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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS 
ESCOLA DE DIREITO DE SÃO PAULO 
ATIVISMO JUDICIAL NO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL: UMA 
NOVA CONCORDATA? 
SÃO PAULO 
2017 
BRUNO YOHAN SOUZA GOMES 
BRUNO YOHAN SOUZA GOMES 
ATIVISMO JUDICIAL NO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL: 
UMA NOVA CONCORDATA? 
 
Dissertação apresentada à Escola 
de Direito de São Paulo da 
Fundação Getúlio Vargas como 
requisito para obtenção do título de 
mestre em Direito. 
Linha de Pesquisa: Direito dos 
Negócios 
Orientador: Luciano de Souza 
Godoy 
 
 
 
SÃO PAULO 
2017 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Gomes, Bruno Yohan Souza. 
 Ativismo judicial no processo de recuperação judicial: uma nova 
concordata? / Bruno Yohan Souza Gomes. - 2017. 
 130 f. 
 
 Orientador: Luciano de Souza Godoy 
 Dissertação (mestrado) - Escola de Direito de São Paulo da Fundação 
Getulio Vargas. 
 
 1. Concordata - Brasil. 2. Sociedades comerciais - Recuperação - Brasil. 
3. Brasil. [Lei de falências (2005)]. I. Godoy, Luciano de Souza. II. 
Dissertação (mestrado) - Escola de Direito de São Paulo da Fundação 
Getulio Vargas. III. Título. 
 
 
CDU 347.736(81) 
 
 
BRUNO YOHAN SOUZA GOMES 
 
ATIVISMO JUDICIAL NO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL: UMA NOVA 
CONCORDATA? 
 
 
Dissertação apresentada à Escola de 
Direito de São Paulo da Fundação Getúlio 
Vargas como requisito para obtenção do 
título de mestre em Direito. 
Linha de Pesquisa: Direito dos Negócios 
Orientador: Luciano de Souza Godoy 
Data de Entrega: 02.03.2017 
 
Banca Examinadora: 
_______________________________ 
Orientador: Prof. Dr. Luciano de Souza 
Godoy – FGV Direito 
________________________________ 
Prof. Dra. Daniela Gabbay – FGV Direito 
_________________________________ 
Prof. Dr. Marcelo Barbosa Sacramone 
__________________________________ 
Prof. Dra. Tatiana Flores Gaspar Serafim 
 
 
 
DEDICATÓRIA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dedico este trabalho à minha amada esposa 
Daniela, que sempre me incentivou em todos 
meus projetos de vida com muito amor, carinho 
e apoio. 
À minha mãe, Ediene, por ter me ensinado a 
importância do caráter idôneo, da humildade, 
perseverança, da fé e da bondade na 
construção de uma vida virtuosa. 
A todos os meus familiares e meus grandes 
amigos, fundamentais contribuintes na pessoa 
que sou. 
Ao meu sócio e amigo Marcelo Sartori, um 
grande incentivador desta saga chamada 
Mestrado e um companheiro diário nas 
reflexões sobre o direito e a vida. 
Aos meus amigos do escritório Sartori 
Advogados, a quem devo muita gratidão pelos 
inúmeros e maravilhosos debates e por me 
proporcionarem dias de trabalho alegres e 
felizes. 
 
 
 
AGRADECIMENTO 
 
 
A realização do Mestrado foi uma oportunidade única de estudo e reflexão sobre diversos 
temas atuais e relevantes do cenário jurídico brasileiro e internacional. A Escola de Direito 
da Fundação Getúlio Vargas é pioneira em tratar de temas jurídicos com enfoque prático 
e multidisciplinar, provocando reflexões complexas e inteligentes em seus alunos, o que 
contribui sobremaneira para torná-los mais preparados, flexíveis e modernos. Registro 
aqui, portanto, meu primeiro agradecimento. 
 
Agradeço também ao Professor Mário Engler Pinto Jr., coordenador do Mestrado e grande 
entusiasta da visão e abordagem diferenciadas que o Mestrado da Escola de Direito da 
Fundação Getúlio Vargas sempre almejou. Tive o privilégio de ser aluno do Professor 
Mário Engler e não tenho palavras para expressar quão rica e valorosa foi esta 
experiência. 
 
Ainda, agradeço imensamente ao meu orientador, o Professor Luciano de Souza Godoy. 
Ele foi ator essencial na escolha do presente tema, após um bimestre inteiro em que tive 
o prazer de ser aluno e de receber seus ensinamentos de maneira sempre muito clara, 
didática e com vasto conhecimento. 
 
Por fim, meus sinceros agradecimentos a todos os colegas de turma e também a todos os 
professores que tive a alegria e honra de conhecer e conviver. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
RESUMO 
 
Com o advento da Lei nº 11.101/2005, criou-se o instituto da recuperação judicial das 
empresas, substituindo assim o instituto que até então vigorava, a concordata. Diferenças 
importantes marcam os institutos, sendo a mais relevante delas o poder dos credores de 
decidir as principais questões relacionadas à empresa em recuperação, dentre as quais, 
a própria recuperação da empresa. Claramente o eixo decisório migrou do Poder 
Judiciário (concordata) para os credores (recuperação judicial), restando ao primeiro a 
permissão legal para intervir no processo apenas na situação especifica do cram down. 
No entanto, a prática mostra que muitos juízes têm intervindo nos processos de 
recuperação judicial, com amparo nos mais diversos argumentos, o que tem afetado a 
essência do instituto da recuperação, que está, fundamentalmente, no poder dos credores 
na recuperação da empresa em crise. É exatamente este o ponto que será analisado no 
decorrer do presente trabalho. 
 
Palavras-chave: concordata; recuperação judicial de empresas; cram down; intervenção 
judicial; poder de decisão dos credores. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
With the advent of Law No. 11.101/2005, the institute of judicial recovery of companies 
was created, replacing the institute in force until then, the law of bankruptcy. Important 
differences mark the institutes, the most relevant is the power of creditors to decide about 
the major issues of the company in recovery, among which, the own company recovery. 
Clearly the decision power migrated from Judiciary (law of bankruptcy) to creditors (judicial 
recovery), being allowed to the first to intervene only in the specific situation of the cram 
down. However, in practice many judges have intervened in the judicial recovery process, 
with support in different arguments, which has affected the essence of recovery institute 
that is exactly the power of creditors in the company in crisis. This is the main point that 
will be discussed in the course of this work. 
 
Keywords: law of bankruptcy; judicial recovery companies; cram down; judicial 
intervention; power of decision of the creditors. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE FIGURAS 
 
 
Figura 1 - Fluxograma da Recuperação Judicial..............................................................36 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
1. REFLEXÕES INICIAIS.................................................................................................10 
 
2. CONCORDATA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL..........................................................22 
 
2.1 Perspectiva histórica e análise comparativa...............................................................22 
2.2 Síntese do trâmite da recuperação judicial.................................................................31 
2.3 O poder dos credores como essência do instituto .......................................................39 
 
3. LIMITES ENTRE A ANÁLISE DA VIABILIDADE ECONÔMICA E FINANCEIRA DO 
PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL E O CONTROLE DA 
LEGALIDADE...................................................................................................................43 
 
3.1 O cram down, intervenção judicial e o no abuso no direito de voto............................43 
3.2. Requisitos necessários ao deferimento do pedido de recuperação judicial e a 
intervenção judicial por meio da determinação de perícia prévia.......................................54 
 
4. ENCAMINHAMENTO...................................................................................................60 
 
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................64 
 
6. ANEXOS.......................................................................................................................6810 
 
1. REFLEXÕES INICIAIS 
 
O mundo atual que vivemos é dotado de complexidade talvez jamais relatada em outros 
períodos históricos. 
 
Segundo dados atualizados produzidos por estudos da Organização das Nações 
Unidas, a população mundial hoje está em torno de 7,2 bilhões de pessoas e a 
perspectiva para a população mundial em 2050 é de aproximadamente 10 bilhões de 
pessoas1. Não obstante a perspectiva de crescimento no número de habitantes em 
nosso planeta, o mesmo estudo indica que em geral haverá elevação na expectativa de 
vida tanto dos países desenvolvidos, como nos em desenvolvimento. 
 
Se a questão demográfica mundial expressa em parte a complexidade do mundo atual, 
não pode ela estar dissociada das particularidades culturais e políticas existentes nas 
sociedades e pessoas que compõem este mundo. Convivem no mesmo planeta hoje 
mais de 200 (duzentos) países, em grande parte com histórias, culturas e sistemas 
legais e políticos muito diferentes. Soma-se a isso diferenças étnicas, guerras civis, 
guerras entre países, riqueza e pobreza. 
 
Sob o espectro econômico, é possível afirmar com um grau razoável de assertividade 
que coabitam no cenário acima relatado interesses diversos, em grande parte 
conflitantes, de atores com pesos econômicos diferentes e com economias mais ou 
menos sofisticadas. Nas relações entre nações, existe uma variação importante no grau 
de abertura das economias, de barreiras comerciais, tecnológicas e legais. Ainda é 
importante destacar que a financeirização2 da economia atual traz elementos que 
produzem ainda mais complexidade, vez que ao mesmo tempo tem o poder benéfico de 
integrar os atores econômicos mundiais, mas em contrapartida propicia expectativas e 
bolhas financeiras sem lastro na economia real, motores para sucessivas crises. 
 
