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Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6574-5 9 7 8 8 5 3 8 7 6 5 7 4 5 Código Logístico 59133 Ao contemplarmos as obras de arte, produzidas desde o período primitivo até o contemporâneo, podemos, de certo modo, entender como nossos ancestrais viveram. A arte nos permite conhecer nossa origem e identidade como sociedade, além de ser uma maneira de nos comunicarmos com as gerações anteriores e futuras. As representações artísticas representam uma espécie de língua universal. Por isso, entender as artes visuais é importante para qualquer profissional que venha a trabalhar com algum tipo de criação, seja artística, industrial, publicitária ou com design, moda, educação, decoração, arquitetura etc. HISTÓRIA DAS ARTES VISUAIS ANA CRISTINA MAGALHÃES JARDIM História das artes visuais IESDE 2019 Ana Cristina Magalhães Jardim © 2019 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: Avgust Avgustus/vvoe/ABO PHOTOGRAPHY/cobalt88/Shutterstock Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ J42h Jardim, Ana Cristina Magalhães História das artes visuais / Ana Cristina Magalhães Jardim. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE Brasil, 2019. 100 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6574-5 1. Artes - História. I. Título. 19-60817 CDD: 700.9 CDU: 7(09) Ana Cristina Magalhães Jardim Doutoranda e mestre em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Especialista em Cultura e Arte Barroca pelo Instituto de Filosofia, Arte e Cultura da UFOP e licenciada em História pela mesma instituição. Foi premiada como pesquisadora bolsista da Biblioteca Nacional. Foi professora de História da Arte e do Teatro no curso de Artes Cênicas da UFOP e do curso de formação de atores na Fundação Clóvis Salgado, Palácio das Artes. Autora de diversos artigos científicos e livros sobre história da arte, teatro, cinema e educação. É professora de nível superior e produz conteúdo didático para EaD. Sumário Apresentação 7 1 Da pintura rupestre à reprodução da obra de arte 9 1.1 Arte rupestre: os primeiros desenhos 9 1.2 Arte e suporte: papel, tela ou parede 10 1.3 A gravura e suas técnicas 16 2 Escultura: arte tridimensional 25 2.1 Pedra, papel, tesoura! 25 2.2 Renascimento e temas clássicos na escultura 29 2.3 Outros materiais para esculturas 31 2.4 Escultura no Brasil 33 2.5 Escultura contemporânea 36 3 Fotografia e cinema: a captura do momento e do movimento 41 3.1 Fotografia, primeiros experimentos (origem) 41 3.2 Cinema: fotografia em movimento 47 4 Artes cênicas: a arte da imitação 59 4.1 Teatro: origem e evolução 59 4.2 Origem do teatro no Brasil 67 4.3 Variações teatrais: o palco, a atuação 68 4.4 Dança: corpo em movimento 74 4.5 Ópera: música, teatro e dança reunidos 77 5 O mundo contemporâneo e as artes visuais 83 5.1 Arte contemporânea 83 5.2 Alguns movimentos dentro da arte contemporânea 84 5.3 Performance e artes visuais 88 5.4 Poéticas visuais 89 5.5 Instalação artística 91 5.6 Espaços: museus, galerias de arte e bienais 92 Gabarito 99 Apresentação A denominação artes visuais, adotada nesta obra, representa um agrupamento de subconjuntos de linguagens artísticas. Em cada capítulo deste livro, observamos o percurso de cada tipo de representação artística, como pintura, desenho, gravura, escultura, fotografia, cinema e artes cênicas. Algumas delas têm raízes no período em que o homem ainda era um ser primitivo, marcando o início da compreensão humana sobre o mundo. Com o passar dos anos, a humanidade passou a compreender que poderia modificar seu modo de viver, dominando e processando recursos naturais na fabricação de inúmeros artefatos, inclusive os artísticos. A ciência, o conhecimento e a arte acompanharam desde o princípio todo esse caminho trilhado pelo ser humano. Ao contemplarmos as obras de arte, produzidas desde o período primitivo até o contemporâneo, podemos, de certo modo, entender como nossos ancestrais viveram. A arte nos permite conhecer nossa origem e identidade como sociedade, além de ser uma maneira de nos comunicarmos com as gerações anteriores e futuras. As representações artísticas representam uma espécie de língua universal. Por isso, entender as artes visuais é importante para qualquer profissional que venha a trabalhar com algum tipo de criação, seja artística, industrial, publicitária ou com design, moda, educação, decoração, arquitetura etc. Pensando nisso, ao final de cada capítulo, temos atividades de revisão para promover um melhor aprendizado e fixar o conhecimento adquirido. É possível, também, encontrar nesta obra diversas dicas de livros, filmes e sites para instigar sua sede de conhecimento sobre as artes. Vamos começar nossa trajetória pela história das artes? Boa viagem! 1 Da pintura rupestre à reprodução da obra de arte Para que serve, afinal, a arte? Refletindo brevemente sobre o papel da arte na sociedade, podemos perceber que ela acompanha a nossa história e foi, desde sempre, um meio de marcar nossa existência no mundo, mesmo que os primitivos não tivessem sobre essa forma de expressão a mesma concepção que temos hoje. Neste capítulo, abordaremos o percurso das artes visuais pelos desenhos, pinturas e gravuras, além de conhecer sua trajetória em diversas práticas criativas, desde os tempos primitivos até os dias atuais. 1.1 Arte rupestre: os primeiros desenhos Chamamos de arte rupestre as representações artísticas de um período entre 35.000 e 10.000 a.C., caracterizadas por pinturas e desenhos feitos por sociedades primitivas, que podem ser observados, geralmente, em formações rochosas e encontrados em vários lugares do mundo, inclusive no Brasil. Curiosamente, encontramos semelhanças entre essas figuras, mesmo que esses povos jamais tenham tido contato entre si para compartilhar qualquer ideia de arte. Por isso, concluímos que o desejo de produzir ou apreciar a arte é inato aos seres humanos. Figura 1 – Arte rupestre D an te P et ro ne /S hu tt er st oc k Caverna das mãos. Patagônia, Argentina. Podem ser considerados arte desde esses desenhos mais rudimentares até os que apresentam mais requinte e segurança no fazer, no uso de cores, nas proporções e na precisão do traço. História das artes visuais10 Segundo Janson (1996), as pesquisas sobre essa representação artística primitiva sugerem que sua evolução até um estágio mais avançado (Figura 2) foi lenta e acompanhou o próprio avanço das sociedades. Figura 2 – Arte rupestre Caverna Lascaux. França [ca.15.000 a.C.]. Os desenhos encontrados em cavernas nos permitem identificar o modo de subsistência daqueles povos. Pinturas de animais, por exemplo, sugerem uma alimentação baseada fortemente na caça e em um modo de vida situado entre o período de nomadismo e o momento em que os humanos passaram a se agrupar, fixando-se na terra, construindo suas moradias e plantando o próprio alimento. Essa trajetória foi registrada por desenhos e utensílios encontrados por antropólogos, demonstrando, também, o aperfeiçoamento da técnica no fazer artístico. A arte rupestre possibilitou, ainda, saber em que acreditavam os homens dos períodos primitivos, que vão do Paleolítico ao Neolítico. Mesmo os ancestrais mais distantes tinham suas crenças, que eram guiadas pelo temor e pelo desconhecimento a respeito da vida, da morte e das forças da natureza, como o sol, o trovão e as calamidades naturais para as quais não tinham explicação e que os faziam recorrer a rituais – fato que demonstra alguma crença em um ser divino. Assim como em outras áreas, estudiosos divergem em alguns pontos quanto à arte rupestre.Não há, portanto, um consenso sobre o que é considerado arte, sobre as motivações dos povos que as produziram ou se a produção daqueles desenhos era relacionada a um tipo de ritual de caça, fertilidade das plantações, crença ou religiosidade. 1.2 Arte e suporte: papel, tela ou parede Chamamos de suporte todo material sobre o qual é realizada a obra artística, como cavernas, papel, telas ou paredes; nesse caso, trata-se dos objetos artísticos bidimensionais, elaborados por meio de linhas e pontos. A partir do momento em que os seres humanos se tornaram capazes de extrair matéria- -prima da natureza e transformá-la em artefatos que facilitavam a vida, foi possível, também, Da pintura rupestre à reprodução da obra de arte 11 avançar no modo de fazer arte. A manipulação de vários materiais nos permitiu fabricar desde vasos cerâmicos, lanças e casas – voltados à sobrevivência – até papel e tinta, que tinham como funcionalidade produzir arte. Posteriormente, foram criados tecidos especiais, sobre os quais eram realizadas pinturas que foram emolduradas e que, após séculos, permanecem em bom estado e à disposição para apreciação. Infelizmente, não é possível abranger aqui todas as possibilidades sobre desenho, pintura e seus materiais e suportes. Abordaremos, portanto, os aspectos mais importantes do desenho e da pintura. 