usa para provar a si mesmo que existe. Mas tudo o que você 
imagina ser e tudo o que sente, enxerga, ouve, degusta, toca, valoriza, 
julga e assim por diante é imputado, ou seja, é condicionado pelo 
seu ambiente, cultura, família e valores humanos. Se você conquistar 
essas imputações e o seu condicionamento, também conquistará o 
medo da morte. É isso que os budistas descrevem como libertar-se das 
distinções dualistas, algo que exige muito pouco esforço e absoluta-
mente nenhum gasto.
Tudo que você precisa fazer é se perguntar:
Como posso ter certeza, neste exato momento, de que real-
mente estou aqui?
Como posso ter certeza de que realmente estou vivo?
17
Zhuang Zou sonhando com a borboleta
VIVER É MORRER18
 O mero fato de formular essas duas perguntas começará a perfu-
rar todas as suas crenças imputadas. Quanto mais furos você conse-
guir fazer, mais cedo conseguirá se livrar do condicionamento; com 
isso, terá chegado bem mais perto daquilo que os budistas descrevem 
como “compreender a shunyata”. Por que é necessário compreender a 
shunyata? Porque, ao compreender e consumar a shunyata, você não 
só conquistará, finalmente, o seu medo entorpecedor da morte, mas 
também a suposição entorpecedora de que está vivo.
 Nenhuma das suposições sobre quem você é, quem finge ser, ou 
sobre os rótulos que cola em si mesmo é o verdadeiro “você”. São 
apenas conjecturas. E são justamente essas conjecturas, presunções, 
fantasias, rótulos etc. que criam a ilusão do samsara. Muito embora 
o mundo que o rodeia e os seres que fazem parte dele “apareçam”, 
nenhum “existe”; é tudo uma ilusão, uma invenção sua. Depois de 
aceitar totalmente essa verdade, não apenas intelectualmente, mas na 
prática, você não sentirá mais medo. Verá que, assim como a vida, a 
morte também é uma ilusão. Mesmo que não consiga entender total-
mente essa visão, a familiaridade com a morte reduzirá exponencial-
mente o seu medo da morte.
 Vale a pena repetir esse ponto. O medo, principalmente o medo 
da morte, é desprovido de razão e desnecessário, e grande parte desse 
medo vai se dissolver no instante em que você realmente aceitar que 
tudo que aparece e existe é uma mera ilusão, aprendida e inventada 
por você mesmo. Então, como poderemos chegar a aceitar que o sam-
sara é uma ilusão?
A vida é uma ilusão
Inúmeros métodos estão disponíveis para aqueles que estão ansiosos por 
entender plenamente a natureza ilusória da vida e da morte. De fato, o 
único propósito de todos os ensinamentos do Buda é a compreensão de 
que todos e cada um dos fenômenos do samsara são ilusões.
 Comece por escutar tudo que puder sobre as ilusões que são a 
“vida” e a “morte”. Nunca será demais ouvir sobre isso. E não se engane 
19 EU VOU MORRER?
pensando que escutar e ouvir não sejam práticas autênticas do Darma, 
pois, na verdade, é justamente o contrário.
 A seguir, contemple sobre o que ouviu e aprenda mais lendo livros.
 Por fim, o mais importante: procure se acostumar com o que apren-
deu. Como? Há vários métodos para se acostumar com a ideia de que 
a vida é como um sonho. A mais simples e efetiva é fazer algumas 
perguntas. Apenas pergunte. Não é preciso encontrar uma resposta 
para todas elas.
Faça como Zhuang Zhou
Assim como Zhuang Zhou, observe uma borboleta e se pergunte:
Essa borboleta está “me” sonhando? Eu sou o sonho da borboleta?
Belisque-se
Belisque-se, com força ou gentileza, como quiser, e se pergunte:
Quem está beliscando? Quem está sentindo o beliscão?
Apenas saiba o que está pensando e observe
Agora, neste momento, você deve estar pensando em algo. En-
quanto pensa, apenas saiba que está pensando naquilo. Se o pen-
samento for ruim, não permita que ele o leve a outro pensamen-
to, seja bom ou ruim. Seja qual for o pensamento ruim original, 
apenas observe-o.
Se o pensamento for bom, apenas observe-o.
Se estiver pensando sobre as chaves do carro, apenas saiba que está 
pensando sobre as chaves do carro.
Enquanto pensa sobre as chaves do carro, se, de repente, desejar 
uma xícara de chá, apenas saiba que está pensando na xícara de chá. 
Não tente terminar o pensamento sobre as chaves do carro.
Caso se sinta tomado pelo medo da morte, apenas olhe para aquilo. 
Não pense sobre o que você pensa que deveria estar fazendo, nem 
sobre como você pensa que deveria estar fazendo.
VIVER É MORRER20
 Esses poucos pensamentos, no mínimo, irão ajudá-lo a entender 
que grande parte do seu mundo interno e externo não passa de con-
jecturas e projeções.
Diminua as suas expectativas
Se você não tem tempo nem inclinação para se acostumar com a visão 
de que o samsara é uma ilusão, procure, ao menos enquanto ainda 
está vivo e saudável, não se apegar demais aos seus planos, esperanças e 
expectativas. No mínimo, prepare-se para a possibilidade de dar tudo 
errado. Tudo que é bom na sua vida pode, em um piscar de olhos, 
tornar-se exatamente o oposto; e tudo que você valoriza pode, de re-
pente, deixar de ter valor.
 Imagine que o seu melhor amigo vá morar no outro extremo do 
país. Vocês passam a se encontrar raramente e, com o tempo, tornam-
-se emocionalmente distantes um do outro. Um belo dia, ele escreve 
algo na mídia social que o deixa profundamente ofendido e, então, 
de uma hora para outra, ele passa a ser o seu pior inimigo. A vida está 
cheia desses testes de realidade.
 Estar consciente de como as coisas mudam é uma forma útil de 
treinamento mental, e abrir mão de todo o seu apego a planos, horá-
rios e expectativas reduzirá consideravelmente o seu medo da morte. 
Se não passar por frustrações e fracassos enquanto está vivo, ficará 
apavorado quando estiver às portas da morte. Claro, então será muito 
tarde para que possa fazer algo por si mesmo. Se tiver sorte, os seus 
amigos e familiares talvez queiram assumir a responsabilidade de re-
unir as causas e as condições que poderão lhe trazer algum consolo e 
coragem. A melhor coisa que podemos fazer por uma pessoa que está 
morrendo é não mentir sobre o que está acontecendo com ela.
Reduza o seu egoísmo
O tipo mais intenso de medo é causado pelo egoísmo e pela ganância. 
Nós todos estaremos sozinhos depois da morte, mas, se você tem o 
hábito de estar sempre demonstrando a sua obsessão por si mesmo 
21 EU VOU MORRER?
diante de uma audiência que o admira, vai achar a solidão da morte 
insuportável. Acostumado com a admiração de bajuladores que aten-
dem os seus mínimos desejos, quando se encontrar completamente só 
você será dominado por um medo inimaginável. Assim, ao reduzir o 
seu egoísmo, você poderá reduzir a intensidade do seu medo.
Reduza o apego à vida mundana
Algumas pessoas sentem medo da morte porque temem a dor física. 
Nem todos, porém, vão morrer com dor. Se você vai ou não, depende 
do seu próprio carma. Como cada pessoa tem um carma bem diferen-
te das demais, cada uma terá uma experiência de morte única. Algu-
mas não se dão conta de que estão morrendo. Outras nem percebem 
que estão mortas ou que já morreram há dias ou semanas. A morte 
pode atacar de repente, como um raio, ou ser uma longa agonia. E 
a maior parte da dor infligida pela morte é causada pelo apego emo-
cional à vida, posses, amigos, familiares, propriedades e preocupação 
com negócios inacabados.
Viver é morrer
Uma vez que nasci,
Devo morrer, 
Portanto...4
 Kisei
Nada nos ajudará no momento da morte?
Tudo o que nós, seres humanos, fazemos, pensamos e sentimos en-
quanto estamos vivos é movido por ignorância, emoção e carma. E 
são a nossa ignorância, emoçãoe carma que conspiram para assegurar 
que todos tenhamos de enfrentar a vida e a morte completamente so-
zinhos. Não há escolha. Uma vez tendo nascido, nada nem ninguém 
pode evitar a nossa morte. A morte inevitável começa com o nasci-
mento e não temos o poder de resistir a ela.
VIVER É MORRER22
 Se você não deseja vivenciar o desamparo e a solidão da morte e do 
renascimento, deve reunir, enquanto está vivo, as causas e condições 
para nunca mais renascer.