Outros dois importantes fatores são decisivos no modo como a economia global se 
desenvolve nos dias atuais, a globalização e a tecnologia. A interação econômica entre 
os países com amparo em intensa troca comercial e alicerçada em companhias 
 
1Informações extraídas de matéria veiculada no site das Organizações das Nações Unidas 
http://www.unric.org/pt/actualidade/31160-relatorio-das-nacoes-unidas-estimaque-a-populacao-mundial-alcance-os-96-
mil-milhoes-em-2050- Acesso em 27.08.2016. 
2 Conceito simplificado em http://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/financeiriza%C3%A7%C3%A3o. 
Acesso em 27.08.2016. 
http://www.unric.org/pt/actualidade/31160-relatorio-das-nacoes-unidas-estimaque-a-populacao-mundial-alcance-os-96-mil-milhoes-em-2050-
http://www.unric.org/pt/actualidade/31160-relatorio-das-nacoes-unidas-estimaque-a-populacao-mundial-alcance-os-96-mil-milhoes-em-2050-
http://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/financeiriza%C3%A7%C3%A3o
11 
 
transnacionais (algumas economicamente maiores do que muitos países) vem 
ocorrendo desde meados do século passado, se firmando como tendência e modelo 
econômico preponderante a partir do final da guerra fria. Com o recente e rápido avanço 
da tecnologia, barreiras diversas antes aparentemente intransponíveis foram superadas 
e temos presenciado uma velocidade jamais vista na troca de informações entre 
pessoas, países e empresas, o que influencia também de maneira decisiva não só a 
forma como a economia mundial se desenvolve, mas, principalmente, a velocidade 
como ela acontece no mundo prático. 
 
Embora tenhamos órgãos em nível mundial que visam coibir excessos, corrigir rotas que 
conflitem com a prosperidade da sociedade humana em geral e que em tese têm como 
objetivo eliminar desigualdades mundiais e regionais, regulando o mercado mundial 
como um todo (Organização Mundial de Comércio, por exemplo), fato é que na prática, 
dadas as características expostas aqui de maneira sucinta, muito pouco tem se 
conseguido. Daí é que em verdade o que temos é um mundo com extrema pobreza de 
um lado e extrema riqueza de outro, e países em sua maioria desiguais entre si e que, 
mesmo dentro de suas fronteiras e economias, demandam ainda o básico, como se na 
prática vivessem no mundo de 100 (cem) ou mais anos atrás. 
 
O mundo atual, portanto, destaca-se por uma tecnologia que avança em ritmo de 
progressão geométrica, trazendo uma série de benefícios científicos, médicos e em 
todos os demais campos. Da mesma forma, temos hoje uma economia desenvolvida 
que permitiu e permite avanços espetaculares em termos de eficiência, produção, 
circulação e troca entre os países. Porém, como ressaltado, tais benefícios ainda estão 
distantes de serem objeto de usufruto de todos os seres humanos. Essa dualidade entre 
uma esplendorosa evolução em diversos campos de um lado, e de outro uma limitação 
de acesso a tais benefícios, somada a toda complexidade demográfica, cultural, 
histórica, étnica, social e econômica, faz com que tenhamos ao nosso redor um mundo 
de muita insegurança, violência, guerras diversas, fome, doenças e sucessivas crises 
econômicas. 
 
O Brasil não está alheio a realidade mundial discorrida. Ao contrário, além de ser ator no 
relatado mundo complexo de difícil solução, sofrendo, portanto, reflexos diários e diretos, 
possui ainda, no ambiente interno, uma série de desafios a serem superados na busca 
por uma sociedade mais justa e desenvolvida. A sociedade brasileira tem hoje questões 
12 
 
a serem enfrentadas em praticamente todos os campos. Nada mais natural para um país 
que, embora tenha o 9º (nono) Produto Interno Bruto do mundo (já foi o 6º)3, está 
apenas na 75ª (septuagésima quinta) posição quando o Índice de Desenvolvimento 
Humano é o parâmetro analisado4, figurando sempre como um dos países mais 
desiguais do mundo em pesquisas recorrentemente publicadas. 
 
Não obstante os problemas externos que influenciam a economia brasileira, outros 
pontos relacionados à estrutura interna econômico-social também são decisivos para 
dificultar a melhoria na competitividade internacional do país e também servem de 
imensos obstáculos para as pessoas e empresas serem competitivas e sobreviverem. O 
crédito é um dos mais caros do planeta - por diversos motivos que não cabem aqui 
explorar (existem muitas teorias sobre o assunto); a infraestrutura é limitada e 
dependente do sistema rodoviário, o que encarece não só a produção, como a 
circulação; a carga tributária é elevada quando se comparada ao retorno recebido pela 
sociedade; a carga tributária onera a produção e circulação majoritariamente, quando o 
mais saudável seria onerar em maior grau a renda; o sistema tributário brasileiro é 
complexo, o que dificulta o entendimento quanto a eventuais riscos e passivos e, por fim, 
temos uma legislação trabalhista desatualizada e que em muitos momentos também 
serve como um entrave não só economicamente para as empresas, como também para 
os próprios trabalhadores. 
 
É nesse contexto que vivem empresários e empresas em nossa sociedade. O ambiente 
exposto é o cotidiano dos principais atores que alicerçam o crescimento do produto 
interno bruto do país, atores estes que geram arrecadação e emprego5. 
 
3Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e publicados no site 
http://exame.abril.com.br/economia/noticias/pib-em-dolar-cai-25-e-brasil-cai-para-a-posicao-de-9a-economia-do-
mundo. Acesso em 27.08.2016. 
4 Dados obtidos no site da Organização das Nações Unidas http://www.pnud.org.br/atlas/ranking/Ranking-IDH-Global-
2014.aspx. Acesso em 27.08.2016. 
5 Segundo SALLES DE TOLEDO e ABRÃO “Malgrado vivamos numa sociedade eminentemente capitalista, neoliberal 
e de forte economia globalizada por meio de blocos integrados, a empresa se constitui hoje patrimônio de todos, com 
conotação social. Deste organismo multidisciplinar que traduz a empresa depende essencialmente o trabalhador; as 
regras de consumo se estabelecem,os impostos são recolhidos, a demanda e a oferta se regulam, o controle 
inflacionário é supervisionado e a sociedade marcha na direção do crescimento e do desenvolvimento. Aliás, diga-se 
de passagem, a doutrina social da Igreja Católica, amiúde, ensinou que os salários dos trabalhadores sempre 
dependem da competência do empregado, de suas necessidades pessoais e, sobretudo, da capacidade de 
pagamento do empregador, para concretude de vida digna, como revelam as encíclicas papais. Quer dizer: quanto 
mais forte a empresa, com melhores salários serão recompensadas as atividades profissionais dos empregados. Não 
é só isso. Todos os trabalhadores dependem da capacidade de emprego deste organismo social. Por tal razão é fácil 
entender que o desenvolvimento social de um país está intimamente ligado à capacidade de pagamento de suas 
empresas. E quando há mercado de trabalho abundante, fato raro nos dias que ocorrem, não há desemprego e as 
crises sociais se tornam tênues e superadas. Se não persistir em qualquer nação do mundo o fantasma do 
desemprego, rondando a cada dia com maior intensidade as sociedades, então será fácil concluir que o povo cresce 
harmonicamente, na questão econômica e fundamentalmente social”. SALLES DE TOLEDO, Paulo F.C, ABRÃO, 
http://exame.abril.com.br/economia/noticias/pib-em-dolar-cai-25-e-brasil-cai-para-a-posicao-de-9a-economia-do-mundo
http://exame.abril.com.br/economia/noticias/pib-em-dolar-cai-25-e-brasil-cai-para-a-posicao-de-9a-economia-do-mundo
http://www.pnud.org.br/atlas/ranking/Ranking-IDH-Global-2014.aspx
http://www.pnud.org.br/atlas/ranking/Ranking-IDH-Global-2014.aspx
13 
 
Os pontos destacados, enfrentados como dito diariamente por empresas brasileiras, 
criam um ambiente hostil aos negócios, dada a sua gestão complexa, riscos inerentes a 
atividade econômica, bem como custos elevados. Como consequência, temos um 
mercado com elevada informalidade, em que a sonegação se faz presente como regra e 
cujo índice de mortalidade das empresas nos 04 (quatro) primeiros anos de vida é de 
mais de 50% (cinquenta por cento).6 
 
Os desafios são, portanto, muitos para que a atividade econômica se desenvolva no 
Brasil, e os legisladores foram sensíveis a todo esse complexo ambiente empresarial 
quando iniciaram os debates para uma completa reformulação da legislação que 
anteriormente vigorava, a chamada Lei de Falências e Concordatas (Decreto-Lei nº 
7661/45), e cujo objetivo, ao menos inicial, era permitir a sobrevivência e a recuperação 
das empresas. 
 