1.2.1 Desenhos: estudo ou arte final O desenho pode ser uma obra de arte em si ou um esboço para a concepção de uma pintura, escultura ou obra arquitetônica. Leonardo da Vinci, por exemplo, tornou-se conhecido por fazer uso do desenho para diversos fins. Considerado um gênio da arte, Da Vinci fez pinturas, afrescos, desenhos de invenções e estudou áreas variadas, como anatomia humana e equipamentos de guerra. Para a realização de todos esses trabalhos, o artista utilizou o desenho, como esboço ou produto final. O Homem vitruviano e o seu Autorretrato, representados na Figura 3, estão entre seus desenhos mais conhecidos. Figura 3 – Obras de Leonardo da Vinci Autorretrato B Fonte: DA VINCI, L. Homem vitruviano, 1492. Tinta sobre papel: 24,5 x 34,3 cm. Milão, Itália. Fonte: DA VINCI, L. Autorretrato. ca. 1512. Sanguínea sobre papel: 33,3 cm x 21,6 cm. Biblioteca Reale, Turim. Homem vitruvianoA Ja na ka D ha rm as en a/ Sh ut te rs to ck Os desenhos também são importantes para registrar a história. Entre os séculos XVIII e XIX, por exemplo, inúmeros viajantes de todo o globo vieram ao Brasil em caráter exploratório. História das artes visuais12 As grandes navegações e a colonização da América abriram um novo mundo, e as histórias de maravilhas naturais encantavam os europeus que queriam conhecer nossas terras. O desenho se tornou, então, a maneira mais fácil e rápida encontrada pelos viajantes para reproduzir e transportar as inúmeras imagens de suas descobertas. O desenho da Figura 4, publicado pelo viajante Jean-Baptiste Debret quando voltou para seu país, a França, representa um índio do Brasil no século XIX. Figura 4 – Índio brasileiro, por Jean-Baptiste Debret (Paris, 1844). M ar zo lin o/ Sh ut te rs to ck Fonte: DEBRET, Jean-Baptiste. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. São Paulo: Edusp, 1978. Diversos livros sobre o Brasil, com imagens da natureza, dos índios, dos animais e da fauna, foram publicados na Europa. Os desenhos dos viajantes foram os responsáveis por mostrar a nova terra ao mundo. Por se tratar de uma época em que viajar longas distâncias não era algo muito acessível, os desenhos acabaram sendo uma das únicas formas de muitas pessoas conhecerem outros lugares, povos e estilos de vida. Além de serem belos trabalhos, esses desenhos nos permitiram conhecer melhor como era o nosso país, colaborando, assim, para a reconstrução da nossa memória. 1.2.2 Afrescos Avançando um pouco mais nas possibilidades das artes visuais, trataremos agora de um suporte permanente e fixo: as paredes. Nelas podemos encontrar representações artísticas como afrescos, murais e grafites, que apresentam semelhanças e diferenças entre si. Entre as características comuns, podemos observar que todas demandam um planejamento em escala, pois são pinturas de grande porte; sua execução pode demorar muito tempo; e necessitam de grande quantidade de material, bem como andaimes, escadas, auxiliares, além da preocupação Da pintura rupestre à reprodução da obra de arte 13 com a segurança do artista. Já a principal diferença entre os afrescos, os murais e os grafites é a técnica de produção empregada, em parte devido aos materiais disponíveis na época em que essas representações eram executadas. Os afrescos têm origem nos períodos greco-romano e medieval. Segundo Janson (1996), os mais renomados são datados do período do Renascimento europeu, sendo que os mais célebres – como A escola de Atenas, produzido pelo artista Rafael, entre 1510 e 1511, e o da Capela Sistina, feito por Michelangelo, entre 1508 e 1512, a pedido do Papa Julio II – são encontrados no Vaticano. A técnica original para o afresco consiste em trabalhar com a parede ainda fresca, isto é, a cobertura final da parede (ou o que hoje seria conhecido como reboco) vai sendo executada junto com a pintura enquanto, com a massa fresca, vai se aderindo aos pigmentos em pó. Segundo Janson (1996, p. 213), Michelangelo, ao produzir A Capela Sistina, “criou uma obra-prima cuja importância é verdadeiramente memorável. O teto é um gigantesco organismo com centenas de figuras distribuídas ritmicamente no interior da estrutura arquitetônica”. Na Figura 5, podemos observar o teto da Capela Sistina, no Vaticano. Figura 5 – Teto da Capela Sistina Aa ro n Lo ga n/ W ik im ed ia C om m on s Michelangelo levou quatro anos para pintar as centenas de figuras e passagens bíblicas em vários nichos entre as estruturas arquitetônicas, com uma pintura diferente em cada um deles. Lá estão imagens bastante conhecidas, como O juízo final e A criação do homem, na qual Deus toca o dedo de Adão, conforme ilustra a Figura 6. História das artes visuais14 Figura 6 – Pintura da Capela Sistina W ik im ed ia co m m on s Fonte: MICHELANGELO. A criação do homem. 1510. Afresco: 280 x 570 cm. Capela Sistina, Vaticano, Roma. Além das obras já citadas na seção anterior, dentro da categoria de afrescos, Leonardo da Vinci produziu, entre 1495 e 1498, A última ceia. 1.2.3 Mural e grafite Apesar de serem representações artísticas parecidas, as técnicas e as temáticas usadas para a pintura de murais são diferentes em comparação às utilizadas nos afrescos. Por exemplo, os murais criados pelo pintor Diego Rivera trazem temas contemporâneos e retratam cenas de produção capitalista, momentos cotidianos, parques, a vida do povo mexicano e dos operários etc. Você pode acessar imagens dos trabalhos de Rivera e conhecer um pouco mais sobre o artista neste site: ARTE E ARTISTAS. Diego Riveira. 2019. Disponível em: https://arteeartistas. com.br/diego-rivera/. Acesso em: 27 nov. 2019. No século XX, o grafite expandiu as possibilidades estéticas dos murais, que passaram a ganhar ruas e ambientes públicos como forma de manifestação e apropriação do espaço urbano. Seu surgimento se deu durante o movimento da contracultura, conquistando representatividade e dando visibilidade a grupos sociais que, muitas vezes, eram marginalizados, tornando-se, assim, a expressão artística de comunidades periféricas das grandes cidades. Por essas características, o grafite é frequentemente considerado uma arte marginal. De acordo com Rink (2015, p. 21), “o estudo sobre o graffiti – enquanto produção objetiva e subjetiva no meio urbano – contribui e repercute socialmente, visto o grande impacto que esta Da pintura rupestre à reprodução da obra de arte 15 forma de arte tem tido nas grandes cidades de todo o mundo”. Ainda hoje o grafite é representado por grandes pinturas realizadas em muros, fachadas de prédios, viadutos e outros espaços urbanos ao redor do mundo. É uma arte bastantedemocrática, além de ser de fácil acesso e apreciação, uma vez que, por serem um meio de contestação do estado das coisas, estão sempre visíveis para toda a comunidade. Passamos por essas pinturas diariamente. Convivemos com elas. O grafite vem ganhando uma visibilidade diferente daquela de sua origem. Ele ainda é usado com o objetivo de contestar e expor as mazelas urbanas, mas, no momento presente, muitos grafiteiros são reconhecidos internacionalmente como artistas e convidados a grafitarem espaços urbanos e privados, assim como os murais tradicionais. A técnica usada na produção do grafite, a exemplo dos afrescos e murais, também deve levar em consideração um planejamento – que inclui a produção de um desenho prévio a ser reproduzido em grande escala –, mas se diferencia pelo uso mais tradicional de tinta spray. A maioria dessas pinturas é efêmera, ou seja, não é feita para durar muito tempo. A linha que separa o mural e o grafite é tênue, e diversos artistas se dedicam aos dois. O brasileiro Eduardo Kobra, por exemplo, se autodenomina muralista, mas, segundo o site oficial do artista (KOBRA, 2019), ele iniciou sua carreira como grafiteiro na periferia de São Paulo. Existem também outros artistas dessa modalidade que alcançaram reconhecimento mundial. É o caso dos paulistas Gustavo e Otávio Pandolfo, conhecidos como OSGEMEOS, que começaram a se destacar nos anos 1980 e passaram a ser convidados para pintar grandes espaços urbanos em todo o mundo. Um dos famosos trabalhos deles foi o grafite produzido em silos de concreto em Vancouver, no Canadá, no qual há a representação de figuras humanas estilizadas, que olham para a fábrica e para a baía, humanizam e se integram ao ambiente urbano industrial. Você pode acessar, via QR code, a imagem da obra que marcou a presença dos gêmeos na Vancouver Biennale, entre 2014 e 2016. Trata-se de um mural de 360°, com 20 metros de altura e mais de 2.000 m² (OSGEMEOS, 2019). Podemos perceber que as artes visuais realizam um percurso que acompanha as sociedades e o período em que estão inseridas, adaptando as técnicas, o estilo artístico, os materiais disponíveis, o suporte e a dimensão da obra, deslocando-se de espaços interiores para exteriores e fixando, cada uma no seu tempo, o modo de viver, pensar e se relacionar consigo e com suas crenças e os desafios humanos. História das artes visuais16 1.3 A gravura e suas técnicas A gravura é considerada uma das maneiras mais antigas de gravar cópias de um desenho, sendo a xilogravura e a litogravura variações dessa técnica. No mundo informatizado em que vivemos, que oferece recursos facilitadores de comunicação, transmissão e impressão de imagens e textos, podemos não perceber a importância dessas descobertas para os sujeitos que viveram séculos atrás, momento em que aperfeiçoamentos na reprodução de imagens e livros ilustrados eram muito lentos. Tratava-se de um período em que a maioria das pessoas não tinha acesso à leitura. A partir daí temos dois pontos importantes na reprodução de cópias: o primeiro é que as imagens facilitavam a compreensão dos conteúdos – bíblicos, por exemplo; o segundo é que os livros feitos primeiramente por meio da xilografia e, depois, da tipografia, foram se tornando gradativamente mais baratos, contribuindo para o crescimento da alfabetização na Europa. A Figura 7, a seguir, mostra uma das páginas iniciais de um livro publicado com essas técnicas, reproduzindo textos e imagens. Devido ao aumento de interesse das pessoas em possuir as imagens ou os livros ilustrados, as gravuras se popularizaram e houve um aumento de sua demanda. Antes da gravura, as imagens e os textos dos livros precisavam ser copiados e desenhados à mão – o que era realizado, por exemplo, nos mosteiros –, de modo quase artesanal, tornando os livros muito caros e acessíveis apenas a uma camada mais rica da população. A gravura foi trazida do Oriente para a Europa, por volta do século XV, durante o período das navegações e das descobertas de novos mundos. Segundo Costella (2003, p. 10), “os chineses praticam a xilografia há mais de um milênio e meio. Empregaram-na inicialmente para imprimir orações budistas e, depois, cartas de baralho e papel-moeda”. Existem diversas maneiras tradicionais e antigas de registrar imagens e textos em suportes diferentes. Vamos analisar, por meio do quadro a seguir, um breve resumo de algumas dessas técnicas. Figura 7 – Livro do filósofo e arcebispo italiano Nicolai Perotti Fonte: PEROTTI, Nicolai. Horativs. 