 Talvez você se encontre rodeado de amigos e familiares na hora da 
morte, mas é extremamente improvável que eles possam fazer algo por 
você. Podem até piorar as coisas. O que acontecerá se, enquanto exala 
o último suspiro, você perceber que os seus parentes avarentos já estão 
brigando como abutres para ver quem fica com o quê? Se, antes do 
seu corpo esfriar, eles já começarem a pilhar a sua bela casa e os seus 
tesouros, invadir as suas contas de e-mail e abrir o seu cofre-forte no 
banco? Se, ainda ao redor do seu leito de morte, eles já estão batendo 
boca para saber quem ficará com sua inestimável escrivaninha Luís 
XV, enquanto o inútil do seu sobrinho folheia uma das suas preciosas 
primeiras edições? Por outro lado, ter as pessoas que você ama e o 
amam ao lado da cama na hora de partir pode fazer com que a dor da 
separação seja insuportável.
 A mente humana grosseira tende a pensar na morte como a sepa-
ração definitiva entre o corpo e a mente. Uma descrição mais precisa é 
que a morte marca o fim de um período de tempo. Portanto, ao longo da 
assim chamada “vida”, estamos experienciando uma série contínua de 
“mortes”. A morte da morte é o nascimento; a morte do nascimento 
é a permanência; a morte da permanência é o nascimento da mor-
te. Tudo que experienciamos é, simultaneamente, uma morte e um 
nascimento e, se você está sujeito ao fenômeno chamado “tempo”, 
também está sujeito à morte.
 Aquilo que em geral chamamos de “vida” ou “viver” é cheio de 
acontecimentos, mas a morte, que talvez seja o mais importante dos 
acontecimentos, é bem o oposto. Se você morresse esta noite, perderia 
a sua identidade e tudo o que possui, e nenhum dos seus planos viria 
a se materializar. É por isso que a morte é um problema tão grande. 
Para a maioria de nós, o nascimento é bem menos preocupante do 
que a morte e nem de longe tão apavorante quanto a morte. De fato, 
adoramos nascimentos. Quando um bebê nasce, parabenizamos os 
23 EU VOU MORRER?
pais, e depois comemoramos os aniversários do bebê, incansavelmen-
te, pelo resto da vida dele. Uma indústria inteira é hoje dedicada a ser-
vir esse segmento: bolos de aniversário, festas de aniversário, surpresas 
de aniversário e, claro, cartões de aniversário. Está tudo a um clique 
de distância. Além disso, sem que seja sequer necessário levantar um 
dedo, a mídia social torna impossível para qualquer pessoa esquecer 
um único aniversário – nem o do gato.
 Ao contrário de nós, os grandes mestres mahayana pensavam que 
o nascimento é um obstáculo muito mais difícil de ultrapassar do 
que a morte. Nagarjuna, o grande mahasiddha e erudito da Índia, 
disse ao seu amigo, o rei5, que, para uma pessoa espiritualizada, o 
nascimento é muito mais perturbador e problemático do que a mor-
te jamais poderia ser.
 Então, por que as pessoas espiritualizadas valorizam mais a morte 
do que o nascimento? O nascimento é o único evento da vida sobre o 
qual não temos absolutamente nenhum controle. Saímos do corpo da 
nossa mãe sem que tenham nos perguntado nada. Não temos direito 
de opinar sobre o lugar onde vamos nascer, quem serão nossos pais, o 
dia e a hora do nascimento, nem, para começo de conversa, se devería-
mos ter nascido. Todas as circunstâncias estão fora do nosso controle.
 Saber que nascemos não nos ajuda em nada em nenhum estágio 
da vida, enquanto saber que a morte é inevitável nos incita a valorizar 
constantemente o que temos agora. Saber que vamos morrer nos ajuda 
a fazer o melhor possível de nossa vida. Saber que a morte é certa e 
iminente é o que nos possibilita amar e nos mantermos sãos. Também 
é o que evita que a vida mundana nos deixe insensíveis e entorpecidos. 
Para quase todos nós, a vida é intoxicante; pensar sobre a morte pode 
ser o único método disponível para nos deixar sóbrios.
 Se você nasceu, vai ter de morrer e, se estiver morrendo, vai ter de 
renascer. Como podemos interromper este jogo cíclico de nascimento 
e morte? Reconhecendo o estado desperto. Uma vez que você tenha 
“acordado”, ou se “iluminado”, deixará de reunir as causas e condições 
que resultam em morte e renascimento. Até que isso aconteça, porém, 
renascerá e morrerá, uma vez após a outra.
VIVER É MORRER24
 Como o nascimento e a morte são inseparáveis, deveríamos la-
mentar o nascimento tanto quanto lamentamos a morte. Ainda mais 
hoje em dia. Pense, só por um segundo, em tudo que os seus filhos vão 
passar quando forem adultos. Um dia, a sua filha vai entrar em um 
shopping e ficar fascinada com todos aqueles fenômenos tentadores – 
se os batons vermelhos e brilhantes já são absolutamente irresistíveis, 
o que dizer, então, dos artigos de papelaria? A partir daí, não há como 
evitar o mundo dos cafés gourmet e o Starbucks; ou a moda e os re-
sorts de bem-estar; ou as contas bancárias e o conceito de dinheiro. 
Uau! A vida dela vai ser dureza!
A morte tem um lado positivo?
Encarar a morte nos ajuda a apreciar o que significa estar vivo, mas, 
hoje em dia, muito poucos pensam assim. A maior parte das pessoas 
do nosso tempo vive às cegas, ignorando por completo que a morte é 
a inevitável e imprevisível.
Natureza búdica
De acordo com o Buddhadharma, a morte nos ensina uma verdade 
extremamente positiva: que a natureza da mente de cada ser huma-
no é o Buda; que a natureza da minha mente e a natureza da sua 
mente é o Buda.
 A natureza búdica não é uma teoria new age exótica nem um fenô-
meno ocultista. Como você tem a natureza búdica, seja lá o que você 
fizer, esteja onde estiver, a essência da sua mente é o Buda.
 Sinta a textura do livro ou do dispositivo que está segurando, es-
cute o que está acontecendo ao seu redor, sinta a maciez da almofada 
sob o seu traseiro ou o peso do corpo sobre a sola dos pés. Pense nas 
palavras que está lendo: a essência da sua mente é o Buda.
 A mente que faz tudo que acabei de mencionar, a sua mera mente 
comum, é o Buda. Não apenas a sua mente é o Buda, mas a mente 
comum de todo ser senciente que sabe, lê, vê, ouve, degusta e assim 
por diante também é o Buda.
25 EU VOU MORRER?
 Pense em um copo com água turva. Embora a água em si seja 
pura e transparente, quando é agitada mistura-se com a lama e o que 
vemos é uma água turva. Do mesmo modo, a nossa carência básica de 
atenção plena1 e consciência traz à tona todo tipo de pensamentos e 
emoções que se mesclam com nossa mente pura e transparente, tor-
nando-a turva.
Observe a sua mente
 Você pode experienciar como isso funciona imediatamente. 
 Pare de ler por três minutos e olhe para a sua mente.
 Agora, indague-se:
Quanto tempo levou para que um pensamento surgisse na 
sua mente?
Quanto tempo levou para que você começasse a pensar sobre 
aquele pensamento?
E quanto tempo levou para que você se perdesse por comple-
to naquele pensamento?
O processo de um pensamento que leva a outro é bem nosso conhe-
cido. Imagine que está esperando um amigo que vai levá-lo a uma 
festa. Você já fica entusiasmado no momento em que ouve a buzina 
do carro. Quem será que vai estar na festa? Como vai ser a comida? 
Vai ter jogos? Vai ser divertido? E, antes de botar o pé fora da porta, 
sem falar no percurso até o local da festa, você já estará perdido em 
pensamentos.
1 N. do Tradutor: “Mindfulness” no original. “Mindfulness” traduz o termo sâns-
crito smṛti (páli: sati), que na tradição budista quer dizer lembrar, rememorar, trazer 
à mente, reter em mente e assim por diante, e diz respeito a técnicas contemplativas 
tradicionais. Recentemente, o termo “mindfulness” se tornou popular com a propa-
gação global demétodos de contemplação budista, que passaram a ser integrados a 
domínios tão diversos quanto medicina, educação, negócios etc. Embora o termo 
em inglês “mindfulness” já seja adotado tal e qual no contexto brasileiro, optamos 
aqui pelo termo “atenção plena” a fim de enfatizar a conotação tradicional com que o 
conceito está sendo empregado neste texto.
VIVER É MORRER26
 A maioria de nós não cultiva nenhuma forma de atenção plena 
e, portanto, nunca vê como a nossa mente se enreda nas emoções 
e preocupações grosseiras do nosso corpo sobre os amigos, família, 
valores, filosofias, sistemas políticos, dinheiro, posses e relações. Pela 
vida inteira, a consciência, que é a nossa natureza búdica, está cega, 
diluída, aturdida, embaçada e embotada por pensamentos desenfrea-
dos, até ficarmos de tal modo atolados em confusões, expectativas e 
complicações que é como se a natureza da mente não existisse.