Todo legislativo considerou em seus trabalhos para a modernização normativa (que a 
então Lei de Falências e Concordatas seria submetida) o novo ambiente institucional 
que o Brasil vivia, com a nova sociedade brasileira saída do período pós-ditadura, muito 
bem representada pela promulgação da Constituição Federal de 1988 (a chamada 
constituição cidadã) que pela primeira vez conectou o desenvolvimento da atividade 
econômica ao bem-estar geral da sociedade, enfatizando a importância e o papel da 
economia para evolução e prosperidade da nação como um todo.7 
 
O trabalho de modernização da legislação em questão durou mais de dez anos e, 
embora sob a condução do legislativo federal, envolveu diretamente todos os órgãos 
vivos da sociedade, sendo que este é um importantíssimo ponto a ser destacado. Esta 
atualização legal não decorreu de oportunismos ou visões consequencialistas dos fatos 
 
Carlos Henrique. Comentários à Lei de e Recuperação de Empresas e Falência. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 
39-41. 
6Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e publicados no site 
http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/09/1677729-metade-das-empresas-fecha-as-portas-no-brasil-apos-quatro-
anos-diz-ibge.shtml. 
7No mesmo sentido, SALLES DE TOLEDO e ABRÃO: “Não restam quaisquer dúvidas de que a boa distribuição de 
renda, por intermédio de salários dignos, vai encetar uma verdadeira conquista social e incrementar um ambiente 
sadio e pacífico no setor vital da sociedade. Perpassa o pensamento, que o bom funcionamento das empresas que 
vem ao encontro do interesse do País. As administrações públicas dependem, essencialmente, da geração de 
imposto e do funcionamento da máquina arrecadadora. A empresa é a propulsora e a fonte geradora da produção de 
bens, que serve para alimentar o consumo interno e as exportações, tão imprescindíveis com a globalização de nossa 
economia. Enfatizaria, também, deixando bastante claro que esta nova ideologia de recuperação de empresa em 
crise, tão festejada pela sociedade brasileira, incorpora uma proposta que não se deve aos méritos do Relator do 
Projeto n. 4.376/93, mas à sociedade brasileira organizada e ciente das suas necessidades. SALLES DE TOLEDO, 
Paulo F.C, ABRÃO, Carlos Henrique. Comentários à Lei de e Recuperação de Empresas e Falência. São Paulo: 
Editora Saraiva, 2010, p. 39-41. 
http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/09/1677729-metade-das-empresas-fecha-as-portas-no-brasil-apos-quatro-anos-diz-ibge.shtml
http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/09/1677729-metade-das-empresas-fecha-as-portas-no-brasil-apos-quatro-anos-diz-ibge.shtml
14 
 
sociais. Ao contrário. Foi uma resposta da sociedade brasileira às suas próprias 
necessidades, criadas por conta de um novo mundo complexo em que a economia 
capitalista era o pilar8. 
 
Eis então que após anos de debate e discussão houve enfim a recepção por nosso 
ordenamento jurídico da Lei nº 11.101/2005, denominada de Recuperação Judicial e 
Falências, revogando inteiramente a chamada Lei de Falências e Concordatas. 
 
Em capítulo próprio explorarei as diferenças entre ambas as legislações, mais 
especificamente no tocante ao instituto da concordata e da recuperação judicial. 
Entretanto, como maneira de propiciar um melhor entendimento ao leitor, é importante 
neste momento tecer alguns comentários sobre ambos os institutos, pois o antagonismo 
existente entre eles tem total relação com o objetivo central do presente ensaio, que é 
explorar uma tendência atual, na opinião do autor, de intervenção judicial na condução 
do processo de recuperação judicial, em detrimento, também na opinião do autor, da 
própria essência do instituto. 
 
De maneira muito sucinta, o instituto da concordata tinha em sua estrutura quatro 
aspectos que o diferenciavam completamente da recuperação judicial, quais sejam: a) a 
condução do processo por meio do Judiciário (tanto a condução do processo em si, 
como a análise de mérito da sobrevivência ou morte da empresa); b) a limitação 
legislativa para qualquer flexibilização das regras existentes para recuperação da 
empresa que pedia a concordata; c) credores como meros expectadores; d) empresa em 
concordata como ente amorfo, dissociado dos problemas que o levaram à crise e das 
soluções que possibilitariam sua recuperação. 
 
 
8Segundo SALLES DE TOLLEDO E ABRÃO: “Nestes quase 10 anos de relatoria, viajamos todo o Brasil, ouvindo as 
mais diversas classes sociais: sindicatos, trabalhadores, empregadores, industriais, prestadores de serviços, 
microempresários, agricultores, advogados, magistrados, promotores. O Congresso Nacional também participou de 
modo efetivo, dando uma contribuição por meio de sugestões e emendas ao Projeto de Lei. Cabe mencionar também 
que esse final feliz na dicção da redação alcançada, ainda que não exatamente aquela sonhada, contou com a 
inestimável contribuição de vários profissionais dessa área, os quais foram os verdadeiros parceiros e artífices dessa 
obra. Muito me recordo e com satisfação da primeira visita em audiência pública naquele memorável dia de reunião 
com a presença do Professor Nelson Abrão, cujo encaminhamento da matéria, em termosdo novo direito concursal e 
a crise da empresa, sem a menor dúvida, projetou o marco divisório entre o passado e o presente, programando um 
futuro promissor, embora tivéssemos que marchar anos a fio até a consolidação final da almejada legislação. Enfim, 
em cada pensamento e obra reluziu forte e presente para se adaptar aos contornos da modernidade, suprimir as 
falhas estruturais e agilizar o procedimento, principalmente quando a liquidação é inevitável e a quebra menos custosa 
do que a própria recuperação da empresa”. SALLES DE TOLEDO, Paulo F.C, ABRÃO, Carlos Henrique. Comentários 
à Lei de e Recuperação de Empresas e Falência. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 39-41. 
15 
 
Muito frequentemente os doutrinadores e operadores do direito faziam severas críticas 
ao instituto da concordata, por em sua essência outorgar competência ao Judiciário para 
a análise de mérito da sobrevivência ou morte da empresa, o que limitava o acesso tanto 
da empresa em concordata, como dos credores, a uma análise de viabilidade de 
recuperação conjunta visando a recuperação da empresa e retorno a todos os 
envolvidos. O resultado foi que paulatinamente o instituto caiu em descrédito. 
 
A recuperação judicial, por outro lado, nasceu do entendimento mais amplo, 
multidisciplinar e detalhado da figura da empresa. O primeiro ponto quando se avalia 
uma empresa e sua possível entrada em recuperação judicial, ou chance de eficácia do 
instituto em caso de pedido, é o entendimento acerca do chamado “ciclo de vida de uma 
empresa” e suas implicações9. 
 
O segundo e importante ponto tem relação direta com toda amplitude e flexibilidade das 
formas e meios de recuperação previstos pela lei10. É a necessidade de uma avaliação 
prévia, detalhada, complexa e multidisciplinar, que permitirá avaliar a melhor e mais 
eficiente solução para a crise enfrentada pela empresa, a chamada gestão de 
turnaround11. 
 
A gestão de turnaround, ou análise prévia da empresa, precede qualquer movimento na 
direção do pedido de recuperação judicial, e é importante porque a empresa em crise 
depende de uma análise multifatorial para visualizar as causas dos problemas que 
geraram perda de mercado e endividamento, levando à insolvência. 
 
9Segundo FORTI, Fábio: “O ciclo de vida de um negócio passa pela sua constituição, crescimento, consolidação, 
declínio e encerramento. Porém, isto não significa que toda empresa está fadada ao fracasso, mas sim que os 
modelos de negócios são cíclicos e que se a empresa não estiver em constante revisão do seu plano estratégico, 
levando em consideração as nuances dos fatores externos e internos, entrará numa curva decrescente que poderá 
levá-la à falência. Observa-se claramente que quando há uma consolidação de mercado, decorrente do crescimento e 
da maturidade do negócio, para que ele se mantenha há a necessidade de uma constante revisão do seu plano 
estratégico e de reinvestimento da lucratividade no negócio, sob pena de gerar a perda de mercado e o consequente 
declínio da operação. O empresário que estiver atento ao seu negócio e que utilizar as ferramentas adequadas de 
análise e controle, por meio da aplicação de medidas pontuais, conseguirá corrigir a rota e voltar a crescer, além de 
reposicionar a empresa no mercado. Se nenhuma medida corretiva for tomada ou aplicada, em desconformidade com 
os indicativos multifatoriais, a empresa passa a contrair dívidas, podendo chegar à iliquidez e à insolvência. Podemos 
enumerar diversas causas para o declínio de uma empresa, tais como: má gestão, falta de controle financeiro ou 
controle inadequado, crescimento acelerado, grandes projetos, aquisições, falta de exposição ou esforço de marketing 
inadequado, falha nas políticas financeiras e organizacionais, comercialização com margens equivocadas, aumento 
exagerado de comercialização, gestão ineficiente de capital de giro, além das causas, como concorrência, oscilações 
representativas nos preços das matérias-primas, dentre outras. Quando a empresa não mais consegue, mediante 
seus próprios esforços, reposicionar-se no mercado, há necessidade de buscar auxílio externo”. FORTI, Fábio. Artigo: 
A interdisciplinaridade da Recuperação Judicial e a importância do timming do seu pedido e em Juízo. Livro: 
Recuperação Judicial: Da Necessidade à Oportunidade. Ed. LTr. 2013. p. 41-42. 
10 Este ponto será melhor explorado no Capítulo 2. 
11O turnaround em linhas gerais se caracteriza pelo conjunto de procedimentos tendentes a identificar as falhas da 
empresa e reorganizá-la por completo, de modo a superar a crise pela qual esteja passando e propiciar sua 
recuperação. 
16 
 
 
O leitor deve ser questionar: qual seria o exato motivo para que os dois pontos 
anteriormente destacados tenham tamanha relevância? A resposta vem com o terceiro e 
principal ponto, ou melhor, a principal característica do instituto de recuperação judicial: 
o poder exclusivo dos credores na decisão da viabilidade ou não da empresa em 
recuperação judicial. 
 
Este ponto está entrelaçado com boa parte da legislação em questão. Se de um lado a 
lei permite inúmeras formas e possibilidades para recuperação de uma empresa (como 
será abordado em capítulo próprio), de outro, esta mesma empresa necessita realizar 
um trabalho prévio que permita não só conhecer os reais motivos da sua crise, como 
também construir um plano de recuperação viável e que convença os credores da 
possibilidade de seu cumprimento12. 
 
E essa dinâmica representa benefício para todos os envolvidos, pois induz a empresa a 
fazer todo um trabalho detalhado, prévio e multidisciplinar visando o posterior pedido de 
recuperação, trabalho este que será traduzido em vasta documentação formal e 
obrigatória a ser juntada aos autos quando do pedido, bem como amparará a elaboração 
do plano de recuperação judicial, o que por consequência dará aos credores, imbuídos 
do poder que lhe foi conferido por lei, aprovar ou não o plano de sobrevivência da 
empresa13. 
 