1543. Ig or G ol ov ni ov /S hu tt er st oc k Da pintura rupestre à reprodução da obra de arte 17 Quadro 1 – Maneiras de gravar ou imprimir Nome Tipo de matriz Formas de gravar Suporte Observação Xilogravura Madeira Entalhe Papel ou tecido De topo – sentido transversal da madeira. Ao fio – paralela ao fio da madeira (tábua). Gravura Metal Relevo Papel Comumente chamada de gravura feita em metal. Litogravura Pedra Plana Papel Não é feito o entalhe, a técnica consiste em desenhar com um lápis gorduroso, aplicar substâncias próprias para fixação e gravar o desenho. Ela permite reaproveitar a matriz várias vezes. Serigrafia Tecido Permeação Tecido Matriz feita em um tipo de tecido próprio que permite vazar o desenho a ser impresso. Tipografia Metal Letras ou tipos móveis Papel, livros e jornais Os tipos móveis de metal eram moldes de letras separadas para formar palavras em uma matriz, formando páginas a serem impressas. Fonte: Elaborado pela autora. A partir do período em que as grandes navegações chegaram à Europa com muitas novidades – como sedas, porcelanas e especiarias do Oriente, o que culminou com a colonização da América e, consequentemente, do Brasil –, iniciou-se uma troca de experiências em vários âmbitos, influenciando também a arte. Entre essas experiências, Gutenberg, conhecido como o inventor da impressão, foi inspirado por técnicas trazidas do Oriente pelos viajantes europeus e conseguiu ampliar a produção de livros, incluindo o uso de imagens. Ele foi o responsável por criar um processo de produção em maior escala. História das artes visuais18 1.3.1 Xilografia Conheceremos um pouco melhor a arte de xilogravar, que é uma das maneiras mais antigas de fazer cópias. A xilografia é um modo de reproduzir uma gravura a partir de uma matriz talhada na madeira – o que possivelmente facilitava a sua produção, visto que a madeira era a matéria mais fácil de ser encontrada e talhada. Essa aparente simplicidade permitiu enorme riqueza e diversidade de produções artísticas, algo que permanece até os dias atuais. Para cada imagem a ser multiplicada, é feita uma matriz com sulcos talhados na madeira e que vão espelhar as formas e contornos no papel. O que caracteriza a gravura como arte é o olhar e a produção do artista. A xilogravura se tornou um meio de difusão cultural e religiosa, sendo bastante usada para fazer imagens de santinhos, orações, cartas de baralho e ilustrações de livros. Para produzir uma matriz que será utilizada para fazer várias cópias por meio da técnica da xilogravura, é necessário um pedaço de madeira com um lado liso, no qual será entalhada a imagem. O artista começa fazendo um desenho a lápis (Figura 8a), ou seja, um esboço da imagem que pretende reproduzir. A partir desse rascunho, ele vai entalhando, com pequenos formões de metal, sulcos sobre as linhas do desenho esboçado (Figura 8b). O passo seguinte é aplicar tinta nessa matriz utilizando um rolo, o que permitirá uniformidade à gravura e manterá os sulcos em branco, reproduzindo o desenho ao se prensar a matriz sobre o papel. Resumidamente, funciona como um grande carimbo feito de madeira. Figura 8 – Xilogravura que ilustra o processo de xilografia (1568). Profissional entalhando a matriz na madeiraBProfissional fazendo o esboçoA Fonte: AMMAN, Jost. 1568. Com o tempo e o advento da Revolução Industrial, a xilografia perdeu sua função de ilustraçãoe, dessa forma, passou a se tornar a representação artística que conhecemos ainda hoje. De acordo com o pesquisador e artista da xilografia Costella (2003, p. 44), Da pintura rupestre à reprodução da obra de arte 19 dispensada da função utilitária, a xilografia, entretanto, veio a conhecer um riquíssimo renascimento no século vinte. Muitos artistas, dentre eles Gauguin, Munch e Vallotton, lançaram mão da matriz de madeira para se expressarem livremente, comprometidos apenas com objetivos estéticos. Henri Matisse, Lasar Segall e Pablo Picasso também produziram obras por meio da xilografia. Apesar dos avanços tecnológicos do século XXI, a xilografia continua a ser utilizada por muitos artistas. 1.3.2 Xilografia no Brasil Oficialmente, a xilogravura chegou ao Brasil somente após a vinda da família real portuguesa para o Rio de Janeiro em 1808. Antes disso, a criação de toda e qualquer fábrica era proibida por aqui. Com a instalação da Imprensa Régia, que passou a produzir livros e jornais, a arte da xilografia também se firmou em terras brasileiras. Em 1816, chegou à corte instalada no Brasil a Missão Artística Francesa, mas seu objetivo por aqui foi apenas parcialmente atingido com a criação, em 1826, da Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro. Dentre os mais de vinte artistas que vieram nessa missão, estava o pintor e gravador Jean-Baptiste Debret, que fez inúmeras gravuras retratando as paisagens e os costumes brasileiros. Vale lembrar ainda que, naquele momento – início do século XIX–, todos os artistas, incluindo os xilógrafos, eram de outras nacionalidades. Entretanto, apesar de ser uma técnica muito valorizada e de grande demanda no período, somente em 1860 foi criado um curso de xilografia no Rio de Janeiro, capital do Brasil na época. Os primeiros xilógrafos brasileiros foram autodidatas e aprenderam o ofício trabalhando com os profissionais estrangeiros, e o aprendizado formal só começou após o surgimento das primeiras escolas de arte e xilografia. É importante mencionar esse detalhe para lembrar a importância das escolas de arte, que, se comparadas a outros países, demoraram a ser implantadas no Brasil. Com relação à arte popular brasileira, um exemplo do uso da xilografia é a literatura de cordel, caracterizada por pequenos livros de versos ilustrados, surgidos a partir do final do século XIX por “cantadores”, que, em sua maioria, eram naturais do Norte e do Nordeste do Brasil. A tradição reúne a música ao cordel, cujos versos, recitados em praças e feiras, contam com o acompanhamento musical. Um fato curioso sobre a literatura de cordel é que ela leva esse nome por ficar exposta para venda em cordas – os cordéis. AR Y FA LC AO /S hu tt er st oc k Figura 9 – Xilografia usada pela literatura de cordel História das artes visuais20 Durante muito tempo, esse tipo de arte popular usou a xilografia para manter vivo um repertório de histórias e personagens como cangaceiros, padres, coronéis e o povo típico do Norte e do Nordeste brasileiro. Atualmente, podemos encontrar com mais facilidade um estilo xilográfico feito em equipamento gráfico. Por outro lado, no século XX, muitos artistas retornaram ao modo original de trabalhar com a xilografia, mantendo viva a tradição. Em matrizes de vários tamanhos, suas obras ilustravam cenas, paisagens e costumes nordestinos – as baianas, a capoeira e o frevo, por exemplo. Existiam também artistas que criavam cenas urbanas e cenas da realidade das cidades em que viviam. Dedicamos uma parte significativa desta obra à xilografia a fim de compreendermos que algumas formas artísticas se reinventam ao longo do tempo. Assim, ainda podemos encontrar artistas que deixam sua marca por meio dessa técnica em várias partes do mundo e em ateliês por todo o Brasil. 1.3.3 Litografia Na litografia, a matriz é feita na pedra calcária, em superfície plana, isto é, sem entalhe. O artista que deseja trabalhar com essa técnica deve ter uma preparação que o permita realizar as etapas na sequência correta, principalmente na repulsão entre óleo e água. Figura 11 – Processo de litografia D m yt ro V ie tr ov /S hu tt er st oc k Figura 10 – Cordéis em exposição nas cordas que lhe deram o nome Vi ni ci us m c/ W ik im ed ia C om m on s Da pintura rupestre à reprodução da obra de arte 21 Por ser tecnicamente mais difícil, a litografia é menos popular e, de certo modo, menos acessível do que a xilografia. Em contrapartida, esse princípio possibilita um trabalho mais detalhado, no qual o artista desenha na pedra plana, com um tipo de lápis “gorduroso”, a imagem a ser espelhada e gravada no papel. Em seguida, aplica a tinta na matriz, que deve se fixar no óleo do desenho, que, por sua vez, ao ser prensado no papel, será transferido. Outro detalhe importante dessa técnica é que o desenho pode ser apagado para que a pedra seja reutilizada em outra gravação. No século XIX, muitos artistas se deslocaram para o Brasil e realizaram trabalhos em litografia, nos quais podemos observar a riqueza de detalhes do traço mais fino, que evidencia figuras humanas e da natureza e cria nuances com mais facilidade, como a perspectiva que dá a noção de profundidade às imagens planas. Figura 12 – Rio de Janeiro (século XIX). Fonte: RUGENDAS, Johann Moritz. Vista da igreja. Rio de Janeiro, século XIX. A litografia foi inventada em 1796 pelo alemão Alois Senefelder e eliminou a necessidade da existência de duas etapas diferentes para produzir a matriz. Na xilografia, era preciso fazer primeiramente o desenho e, depois, o trabalho de entalhe. A litografia, então, possibilitou ao artista desenhar diretamente na pedra calcária. Se, por um lado, desenhar diretamente na matriz parecia mais difícil devido às etapas de execução, por outro, era mais rápido e simples, e o desenho, por depender somente dos traços do artista, acabava sendo mais preciso. 