 No momento da morte, seja você um praticante budista experien-
te, o CEO do Google, um corretor de Wall Street ou um materialista 
de qualquer espécie, o processo natural de morrer forçará a sua mente 
a se separar de tudo que você conhece. Obviamente, isso significa a 
separação dos amigos, da família, da casa, do parque e da academia de 
ginástica, mas também significa a separação da única coisa que esteve 
com você por toda a vida, 24 horas por dia, sete dias por semana e até 
enquanto você dormia: o seu corpo. Quando você morre, todo o seu 
corpo, inclusive os elementos mais sutis (terra, água, fogo, ar e espaço) 
bem como os sentidos, são necessariamente deixados para trás.
 Enquanto você está vivo, tudo o que você pensa que vê, ouve, pro-
va, toca e assim por diante passa pelo filtro dos sentidos: passa pelos 
seus olhos, ouvidos, língua, corpo e assim sucessivamente. Quando, 
afinal, a sua mente tiver uma experiência de percepção, aquilo já terá 
passado pelos seus órgãos dos sentidos e a sua consciência, além de 
ter sido condicionado pela sua educação e cultura. Esse processo de 
filtragem é o que torna muito da vida possível.
 Imagine que um dia você acorde em um lugar estranho. Bem na 
sua frente está uma parede cor de creme onde foram pintados dois 
semicírculos e dois círculos pretos. Instantaneamente, baseada na 
sua educação e exposição à propaganda, a sua mente interpreta o 
que vê como “COCO”. (Ainda mais se você for um nouveau riche 
que não sabe nada sobre perfumes. Como ainda não ouviu falar em 
D.S. & Durga, talvez ainda pense que o Coco Chanel é o melhor 
perfume do mundo.)
27
Estátua do Buda no Parque Nacional de Seoraksan, Coreia do Sul
VIVER É MORRER28
 Enquanto estamos vivos, tudo que percebemos é interpretado por 
nosso condicionamento e educação – ou pela falta dela. É isso que nos 
permite dar nome aos odores familiares, como o perfume do sândalo 
e da lavanda, ou ao fedor de urina em um banheiro público. Também 
é assim que identificamos as coisas. Se folhas secas de carvalho fossem 
picadas para ficar parecidas com um chá e depois colocadas numa em-
balagem da Fortnum and Mason com um rótulo exótico, muita gente 
correria para comprar, sem sequer considerar qual seria o sabor. 
 Na morte, as leis da natureza removem os seus órgãos dos sentidos 
e a mente é deixada nua e completamente sozinha. Como você não 
tem mais os olhos feitos de carne e sangue, tudo que percebe é cru e 
sem filtro. Sem os olhos para filtrarem a sua percepção, “COCO” na 
parede cor de creme vai parecer bem diferente.
 O budismo nos diz que, para o praticante espiritual, esse momen-
to de nudez total, o momento da morte, é extremamente precioso. 
Na morte, as forças da natureza, na verdade, nos ajudam a apreciar, a 
reconhecer e a nos apropriarmos da natureza inata que sempre esteve 
conosco, o Buda. Se o praticante já estiver familiarizado com a natu-
reza da mente, o momento da morte é de fato muito precioso. É por 
isso que os budistas desenvolvem, enquanto estão vivos, a aptidão e a 
habilidade que serão necessárias para aproveitar ao máximo as opor-
tunidades que a morte oferece naturalmente.
 O momento da morte é particularmente crucial para os tântrikas 
porque, mesmo que você não tenha conseguido alcançar a iluminação 
enquanto estava vivo, você terá desenvolvido as habilidades necessá-
rias para ter sucesso no momento da morte.
A certeza e a incerteza da morte
Para o bem ou para o mal, uma vez que tenhamos cambaleado até 
a vida por meio do processo que chamamos de “nascimento”, nossa 
única certeza é a de que vamos morrer. Mas o que nenhum de nós 
sabe ao certo é quando a morte virá, e é essa justaposição perturbadora 
que faz da morte algo tão fascinante de se contemplar. A certeza de 
29 EU VOU MORRER?
que vamos morrer já é bastante ruim, mas a incerteza sobre quando 
vamos morrer é bem pior. É como comprar um colar muito caro da 
Tiffany sem saber se teremos a chance de usá-lo.
 Paradoxalmente, a incerteza sobre a hora da morte é o que nos 
força a fazer planos. Como nos sentimos inseguros e desconfortáveis, 
abarrotamos nossos dias com compromissos. Contudo, nada nos ga-
rante que alguma coisa vá chegar a acontecer, por mais bem planejada 
que seja. O fato de combinar um encontro com um amigo em Lon-
dres, na sexta feira, não significa que isso vá ocorrer, pois inúmeras 
situações imponderáveis podem se interpor. É provável que nenhum 
dos seus planos se realize como o esperado; o futuro dos seus filhos, 
a aposentadoria dos seus avós, o seu novo apartamento, o negócio 
perfeito, as suas férias dos sonhos, nada é garantido. Pode dar tudo 
errado, ou dar muito mais certo do que você jamais ousaria sonhar. 
Afinal, o inesperado não é, necessariamente, ruim. O interessante é 
que nunca sabemos se qualquer coisa, por mais planejada e programa-
da que seja, vai acontecer. Por mais que você acredite cegamente que 
tudo vai dar certo, é raro que isso aconteça. Desse modo, o sofrimento 
que você sente quando os seus planos vão por água abaixo é inteira-
mente autoinfligido.
 Fazer planos e marcar compromissos também é um jeito muito 
eficiente de gastar o seu futuro. Pense nisso. Cada minuto reservado 
para um encontro ou atividade já foi usado muito antes de acontecer. 
Além disso, agora que você marcou o compromisso, passará pelo so-
frimento adicional de garantir que o plano saia do papel.
 Uma das principais razões para se praticar o Darma é nos prepa-
rarmos para a morte certa. Para alguns, é a única razão para praticar e 
isso, por si só, faz a prática valer a pena. Hoje em dia, vários aspectos 
do Darma, como a atenção plena, estão se tornando cada vez mais 
populares, mas quase nunca como preparação para a morte e, com 
certeza, não como preparação para aquilo que está além da morte. As 
pessoas atualmente meditam por qualquer razão na face da terra, ex-
ceto a mais importante. Quantos alunos do vipassana meditam para 
VIVER É MORRER30
se preparar para a morte? E quantos praticam porque desejam acabar 
de uma vez por todas com o ciclo de morte e renascimento? Em geral, 
uma pessoa medita para se tornar um executivo de sucesso, para encon-
trar um companheiro, ser feliz, ou porque deseja ter uma vida calma e 
tranquilidade mental. Para tal pessoa, a meditação é uma preparação 
para a vida, não para a morte; portanto, é uma meditação tão munda-
na quanto os seus outros afazeres, como ir às compras, jantar fora, se 
exercitar e encontrar pessoas.
 Se tudo o que você deseja é relaxar e desanuviar, é provável que a 
meditação não seja a melhor opção. Em vez disso, fume um charuto 
para relaxar, pois é muito mais fácil e faz efeito muito mais rápido que 
a meditação. Sirva-se uma dose de bom uísque. Navegue pelas páginas 
da mídia social. Para a maioria das pessoas, sentar de pernas cruzadas 
e costas retas, enquanto observa a respiração entrar e sair é, além de 
muitíssimo chato, fisicamente dolorido. A maioria dos “meditadores” 
acaba por passar mais tempo se preocupando em saber se está realmen-
te atento do que de fato meditando. Tanta preocupação não pode ser 
boapara a sua pressão sanguínea, não é mesmo?
 A vida é cheia de surpresas. Se você está lendo este livro para se 
preparar para a morte de uma pessoa amada que está com uma doença 
terminal, nada garante que você não morra antes dela, por mais jovem 
e saudável que seja. Então, a melhor aposta é estar pronto para tudo e 
bem consciente das realidades do samsara. Do contrário, se você pre-
ferir se agarrar a suas expectativas e suposições sem fundamento, se 
continuar alheio às coisas como elas realmente são, se for ganancioso, 
estupidamente sossegado e continuar acreditando que todos os seus 
planos mundanos vão se realizar com perfeição, quando o pior acon-
tecer, o seu sofrimento será excruciante e não haverá nada que você 
possa fazer a respeito.
Preparação para a morte e além
∑
O Buda disse que a atenção plena suprema é lembrar que a vida é 
impermanente e a morte é inevitável.