12No entender de FORTI, Fábio: “A maneira correta de superar essa crise é entender as suas causas, mediante o 
diagnóstico, e propor um plano de viabilidade condizente com a sua realidade. Na recuperação judicial, esse plano 
deve ser apresentado em, no máximo, 60 dias após a publicação do despacho de deferimento do pedido de 
recuperação judicial, de acordo com o art. 53 da Lei n. 11.101/2005. Isso significa que, se não houver um 
planejamento prévio, uma análise detalhada multifatorial e interdisciplinar, um entendimento do endividamento da 
empresa, dos seus credores, dos créditos sujeitos e não sujeitos ao processo de recuperação, bem como do 
patrimônio desta, dificilmente a empresa conseguirá amparo suficiente na lei. O correto mapeamento da condição real 
da empresa e do empresário é fundamental”. FORTI, Fábio. Artigo: A interdisciplinaridade da Recuperação Judicial e 
a importância do timming do seu pedido e em Juízo. Livro: Recuperação Judicial: Da Necessidade à Oportunidade. 
Ed. LTr. 2013. p. 44-45. 
13Segundo FORTI, Fábio: “A nova lei trouxe diversas benesses tanto à empresa recuperanda quanto aos credores, 
principalmente no tocante à identificação da real viabilidade do projeto de reestruturação e das formas de 
aplicabilidade do plano de recuperação. Dentre os benefícios advindos dessa lei destacam-se os seguintes: uma 
maior transparência no processo de recuperação judicial, uma vez que todos os credores têm acesso ao processo, 
que deve conter uma relação exaustiva de documentos descrita no art. 51 da lei; maior flexibilidade quantos aos 
meios de recuperação a serem utilizados e apresentados no plano de recuperação judicial, já que a própria 
recuperanda, mediante seus critérios de avaliação e de diagnóstico, é quem propõe seus meios de recuperação; 
direito de voz e veto dos credores, devido ao direito de uma participação efetiva noprocesso habilitando e/ou 
divergindo dos créditos apresentados pela recuperanda, impugnando a lista do administrador judicial e objetando o 
plano de recuperação judicial apresentado pela empresa. Além dos benefícios acima, importante citar a 
democratização do processo de recuperação judicial por meio da assembleia geral de credores, os quais decidem se 
a empresa “vive” ou “morre”, exercendo o seu poder de voto para aprovar, modificar ou rejeitar o plano apresentado 
pela recuperanda; e efetiva participação dos credores mediante a formação do comitê de credores, exercendo função 
de fiscalização sobre os atos praticados pela recuperanda no exercício de sua atividade e no cumprimento do plano. 
Esse comitê, entretanto, raramente é utilizado devido à responsabilidade pessoal imputada aos seus membros”. 
FORTI, Fábio. Artigo: A interdisciplinaridade da Recuperação Judicial e a importância do timming do seu pedido e em 
Juízo. Livro: Recuperação Judicial: Da Necessidade à Oportunidade. Ed. LTr. 2013. p. 41-42. 
17 
 
 
Evidente, portanto, que o processo de recuperação judicial é incomparavelmente mais 
complexo do que o da concordata e que, como essência básica, dá aos credores o 
poder decisório sobre o futuro da empresa em recuperação. Ao Judiciário, como 
veremos no decorrer do presente trabalho, a lei reservou um papel protocolar, de 
fiscalização a eventuais abusos e possibilidade de intervenção em apenas uma 
hipótese, o chamado cram down. 
 
Ocorre que, já há alguns anos, o Judiciário tem ultrapassado a fronteira que a lei lhe 
conferiu. 
 
Aliás, já não é de hoje, qualquer soluço na economia do país redunda em 
reinterpretações da lei pelo Poder Judiciário. Isto faz parte do jogo democrático no 
Estado de Direito. O juiz não é máquina, nem se deve transformá-lo em uma. Mas, por 
outro lado, o juiz não está autorizado a ultrapassar ao seu bel prazer as disposições 
legais claras trazidas pelo legislador. É por isso que em casos concretos há, 
frequentemente, uma tensão entre o dever de aplicar a letra e a ambição de fazer valer 
uma intuição de justiça substantiva14. 
 
Esta discussão nos conduz ao panorama de fundo do que está aqui sendo debatido. Já 
há algum tempo a ideia da função social passou a ser um lugar comum do jurista, do 
advogado e do magistrado para sustentar em juízo a reformulação de políticas e regras 
gestadas no Legislativo. Em parte, isto se explica pelo teor da nossa própria 
Constituição Federal, que não apenas positivou a função social, mas também dotou o 
Poder Judiciário de maior autonomia e poder, e ainda inscreveu um amplo rol de direitos 
e de aspirações. Em parte, isso se explica pelo desprestígio do legislador, cuja imagem 
é dia a dia arranhada por escândalos variados e bastante embaraçosos, para dizer o 
mínimo. E em parte isto se explica pela ideologia jurídica do nosso tempo, em que o 
constitucionalismo e a revisão judicial foram alçados à condição de pilares da 
democracia15. 
 
 
14 SALAMA, Bruno Meyerhof. Recuperação Judicial e trava bancária. Revista de Direito Bancário e do Mercado de 
Capitais 59 (2013), p. 14 Disponível em < http://works.bepress.com/bruno_meyerhof_salama/79/> Acesso em 
24.10.2016. 
15SALAMA, Bruno Meyerhof. Recuperação Judicial e trava bancária. Revista de Direito Bancário e do Mercado de 
Capitais 59 (2013), p. 15 Disponível em < http://works.bepress.com/bruno_meyerhof_salama/79/> Acesso em 
24.10.2016. 
http://works.bepress.com/bruno_meyerhof_salama/79/
http://works.bepress.com/bruno_meyerhof_salama/79/
18 
 
Não se pretende aqui excluir o Judiciário do seu importante papel institucional de 
alicerce do estado democrático de direito e avalizador das boas práticas públicas. O 
problema é que a intervenção do Judiciário no caso específico da recuperação judicial 
tem acontecido em situações em que o poder dos credores é absoluto segundo a lei, e 
onde a decisão de mérito sobre a recuperação ou não da empresa cabe exclusivamente 
a eles16. 
 
Sob o pretexto, por exemplo, de que muitas empresas supostamente utilizam o 
instrumento da recuperação como um “suspiro antes da morte”, o que oneraria o 
Judiciário e a sociedade, sendo, portanto, uma atitude perniciosa, muitos magistrados 
têm agido no sentido de previamente (antes do deferimento do pedido) avaliarem por 
meio de perícia a possibilidade ou não de recuperação da empresa. Em outra frente, 
magistrados têm relativizado o voto de determinados credores ao desaprovar planos 
cuja decisão dos credores foi no sentido contrário ao entendimento do Juízo. 
 
As decisões judiciais que retiram dos credores o poder decisório, na opinião do autor, 
causam extrema insegurança jurídica, relativizam a importância do uso do instituto e dão 
superpoderes aos magistrados, o que tem causado apreensão aos profissionais 
atuantes nesse ramo do direito. Tal atuação não parece oportuna, ao contrário, fere 
também o princípio da tripartição dos poderes, pois atinge a soberania e competência do 
legislativo, construtor da lei, quando intervém em pontos essenciais que somente por 
meio de uma mudança legal via Congresso se poderia alterar17. 
 
16SALAMA corrobora tal entendimento: “Fato é que, sob a retórica da função social, hoje cabe trazer a juízo questões 
de política jurídica mesmo diante de regras bastante claras, de que é bom exemplo a exclusão do crédito cedido 
fiduciariamente a bancos. É bem verdade que este comportamento é desde logo questionável: no limite, a legitimidade 
democrática do Poder Judiciário ainda está mais presa à ideia de aplicar a lei do que de criá-la. Afinal, na tradição 
ocidental não há como falar-se de Estado de Direito quando se rejeita o princípio da legalidade. Mas por outro lado, 
não há como ignorar o fato de que o Poder Judiciário possui hoje razoável legitimidade política para rever, e em 
alguns casos alterar, a política pública. A teoria abriu espaço para tanto, e a prática política e jurídica consolidou este 
estado de coisas. Diante desse quadro complicado, o argumento que desejo apresentar é bastante moderno, e, 
espero, soará intuitivo. Entendo que mesmo que se aceite que o Poder Judiciário possa interferir criativa ou 
positivamente na política pública, esta interferência deve se dar em caráter excepcional. Reitero: tal há de ser a 
exceção, e não a regra; e a criação de exceções só pode ocorrer, no mínimo, com grande cautela. Se isto é verdade, 
então precisamos ponderar se há motivos bastantes para que o Judiciário reverta a insujeição dos créditos bancários 
em questão ao plano de reorganização. Isto é, se no caso em tela há fatores excepcionais a justificar a reversão da 
política pública vinda do Congresso pelo Judiciário. Isso não significa que devamos todos, simplesmente, ser ingênuos 
quanto aos problemas do processo político democrático. Se o legislador decidiu prever em uma regra (a meu ver 
bastante clara) que os créditos cedidos fiduciariamente não integrarão o plano de recuperação, então isso resultou 
não apenas de debates republicanos sobre o bem comum e a forma mais eficiente e justa de se mobilizar crédito na 
sociedade, mas também de interesses particulares. É lógico que os arranjos políticos no Legislativo e no Executivo 
também tiveram papel central, e talvez mesmo determinante. E é lógico que nem todas as partes no jogo da política 
têm o mesmo peso e a mesma força”. SALAMA, Bruno Meyerhof. Recuperação Judicial e trava bancária. Revista de 
Direito Bancário e do Mercado de Capitais 59 (2013), p. 14-21. Disponível em < 
http://works.bepress.com/bruno_meyerhof_salama/79/> Acesso em 24.10.2016. 
17Em situação análoga, SALAMA entende que: “Mas será que a identificação do componente político e das relações 
de poder justificam a intervenção do Judiciário para alterar a regra sobre a trava bancária gestada no parlamento? 
Não me parece o caso. Se por um lado, pode-se argumentarque os bancos possuem representatividade política 
http://works.bepress.com/bruno_meyerhof_salama/79/
19 
 
 
O momento é oportuno para o debate em questão. O País está assolado por uma crise 
econômica e política sem precedentes. A atividade econômica tem queda vertiginosa 
pelo terceiro ano consecutivo. Demissões em massa estão ocorrendo. E inúmeras 
empresas têm falido ou então pleiteado a recuperação judicial. Segundo dados de 
diversas fontes, mês após mês, desde o ano de 2014, o Brasil tem sucessivos recordes 
de pedidos de recuperação judicial. 
 