1.3.4 Uso de cores na gravura A gravura não precisa ser sempre em preto e branco. É possível, também, produzir ilustrações que utilizem a quantidade de cores desejada pelo autor. Para isso, basta que ele aplique, na matriz, cada cor isoladamente e grave uma de cada vez sobre o papel, de modo que a sobreposição das imagens coincida. Isso pode ser realizado utilizando-se uma matriz para cada cor ou pintando cada parte da mesma matriz com cores diferentes. A técnica depende do autor e do tipo de imagem a ser gravada, como a ilustrada na Figura 13. História das artes visuais22 Na litogravura Aqueduto do Rio de Janeiro (Figura 14), feita pelo artista Johann Jacob Steinmann por volta de 1844, é possível observar outro exemplo do uso de cores. Nesse caso, ele pintou sobre a litografia tradicional, produzindo, após a gravação, o efeito das cores como em uma pintura natural. Figura 13 – Xilografia colorida japonesa W ik im ed ia C om m on s Fonte: HIROSHIGE, A. Procissão noturna nas montanhas. 1985. Xilografia: 36.4 x 24.6 cm. Japão. Figura 14 – Litogravura aquarelada Fonte: STEINMANN, J. J. Aqueduto do Rio de Janeiro. 1844. Assim como na litografia, a gravura produzida por xilografia também pode ser colorida, conforme mostra a Figura 15. Como pudemos perceber, a arte de produzir a xilogravura passa por um processo praticamente artesanal, tanto na produção de imagens com uma única cor quanto nas coloridas, nas quais o artista precisa gravar as diferentes cores, cada uma de uma vez, precisamente no mesmo lugar. Essas sutilezas mantêm, ainda hoje, muitos apaixonados por essa técnica artística. 1.3.5 A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica Fechando este capítulo, falaremos brevemente sobre um texto fundamental para todos aqueles que desejam conhecer um pouco melhor os conceitos e debates relativos à arte. Trata-se de A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, escrito pelo filósofo, sociólogo e crítico de arte, o alemão Walter Benjamin, que produziu a maior parte de sua obra entre a Primeirae a Segunda Guerra Mundial. Figura 15 – Xilografia colorida W ik im ed ia C om m on s Fonte: BRANDT, Hanna. Paraná. 2018. Da pintura rupestre à reprodução da obra de arte 23 Assim como o mundo passou a produzir uma enorme quantidade de produtos de todo tipo nas fábricas, o que os tornou mais baratos para quem os fabrica, a cultura e a arte também aderiram a essa forma de produção em série. O termo reprodutibilidade vem da ideia de reproduzir (ou produzir inúmeras vezes) o mesmo item com recursos técnicos, em oposição à ideia de autenticidade ligada à arte. O conceito de reproduzir sempre esteve ligado à arte, relacionado à imitação feita pelos discípulos ou à cópia. Com o tempo, foram realizados avanços no sentido de copiar a arte. Segundo Benjamin (1994, p. 166), “com a xilogravura, o desenho tornou-se pela primeira vez tecnicamente reprodutível, muito antes que a imprensa prestasse o mesmo serviço para a palavra escrita”. O autor também menciona o aumento da precisão e a facilidade na reprodução de gravuras, o que permitiu fazer um número maior de cópias e de maneira mais rápida. No entanto, mesmo a melhor cópia que a reprodutibilidade técnica é capaz de produzir não pode ser comparada à autenticidade de uma obra de arte original. O que Benjamin (1994) expõe é que um pôster da Mona Lisa na nossa parede não tem o mesmo valor que a pintura autêntica de Leonardo da Vinci, agora preservada em museu. Atualmente, isso é de conhecimento popular, mas foi justamente Walter Benjamin que nos trouxe esse conceito no início do século XX. O que faz com que uma obra de arte seja considerada original ou autêntica é o fato de ter sido tocada pelo artista em pessoa, que ela tem uma história, marcas que o tempo deixou, que é possível ver as pinceladas que o artista deu na tela. Pensando nesses detalhes, o autor afirmou que as obras de arte possuem uma “aura” que as torna únicas. Por outro lado, a reprodutibilidade, iniciada, dentre outros métodos, com a xilogravura, foi importante para que as obras artísticas pudessem ser conhecidas e apreciadas por um círculo muito maior de pessoas. Somente a partir das cópias é que foi possível universalizar o acesso a obras de arte, que eram restritas a um ambiente elitista. Benjamin se dedicou a vários temas relacionados à história e às artes. Ele escreveu seus textos sobre esses assuntos pouco tempo depois da invenção do cinema, que é derivado da fotografia e no qual a noção de reprodutibilidade técnica se amplia com mais evidência. Como foi exposto anteriormente, ficaremos, por ora, com essas informações. É importante que, a partir de agora, você procure perceber o efeito dessas técnicas na cultura e na arte produzidas principalmente a partir do século XX. A apreciação e a observação constantes nos ajudam a compreender cada vez melhor todas as possibilidades que a arte nos oferece. Considerações finais Neste capítulo, foi possível conhecer um pouco sobre a trajetória das artes visuais produzidas em suportes planos, como a pintura, o desenho e a gravura. Estudamos que a evolução da arte corre em paralelo à do ser humano, ao mesmo tempo em que, de alguma forma, ajuda a impulsioná-lo. Com base na visão que a arte nos proporciona, conhecemos as marcas deixadas no mundo antes de nós e percebemos que também podemos usá-la para deixar o nosso legado. História das artes visuais24 Ampliando seus conhecimentos • ASSOCIAÇÃO Brasileira de Arte Rupestre. Global Rock Art. Disponível em: http://www. globalrockart2009.ab-arterupestre.org.br/default.asp. Acesso em: 24 out. 2019. Nessa página, é possível conhecer um pouco mais sobre a arte rupestre dos achados arqueológicos encontrados no Brasil. Vale a pena acessar os textos. • KOBRA. Projetos. Disponível em: http://www.eduardokobra.com/projetos/. Acesso em: 24 out. 2019. • OSGEMEOS. Projetos. Disponível em: http://www.osgemeos.com.br/pt/projetos/. Acesso em: 27 nov. 2019. Para apreciar mais grafites e murais, sugerimos que visite os sites de Eduardo Kobra e dos gêmeos Gustavo e Otávio Pandolfo. Essas páginas, além de trazerem diversos projetos feitos por eles, permitem conhecer a trajetória desses importantes artistas brasileiros. • LITOGRAVURA. 2017. 1 vídeo (2 min.). Publicado pelo canal Prefeitura de Curitiba. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zSP__TcquSU. Acesso em: 24 out. 2019. Esse vídeo traz, de maneira didática, todas as etapas do processo de litogravura. Trata-se de uma produção da Fundação Cultural de Curitiba com a professora Juliana Kudlinski. Atividades 1. Qual é a importância das pinturas rupestres encontradas em cavernas primitivas para o nosso conhecimento sobre a origem das artes visuais? 2. Como podemos avaliar a evolução da arte por meio dos afrescos, murais e grafites? Que aspecto foi mudando nesses três tipos de artes visuais ao longo do tempo? 3. Sobre a produção de gravuras feitas com a xilografia e com a litografia, quais principais aspectos você destacaria? Referências BENJAMIN, W. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994. COSTELLA, A. F. Breve história ilustrada da xilogravura. Campos do Jordão: Mantiqueira, 2003. JANSON, H. W. Iniciação à história da arte. São Paulo: Martins Fontes, 1996. KOBRA. Biografia: Eduardo Kobra. Disponível em: http://www.eduardokobra.com/biografia/. Acesso em: 23 out. 2019. OSGEMEOS. Projetos: Vancouver biennale. Disponível em: http://www.osgemeos.com.br/pt/projetos/ vancouver-biennale/. Acesso em: 23 out. 2019. RINK, A. Graffiti: intervenção urbana e arte. Curitiba: Appris, 2015. http://www.globalrockart2009.ab-arterupestre.org.br/default.asp http://www.globalrockart2009.ab-arterupestre.org.br/default.asp http://www.eduardokobra.com/biografia/ https://www.youtube.com/watch?v=zSP__TcquSU http://www.eduardokobra.com/biografia/ http://www.osgemeos.com.br/pt/projetos/vancouver-biennale/ http://www.osgemeos.com.br/pt/projetos/vancouver-biennale/ 2 Escultura: arte tridimensional Neste capítulo, abordaremos a diferença entre a arte bidimensional (pinturas e desenhos em superfícies planas) e a tridimensional. Para tanto, vamos tratar sobre as esculturas. A escultura é a arte visual que ganha volume, isto é, a arte que pode ser moldada por meio de várias técnicas. Conhecer a arte de esculpir também nos faz voltar ao passado. É comum imaginarmos que um escultor é aquele que bate na pedra para transformá-la em uma obra de arte. Esse pensamento de fato se confirma, mas esse não é o único modo de esculpir. A criatividade humana é ilimitada e costuma se adequar ao lugar e ao tempo em que é produzida. Por essa razão, neste capítulo, conheceremos outras técnicas para esculpir em materiais rígidos ou mais maleáveis. Além disso, também observaremos os painéis de esculturas, um tipo de arte esculpida em paredes. Inclusive, parte dessa arte pode ser encontrada no Brasil, como as obras sacras do Barroco, feitas em Minas Gerais, principalmente pelo artista Aleijadinho, no período colonial. 