Entre todas as pegadas,
A do elefante é a suprema;
Entre todas as meditações de atenção plena,
Aquela sobre a morte é a suprema.6
Algumas pessoas sabem, intuitivamente, que a vida está chegando ao 
fim. Embora sejam jovens e saudáveis e não exista uma razão lógica 
para que morram, elas sentem que a morte está próxima. Outras, 
sabem que vão morrer porque receberam um diagnóstico de doen-
ça incurável, terminal. A não ser que sejam praticantes espirituais, 
é nessa hora que quase todas as pessoas entram em pânico, ficam 
deprimidas e perdem a esperança. Entretanto, em vez de entrar em 
pânico, a maioria dos praticantes espirituais reconhece que a morte é 
uma grande oportunidade para intensificar e aprimorar a prática do 
Darma e desacelerar todas as atividades sem sentido que dominam a 
vida mundana.
VIVER É MORRER32
 Quer você saiba que tem apenas alguns meses de vida ou pense 
que tem a vida inteira pela frente, a morte é uma realidade que terá de 
ser enfrentada mais cedo ou mais tarde. Do ponto de vista dos ensina-
mentos budistas, quanto mais cedo enfrentá-la, melhor.
Enfrente o fato de que vai morrer
A morte destrói o homem: a ideia da morte o salva.
E. M. Foster7
A primeira coisa que você precisa fazer é se convencer de que, mesmo 
sem ter ideia de quando isso vai acontecer, você vai morrer. 
 Todos os dias morrem pessoas. Em algum momento da vida, todos 
nós nos encontraremos à beira do leito de morte de uma pessoa queri-
da. Mesmo assim, quantos de nós realmente acreditamos que a morte 
vai chegar? 
 Uma reação costumeira, quando recebemos a notícia de que esta-
mos perto da morte, é sentir que fomos enganados e não merecemos 
uma coisa dessas. Subconscientemente, pensamos: “Por que isso está 
acontecendo comigo? Por que agora? Afinal, sou jovem, não tenho 99 
anos! Se eu fosse um velho entenderia, porque, obviamente, seria a 
hora de morrer. Mas por que agora? A minha vida acabou de começar!”
 Então, a sua primeira preparação para a morte é se convencer de 
que, embora não tenha ideia de quando, é absolutamente certo que 
você vai morrer.
 Em segundo lugar, você não é a única pessoa do mundo que teve 
de enfrentar a morte. Todos vamos morrer, portanto, não há nada de 
injusto nisso.
… cada vez que pensar “Estou morrendo!”, visualize o Guru, o Senhor 
dos Sábios, na coroa da sua cabeça e gere uma fé intensa. Depois 
pense: “Não apenas eu: todos os seres sencientes estão sujeitos à lei 
da morte, ninguém está a salvo. Apesar de havermos passado por in-
contáveis nascimentos e mortes aqui no samsara, tudo o que sempre 
conhecemos foi o sofrimento da morte, e todos aqueles nascimentos 
33 PREPARAÇÃO PARA A MORTE E ALÉM
foram inteiramente sem sentido. Agora, porém, vou garantir que esta 
morte seja significativa!”8
Dilgo Khyentse Rinpoche
 O processo da morte começa no momento em que nascemos. 
Ninguém espera que um bebê saia da barriga da mãe e faça um testa-
mento, mas, à medida que você envelhecer, talvez aos cinquenta anos, 
ou, ainda melhor, aos quarenta, deve pensar com cuidado sobre o que 
deseja fazer e conquistar antes de morrer.
Viva a vida plenamente
Tente viver a vida. Vá a Machu Pichu, Madagascar ou outro lugar que 
sempre sonhou conhecer. Seja realista a respeito das coisas que precisa 
comprar e possuir. Pergunte-se “Realmente preciso de outra Ferrari? 
Realmente preciso de todo aquele dinheiro no banco?” Lembre-se de 
que, em geral, cuidar de brinquedos caros e contas bancárias muitas 
vezes cria mais preocupação do que felicidade. A não ser, é claro, que 
aprecie muito a filantropia e planeje usar a sua fortuna para uma boa 
causa.
 Comece a ver e a se relacionar com as coisas e as pessoas ao seu 
redor como se as estivesse vendo pela última vez.
 Resolva todos os problemas e brigas pendentes na família e com 
os amigos; essa é a hora de esclarecer mal-entendidos e se livrar de 
antigas mágoas.
 Acima de tudo, a melhor preparação para a morte é viver a vida 
plenamente. Desfrute o chá mais delicioso do mundo, preparado com 
esmero, em vez de um chá servido em copo de plástico. Vista as rou-
pas que sempre desejou usar. Leia os livros que sempre desejou ler. 
Faça tudo que sempre quis fazer, por mais ultrajante ou chocante que 
seja. E faça isso agora, pois talvez nunca mais tenha essa chance.
Faça compras conscientes e um testamento
Todos nós, seres humanos, adoramos o conforto e queremos ser fe-
lizes. É por isso que nos esforçamos tanto para acumular dinheiro e 
VIVER É MORRER34
bens materiais. Não é irônico que tudo o que fazemos para ter confor-
to e tranquilidade acabe sendo a fonte de ansiedade e dores de cabeça 
intermináveis?
 Se você tem dinheiro e propriedades, decida como devem ser 
usados depois da sua morte; ponha em ordem as questões materiais 
e faça um testamento. Talvez você queira deixar a sua casa e bens 
materiais para os seus filhos, primos ou sobrinhas? Ou para uma 
fundação de proteção aos leopardos? Ou para a pesquisa sobre a cura 
do câncer?
 Procure agir mais conscientemente. Pense antes de comprar as 
coisas. Pare de comprar e acumular objetos inúteis: não seja um acu-
mulador. Se planeja fazer um investimento de longo prazo, faça-o 
consciente de que pode morrer antes de usufruí-lo.
Laços familiares
 Para muitos, as relações familiares são a principal causa de proble-
mas, especialmente quando a morte se aproxima. Em lugares como 
a China, a família continua a ser uma célula social muito poderosa. 
Até hoje, ideias tradicionais sobre o papel de cada membro da família 
perpetuam expectativas culturais e sociais rígidas e, muitas vezes, re-
pressivas. Os pais sempre devem cumprir o papel de pais chineses que 
sempre cumpriram, e as crianças sempre devem viver como as crianças 
chinesas sempre viveram, para agradar os pais. Mas seria esse tipo de 
envolvimento familiar realmente benéfico?
 Espera-se que os pais sustentem os filhos, por mais difícil que seja. 
Mas seria essa devoção obsessiva dos pais em relação aos filhos, de fato, 
o que os filhos precisam? Isso faria bem às crianças? Após dedicarem 
pelo menos duas décadas para criar os filhos, muitos pais chineses pre-
cisam lidar com outro nível de envolvimento familiar quando os netos 
começam a chegar. Não deveria haver uma data de validade para essas 
relações familiares exaustivas?
 As crianças chinesas sofrem tanta pressão quanto os seus pais, no 
sentido de corresponder às expectativas sociais, incluindo a responsa-
35 PREPARAÇÃO PARA A MORTE E ALÉM
bilidade de cuidar deles na velhice. Na verdade, porém, qualquer ser 
humano decente deveria ter a aspiração de cuidar dos pais, da família 
e dos amigos da melhor forma possível.
 É claro que não há motivo para não desfrutarmos a vida em famí-
lia, mas, à luz da preparação para a morte, tente participar conscien-
temente. Lembre-se sempre de que, mais cedo ou mais tarde, você vai 
morrer e, tendo isso em vista, procure se observar enquanto lida com 
a vida em família. Se esse “observador” sempre estiver consciente de 
como você se comporta, pensa e age, as suas obrigações e compromis-
sos com a família serão menos limitantes.
 Quandoestiver fazendo qualquer coisa, sempre se lembre da mor-
te, imprevisível, mas certa, esperando-o na próxima esquina. E lem-
bre-se de que, quando você morre, morre sozinho. Então, tente usar o 
“observador” para não se deixar atolar em muitas complicações fami-
liares espinhosas e emotivas. 
Recite om mani padme hum
 A preparação ideal para a morte é estudar em grande detalhe todos 
os ensinamentos do Buda sobre o refúgio, a boditchita e a originação 
dependente. Infelizmente, hoje em dia, quase ninguém tem tempo 
para estudar. Então, o que você pode fazer? Pode recitar om mani 
padme hum. Quem está mais familiarizado com a tradição chinesa do 
budismo pode recitar namo guan shi yin pusa; ou, se você prefere 
a tradição japonesa do budismo, on arorikya sowaka. Caso se sinta 
mais atraído pela tradição teravada tailandesa, pode recitar buddho.9
 Quer você seja budista ou não, o momento da morte em si é cru-
cial. É então que você vai precisar da mais simples e poderosa das práti-
cas, que é recitar om mani padme hum. Então, por que não começar a 
recitar om mani padme hum desde já, como preparação para a morte? 