Evidente que o debate pode e deve acontecer. É sadio em uma sociedade democrática. 
A ideia, aqui, portanto, é exatamente provocar o debate. E um debate muito específico: 
Por qual motivo o Judiciário tem interferido em questões que claramente não recebeu 
poder de interferência do legislador18? 
 
O que se pretende no presente trabalho também não é inviabilizar a falência, que em 
muitos casos é a melhor solução para a crise da empresa. Nem mesmo aceitar que 
todos devam assistir passivamente a falência da maioria das empresas após o trâmite 
da recuperação judicial quando o objetivo era exatamente a recuperação. O que se 
pretende sim é defender a ideia de soberania dos credores, muito clara e detalhada em 
toda a construção da lei em questão, como forma de melhorar o ambiente de negócios 
no Brasil19. 
 
desproporcionalmente grande, por outro lado é preciso levar em conta que toda a política econômica do Executivo 
desenvolvida na última década teve por base a expansão do crédito. A Lei de Recuperação Judicial e Falências de 
2005 não foi uma peça isolada. Complementou diversas outras voltadas a solidificar a certeza do crédito e a 
efetividade das garantias, tudo a fim de facilitar o crédito, engenho do desenvolvimento econômico. E isto não é tudo. 
A Lei de Recuperação Judicial e Falências foi longamente debatida no Congresso, em um processo razoavelmente 
transparente em que os sindicatos e representantes da classe empresarial atuaram de forma bastante ativa. O grande 
drama do empresariado brasileiro, já há muito tempo, é a alta tributação e escassez de crédito. O primeiro elemento 
continua não resolvido – na verdade, só tem piorado, o que é triste. Mas o segundo elemento, a escassez do crédito, 
teve no fortalecimento de garantias um ponto de relativa convergência entre empresariado e bancos. Não é incomum 
que os mesmos que pleiteiam a exclusão de garantias depois de se tornarem insolventes sejam os mesmos que 
pressionaram o governo a lançar mão de mecanismos de garantia seja um componente (embora certamente não o 
único) a contribuir para a escassez do crédito no Brasil”. SALAMA, Bruno Meyerhof. Recuperação Judicial e trava 
bancária. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais 59 (2013), p. 14-21. Disponível em < 
http://works.bepress.com/bruno_meyerhof_salama/79/> Acesso em 24.10.2016. 
18No mesmo sentido: “É claro que os méritos políticos e econômicos das exceções à recuperação judicial contidas na 
Lei estão abertos ao debate. Desejo apenas apontar que a alteração pelo Poder Judiciário do regime estabelecido no 
Parlamento só pode ocorrer em circunstâncias bastante excepcionais, o que não me parece ser o caso. O que temos 
aqui não é nenhuma grave violação de liberdade individual, nem mesmo da liberdade de livre iniciativa. Trata-se de 
uma escolha política feita por meio de uma lei que foi longamente debatida no Congresso. Como toda escolha política, 
esta também não agrada a todos; ou, pelo menos, não agrada a todos ao mesmo tempo”. (SALAMA, 2015, 14-21). 
19Em complemento ao parágrafo em questão, segue importante reflexão de ULHOA COELHO: “Nem toda falência é 
um mal. Algumas empresas, porque são tecnologicamente atrasadas, descapitalizadas ou possuem organização 
administrativa precária, devem mesmo ser encerradas. Para o bem da economia como um todo, os recursos – 
materiais, financeiros e humanos – empregados nessa atividade devem ser realocados para que tenham otimizada a 
capacidade de produzir riqueza. Assim, a recuperação da empresa não deve ser vista como um valor jurídico a ser 
buscado a qualquer custo. Pelo contrário, as más empresas devem falir para que as boas não se prejudiquem. 
Quando o aparato estatal é utilizado para garantir a permanência de empresas insolventes inviáveis, opera-se uma 
inversão inaceitável: o risco da atividade empresarial transfere-se do empresário para os seus credores. 
http://works.bepress.com/bruno_meyerhof_salama/79/
20 
 
 
Se as estruturas do livre mercado estão, em termos gerais, funcionando de modo adequado, as empresas em crise 
tendem a recuperar-se por iniciativa de empreendedores ou investidores, que identificam nelas, apesar do estado 
crítico, uma alternativa de investimento atraente. Imagine-se que uma indústria líder de mercado e lucrativa esteja 
com dois problemas: a sua planta reclama urgente modernização tecnológica e há excesso de pessoal. Se 
significativos investimentos não forem feitos na construção de uma nova fábrica e não houver redução na folha de 
pagamentos, em poucos anos a sua posição econômica confortável pode reverter-se. Se o empreendedor não dispõe 
de capital e vontade para implementar essas mudanças, a sobrevivência da empresa, a médio ou longo prazo, 
depende de alguém vislumbrar nela uma oportunidade de ganhar dinheiro e, motivado por essa perspectiva, procurar 
o controlador da sociedade empresária para propor algum tipo de negócio: alienação do controle, trespasse, assunção 
de ativos, ingresso na sociedade, incorporação etc. Pois bem, se prevalecer a racionalidade nos dois lados, quer 
dizer, se ambos considerarem vantajosa a transação, a empresa recapitaliza-se e reorganiza-se, continuando a 
operar, e deve até mesmo crescer. Nesse exemplo, a recuperação da empresa foi fruto do normal funcionamento das 
forças do livre mercado. Isso se costuma chamar de “solução de mercado”. 
Nesse contexto, pode-se afirmar que, em princípio, se não há solução de mercado para a crise de determinada 
empresa, é porque ela não comporta recuperação. Se nenhum empreendedor ou investidor viu nela uma alternativa 
atraente de investimento, e a recapitalização e a reorganização do negócio não estimulam nem mesmo os seus atuais 
donos, então o encerramento da atividade, com a realocação dos recursos nela existentes, é o que mais atende à 
economia. Quando não há solução de mercado, aparentemente não se justificaria a intervenção do Estado (Poder 
Judiciário) na tentativa de recuperação da empresa. O próprio instituto jurídico da recuperação parece, prima facie, um 
despropósito no sistema econômico capitalista. Se ninguém quer a empresa, a falência é a solução do mercado, e não 
há por que se buscar à forca a sua recuperação. 
Não é bem assim, contudo. Quando as estruturas do sistema econômico não funcionam convenientemente, a solução 
de mercado simplesmente não ocorre. Nesse caso, o Estado deve intervir, por intermédio do Poder Judiciário, para 
zelar pelos vários interesses que gravitam em torno da empresa (dos empregados, consumidores, Fisco, comunidade 
etc.). Exemplo característico de disfunção do sistema é o do valor idiossincrático da empresa. Para entendê-lo, deve-
se recuperar a lição sobre o valor da ação, que se aplica inteiramente à questão da valoração da empresa. 
Interessam, aqui, o valor de negociação e o econômico. A ação de uma companhia, ao ser alienada, tem o valor que 
vendedor e comprador contratam, isto é, aquele que o vendedor considera oportuno receber em troca da participação 
societária, e o comprador, por sua vez, tem por interessante pagar para adquiri-la.Nenhuma outra variável atua na 
equação. Se as partes não atribuem à ação o mesmo valor, simplesmente não há compra e venda. Esse é o valor de 
negociação. Por sua vez, o valor econômico é o calculado por especialistas a partir das perspectivas de rentabilidade 
da ação e fornece o parâmetro para as negociações racionais. O vendedor que alienar a ação por preço 
significativamente inferior ao valor econômico ou o comprador que a adquirir por preço significativamente superior 
estão fazendo um mau negócio. 
O valor idiossincrático da empresa é o atribuído exclusivamente pelo seu dono (melhor: pelo controlador da sociedade 
empresária que a explora). É muito comum que o empreendedor valorize a sua empresa de modo bem particular, 
principalmente se foi o seu iniciador e lhe devotou muitos anos e energia. Trata-se de um valor subjetivo e individual, 
derivado da autoimagem do empreendedor, da qual a empresa serve de projeção psicológica. Por vezes, o 
controlador resiste à realização de negócios voltados à recapitalização e reorganização do negócio porque não sente 
devidamente considerado pelos adquirentes ou investidores o esforço pessoal dele impregnado na empresa. A 
característica essencial da valoração idiossincrática é a de que nenhum empreendedor, especulador, corretor, 
especialista em avaliação de ativos ou qualquer outro agente econômico acha que a empresa vale o quanto o dono 
quer. 
O valor idiossincrático compromete a racionalidade das negociações. O mercado não soluciona a crise da empresa, 
não porque inexistem interessados em recapitalizá-la e reorganizá-la, mas porque o seu titular quer um preço que 
ninguém vê vantagem em pagar. Se, de um lado, o valor de negociação não precisa corresponder necessariamente 
ao econômico, e, por isso, pode ocorrer de se pagar pela empresa mais do que o recomendado pelos especialistas, 
de outro, quando o valor idiossincrático interfere fortemente na relação negocial, e o vendedor mostra-se insensível 
aos argumentos técnicos que fundamentam o valor econômico, é provável não ocorrer nenhuma negociação. Esse é 
um exemplo de disfunção do sistema econômico: o princípio basilar da livre iniciativa, em que se assenta o direito de 
propriedade do empreendedor capitalista, impede que o próprio mercado recupere a empresa em crise. Nesse caso, 
porém, interesses que transcendem os dos empreendedores, e, muitas vezes, expressam alcance social e econômico 
de relevo – como são os dos empregados, da comunidade, dos consumidores, do Fisco etc. -, podem ser 
prejudicados de forma injusta. Se o controlador quer receber algo que ninguém está disposto a pagar, não será 
realizado negócio nenhum, e a empresa em crise tenderá a desaparecer. Agride ao senso de justiça ver o fim de 
postos de trabalho, redução de abastecimento, falência de pequenas e médias empresas-satélites e outros efeitos 
negativos da crise de uma grande empresa, quando o mercado poderia tê-la solucionado, mas a idiossincrasia de um 
homem impediu. 
O instituto da recuperação da empresa tem sentido, assim, no capitalismo para corrigir disfunções do sistema 
econômico, e não para substituir a iniciativa privada. 
A recuperação judicial não pode significar, portanto, a substituição da iniciativa privada pelo juiz na busca de soluções 
para a crise da empresa. Se a sobrevivência de determinada organização empresarial em estado crítico não desperta 
o interesse de nenhum agente econômico privado (empreendedores ou investidores), então, em princípio as suas 
perspectivas de rentabilidade não são atraentes quando comparadas com as das demais alternativas de investimento. 
Ora, se assim é, ninguém vai perder dinheiro investindo naquele negócio. Contudo, pode ocorrer de a solução de 
mercado não se viabilizar por alguma disfunção do sistema econômico, como no exemplo do valor idiossincrático. 
Nesse caso, e com o objetivo de garantir o regular funcionamento das estruturas do livre mercado, pode e deve o juiz 
atuar. Note-se, a solução da crise não é dele, nem sequer deve ser aprovada por ele; o papel do Estado-juiz deve ser 
apenas o de afastar os obstáculos ao regular funcionamento do mercado. 
21 
 