2.1 Pedra, papel, tesoura! Estudar esculturas nos leva há um passado muito distante. De acordo com Janson (1996, p. 16), “além da arte das cavernas feita em grandes proporções, os homens do Paleolítico também criaram pequenas esculturas do tamanho de uma mão, utilizando-se de osso, chifre ou pedra cortados com talhadeiras rudimentares”. A estatueta da fertilidade, conhecida pelo nome de Vênus de Willendorf (Figura 1), é um exemplo de escultura datada no período primitivo. As esculturas demonstram um tipo de evolução dos povos primitivos. Há milhares de anos eles conseguiram criar objetos que demonstram uma noção cognitiva e artística, imitando formas humanas e suas proporções em escala menor. Além disso, objetos como a Vênus nos mostram o conhecimento técnico e a existência de ferramentas produzidas por esses povos, que já começavam a dominar e transformar a naturezaa seu favor. A escultura original (de 10,45 cm) foi encontrada pelo paleontólogo Hugo Obermaler em 1908, na baixa Áustria. (BOZAL, 1995 apud Velázquez, 2017). Le ft er is T so ur is /S hu tt er st oc k Figura 1 – Pedra esculpida Fonte: VÊNUS de Willendorf (cópia do original de 25.000 a.C.). Pedra: 12 cm. Museu de História Natural de Viena. História das artes visuais26 Quem vence o jogo pedra, papel ou tesoura? Depende. Uma pedra mais dura pode quebrar uma pedra mais mole. A tesoura pode vencer o papel e a pedra, ao menos no que se refere ao jogo de esculpir, visto que ela representa o metal. Depois que a humanidade descobriu o fogo e percebeu que com ele era possível fundir o metal, iniciou-se uma verdadeira revolução. Isso permitiu inúmeras invenções e toda a evolução das civilizações. Em paralelo, ocorreu também a evolução da arte. As esculturas, entre outros utensílios, marcaram o período aproximado em que ocorreu o fim de uma era e o início de outra. Janson (1996, p. 17), em relação à arte primitiva, elucida que: há, então, uma diferença básica entre o Paleolítico e o Neolítico, embora o homem ainda dependesse da pedra como o material de seus principais utensílios e armas. A nova forma de vida deu origem a um grande número de habilidades e invenções, muito antes do surgimento dos metais: a cerâmica, a tecelagem e a fiação, métodos básicos de construção arquitetônica. Sabemos tudo isso a partir dos povoados do Neolítico que foram revelados por escavações. Ao longo de muitos anos, por meio da arqueologia, foram encontradas esculturas feitas com materiais diferentes, por exemplo o barro, a madeira e a pedra, as quais representam figuras humanas e de diferentes deuses por todo o mundo, como no Himalaia, no Havaí, em diferentes regiões dos continentes africano, europeu e americano. 2.1.1 A antiga arte de esculpir Ao avançar alguns anos, após a invenção da escrita, chegamos ao Egito faraônico, época em que temos materiais que testemunham a evolução, esculturas, tábuas de hieróglifos, símbolos esculpidos e também grandes monumentos como as pirâmides, que hoje são considerados bens artísticos. O ato de esculpir está ligado à escrita hieroglífica. Seus pequenos símbolos usados para comunicação, em conjunto com imagens esculpidas, eram dedicados às atividades cotidianas, artísticas e relacionadas ao poder da coletividade. Como nos esclarece o egiptólogo Yoyote (2010, p. 95), no Egito faraônico, constituído a partir de 3000 a.C., “a religião e a ética dão ênfase à manutenção de uma disciplina rigorosa, que beneficia toda a comunidade dos súditos, e à ação exclusiva da pessoa real na administração e nos ritos. A própria arte prefere o geral ao particular”. Das monumentais obras esculpidas no Egito Antigo, certamente, uma das mais conhecidas é a Esfinge, considerada, por alguns estudiosos, como sendo a cabeça de um dos faraós do período. Junto a ela temos 3 grandes pirâmides que foram construídas para servirem como túmulo para os faraós: Queóps (2530 a.C.), Quéfren (2500 a.C.) e Miquerinos (2470 a.C). A seguir, na Figura 2, podemos observar a magnitude desse monumento histórico. Escultura: arte tridimensional 27 Figura 2 – Esfinge Al ex An to n/ Sh ut te rs to ck Ao fundo, encontram-se as pirâmides dos faraós Queóps (2530 a.C.), Quéfren (2500 a.C.) e Miquerinos (2470 a.C.). Fonte: A GRANDE Esfinge. 2500 a.C. 20 x 19 x 73 m. Gizé, Egito. Com relação às pirâmides, na Figura 2, ao tomarmos como referência o camelo e a pessoa próximos da Esfinge, podemos ter uma dimensão da grandiosidade do conjunto. O que representa toda a relação entre os faraós e deuses. Por mais distantes que fossem, os deuses, motores do mundo, eram sentidos como seres pessoais, próximos de cada mortal [...] (a Grande Esfinge de Gizé, principalmente, era considerada como um ídolo tanto do Sol como de Hurun, o deus curandeiro tomado de empréstimo aos cananeus). (YOYOTTE, 2010, p. 92) Em 1360 a.C., tivemos o modelo mais próximo do que entendemos hoje por escultura: o busto da rainha Nefertiti (Figura 3), que reinou ao lado do faraó Akhenaton. 2.1.2 Painéis de escultura Esculturas não propriamente tridimensionais são pouco lembradas, pois estão ancoradas a um painel ou à outra superfície. Esse tipo de representação artística geralmente conta uma história e foi muito produzido durante o Império Romano. É semelhante à pintura de painéis, mas tem mais volume e busca trazer a sensação de movimento nas sequências representadas. Alguns exemplos trazem painéis inteiros, como no fórum romano, que representa a vitória do imperador Septímio Severo no ano 203 d.C. (Figura 4). Figura 3 – Escultura da Rainha Nefertiti Fonte: BUSTO da Rainha Nefertiti. 1360 a.C. Calcário esculpido: 51 cm. Museu do Estado, Berlim, Alemanha. tk ac hu k/ Sh ut te rs to ck História das artes visuais28 Figura 4 – Esculturas do arco triunfal do Imperador Septímio Severo – Itália. Jb rib ei ro 1/ W ik im ed ia C om m on s Esculturas em uma das laterais do arco triunfal do Imperador Septímio Severo com colunas de pedra no Fórum Romano na Itália. Esse tipo de escultura também é comum de ser encontrado em túmulos arquitetados durante os primórdios da era cristã, como o sarcófago de Junius Bassus, prefeito de Roma (Figura 5). Figura 5 – Sarcófago de Junius Bassus Fonte: SARCÓFAGO de Junius Bassus. 395 d.C. 1,18 x 2,44 m. Grutas do Vaticano, Roma. Escultura: arte tridimensional 29 Janson (1996, p. 94) afirma que a escultura, “comparada à pintura e à arquitetura, teve um papel secundário”. Como o Velho Testamento havia proibido o culto a ídolos esculpidos, as esculturas religiosas passaram a ser evitadas, e “as primeiras obras esculpidas que podem ser chamadas de cristãs são os sarcófagos construídos para membros mais ricos da congregação; tendo seu início nos meados do século III” (JANSON, 1996, p. 94). A prática de esculpir painéis, sarcófagos ou túmulos importantes se estendeu até o Renascimento. Michelangelo, por exemplo, chegou a esculpir vários deles, como o Túmulo de Giuliano Médici, família rica e influente na Itália, em Florença, entre 1524 e 1534. 2.2 Renascimento e temas clássicos na escultura A arte se torna cada vez mais compreensível para nós ao estudarmos os clássicos. Essa compreensão também se dá quando revisitamos artistas que conseguiram se tornar referência em diferentes modos do fazer artístico. Nesta seção, abordaremos as esculturas do período Greco-romano e do período do Renascimento. 2.2.1 Período clássico: Greco-romano Antes de abordarmos o Renascimento, estudaremos as esculturas greco-romanas, cujo período de maior florescimento ocorreu, aproximadamente, em 1100 a.C. Posteriormente, os romanos se apropriaram de toda a cultura grega. O mármore, a cerâmica e o bronze foram as matérias-primas usadas na época para a produção de esculturas, embora o mármore tenha sido usado na maioria das esculturas da Grécia Antiga. O tema para a produção das esculturas era voltado à relação de impotência dos homens diante desígnios dos deuses gregos. O corpo humano era valorizado e considerado a obra-prima da criação e da própria natureza. Por isso, ficava sempre exposto nos detalhes de sua plenitude. Na escultura de Laocoonte, por exemplo, (Figura 6) podemos perceber toda a agonia final da história de Laocoonte, que teria irritado os deuses durante a guerra de Troia. Segundo a mitologia grega, o próprio deus Apolo teria enviado serpentes gigantes para matar a ele e os filhos. Se analisarmos com atenção, a escultura não parece ser estática; pelo contrário, todo o conjunto parece estar em movimento. Podemos observar a agonia e o desespero na morte do pai e dos dois filhos. A autoria da obra é desconhecida e, portanto, não se sabe ao certo se é grega ou romana. Além de sua beleza indiscutível, é importante saber que “a peça impressionou profundamente os escultores italianos, especialmente Michelangelo, quando foi encontrada” (JANSON,1996, p. 66), o que só ocorreu no ano de 1506, em Roma. Figura 6 – Laocoonte e seus filhos Fonte: LAOCOONTE e seus filhos. 