Se quiser, pode sugerir este método para qualquer um que deseje estar 
preparado para a morte. Isso realmente ajuda.
 Por que om mani padme hum é um mantra tão poderoso? A causa 
de toda a dor e sofrimento nesta existência humana é não sabermos 
VIVER É MORRER36
que a vida e a morte são ilusões ou, em outras palavras, que os bar-
dos da vida e da morte são meras projeções. Imaginamos que tudo 
que vemos e sentimos é verdadeiramente existente; depois, interpre-
tamos erroneamente as nossas percepções e, como resultado, sofre-
mos. As seis sílabas do mantra om mani padme hum estão direta-
mente conectadas com as “seis portas da projeção”, e é através dessas 
seis portas que criamos as projeções que criam as ilusões da vida, da 
morte e dos bardos.
O que é o “bardo”?
 “Bardo” é uma palavra tibetana que significa “entre” e, às vezes, 
é traduzida como “estado intermediário”. Para simplificar, o bardo 
é tudo que fica entre duas linhas imaginárias. Por exemplo, este mo-
mento está situado entre o passado e o futuro; ou, em outras palavras, 
o dia de hoje está entre o ontem e o amanhã. Ao mesmo tempo, de-
vemos sempre lembrar que tudo é uma ilusão, inclusive os bardos, de 
modo que não existem fronteiras verdadeiras separando o passado do 
presente ou o presente do futuro. Isso é importante.
 Um dos bardos mais significativos e profundos situa-se entre o 
início do período em que desconhecemos completamente a nossa na-
tureza búdica inerente e o momento em que despertamos para ela, o 
que os budistas descrevem como “iluminação”. Em outras palavras, 
tudo o que acontece entre “não reconhecer” e “reconhecer” a natureza 
búdica é chamado “bardo”. Dentro deste vasto bardo há miríades de 
bardos menores, incluindo o “bardo desta vida”. Este bardo é de im-
portância crucial para pessoas comuns como nós, porque é nele que 
temos a melhor oportunidade para escolher uma direção, ou mudá-la.
 As seis portas de projeção criam a nossa experiência de cada um 
dos seis reinos.10 As projeções e experiências causadas por desejo e ne-
cessidade levam ao reino humano; o orgulho leva ao reino dos deuses; 
a inveja ou o ciúme levam ao reino dos assuras; a confusão e a falta de 
consciência levam ao reino dos animais; a avareza e a ganância levam 
ao reino dos pretas, ou reino dos “fantasmas famintos”; e a raiva leva 
37 PREPARAÇÃO PARA A MORTE E ALÉM
aos reinos dos infernos. Enquanto estamos vivos, nós, seres humanos, 
experienciamos continuamente cada uma dessas projeções, portanto, 
não precisamos imaginar como seria renascer nos outros reinos.
Tomar refúgio
Se você sente uma inclinação espiritual pelo budismo, um método ex-
tremamente efetivo e importante de preparação para a morte é tomar 
refúgio no Buda, no Darma e na Sangha; o ideal é tomar refúgio de 
agora até atingir a iluminação.
 Às vezes, as pessoas perguntam se precisam ir a Índia ou ao Hima-
laia para encontrar um guru para tomar refúgio da forma apropriada. 
Não, não é necessário.
Estátua do Buda na estupa Mahabodhi em Bodhgaya, Índia
VIVER É MORRER38
 O que é tomar refúgio? O cerne do ato de tomar refúgio é a con-
fiança. Você toma refúgio quando faz a opção consciente de confiar 
no Darma como uma verdade irrefutável. Você decide acreditar na 
verdade de que todas as coisas compostas são impermanentes, todas as 
emoções são sofrimento e assim por diante11. Também decide render-
-se à verdade do Darma, ao Buda (que ensinou a verdade) e à Sangha 
(seus companheiros de prática que também se renderam a essa verda-
de). Quando você tiver se rendido de todo coração e de forma incon-
dicional à verdade das Três Joias, terá tomado refúgio
 Se não desejar, você não precisa passar por todo o ritual tradicional 
de tomada de refúgio, mas muitas pessoas acham que a cerimônia as 
ajuda a apreciar melhor o significado real do refúgio. O ritual também 
lhe dá mais confiança para acreditar que, de fato, rendeu-se à verdade, 
mas, a não ser que deseje isso em particular, você não precisa tomar 
refúgio na presença de um mestre budista, de um monge ou de uma 
monja. A sua testemunha pode ser qualquer pessoa que já tenha to-
mado refúgio, como o seu vizinho. Tudo o que a pessoa precisa fazer 
é recitar os versos de refúgio, e você deve repeti-los em voz alta. O 
aspecto indispensável desse ritual é você ser sincero em relação ao que 
está dizendo.
 É claro que a presença de uma testemunha ou do mestre pode 
reforçar a sua decisão de estudar e praticar, mas a participação deles 
não é estritamente necessária. Se preferir, pode tomar refúgio sozi-
nho. Tudo que precisa fazer é recitar o verso de refúgio na presença 
de uma imagem do Buda, pintada ou esculpida, ou então basta você 
imaginar que o Buda está à sua frente e, mentalmente, tomar refúgio 
nas Três Joias.
Como tomar refúgio de forma simples
 Comece colocando um texto budista, como um texto do Abhi-
dhamma ou um sutra prajnaparamita, sobre uma mesa limpa. Se você 
tiver uma estátua do Buda, coloque-a ao lado do sutra.
 Se desejar, ajoelhe-se na frente da estátua e do livro, com as mãos 
unidas em oração, mas essa é só uma sugestão, inteiramente opcional. 
39 PREPARAÇÃO PARA A MORTE E ALÉM
Caso se ajoelhar dessa maneira seja uma afronta à cultura em que foi 
criado ou se simplesmente não quiser fazê-lo, não se ajoelhe.
 Se desejar fazer um ritual mais elaborado, ofereça uma flor ou quei-
me incenso. Mais uma vez, essas oferendas são inteiramente opcionais.
 Pense ou diga em voz alta:
Eu me rendo à verdade de que:
Todas as coisas compostas são impermanentes – este meu 
 corpo irá morrer.
Todas as emoções são sofrimento – todas as minhas emoções 
 estão mescladas com esperança e medo e, portanto, não são 
 confiáveis.
Todos os fenômenos são desprovidos de natureza inerentemente 
 existente – tudo o que eu penso que estou vendo é projeção 
 minha, e não como as coisas são na verdade.
Eu me rendo a essa verdade, o Darma;
Eu me rendo àquele que expôs essa verdade, o Buda;
E eu me rendo ao sistema que adota as leis dessa verdade, a 
 Sangha. 
Caso sinta-se mais seguro com uma fórmula de refúgio tradicional, 
recite o verso que mais lhe agradar, ou todos eles, como queira.
Namo Buddhāya guruve
Namo Dharmāya tāyine
Namo Saṃghāya mahate tribhyopi
Satataṃ namaḥ12
Homenagem ao Buda, o professor;
Homenagem ao Darma, o protetor; 
Homenagem à grande Sangha.
A todos os três, continuamente, ofereço homenagens.
 
VIVER É MORRER40
Buddhaṃ sharaṇaṃ gacchāmi
Dharmaṃ sharaṇaṃ gacchāmi
Samghaṃ sharaṇaṃ gacchāmi13
Tomo refúgio no Buda.
Tomo refúgio no Darma.
Tomo refúgio na Sangha.
No Buda, no Darma e na Sangha Suprema
Tomo refúgio até alcançar a iluminação.
Por meio do mérito de praticar a generosidade e assim por diante,
Possa eu alcançar o estado do Buda para beneficiar todos os seres.14
Até que a essência da iluminação seja alcançada,
Busco refúgio nos Budas.
Também tomo refúgio noDarma
E em todas as hostes de Bodisatvas.15
Para quem preferir a tradição de Taiwan:
De agora até o fim da minha vida, eu [seu nome],
Tomo refúgio no Buda.
Tomo refúgio no Darma.
Tomo refúgio na Sangha. (3 vezes)
Eu tomei refúgio no Buda.
Eu tomei refúgio no Darma.
Eu tomei refúgio na Sangha. (3 vezes)
Para quem preferir a tradição da China continental:
Eu retorno ao Buda e nele confio, com o compromisso de que todos 
os seres vivos compreendam profundamente o Grande Caminho 
 e façam surgir a mente bodhi.
Eu retorno ao Darma e nele confio, com o compromisso de que to-
dos os seres vivos ingressem profundamente no Tesouro do Tesouro 
 do Sutra e de que a sua sabedoria seja tão vasta quanto o oceano.