 
Aliás, importante destacar que o Código de Processo Civil recentemente recepcionado 
pelo ordenamento jurídico brasileiro, tem como um dos pilares exatamente propiciar uma 
maior autonomia privada das partes, fato que tem relação direta com o processo de 
recuperação judicial, que nada mais é do que um acordo coletivo, um contrato privado, 
firmado entre empresa em recuperação e credores, e que tem como guardião e zelador 
o estado, através do Poder Judiciário. 
 
O correto uso da lei de recuperação judicial se dá através da soberania da assembleia 
geral de credores, pois são os credores os únicos capazes de objetivamente decidir pela 
viabilidade ou não de uma empresa em recuperação. Através do filtro dos credores nas 
inúmeras recuperações em andamento e nas que virão, é que haverá uma seleção 
natural das empresas que deverão ou não sobreviver. Tal movimento é saudável até 
para que haja uma preparação melhor das empresas e dos credores tanto na fase pré, 
como durante a recuperação. 
 
Se é essa a premissa, conclui-se que o direito falimentar deve passar por profundas alterações, norteadas pela 
equação do law as market mimicker, desenvolvida pela análise econômica do direito. Em termos gerais, quando a 
empresa está em crise – econômica, financeira ou patrimonial -, o direito deveria simplesmente regular o 
procedimento extrajudicial, iniciado e desenvolvido pelo próprio devedor, de cessação de pagamentos. O objetivo 
seria criar condições para renegociações globais das dívidas. Ao fazer a declaração unilaterial de cessação de 
pagamentos, a devedora convocaria a assembleia de credores, na qual apresentaria seu plano de recuperação da 
empresa e uma proposta de renegociação do passivo. Até a realização da assembleia, para que cada credor pudesse 
aferir a viabilidade do plano e ponderar o interesse em aceitar ou não a proposta, seria indispensável ampla 
transparência sobre a realidade econômica, financeira e patrimonial da devedora. Note-se que os credores do 
empresário individual ou da sociedade empresária em crise podem interessar-se em abrir mão de parte do crédito, 
prorrogar o vencimento da obrigação ou renunciar a garantias e privilégios se ficarem convencidos das boas intenções 
dos empreendedores e administradores e da consistência do plano de recuperação. Para tanto, contudo, devem ter o 
direito de realizar auditoria (due diligence) na devedora, individual ou coletivamente. 
Continuando como penso devesse ser a estrutura básica da legislação falimentar: se a proposta de renegociação 
apresentada em assembleia fosse aprovada pela maioria dos credores, a renegociação obrigaria também os credores 
que votaram vecidos. De certa forma, como passa a ser problema dos credores a sobrevivência da devedora em 
estado crítico, tem sentido considerá-los uma comunhão de interesses e, em decorrência, submeter todos à vontade 
da maioria. Embora nem sempre convirjam os interesses dos titulares de preferências e garantias e os dos 
quirografários, relativamente à recuperação da empresa – os primeiros, tendo em vista a preferência ou garantia 
titularizada, podem ter seus direitos satisfeitos na liquidação falimentar, enquanto os últimos, muitas vezes, só 
receberão algum pagamento se o devedor conseguir recuperar-se da crise, pode-se considerar membros de uma 
comunhão. Se, por outro lado, não fosse aprovada a proposta da devedora, configurar-se-ia o conflito de interesses 
entre o titular da empresa em crise e seus credores. Instaurar-se-ia, então, o processo judicial, iniciado com a 
publicação de edital, convidando instituições financeiras a formular oferta pública de aquisição dos créditos. A ideia 
básicaseria criar condições para a operação de um mercado secundário das obrigações da empresa em crise. As 
instituições financeiras tenderiam a fazer as propostas levando em conta o risco de não realização do crédito, e os 
credores, por sua vez, ao cederem seus direitos creditícios, sofreriam o prejuízo correspondente ao deságio mas 
livrar-se-iam do risco da inadimplência e insolvência. 
Prosseguindo: se a maioria dos credores vendesse seus créditos a uma ou mais das instituições financeiras licitantes, 
o juiz declararia que os demais credores teriam seus direitos satisfeitos com os descontos ou prorrogações propostas 
pelo devedor na assembleia. É realista, contudo, imaginar que essa hipótese não seria muito comum. A experiência 
norte-americana, diga-se, tem revelado que tanto devedor como credores procuram evitar a imposição judicial da 
revisão da obrigação (craw down), empenhando-se realmente em encontrar uma saída negociada para a crise que 
afeta os interesses de ambos. É realista esperar, também, que empreendedores e investidores se articulem com as 
instituições financeiras para, nessa oportunidade, manifestar, inclusive como apêndice às propostas de aquisição dos 
créditos, o interesse em assumir a empresa, ou parte dela, com seus planos de recapitalização ou reorganização. 
Estatísticas mostram que é rara a apresentação, por credores, de proposta de recuperação da empresa de devedores 
em crise, de modo que não há razões para criação de procedimento específico destinado a motivá-los nesse sentido”. 
 
22 
 
 
Assim, o ensaio em questão visa analisar o contexto histórico do surgimento da lei de 
recuperação judicial e falências, fazer um contraponto dela com o instituto anterior 
(concordata), explorar rapidamente suas principais características e seu trâmite e, por 
fim, analisar duas questões que atualmente têm sido recorrentes no Judiciário brasileiro, 
quais sejam, o ativismo judicial quando da análise dos planos de recuperação aprovados 
ou reprovados e a determinação de perícia prévia para deferimento do processamento 
do pedido de recuperação judicial. 
 
2. CONCORDATA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL 
 
2.1. Perspectiva histórica e análise comparativa: 
 
Antes de adentrar nos pontos sensíveis que estão ligados ao presente ensaio e que hoje 
estão sob a égide da Lei de Recuperação Judicial e Falências, importante trazermos à 
baila uma rápida análise do antigo instituto da concordata, seja porque ele antecedeu a 
lei atualmente em vigor, seja pelo fato de que em alguma medida os pontos essenciais 
trazidos por meio deste trabalho guardam alguma, ainda que distante, similaridade com 
tal instituto. 
 
O sistema conhecido como concordata se desenvolveu e ganhou contornos variados 
durante a história. A primeira oportunidade que se tem notícia foi durante o império 
romano20. É, contudo, nos estatutos das cidades italianas da Idade Média que vamos 
encontrar originalmente a disciplina jurídica da concordata21. 
 