40 a.C. Mármore: 160 x 213 cm. Museus do Vaticano. Roma. Itália. História das artes visuais30 2.2.2 Renascimento No capítulo anterior, analisamos os afrescos da Capela Sistina, realizados por Michelangelo. Apesar de ser um excelente pintor, Michelangelo é mais reconhecido como escultor, uma vez que foi no mármore que o artista deixou a marca de sua genialidade, durante o Renascimento. Contextualizando: o período ficou conhecido como Renascimento porque significou um “renascer” da cultura clássica, greco-romana; a retomada em todo esplendor artístico após o período medieval. Esse período compreende uma variedade enorme de obras e artistas. Com o passar dos anos o mundo foi mudando e, com ele, a arte. Pouco antes do Renascimento ocorreram fatos que marcaram nossa história, como a queda de Constantinopla, a descoberta da América e a Reforma Protestante. “O Renascimento [...] não dividiu o passado de acordo com o plano divino da salvação, mas sim com base nas ações humanas” (JANSON, 1996, p. 168). É aí que o período se diferencia dos períodos anteriores da história, em que os vários deuses sempre foram o centro de toda a criação. A arte renascentista vai refletir a valorização humana e questionar as imposições religiosas. Seria extenso citar as obras do Renascimento, mesmo que somente as mais relevantes de Michelangelo. Por esse motivo, focaremos em apenas duas, que não podem deixar de ser estudadas e que já revelam sua genialidade. A primeira é a escultura de David (Figura 7), da história bíblica Davi e Golias, um monumental bloco de mármore, com mais de 5 metros de altura; enquanto segura a pedra que lançará, ele desafia o oponente que parecia impossível abater. O adversário, cujo destino é conhecido, não é ilustrado e fica a cargo da nossa imaginação. O David de Michelangelo impressiona não somente por ser grande, mas também pelos detalhes que podem ser percebidos após um olhar atento e próximo, como os cachos nos cabelos, os globos oculares, as sobrancelhas expressivas, o interior das orelhas e das narinas, além de músculos e veias da anatomia humana perfeitamente esculpidos. A segunda escultura importante de Michelangelo é a Pietà (Figura 8), que retrata Maria gu rb 10 10 88 /S hu tt er st oc k Figura 7 – Escultura em mármore Fonte: MICHELANGELO. David. 1501-1504. Escultura: 517 x 199 cm. Academia de Belas Artes de Florença. Florença, Itália. Escultura: arte tridimensional 31 carregando nos braços seu filho morto e recém-retirado da cruz. Nessa obra podemos perceber a entrega das figuras no mármore. Fica evidente a dor da mãe que perdeu seu filho. Os detalhes anatômicos e nos tecidos são surpreendentes. Figura 8 – Escultura em mármore, Pietà. Fonte: MICHELANGELO. Pietà. 1498-1499. 174 x 195 cm. Basílica de São Pedro. Florença, Itália. Michelangelo se inspirou no modelo clássico greco-romano para criar suas esculturas e tornou-se um modelo de escultor e da arte do Renascimento. 2.3 Outros materiais para esculturas A criatividade humana não se limita às esculturas e aos painéis esculpidos em mármore ou em outro tipo de pedra. À medida que dominamos a natureza, fomos capazes de descobrir outros tipos de matéria-prima para fazer as esculturas, como o barro e o metal. Nesta seção abordaremos as obras produzidas com essas matérias-primas. 2.3.1 O barro e a maleabilidade de esculpir Se é possível esculpir pedras extremamente duras, inclusive o mármore, imagine as possibilidades ao moldar o barro. Com a combinação de determinados tipos de argila misturados à água é possível produzir um tipo de matéria-prima que, por ser mais mole, pode ser moldado com facilidade e, após certo tempo, se torna um objeto sólido, mantendo a forma produzida. Lembrete: outros materiais também podem ser moldados, produzindo esculturas ou objetos decorativos, como o gesso. Nesse caso a durabilidade é menor. História das artes visuais32 Em 1974, agricultores que cavavam um poço de água, na China, encontraram milhares de guerreiros no tamanho real de humanos, moldados em um tipo de argila chamada terracota. Após a descoberta, os pesquisadores assumiram o trabalho de trazer esses guerreiros à tona e, atualmente, o local está aberto à visitação aos Guerreiros de Xian (Figura 9). O conjunto de guerreiros “é uma coleção composta por mais de oito mil estátuas de guerreiros e cavalos em tamanho natural, todas feitas de terracota, encontradas em valas próximas ao túmulo do Primeiro Imperador” (COUTO, 2008, p. 38). Figura 9 – Esculturas feitas de terracota Fonte: GUERREIROS de Terracota. 246 a.C. Província de Xian, China. Esses guerreiros foram colocados próximos ao túmulo do imperador Qin Shi Huang para protegê-lo durante a vida após a morte, como creem os chineses. Assim, “estima-se que a construção, datada de 246 a.C., levou 38 anos para ser completada e que empregou a incrível marca de 700 mil trabalhadores” (COUTO, 2008, p. 39). A China é uma civilização milenar e, embora nós não estudemos e não conheçamos tão bem a história oriental, é interessante mencioná-la para compreendermos toda a importância desse povo e a abrangência global da arte. 2.3.2 Esculturas de metal Anteriormente, citamos a importância do metal como ferramenta que ajudou a esculpir a pedra. Agora, observaremos o metal como matéria-prima na composição da própria escultura. O metal também pode ser moldado. Exposto a grandes temperaturas, necessárias para sua fundição, o material se torna líquido e, quando resfriado, adquire a forma dada a ele, ou seja, além de entrar na composição industrial de vários produtos, equipamentos das fábricas, ferragem que sustenta as construções de concreto ou automóveis, por exemplo, o metal pode ser moldado para a realização de inúmeras criações artísticas. Figura 10 – Escultura em bronze RODIN, Auguste. O pensador. 1880-1882. Bronze: 189 x 98 cm. Jardim do Museu Rodin, Paris, França. Ra fa el R am ire z Le e/ Sh ut te rs to ck Escultura: arte tridimensional 33 Existem diversos tipos de metais, como ouro, prata, bronze e outros. O ouro foi usado para obras mais relevantes e demonstra, naturalmente, maior poder, visto que se trata do metal mais nobre, embora possa ser um pouco difícil de ser moldado em grandes proporções. A prata tem características semelhantes. Moldá-los requer uma mistura com outros metais. O metal mais utilizado em esculturas, desde o período grego até os dias atuais, é o bronze. Dentre os inúmeros escultores que se dedicaram à escultura em bronze, estão os franceses Auguste Rodin (Figura 10) e sua aluna e discípula Camille Claudel. Apesar de terem se dedicado também a esculpir mármore, no bronze ganharam grande visibilidade. Alguns apreciadores ou estudiosos dizem que a discípula chegou a superar o mestre em alguns aspectos, mas os dois são igualmente importantes para esse tipo de representação artística. Nas esculturas de Camille Claudel (Figura 11) é possível observarmos uma delicadeza mais expressiva, mas a força das obras de Rodin é indiscutível. 2.4 Escultura no Brasil A história do Brasil começou a ser contada, oficialmente, a partir da colonização pelos portugueses, em 1500. No entanto, antes disso existiam habitantes originais do território, que produziam uma arte primitiva, como a rupestre, e objetos artísticos, como estátuas ou esculturas. O monumento que representa o Brasil, e o tornou conhecido em todo mundo, é uma escultura gigante, o Cristo Redentor. A história e a arte brasileira são bastante ricas, passam por períodos mais relevantes, como as esculturas barrocas à arte popular, como esculturas de barro e também artistas contemporâneos que trabalham com metal. A seguir, abordaremos essas obras contemporâneas para compreender a arte de esculpir feita no Brasil, um país tão extenso em seu território quanto nas diversasrepresentações artísticas e culturais. Figura 11 – Escultura em bronze Fonte: CLAUDEL, Camille. Le implorer. 1893. Bronze: 27.9 × 36.8 × 21.3 cm. Paris, França. Em 1974, agricultores que cavavam um poço de água, na China, encontraram milhares de guerreiros no tamanho real de humanos, moldados em um tipo de argila chamada terracota. Após a descoberta, os pesquisadores assumiram o trabalho de trazer esses guerreiros à tona e, atualmente, o local está aberto à visitação aos Guerreiros de Xian (Figura 9). O conjunto de guerreiros “é uma coleção composta por mais de oito mil estátuas de guerreiros e cavalos em tamanho natural, todas feitas de terracota, encontradas em valas próximas ao túmulo do Primeiro Imperador” (COUTO, 2008, p. 38). Figura 9 – Esculturas feitas de terracota Fonte: GUERREIROS de Terracota. 246 a.C. Província de Xian, China. Esses guerreiros foram colocados próximos ao túmulo do imperador Qin Shi Huang para protegê-lo durante a vida após a morte, como creem os chineses. Assim, “estima-se que a construção, datada de 246 a.C., levou 38 anos para ser completada e que empregou a incrível marca de 700 mil trabalhadores” (COUTO, 2008, p. 39). A China é uma civilização milenar e, embora nós não estudemos e não conheçamos tão bem a história oriental, é interessante mencioná-la para compreendermos toda a importância desse povo e a abrangência global da arte. 2.3.2 Esculturas de metal Anteriormente, citamos a importância do metal como ferramenta que ajudou a esculpir a pedra. Agora, observaremos o metal como matéria-prima na composição da própria escultura. O metal também pode ser moldado. Exposto a grandes temperaturas, necessárias para sua fundição, o material se torna líquido e, quando resfriado, adquire a forma dada a ele, ou seja, além de entrar na composição industrial de vários produtos, equipamentos das fábricas, ferragem que sustenta as construções de concreto ou automóveis, por exemplo, o metal pode ser moldado para a realização de inúmeras criações artísticas. Figura 10 – Escultura em bronze RODIN, Auguste. O pensador. 