41 PREPARAÇÃO PARA A MORTE E ALÉM
Eu retorno à Sangha e nela confio, com o compromisso de que 
todosos seres vivos formem uma grande assembleia, em harmonia 
 com um e todos.
Eu tomo refúgio no Buda, para não cair no reino dos seres dos 
 infernos.
Eu tomo refúgio no Darma, para não cair no reino dos fantasmas 
 famintos.
Eu tomo refúgio na Sangha, para não cair no reino dos animais.
Eu me comprometo a não buscar a bem-aventurança do reino 
humano ou dos seres celestiais, nem a fruição do shravaka ou do 
pratyekabuddha, nem a fruição do bodisatva de um nível mais 
oportuno, 
Mas, sim, buscar atingir a iluminação suprema junto com todos os 
seres vivos.
Eu tomo refúgio no Buda, no Darma e na Sangha até alcançar a 
iluminação. Pelo mérito que acumulei ao praticar a generosidade e 
as demais perfeições, possa eu alcançar a iluminação para beneficiar 
todos os seres migrantes.
Possa o país ter paz e as revoltas armadas ser debeladas.
Possam o vento e a chuva ser temperados, para que os seres 
 usufruam de bem-estar e tranquilidade.
Possa esta assembleia bem disciplinada desejar conquistar um 
 avanço vantajoso.
Possam todos atravessar os dez níveis do bodisatva sem dificuldade.
Os seres vivos são infinitos, faço o voto de salvá-los;
As aflições são infindáveis, faço o voto de extirpá-las;
As portas do Darma são ilimitadas, faço o voto de estudá-las;
O Caminho do Buda é insuperável, faço o voto de obtê-lo.
Possam este mérito e virtude 
Retribuir as quatro bondades acima
VIVER É MORRER42
E socorrer os seres dos três reinos de sofrimento abaixo.
Possam todos que vejam ou ouçam isso gerar a mente bodhi.
Para quem preferir a tradição japonesa:
ON SARABA TATAGYATA HANNA MANNANO NAU KYAROMI16
Presto homenagens aos pés de todos os Tathagatas. 
ON BOCHI SHITTA BODA HADA YAMI17
OM
Faço surgir a boditchita da “decisão de alcançar a iluminação”.
NAMO
Até que eu e todos os seres tenhamos alcançado a iluminação,
Tomo refúgio nas Três Raízes.
Para alcançar o estado búdico para benefício dos outros,
Faço surgir as boditchitas da aspiração, da ação e a absoluta.
Para quem preferir a tradição páli:
Buddhaṃ sharaṇaṃ gacchāmi
Dharmaṃ sharaṇaṃ gacchāmi
Samghaṃ sharaṇaṃ gacchāmi
Dutiyampi Buddhaṃ sharaṇaṃ gacchāmi
Dutiyampi Dharmaṃ sharaṇaṃ gacchāmi
Dutiyampi Samghaṃ sharaṇaṃ gacchāmi
Tatiyampi Buddhaṃ sharaṇaṃ gacchāmi
Tatiyampi Dharmaṃ sharaṇaṃ gacchāmi
Tatiyampi Samghaṃ sharaṇaṃ gacchāmi
Vou até o Buda, que é o meu refúgio.
Vou até o Dhamma, os ensinamentos, que é o meu refúgio.
Vou até a Sangha, a comunidade, que é o meu refúgio.
 
43 PREPARAÇÃO PARA A MORTE E ALÉM
Pela segunda vez, vou até o Buda, que é o meu refúgio.
Pela segunda vez, vou até o Dhamma, os ensinamentos, que é o meu 
 refúgio.
Pela segunda vez, vou até a Sangha, a comunidade, que é o meu 
 refúgio.
Pela terceira vez, vou até o Buda, que é o meu refúgio.
Pela terceira vez, vou até o Dhamma, os ensinamentos, que é o meu 
 refúgio.
Pela terceira vez, vou até a Sangha, a comunidade, que é o meu 
 refúgio.
O voto do bodisatva
Se você decidiu que deseja tomar refúgio, por que não aproveitar 
melhor a oportunidade e fazer também o voto do bodisatva? Um 
bodisatva é alguém que deseja, conscientemente, levar todos os seres 
à iluminação e à felicidade últimas e dedica a vida a transformar em 
realidade essa meta de longo prazo. Todos os grandes bodisatvas do 
passado fizeram o voto do bodisatva, que é uma preparação ainda me-
lhor para a morte do que apenas tomar refúgio. Com o compromisso 
de guiar todos os seres sencientes até a iluminação, você passa a ser 
uma pessoa que participa ativamente da maior das visões espirituais. 
Sutra da Grande Sabedoria, da Coleção de Sutras do Templo Chū sonji
VIVER É MORRER44
Sem se importar com o tempo que será necessário ou com as dificul-
dades que vai encontrar, você, voluntariamente, faz o voto de morrer 
e renascer bilhões de vezes para alcançar a sua meta.
 Fazer o voto do bodisatva também pode lhe dar a certeza de haver 
realmente ingressado no caminho do bodisatva. Em geral, tomamos o 
voto em uma cerimônia, na presença de testemunhas, mas você tam-
bém pode fazê-lo inteiramente a sós, a decisão é sua.
 Se decidir fazer o voto formalmente, sente-se com as pernas cru-
zadas e a coluna reta. Se achar melhor fazê-lo informalmente e não 
quiser sentar com as pernas cruzadas, faça o voto enquanto caminha 
ou quando estiver sentado no escritório. De novo, a decisão sobre o 
método que vai usar é sua.
 Comece por despertar na mente os dois aspectos cruciais da bo-
ditchita: a sua meta última, que é despertar todos os seres sencientes 
do estado de ignorância e levá-los à iluminação; e a determinação de 
nunca mais deixar de se esforçar para tornar a iluminação universal 
uma realidade.
 Prometa, do fundo do coração, nunca interromper o seu empenho 
pela realização da boditchita e declare, inequivocamente, que nada 
nem ninguém, sequer a morte e o renascimento, poderão interromper 
o seu caminho. Por mais imensos que sejam os desafios, você está 
absolutamente determinado a levar todos os seres à iluminação, acon-
teça o que acontecer. A sua determinação é tão grandiosa que a morte 
no fim da vida será pouco mais do que um soluço nesse processo, e 
não mudará nem uma vírgula do seu plano inicial. 
O voto de bodisatva
Assim como os budas do passado
Manifestaram a mente desperta
E, passo a passo, cultivaram e treinaram
Nos preceitos dos bodisatvas, 
Do mesmo modo, em benefício dos seres, 
Eu gerarei a mente desperta,
45 PREPARAÇÃO PARA A MORTE E ALÉM
E, passo a passo, cultivarei
E treinarei nesses preceitos. 18
De fato, uma vez que a vasta maioria dos seres sencientes está abso-
lutamente aterrorizada com a ideia de que vai morrer, por que não 
transformar o seu próprio medo de morrer em um caminho? 
Pense consigo mesmo:
Todos os seres sencientes vivem à sombra do medo da morte.
Possa eu carregar todo o medo que eles sentem.
Eu sei que esta vida está chegando ao fim, 
Eu sei que em breve morrerei e sei que no futuro
Passarei pela experiência da morte milhões de vezes.
Mas, em qualquer situação futura,
Possam o meu desejo de iluminar todos os seres sencientes 
E as minhas atividades como bodisatva nunca diminuir.
Eu sou um bodisatva.
Eu sou um filho do Buda.
Assim como todos os seres sencientes 
Eu tenho a natureza búdica;
A diferença é que eu sei que tenho a natureza búdica,
Enquanto a maioria dos demais seres sencientes não sabe.
Totalmente dotado do precioso Darma do Buda,
Cumprirei com alegria o meu dever de bodisatva
E levarei todos os seres sencientes à iluminação.
Assim como existem muitas preces de refúgio tradicionais para você 
escolher, também existem muitas outras práticas de boditchita, como 
a seguinte prática de Taiwan.
Fazer surgir a boditchita
No Grande Tratado sobre a Perfeição da Sabedoria (Mahāprajnāpāra-
mitāśāstra), o amor e a compaixão estão incluídos entre as Quatro 
46
Bodisatvas vêm em todos os tamanhos, feitios, espécies e em todas as classes sociais
47 PREPARAÇÃO PARA A MORTE E ALÉM
Qualidades Incomensuráveis. Eles são chamados “amor incomensu-
rável” e “compaixão incomensurável”, respectivamente. A prática diá-
ria das Quatro Qualidades Incomensuráveis é muito importante no 
budismo tibetano. Muitos seguidores do budismo tibetanoa recitam 
ao longo da sua vida.