 
20Nesse sentido PERIN JÚNIOR “O primeiro relato que temos a respeito da concordata se deu no direito romano. 
Nele, a sucessão mortis causa acarretava a responsabilidade pessoal dos herdeiros do de cujos, por todas suas 
dívidas. Mas, quando o passivo da herança ultrapassava o ativo, nem sempre se conformavam os herdeiros com essa 
situação. A eles cabia a renúncia à herança, ou que se abstivessem de aceitá-la. Caso viesse a acontecer, os bens da 
herança eram vendidos para cumprimento das obrigações, sendo certo que se não fossem suficientes, ficava a 
memória do de cujos, assinalada com infâmia. Desta forma, surgia a necessidade de composição dos credores com 
os herdeiros, para melhor defesa dos interesses dos primeiros e, para resguardar da infâmia a memória do de cujos. 
Surge neste instante, o pactum ut minus solvatur, pelo qual os credores concordavam com os herdeiros em realizar 
uma redução de seus créditos às forças da herança. Para que fosse considerado válido este acordo, bastava que 
credores, representando a maioria dos créditos, o aceitassem e fosse homologado pelo magistrado. Este pacto se 
tornou praticamente desnecessário depois da introdução do benefício do inventário, também em Roma, por 
Justiniano, em 531 d.C. Contudo, é inegável que das formas reguladoras daquele pacto saíram muitos princípios que 
orientaram a formação do instituto da concordata, facilitando que assim fosse acolhida pela doutrina do direito 
comum”. PERIN JÚNIOR, Ecio. Curso de Direito Falimentar e Recuperação de Empresas. São Paulo: Editora Método, 
2006, p. 331. 
21Em resumo, “concedia-se ao falido, que fugira, salvo-conduto para voltar à pátria, a fim de poder acomodar-se com 
os credores” (VALVERDE, 1963, p. 69). 
23 
 
No Brasil, tivemos alguns pequenos lapsos legais a respeito da concordata no Código 
Comercial de 195022, entretanto, é a partir do Decreto nº 91723, de 1890 (mais 
aprimorado pela Lei n. 2.024, de 190824.), que temos a inserção de modo mais robusto, 
com uma roupagem mais acentuada. Nesse período histórico, o instituto era tratado 
como um acordo entre o empresário devedor e seus credores25. 
 
Posteriormente, surge o Decreto-lei nº 7.661, de 21 de junho de 194526, que tratava 
sobre a concordata nos artigos 139 a 185, com um perfil normativo mais dinâmico e 
processual se comparado com as legislações anteriores. Através da legislação em 
questão, a concordata passou a ser um ato processual, onde o magistrado verificava e 
decidia se a proposta feita pelo devedor atendia as exigências descritas na legislação 
falimentar, retirando por completo a autonomia dos credores. 
 
Nesse momento, a concordata tornou-se um instituto revestido de natureza processual, 
em que o estado através do juiz seria o responsável pelo futuro da empresa em 
dificuldade, divergindo muito da sua origem, compreendido pelo conceito clássico de 
acordo das partes. 
 
Aos poucos, a prática demonstrou que a concordata era mais um procedimento 
liquidatário do que um meio de solução para recuperação de empresas em crise. Tanto 
é verdade que, por exemplo, a lei conferia a possibilidade de quebra do comerciante que 
convocava os seus credores para lhes propor acordo de qualquer espécie, desde prazos 
até a remissão de créditos ou cessão de bens (art. 2º, VII, da mencionada legislação), a 
ponto de que se apenas um dos credores não concordasse com a dilação de prazos 
para cumprimento das obrigações, remissão de créditos ou cessão de bens, estaria 
evidenciada a situação de insolubilidade, ensejada de eventual pedido de falência27. 
 
 
22Legislação pode ser verificada em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L0556-1850.htm. 
23Legislação pode ser visualizada em http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-917-24-outubro-
1890-518109-publicacaooriginal-1-pe.html. 
24 Parágrafo extraído do artigo jurídico publicado em 
http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2724#_ftn9. 
25“Esse acordo revestia-se sob a condição de um contrato, um acordo de caráter geral formulado entre o devedor e 
seus eventuais credores. A grande discussão surgia ante a formalização dos acordos inerentes à concordata dizia 
respeito à posição daqueles credores que, mesmo contrários ao posicionamento da maioria, acabam sujeitos ao 
contrato firmado entre a parte devedora e credora” (MALASKY ALMEDANHA, Cristina e VIDIGAL CRESQUI, Wesley 
Luiz, 2013, p. 49). 
26Legislação pode ser visualizada em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del7661.htm. 
27SALLES DE TOLEDO, Paulo F.C, ABRÃO, Carlos Henrique, 2010, p. 40. 
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L0556-1850.htm
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-917-24-outubro-1890-518109-publicacaooriginal-1-pe.html
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-917-24-outubro-1890-518109-publicacaooriginal-1-pe.htmlhttp://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2724#_ftn9
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del7661.htm
24 
 
Diante da ineficácia do instrumento e de seu descredito generalizado, operadores do 
direito iniciaram um movimento pela revisão da lei, de modo a adequá-la aos novos 
tempos e torná-la eficiente do ponto de vista legal e prático, o que culminou na atual 
legislação de recuperação judicial e falência (Lei nº 11.101/2005)28. 
 
Ainda que distante da realidade que norteia a atual lei de recuperação judicial, fato é que 
a legislação da concordata trouxe alguns importantes aspectos que permanecem 
intrínsecos à ideia de recuperação da empresa. Nesse sentido, a proteção ao crédito 
como forma de manter a atividade econômica29, a tentativa de impedir a falência da 
entidade empresária e a busca pelo equilíbrio das relações patrimoniais da empresa em 
crise e dos credores são itens que atualmente também estão presentes na legislação. 
 
Todavia, as diferenças que marcam os institutos da concordata e da recuperação judicial 
puderam ser notadas ainda enquanto vigorara a concordata e estava em discussão a 
nova lei (que, como exposto, levou quase 10 anos até vigorar). Isto porque, enquanto na 
primeira a solução para a crise da empresa ficava a cargo do Judiciário, com poucas ou 
nenhuma chance de intervenção da empresa em recuperação e dos credores, na lei de 
recuperação judicial iniciou-se um processo cujo pilar era o oposto, vez que a empresa 
não mais seria vista como um ente amorfo, mas sim que interagiria com a sociedade 
como um todo. Com efeito, vale reproduzir trecho do Parecer n.º 534, da Comissão de 
Assuntos Econômicos do Senado, durante a tramitação da lei de recuperação, 
elaborado sob a relatoria do Senador Ramez Tebet, que explora bem essa marcante 
diferença: 
 
“Nesse sentido, nosso trabalho pautou-se não apenas pelo objetivo de 
aumento da eficiência econômica – que a lei sempre deve propiciar e 
incentivar – mas, principalmente, pela missão de dar conteúdo social à 
legislação. O novo regime falimentar não pode jamais se transformar em 
bunker das instituições financeiras. Pelo contrário, o novo regime 
falimentar deve ser capaz de permitir a eficiência econômica em 
ambiente de respeito ao direito dos mais fracos”.30 
 
28Nesse sentido PERIN JÚNIOR “A solução, para a doutrina, passava por uma reformulação no instituto da 
concordata para que se exigisse do empresário que requeresse o favor legal em comento mediante a apresentação 
de um plano de viabilidade para a sua recuperação financeira, e não apenas requerendo a dilação do vencimento das 
obrigações ou a remissão parcial do valor destas, sem o que a concordata sempre seria instrumento malvisto e 
desprovido da necessária legitimidade como forma de recuperação de patrimônio do devedor comerciante”. PERIN 
JÚNIOR, Ecio. Curso de Direito Falimentar e Recuperação de Empresas. São Paulo: Editora Método, 2006, p. 333. 
29MIRANDA, Pontes. Tratado de Direito Privado. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 1988. p. 485. 
30Parecer da Comissão de Assuntos Econômicos sobre o Projeto de Lei 71/2003 do Senado Federal. 
25 
 
 
A ideia central durante a tramitação da lei de recuperação judicial, portanto, era que o 
papel da empresa em crise deveria ser interpretado segundo sua capacidade 
operacional, econômica e financeira de atendimento aos interesses do trabalhador, de 
consumidores, de agentes econômicos com os quais o empresário se relaciona, 
incluindo-se no último a comunhão de seus credores, enfim, de interesses da própria 
coletividade. 
 
Daí que dois princípios então serviram de alicerce para nova legislação que se 
pretendia, e foram também pontos de extremo distanciamento entre o entorno teórico e 
prático que revestiam a concordata. São eles: os princípios da função social da empresa 
e da preservação da empresa. 
 
Em relação ao primeiro princípio, importante enfatizar que não há previsão expressa na 
Constituição Federal de 1988, sequer no atual Código Civil, quanto à função social da 
empresa. Entretanto, diferente tratamento recebeu a lei de recuperação judicial, que 
estabeleceu, em seu artigo 47, a empresa como ente também participante e ativo na 
sociedade, possuindo, portanto, uma função social clara e delimitada31. 
 
Em linhas gerais, temos que a função social da empresa passa pelo entendimento de 
que a empresa representa uma força socioeconômica, com uma enorme potencialidade 
de emprego e expansão, o que acaba por influenciar a comunidade em que se encontra, 
razão pela qual lhe são atribuídos deveres sociais. Em uma economia moderna, a 
empresa e o Estado devem trabalhar juntos, de maneira a redefinir seu papel e missão 
na sociedade, na busca de um maior desenvolvimento humano e vivência da 
cidadania32. 
 
Temos então que as empresas e sua função social caminham juntas, estão 
entrelaçadas, de tal modo que não se admite uma em detrimento da outra; assim a 
empresa enquanto propriedade privada de seus sócios, somente ganhará sentido 
 
31Com o mesmo entendimento FERREIRA, Carolina “A Lei que prevê o instituto de recuperação judicial foi clara na 
obrigatoriedade de atendimento à função social em seu artigo 47, ao determinar que a recuperação judicial tem por 
objetivo a preservação da empresa, da sua função social e o estimulo à atividade econômica. Assim, do ponto de vista 
econômico, a nova legislação falimentar criou condições para que, em uma situação de crise, pudesse a empresa 
interessada se utilizar de soluções variadas cuja uma das finalidades precípuas seria cumprir a função social da 
empresa, gerando empregos, renda e circulação de bens e serviços. FERREIRA, Carolina. Artigo: Benefícios da 
Recuperação Judicial. Livro: Recuperação Judicial: Da Necessidade à Oportunidade. Ed. LTr. 2013. p. 112. 
32ARNOLDI e MICHELAN, 2010, p. 390. 
26 
 
quando exercida sua função social, sendo certo que a partir deste momento as 
prerrogativas de preservação e continuidade passam a ter sentido, eficácia e proteção33. 
 