1880-1882. Bronze: 189 x 98 cm. Jardim do Museu Rodin, Paris, França. Ra fa el R am ire z Le e/ Sh ut te rs to ck História das artes visuais34 2.4.1 Arte sacra barroca: Aleijadinho A descoberta de toneladas de ouro em Minas Gerais, no ano de 1698, levou milhares de pessoas do Brasil e de Portugal para a Vila Rica. Tamanha riqueza movimentou a economia, desenvolveu a urbanidade do local e possibilitou o investimento em arte. Na verdade, o que hoje consideramos como arte foi encomendado aos artífices para preencher as demandas religiosas, como a construção de igrejas, confecção de imagens de pequeno porte para os altares e para as residências dos fiéis. Portugal levou a fé católica para todas as suas colônias, mas essa fé encontrou terreno mais fértil no Brasil. Esse período é considerado um dos primeiros em que floresceu a arte que, embora fosse fruto da escola europeia, tinha os primeiros traços de originalidade, adaptando o Barroco europeu às necessidades, aos materiais e ao traço de artistas nascidos no Brasil. Reconhecido como nome mais relevante desse primeiro respiro artístico nacional, Antônio Francisco Lisboa, mais conhecido como Aleijadinho, se dedicou à escultura. A seguir, observaremos esculturas desse grande artista talhadas em madeira. Figura 12 – Passo da subida do calvário Te tr ak ty s/ W ik im ed ia Fonte: ALEIJADINHO (Antônio Francisco Lisboa). Passo da subida do calvário. Santuário do Bom Jesus de Matosinhos. Congonhas, MG. O apelido de Aleijadinho lhe foi dado devido a uma doença que o fez perder partes das mãos e dos pés, membros fundamentais para o ofício de escultor. Mesmo com essa limitação, ele não deixou de esculpir seus trabalhos até o fim de sua vida, deixando profundas marcas no barroco brasileiro: a figura do Aleijadinho constitui, na arte de Minas, o ponto máximo duma verdadeira escola que, nascida de mestres europeus, frutificou e amadureceu na ânsia de encontrar uma expressão própria e autêntica, tal como o ser de exceção viria a plasmar em definitivo. Tendo aludido à importância da talha da reafirmação do barroco em Minas. (HOLANDA, 1997, p.119-120) Aleijadinho realizou trabalhos também na pedra calcária (pedra-sabão), encontrada na região de Minas Gerais, para esculpir anjos e santos, nas fachadas das igrejas. Os Profetas esculpidos no pátio em frente ao Santuário do Bom Jesus de Matosinhos (Figura 13), em Congonhas, Minas Gerais, fazem parte de um trabalho reconhecido pelos detalhes e traços característicos do artista. Escultura: arte tridimensional 35 Figura 13 – Santuário do Bom Jesus de Matosinhos Er ic G ab a/ W ik im ed ia C om m on s Fonte: ALEIJADINHO (Antônio Francisco Lisboa). Os Profetas. 1800-1805. Santuário do Bom Jesus de Matosinhos. Congonhas, MG. São atribuídas à autoria do Aleijadinho mais de quatrocentas obras; são tantas que alguns historiadores questionam como ele teria conseguido realizar tudo isso sozinho, em cidades diferentes, em uma época em que o transporte era mais difícil e com o agravante de sua doença. Uma das explicações que justificam a autoria de Aleijadinho é o fato de que artistas como ele, também chamados de artífices, tinham suas oficinas e, portanto, tinham aprendizes e ajudantes. O dono da oficina, como era o caso de Aleijadinho, faria somente o trabalho final, dando a cada obra o seu toque original (GRAMMONT, 2008), o que não diminui em nada o seu valor e a sua genialidade. Atualmente, sabemos que Aleijadinho não foi o único artista a trabalhar com escultura e talha nesse período. Muitos outros artistas estão sendo descobertos, pesquisados e tendo seus nomes divulgados pelos historiadores da arte nos últimos anos. 2.4.2 Escultura popular A arte pode ser erudita, como a maioria das esculturas que já estudamos aqui, mas também pode ser popular. Isso significa que a arte é produzida mesmo por pessoas que não tiveram uma formação acadêmica artística e se torna expressão das tradições e da cultura popular. No caso do Brasil, um país tão extenso em território e em miscigenação, suas regiões têm grande variedade de obras que retratam crenças, miscigenação das raças e outras formas de cultura. As carrancas esculpidas na madeira (Figura 14), por exemplo, são colocadas nos barcos que navegam nos rios. A tradição diz que elas espantam os maus espíritos, portanto sua aparência amedrontadora permite afugentar todo o mal. História das artes visuais36 Figura 14 – Carrancas de madeira – Petrolina, Pernambuco, Brasil. El ys an ge la Fr ei ta s/ Sh ut te rs to ck Também na região do Nordeste brasileiro, encontramos um tipo de arte popular esculpida no barro. São figuras que retratam, muitas vezes, o povo típico daquela região, como artistas (Figura 15). Outra representação bastante encontrada dessas pequenas esculturas são os cangaceiros Lampião e Maria Bonita e as imagens de santos de devoção católica. Figura 15 – Músicos nordestinos M ar ci o Jo se B as to s Si lv a/ Sh ut te rs to ck Muitas dessas obras têm autores conhecidos regionalmente e são, constantemente, chamadas de artesanato, o que não está errado, pois não deixam de ser a demonstração do talento de representação de nossas tradições, memória e cultura. 2.5 Escultura contemporânea A partir do século XX, tudo se torna mais rápido: a evolução dos meios de transporte nos permite conhecer todo o mundo e, com isso, outras culturas e mais representações artísticas. Tudo influencia a todos no mundo globalizado. A tecnologia aproxima as pessoas e é capaz de Escultura: arte tridimensional 37 disponibilizar imagens, conhecimento e experiências globais. Todo esse contexto influencia, também, a arte, que passou a romper com as regras e os padrões que legitimavam o fazer artístico. Nesta seção, citaremos alguns escultores contemporâneos, mas não abordaremos todos, uma vez que são inúmeros e não caberiam aqui.Observaremos aqui uma pequena seleção, que pode servir como incentivo para conhecermos cada vez mais a arte contemporânea. Fernando Botero é um pintor e escultor colombiano, nascido em 1932. Uma característica marcante em praticamente todas as suas obras é a representação de pessoas e animais em grandes proporções, como podemos conferir na Figura 16. Figura 16 – Escultura de Fernando Botero Fl ic kr Li ck r/ W ik im ed ia C om m on s Fonte: BOTERO, Fernando. Grande pássaro. 1990. Singapura. Um artista de muitas facetas é o espanhol Picasso, que fez pinturas, esculturas (Figura 17), cerâmicas e até poesia, sendo considerado pertecente ao movimento abstrato e cubista, com um estilo pessoal inconfundível. Quem conhece alguma obra desse artista, ao ver outra, provavelmente a reconhecerá como arte do Picasso. Ele foi influenciado por vários artistas que o antecederam, mas não apenas pelos clássicos ou por outros de sua época, além de também usar “a arte primitiva como aríete contra a concepção clássica de beleza. Não somente as proporções, mas também a integridade orgânica e a continuidade do corpo humano são negados” (JANSON, 1996, p. 366). Ao usar o termo aríete, Janson (1996) se refere a uma grande tora de madeira usada em combate para derrubar barreiras e, com essa analogia, está nos dando uma grande referência da importância de Picasso como artista, que derrubou barreiras e influenciou inúmeros artistas do que é hoje conhecido como arte contemporânea. História das artes visuais38 Figura 17 – Escultura do Richard J. Daley Center. Jc ro ck er /W ik im ed ia C om m on s Fonte: PICASSO, P. Maquette for Richard J. Daley Center Sculpture. 1964. Chicago, Illinois, EUA. Umberto Boccioni tem uma liberdade artística presente no tamanho, na composição e nos materiais das obras. A Figura 18 traz um exemplo de escultura desconstruída, com chapas de metal cortadas e soldadas, produzida pelo artista Umberto Boccioni. Figura 18 – Escultura em bronze Fonte: BOCCIONI, Umberto. Formas únicas da continuidade no espaço. 1913. Bronze: 111,2 x 88,5 cm. Museu de Arte Contemporânea da USP, São Paulo. A artista plástica japonesa, naturalizada brasileira, Tomie Ohtake representa a leveza nas formas da escultura. Na Figura 19, podemos observar uma obra da artista que deixa a liberdade de criação evidente. Escultura: arte tridimensional 39 Figura 19 – Monumento Tomie Ohtake Ch ris tia n Er ic /W ik im ed ia C om m on s Fonte: OHTAKE, Tomie. Cem anos da imigração japonesa para o Brasil. 2008. Porto de Santos, Brasil. A seleção de esculturas, neste capítulo, foi feita de modo livre, assim como a concepção delas, visto que é importante deixarmos as imagens falarem por si. Alguns desses escultores contemporâneos ainda estão vivos e produzem suas obras, sendo possível conhecê-los e acompanhar a produção deles. Considerações finais Neste capítulo, abordamos um longo percurso de tempo, cruzando milhares de anos para compreender as obras de artes visuais em esculturas. Conhecemos o fazer artístico primitivo, do Egito Antigo, dos períodos greco-romano e renascentista, do Brasil e contemporâneo. No Brasil, foi possível, mesmo que brevemente, entender o percurso artístico original e relevante, desde a arte erudita até a arte popular. Sobre a arte contemporânea, foi possível conhecer um leque de escultores recentes e as infinitas possibilidades de suas obras. Ampliando seus conhecimentos • MOKHTAR, Gamal (editor). História Geral da África II. Brasília: UNESCO, 2010. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ue000319.pdf Para conhecer um pouco mais sobre a história e a arte dos faraós do Egito Antigo, você pode acessar esse livro que a Unesco disponibilizou on‑line. Ele não trata apenas da arte, mas de toda a história do continente africano, onde está inserido o Egito e outros países. Aqui você vai conhecer a história de civilizações africanas milenares que culminou na riqueza de arte do continente. História das artes visuais40 • A MÚMIA 3. Direção: Rob Cohen. Elenco: Brendan Frases, Jet Li, Maria Bello, John Hannah. Universal Pictures, 2008. (122 min.). Esse filme é interessante para conhecermos os guerreiros de terracota da China. Embora seja uma obra de ficção, nos ajuda a visualizar as esculturas do período. • CAMILLE Claudel. Direção: Bruno Nuytten. Elenco: Isabelle Adjani, Gérard Depardieu, Alain Cuny. DD Productions, 1989. (175 min.). O filme Camille Claudel nos ajuda a conhecer um pouco mais a história da escultura em bronze, produzida por Auguste Rodin e Camille Claudel na França do século XIX. É um filme com base na história dos dois escultores. Atividades 1. Descreva as matérias-primas que podem ser usadas na produção de esculturas ao longo de sua história e onde elas podem ser encontradas. 