As Quatro Qualidades Incomensuráveis
Possam todos os seres sencientes ter felicidade e as causas da 
 felicidade.
Possam todos os seres sencientes estar livres do sofrimento e das 
 causas do sofrimento.
Possam todos os seres sencientes nunca se separar da felicidade 
 isenta de sofrimento.
Possam todos os seres sencientes viver em equanimidade, livres de 
 apego e aversão.
O voto do bodisatva
A essência do voto do bodisatva é incitar a aspiração da boditchita suprema. 
O princípio da boditchita é:
Os quatro votos vastos
Os seres sencientes são incontáveis; faço o voto de libertá-los.
As aflições são infindáveis; faço o voto de erradicá-las.
Os recursos do Darma são incomensuráveis; faço o voto de 
 aprendê-los.
A compaixão do Buda é insuperável; faço o voto de obtê-la.
Sempre trilhar o caminho do bodisatva
Possam os três tipos de obstáculos e todas as aflições ser eliminados.
Possa eu alcançar a sabedoria e a verdadeira compreensão.
Possam todos os obstáculos causados por pensamentos e ações 
 negativas ser removidos.
Possa eu sempre trilhar o caminho do bodisatva, vida após vida.
VIVER É MORRER48
Dedicação
Possam o mérito e a virtude alcançados por esta ação
Retribuir as quatro bondades dos reinos acima
E aliviar o sofrimento dos três reinos inferiores.
Possam todos aqueles que vejam e ouçam isto
Ativar a boditchita e,
Quando este corpo de retribuição findar, 
Renascer juntos na Terra do Êxtase Supremo.
Aspiração
Aspiro renascer na Terra Pura do Oeste,
Aspiro que meus progenitores sejam um lótus de nove níveis.
Quando a flor desabrochar, verei o Buda
E compreenderei que os darmas não nascem.
Os bodisatvas que nunca regressam serão meus companheiros.
Você pode fazer download de uma versão em inglês do Ritual do Voto do Bodi-
satva de acordo com a tradição de Patrul Rinpoche em: https://www.lotsawah-
ouse.org/tibetan-masters/chatral-rinpoche/bodhisattva-vow-patrul-tradition
Pense grande
Do ponto de vista budista, a melhor maneira de se preparar para a 
morte é ingressar na imensa visão da boditchita e pensar grande. Des-
se modo, o poder da sua prática irá crescer exponencialmente.
 Um dos maiores problemas do nosso modo de ver a vida e a morte 
é que não pensamos grande. Muitas pessoas, inclusive budistas, têm 
uma mentalidade estreita e mesquinha. Quando fazemos surgir e apli-
camos a boditchita, a nossa visão limitada do mundo e de tudo que ele 
contém se torna muito mais ampla. As pessoas mesquinhas só pensam 
nelas mesmas, nesta vida e no ambiente ao seu redor. Nas poucas 
ocasiões em que pensam em algo além de si mesmas, raramente conse-
guem ir além da própria família. Apenas quando a morte se aproxima 
elas começam a se dar conta do quanto as suas vidas foram limitadas e 
49 PREPARAÇÃO PARA A MORTE E ALÉM
egoístas e de que os projetos que lhes tomaram tanto tempo e energia 
eram totalmente insignificantes ou fracassaram. Desse ponto de vista, 
se houvesse apenas uma vida, a morte de fato seria um tipo de situação 
“agora ou nunca”. Assim, não é de surpreender que as pessoas desse 
tipo cheguem à hora da morte convencidas de que estão condenadas 
ao fracasso eterno. O que lhes falta é uma visão e um propósito de 
longo prazo que se estenda por muitas vidas. Se elas desenvolvessem a 
determinação de levar todos os seres sencientes à iluminação, por mais 
vidas que fossem necessárias, começariam a se sentir bem diferentes.
 Então, tente pensar além do seu círculo de parentes e amigos pró-
ximos. Desenvolva um interesse genuíno pelo bem-estar de todos os 
seres sencientes, incluindo estranhos e, especialmente, os seus inimi-
gos. E tenha em mente que, no contexto do objetivo último do bo-
disatva, cuidar do bem-estar dos outros significa muito mais do que 
meramente dar casa e comida para todos. Cuidar dos outros significa 
desejar ardentemente que cada ser senciente alcance a iluminação e, 
do mesmo modo, rezar para que isso aconteça. Ao expressar esse de-
sejo inúmeras vezes, a sua visão aos poucos se ampliará. É desse modo 
que aprendemos a “pensar grande”.
Práticas simples de preparação 
para a morte
∑
Muitas vezes Wood Allen é citado porque teria dito
Eu não tenho medo de morrer – só não quero estar lá quando isso 
acontecer.
Para infelicidade do Woody Allen, é bem possível que ele esteja mais 
“lá” na hora da morte do que nunca antes na vida. Então, o que eu 
diria para alguém como Woody Allen sobre a maneira de se preparar 
para a morte?
 Se ele estivesse aberto a isto, eu mencionaria a grande visão da 
boditchita sobre o amor, a compaixão e o desejo de iluminar todos os 
seres sencientes. Eu também lhe diria que tudo que nós vemos, ouvi-
mos, tocamos e assim por diante, inclusive o nascimento e a morte, é 
uma projeção criada pela nossa própria mente.
 Depois, o levaria passo a passo por uma prática de atenção plena, 
para que ele se acostumasse com a ideia de que tudo é uma ilusão 
projetada pela mente.
VIVER É MORRER52
Prática de atenção plena
Woddy, olhe para o seu café. Só olhe.
 Se, enquanto olha para o café, você se der conta de que está pen-
sando sobre o seu carro, apenas traga a mente de volta para o café. 
Tente isso algumas vezes.
 Se quiser, dê um passo adiante.
 Em vez de focar no café, olhe para o pensamento que está passan-
do pela sua mente bem agora.
 Só olhe bem para o pensamento. Apenas o observe.
 Não deixe o pensamento emendar no pensamento seguinte. Não 
analise, não rejeite, não adote, nem leve o pensamento a sério.
 Um pensamento não precisa ser interessante para que valha a pena 
“olhar para ele”. Mesmo que seja o pensamento mais mundano, banal 
e tedioso que jamais apareceu na sua mente, apenas “olhe para ele”, 
sem tentar ajeitar ou melhorar nada.
 Isso é o que eu diria para o Woody Allen. E repetiria tudo de novo 
e de novo.
 Woody, se você colocar em prática o meu conselho, vai se dar con-
ta de que a sua mente é de fato poderosa. Também verá por si mesmo 
que é a mente quem cria projeções sem parar e, no mesmo instante, 
esquece o que acabou de fazer. Verá como a mente começa a acreditar 
que tudo que ela percebe fora de si mesma é real e está “lá”, para em 
seguida esquecer que criou projeções de si própria.
 Quando se convence que tudo está “lá fora” e “separado”, a mente 
começa a aprender a se alienar das suas próprias projeções. Convenci-
da de que é completamente separada daquilo que vê, a mente projeta 
todo tipo de ideias e conceitos, e depois sai à procura deles. Então, é a 
mente que projeta o conceito de “deus” e é a mente que depois corre 
em círculos tentando encontrar aquele deus. A mente é tão masoquis-
ta! É como se ela quisesse se sentir alienada de deus, só para ter alguém 
para quem rezar.
 Quando você entender que tudo o que vê é projetado pela sua 
própria mente, estará a caminho de entender que esse “tudo” inclui, 
53 PRÁTICAS SIMPLES DE PREPARAÇÃO PARA A MORTE 
necessariamente, o nascimento, a morte, a vida e o morrer. Essa infor-
mação e a prática o ajudarão a reduzir a intensidade do apego às suas 
ideias sobre o que realmente seja “viver”. Você começará a entender 
que a vida e o viver são, simplesmente, parte de mais outra ilusão.
 Tendo dito isso tudo, Woody, recomendo sinceramente que agora 
você vá para o seu clube de jazz favorito e escute a música que adora. 
Não perca tempo! Gaste todo o dinheiro que tem fazendo tudo que 
sempre desejou fazer. E tente fazer os outros felizes também, porque 
fazer os outros felizes o fará feliz.
 É isso que eu diria para o Woody Allen.
Use a sua consciência
Cada momento da vida envolve também uma pequena morte; por 
isso, a própria vida nos oferece muitas oportunidades de vislumbrar a 
morte. Hoje em dia, as pessoas andam tão distraídas que poucas con-
seguem aproveitar bem tais oportunidades. Contudo, há um modo 
de se relacionar com as pequenas mortes da vida que o ajudará a se 
preparar para a morte do seu corpo no fim desta vida.