Também em razão do processo de modernização do Direito, especialmente no direito 
falimentar, a empresa deixou de ser vista apenas como instrumento de satisfação do 
interesse de seus sócios para se tornar, principalmente, uma instituição de interesse 
coletivo, na medida em que constitui efetivo instrumento de produção e distribuição de 
riqueza, fontes de postos de trabalho e rendas tributárias, e fornecimento e circulação de 
produtos e serviços34. Nesse momento, surge um segundo princípio muito importante, o 
princípio da preservação da empresa. 
 
Segundo esse entendimento, é fácil notar o importante papel que a empresa 
desempenha sobre a economia, de modo que deve prevalecer sua preservação, uma 
vez que todos os efeitos de sua extinção são prejudiciais não só ao empresário, mas 
para toda sociedade. Esse, sem dúvida, é o principal sentido da Lei nº 11.101/2005: 
proteger a empresa, para que a coletividade seja preservada35. 
 
Assim, o objetivo central não mais se esgota no pagamento aos credores, mas sim ao 
adimplemento das obrigações ante a um cenário mais amplo, especialmente pelas 
peculiaridades de cada empresa, de cada ramo de atividade econômica e também da 
complexidade da economia e das relações entre todos os atores envolvidos em um 
processo cujo objetivo é a recuperação da empresa36. 
 
Além dos princípios da função social e da preservação da empresa, temos ainda outros 
complementares e que também norteiam o ideário da recuperação judicial: 
 
a) Proteção aos trabalhadores: os créditos de natureza trabalhista devem ser protegidos, 
 
33No mesmo sentido RESTIFFE, Paulo “Neste contexto, o reconhecimento da função econômica e social exercida em 
uma empresaem atividade, além da geração de benefícios à empresa com aumento da receita e do lucro e 
consequente benefícios aos sócios, igualmente favorece outros setores da economia, como o Estado, com o aumento 
do pagamento de taxas e tributos; a comunidade, em razão da prestação do serviço e, por fim, os empregadores, pela 
manutenção da fonte segura de renda”. RESTIFFE, Paulo. Recuperação de Empresa de Acordo com a Lei 11.101 de 
09.02.2005. 2008. ed. Manoele. p.4. 
34FERREIRA, Carolina, 2013, p. 112. 
35Op. Cit. P 112/113. 
36É o que pensam, em outras palavras, BECUE, Sabrina Maria Fadel, RIBEIRO, Marcia Carla Pereira “Nesse sentido, 
o pagamento dos credores é objetivo englobado pela nova Lei, mas agora em vista de um objetivo adequado à 
realidade econômica do país, levando-se em conta a importância que a atividade empresarial desempenha na 
sociedade. BECUE, Sabrina Maria Fadel; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. O trespasse na Recuperação Judicial sob a 
ótica dos princípios da LRF da interpretação dos tribunais. Reflexões acerca do direito empresarial e a análise 
econômica do Direito. In: RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; KLEIN, Vinicius (Coord.).1 ed. Curitiba: GEDAI - UFPR, 
2014. 
27 
 
com preferência no recebimento, mas também visando instrumentos que, ao preservar a 
atividade empresarial, preservem também seus empregos e criem novas oportunidades 
para a grande massa de desempregados. 
 
b) Redução do custo do crédito no Brasil: aqui não foi outra a intenção do legislador 
senão a garantia de segurança jurídica aos credores e investidores, com preservação 
das garantias e normas precisas sobre a ordem de classificação de créditos na falência, 
objetivando o incentivo nas aplicações de recursos financeiros a custo menor nas 
atividades produtivas, para estimulação do crescimento econômico. 
 
c) Celeridade e eficiência dos processos judiciais: é preciso que seja conferido 
celeridade e eficiência ao processo de recuperação judicial, buscando-se efetividade, a 
fim de acompanhar a dinâmica da economia. 
 
d) Segurança jurídica: tanto os credores como os devedores devem contar com normas 
claras e precisas, de tal modo a conferir segurança jurídica ao processo de recuperação. 
 
e) Participação ativa dos credores: é nítido o desejo dos legisladores de que os credores 
tenham participação ativa dos processos de recuperação judicial, não só com intuito de 
satisfação de seu crédito, mas como fiscalizador, evitando-se eventuais fraudes, ou a 
malversação dos recursos da empresa ou da massa falida. 
 
f) Maximização do valor dos ativos do falido: refere-se à proteção legal de que se 
valorize os bens da empresa falida, com intuito de que se evite a deterioração provocada 
pela demora excessiva do processo e perdas intangíveis. 
 
g) Desburocratização da recuperação de microempresas e empresas de pequeno porte: 
o legislador prevê a necessidade de se estabelecer procedimentos mais simples e 
menos onerosos, possibilitando o maior acesso destas empresas ao beneplácito legal da 
recuperação judicial. 
 
Evidentemente que as diferenças marcantes entre a concordata e a recuperação judicial 
restam claramente demonstradas quando analisamos as discussões prévias para 
construção da legislação e também os princípios norteadores do segundo instituto. 
Também evidente que o fato de o instituto ser marcado pela comunhão dos princípios 
28 
 
expostos (especialmente o da função social e o da preservação da empresa) acaba por 
se refletir em regras legais completamente diferentes quando se comparam com as da 
concordata. 
 
Entretanto, é importante consignar que, além de todas as diferenças já de algum modo 
indiretamente expostas no decorrer do presente ensaio, em especial quanto ao poder 
decisório da vida da recuperanda (exclusivamente processual e tomada pelo Juízo na 
concordata, e, na recuperação judicial, via de regra, ficando inteiramente nas mãos dos 
credores), fato é que temos outros pontos que distanciam os institutos e que para melhor 
entendimento são importantes serem conhecidos. 
 
Alguns deles são relacionados a alguns requisitos que permitem a recuperação da 
empresa através do pedido ao Poder Judiciário. Com a vigência da lei de recuperação 
judicial, um dos requisitos para que a empresa possa requerer em juízo o benefício é 
não ser falido e, se já tiver sido, que estejam declaradas extintas por sentença transitada 
em julgado, todas as responsabilidades decorrentes da falência (artigo 48 da lei). No 
mesmo artigo existe a previsão de que o benefício somente poderá ser concedido após 
05 (cinco) anos do pedido anterior. Ambos os pontos marcam importante diferença da 
concordata, em que havia permissão de seu pedido durante o período de falência ou 
ainda que com histórico anterior de falência. 
 
Outro aspecto que notadamente contrapõe os institutos é a figura da novação dos 
créditos37. Enquanto na concordata não havia essa possibilidade, estando ela vedada 
pela norma, na recuperação judicial a possibilidade está presente para a empresa em 
recuperação.38 
 
Aliás, em relação a novação, importante salientar que talvez seja tal instituto jurídico um 
dos fenômenos jurídicos que mais reflita e materialize o objetivo prático do processo de 
recuperação judicial e sua diferença em relação ao instituto anterior. Na Lei n. 
11.101/2005, a novação aparece no art. 59: 
 
37A palavra novação vem do latim, novatio, variação de novus, novo, nova, obligatio, já de uso dos romanos na época 
para se referir à substituição da dívida. 
38Recente súmula do STJ encerrou a discussão sobre a novação ou não das execuções contra os avalistas e 
coobrigados quando da aprovação do plano de recuperação judicial da empresa. Antes, haviam decisões conflitantes; 
algumas dando conta de que haveria também a novação das dívidas dos avalistas e outras negando essa 
possibilidade. A súmula em questão veio pacificar a questão. Súmula 581: A recuperação judicial do devedor principal 
não impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados 
em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória. A súmula tomou como base uma série de processos julgados no 
âmbito dos colegiados de direito privado, entre eles o REsp 1.333.349, também decidido sob o rito dos repetitivos. 
29 
 
 
Art. 59. O plano de recuperação judicial implica novação dos 
créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os 
credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, observado o 
disposto no § 1º do art. 50 desta Lei39. 
 
Para fins meramente ilustrativos, imagine uma empresa com dívida de R$ 1 (um) bilhão 
e com um custo fixo mensal de R$ 200 mil para rolagem da dívida. Além disso, possui 
um custo fixo interno da ordem de R$ 200 mil para manutenção da operação. Após os 
trabalhos prévios à recuperação, a empresa conclui, com sua equipe de profissionais, 
que depois de todo o enxugamento de quadro, melhoria de procedimentos internos e 
corte de custo, comporta um endividamento mensal de R$ 100 mil, já considerada a 
suspensão da dívida após o pedido de recuperação judicial. Propõe então um plano de 
recuperação que considera uma carência de 1 (um) ano para ganhar fôlego financeiro e 
criar um colchão de líquidez, um deságio de 30% (trinta por cento) e o pagamento em 10 
(dez anos) da dívida remanescente. Teremos então que após o período de carência o 
valor da dívida será de R$ 700 (setecentos) milhões a serem pagos em 10 (dez) anos. 
Passados os 2 (dois) anos e levantada a recuperação judicial, ocorrerá a novação, 
passanto então a valer como título extrajudicial o valor remanescente de R$ 700 
(setecentos) milhões40. 
 
O exemplo exposto traduz uma diferença muito importante em relação ao instituto da 
concordata, que apenas legalmente dava os parâmetros que a empresa em recuperação 
deveria seguir. Não era flexível, tratava todas

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