 Tudo que precisa fazer é notar que em cada coisa que você faz, a 
cada momento,há uma morte – nas relações, no casamento, no estilo 
de vida, numa xícara de café quase vazia.
 De certo modo, esse método parece simples demais para ser efeti-
vo. Ainda assim, a simples consciência é a chave para a compreensão 
de que a morte faz parte de cada momento da vida.
 Aprenda a estar consciente das coisas sem sentir que precisa estar 
sempre fazendo alguma coisa. Apenas note.
 Por ironia, a experiência de mudanças e mortes na vida nos fazem 
muito mais bem do que mal. Contudo, sempre fazemos um grande 
drama a respeito de tudo, principalmente sobre as mudanças que ro-
tulamos como “más”. Então, aprenda a se alegrar e aproveitar a vida, 
em vez de se lamuriar sobre coisas que estão absolutamente fora do 
seu controle.
VIVER É MORRER54
Prática no sono
Seja qual for a sua crença ou prática espiritual, sempre aspire reconhe-
cer que os seus sonhos são apenas sonhos. Saiba, enquanto sonha, que 
está sonhando. O nosso grande erro, em todas as nossas muitas vidas, é 
imaginar que todas as experiências são reais. Pare de cometer esse erro!
 Quando estiver adormecendo, simule o momento da morte for-
çando-se a acreditar que está quase morrendo. Se quiser, tente o se-
guinte método, que se baseia na prática da aspiração.
Para os não budistas
 Quando se deitar para dormir, pense: posso morrer esta noite. 
Pode ser o fim. Talvez eu nunca mais acorde de novo.
 Perdoe aqueles que precisa perdoar.
 Esqueça tudo que deve ser esquecido.
 Pense em qualquer coisa que o deixe calmo e relaxado; pode ser 
numa folha que cai ou o grasnar de um pato. 
 Principalmente, peça que tudo que você e todos os seres sencientes 
possuem e vivenciam sejam coisas boas. De fato, se você puder se focar 
em cuidar mais dos outros do que de si mesmo, isso lhe proporcionará 
grande alegria, além de garantir que você próprio seja bem cuidado.
O Buda reclinado
55 PRÁTICAS SIMPLES DE PREPARAÇÃO PARA A MORTE 
 Quando você adormece, a consciência do seu próprio corpo – o 
que os seus olhos enxergam, o seu nariz cheira, a sua língua prova e 
assim por diante – será desconectada pelo sono.
 Quando você acordar de novo, imagine que renasceu e que uma 
nova vida está começando.
 Observe como você se reconecta com os seus sentidos e os objetos 
dos sentidos.
 Escute o canto dos pássaros, sinta o seu mau hálito, o gosto da 
noite anterior na sua boca. 
 Pense consigo mesmo:
 O mundo para o qual despertei não vai durar para sempre.
 Olhe a sua nova mesa e aquela bela caixa de papéis de carta japo-
neses que ainda nem foi aberta. Use-os e os aprecie agora: talvez seja a 
sua última chance.
Para os budistas
 Se desejar, siga uma antiga tradição budista e imagine que todos os 
budas e bodisatvas estão reunidos no seu travesseiro. Então, antes de 
deitar, ofereça uma prostração a eles. Se desejar emular a famosa posi-
ção reclinada do Buda, deite-se sobre o seu lado direito para dormir.
Pense:
Desejo fazer bom uso desta noite de sono.
Rendo-me ao Buda, ao Darma e à Sangha.
Desejo que esta noite de sono 
Seja benéfica e significativa para mim e para os outros.
Quando estiver adormecendo, pense:
Estou morrendo.
A minha consciência dos sentidos está se dissolvendo.
Ao acordar, pense:
VIVER É MORRER56
Eu renasci.
Espero fazer bom uso desta vida efêmera
Para beneficiar a mim e aos outros.
Para os tântrikas
 Aspire perceber e experienciar a luminosidade do simples saber. 
Uma vez que o processo de adormecer oferece uma oportunidade ex-
celente de reconhecer essa luminosidade, faça a forte aspiração de sim-
plesmente “saber”. Na morte, todos os seus mecanismos sensórios se 
dissolverão, o que significa que esse “simples saber” não será de modo 
algum perturbado pelos seus sentidos e pela sua reação aos objetos dos 
sentidos. Tudo o que restará será a sua mente.
 Assim, trazendo à mente a prática do sono que foi descrita, visuali-
ze um lótus no chacra do coração, no qual o seu guru, a corporificação 
de todos os budas, está sentado. Então, enquanto adormece, apenas 
pense no guru.
Como os budistas se 
preparam para a morte
∑
De mãos vazias entrei no mundo,
De pés descalços o deixo.
Meu vir, meu ir,
Dois acontecimentos simples
Que se entrelaçaram. 19
Kozan Ichikyo
Os budistas consideram a morte uma tremenda oportunidade espiri-
tual. Mas por quê?
 Sem precisarmos fazer nada, o processo pelo qual passamos natu-
ralmente ao morrer nos colocará face a face com a base da liberação. O 
grande Chogyam Trungpa Rinpoche fez uma famosa descrição dessa 
base: “a bondade básica do ser humano”. No momento da morte, a 
mente se separa do corpo e, por uma fração de segundo, todos nós 
experienciamos a nudez da nossa natureza búdica, tathagatagarbha. 
Naquela fração de segundo, se a base da liberação é apontada e a reco-
nhecemos, somos liberados. 
 Em outras palavras, se você morrer em um ambiente propício, se 
uma pessoa qualificada estiver presente no momento da morte para 
apresentá-lo a sua natureza búdica e se você estiver receptivo a essa 
VIVER É MORRER58
apresentação, você será liberado. Então, sim, o momento da morte 
oferece uma imensa oportunidade.
 O fato de ter sido apresentado à base da liberação deixa uma forte 
impressão no seu alaya. Desse modo, mesmo que não seja liberado 
no momento da morte, na próxima vida, quando você ouvir palavras 
como “natureza búdica” ou “tathagatagarbha”, elas soarão familiares 
ou você terá uma sensação de déjà vu; essas são indicações de que você 
pode ser um bom recipiente para a prática do mahasandhi. 
 Agora, a sua natureza búdica está envolvida pelo casulo do corpo 
físico, pelos rótulos e nomes que você atribui a todos os fenômenos, 
pelas distinções que faz, pelos seus hábitos, cultura, valores e emoções. 
Todo o propósito e objetivo do Darma do Buda é nos soltar e liberar 
desse casulo. Para entender bem essa liberação, porém, primeiro pre-
cisamos conhecer essa base da liberação.
O que é a “base da liberação”?
É mais ou menos assim: imagine que está sentado no sofá em uma sala 
muito pequena. De repente, você sente uma vontade irresistível de 
dançar, então leva o sofá para a sala de jantar. Você pode mover o sofá 
porque, por mais pesado e volumoso que seja, o sofá pode ser movido 
e o espaço necessário é inerentemente disponível.
 Em outras palavras, a base da liberação, também chamada “base 
do despertar” é algo como um estado de sonho desperto. Quando 
temos um pesadelo, por mais terrível que seja, aquilo não acontece de 
verdade, porque o pesadelo se dissolve sem deixar traço no momento 
em que acordamos. O fato de que nada aconteceu é a “base da libera-
ção”, a “natureza búdica”. Então, se não havia aranhas na cama antes 
de você deitar, enquanto adormecia e dormia, nem quando acordou, 
por maiores e mais peludas que fossem as aranhas do sonho, não há, 
nem nunca houve, aranhas na sua cama. Em outras palavras, você não 
é o seu sonho. Ninguém sonha o tempo todo, só ocasionalmente, e 
você pode acordar porque você não é o seu sonho: se você fosse o seu 
sonho, nunca, jamais, poderia acordar.
59 COMO OS BUDISTAS SE PREPARAM PARA A MORTE 
 A “base da liberação” é o que nos possibilita acordar da ilusão, 
parecida com o sonho, que é esta vida. Para o budista que está mor-
rendo, saber que ao morrer todos temos a oportunidade de despertar 
na base da liberação é algo extremamente encorajador. Isso nos faz 
lembrar que o momento da morte é a nossa grande chance de acordar 
e sermos liberados.
 Está claro, porém, que todos esses exemplos e argumentos estão 
baseados em conceitos budistas específicos. Muitas vezes me peguei 
pensando se alguém que não seja budista e, portanto, não entenda 
o jargão empregado para descrever esses métodos, teria condições de 
aproveitar a oportunidade que a morte oferece. Talvez a morte seja 
uma oportunidade apenas quando é encarada pela perspectiva budista.
Corte todos os apegos mundanos
Os grandes iogues budistas do passado, como Milarepa, ansiavam do 
fundo do coração morrer em um local solitário e totalmente a sós.
Ninguém

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