2. Como as obras de arte da Grécia e Roma antigas influenciaram artistas ao longo da história? Cite ao menos um artista que tenha sido marcado por esse período. 3. Determine algumas características das obras contemporâneas. Referências COUTO, S. P. A extraordinária história da China. São Paulo: Universo dos Livros, 2008. GRAMMONT, G. de. Aleijadinho e o Aeroplano: o paraíso barroco e a construção do herói colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. HOLANDA, Sérgio Buarque de (Intr./org.). A época colonial, tomo II: administração, economia, sociedade. (Coleção: História Geral da Civilização brasileira; v.1, t.2) Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. JANSON, H. W. Iniciação à história da arte. São Paulo: Martins Fontes, 1996. VELÁZQUEZ. C. A história da Vênus feita arte em Willendorf. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 29, jul. 2017, Brasília, Anais [...]. Brasília: UNB, 2017. Disponível em: https://www.snh2017.anpuh.org/ resources/anais/54/1501619461_ARQUIVO_AVenusdeWillendorf.pdf. Acesso em: 14 out. 2019. YOYOTTE, J. O Egito faraônico: sociedade, economia e cultura. In: MOKHTAR, Gamal (editor). História Geral da África II. Brasília: UNESCO, 2010. https://www.snh2017.anpuh.org/resources/anais/54/1501619461_ARQUIVO_AVenusdeWillendorf.pdf https://www.snh2017.anpuh.org/resources/anais/54/1501619461_ARQUIVO_AVenusdeWillendorf.pdf 3 Fotografia e cinema: a captura do momento e do movimento Neste capítulo, abordaremos a história da fotografia e do cinema. Para isso, faremos uma viagem no tempo e voltaremos dois séculos. Começaremos pela origem e evolução da arte de capturar e fixar um momento: a fotografia; em seguida, conheceremos a história do cinema, que teve origem ao ceder movimento à fotografia. 3.1 Fotografia, primeiros experimentos (origem) Ao delinear a base e o contexto necessários para o surgimento da fotografia, verificamos que o mundo experimentou uma grande mudança a partir do momento em que o modo de produção deixou de ser apenas artesanal e passou a usar de novas tecnologias para produzir em escala industrial. Essa produção envolveu grandes mudanças, como o surgimento das máquinas a vapor e da energia elétrica, ambos impulsionando a produção das fábricas. O surgimento da fotografia está intimamente ligado a esse período. Segundo Kossoy (2001, p. 25), Com a Revolução Industrial verifica-se um enorme desenvolvimento das ciências: surge naquele processo de transformação econômica, social e cultural uma série de invenções que viriam influir decisivamente nos rumos da história moderna. A fotografia, uma das invenções que ocorre naquele contexto, teria papel fundamental enquanto possibilidade inovadora de informação e conhecimento, instrumento de apoio à pesquisa nos diferentes campos da ciência e também como forma de expressão artística. Desse modo, a fotografia surgiu no século XIX e foi se aperfeiçoando até chegar ao que conhecemos hoje. Conforme Janson (1996, p. 424), Em 1822, um inventor francês chamado Joseph Nicéphore Niépce conseguiu, aos 57 anos, fazer a primeira imagem fotográfica permanente, embora a mais antiga de suas fotos que chegou até nós seja de1826. Na época Niépce juntou suas forças às de um jovem chamado Louis Jacques Mandé Daguerre, que havia criado uma câmara improvisada. Depois de mais de dez anos de pesquisas químicas e mecânicas, o daguerreotipo, usando exposições positivas, foi trazido a público em 1839, dando origem à era da fotografia. Outros inventores já haviam tentado esse feito, mas o grande desafio era descobrir a substância ou o processo que permitiria fixar imagens reais em um suporte. Quando a fotografia foi inventada, nem se imaginava a possibilidade das fotos digitais, como as que temos hoje. As fotos tinham que ser feitas dentro de uma câmara escura, pois se entrassem em contato com a luz, não seria possível fixar a imagem vista na frente da lente do fotógrafo no papel localizado no fundo da câmera. Demorou até que esse efeito fosse possível, uma vez que era necessário descobrir qual produto químico devia ser usado para fixar a imagem no papel. História das artes visuais42 Daguerreótipo foi o nome dado à primeira câmera fotográfica, em uma evidente homenagem ao jovem de sobrenome Daguerre que se uniu a Nièpce. A seguir, podemos ver uma ilustração do daguerreótipo. Figura 1 – Daguerreótipo (1839) Cl ap la nt e/ W .C om m on s Os motores a vapor foram um dos maiores exemplos de toda inovação no período que compreendeu a invenção da fotografia. Utilizados nas máquinas das fábricas, nos trens e nos navios, os motores a vapor eram impulsionados pela queima de carvão e foram sendo aperfeiçoados ao longo do século XIX. Esses meios de transporte mais rápidos permitiram a muitos fotógrafos que viajassem pelo mundo registrando cidades, pessoas em suas rotinas, monumentos, paisagens e até obras de arte, como pinturas, que passaram a ser amplamente conhecidas pela circulação cada vez maior das fotografias ao redor do mundo, possibilitando aos indivíduos conhecer lugares e pessoas, sem a necessidade de ter o efetivo contato. Entretanto, essa forma artística acabou gerando para si uma “reputação pouco atraente de ser a mais realista e, portanto, a mais fácil das artes miméticas” (SONTAG, 2004, p. 34). 3.1.1 Fixando uma imagem, um momento O daguerreótipo foi a primeira câmera a ser comercializada. Considerado um objeto de fácil transporte e manuseio, para os que dominavam suas técnicas, espalhou-se aos poucos pelo mundo, reproduzindo imagens de lugares antes desconhecidos. O mundo tornou-se de certa forma “familiar” após o advento da fotografia; o homem passou a ter um conhecimento mais preciso e amplo de outras realidades que lhe eram, até aquele momento, transmitidas unicamente pela tradição escrita, verbal e pictórica. Com a descoberta da fotografia e, mais tarde, com o desenvolvimento da indústria, que possibilitou a multiplicação da imagem fotográfica em quantidades cada vez maiores através da via impressa, iniciou-se um novo processo de conhecimento do mundo, porém de um mundo em detalhe, posto que fragmentário em termos visuais e, portanto, contextuais. (KOSSOY, 2001, p. 26) mimética: vem de mimese, que, do grego, significa imitação. Fotografia e cinema: a captura do momento e do movimento 43 Isso nos permitiu conhecer, hoje, os rostos de pessoas ilustres ou mesmo de familiares e antepassados. Foi possível também registrar acontecimentos, o que marcou o início do uso de imagens jornalísticas, pois “fotos fornecem um testemunho. Algo de que ouvimos falar, mas de que duvidamos, parece comprovado quando nos mostram uma foto” (SONTAG, 2004, p. 9). As primeiras fotos só podiam ser reproduzidas em preto e branco e ainda não possuíam a nitidez das fotografias atuais. A seguir, na Figura 2 observaremos uma foto feita com o daguerreótipo. Figura 2 – Foto de Munique, na Alemanha, feita com o daguerreótipo. Franz von Kobell; Carl August von Steinheil; James E. Pioneiros da fotografia na Alemanha 1839-1869. Foto de Munique, 1839, em papel de cloreto de prata. Uma foto é um registro de um momento único, que não se repetirá no tempo. De acordo com Barthes (1984, p. 129), “toda fotografia é um certificado de presença. Esse certificado é o gene novo que sua invenção introduziu na família das imagens”. É importante, também, saber que “três elementos são essenciais para a realização de uma fotografia: o assunto, o fotógrafo e a tecnologia” (KOSSOY, 2001, p. 37) e esses elementos se completam “quando o objeto teve sua imagem cristalizada na bidimensão do material sensível, num preciso e definido espaço e tempo” (KOSSOY, 2001, p. 37). Outra foto pode ser reproduzida com a mesma pessoa ou paisagem, no entanto se trata de outro momento, em que, de alguma maneira, será possível observar alguma diferença em relação à imagem anterior. Após o início da Revolução Industrial, as mudanças foram se tornando cada vez mais velozes. Grande parte da população se deslocou do campo às cidades para trabalhar nas fábricas; as transformações trouxeram invenções, benefícios e novos desafios sociais e econômicos. A fotografia faz parte das grandes inovações e, curiosamente, foi também a responsável por registrar toda essa vertiginosa mudança mundial. As imagens sem conta produzidas a partir de 1840 dos micro aspectos captados de diferentes contextos sócio geográficos tem preservado a memória visual de inúmeros fragmentos do mundo, dos seus cenários e personagens, dos seus eventos contínuos, de suas transformações ininterruptas. (KOSSOY, 2001, p. 27) História das artes visuais44 A fotografia em preto e branco percorreu um longo caminho e sua versão colorida foi inventada somente no século XX. Com isso, houve a continuidade do aperfeiçoamento das câmeras, com o intuito de melhorar a qualidade das fotos produzidas. A Figura 3 a seguir exemplifica um pouco a trajetória evolutiva dos aparelhos de fotografia. Figura 3 – Evolução das câmeras fotográficas do século XIX ao XX. Ba bi ch A le xa nd er /S hu tt er st oc k Da esquerda para a direita: daguerreótipo (1839), câmera de fole (1947), Rolleiflex (1950), Leica (1958) e Canon (1983). A popularização das câmeras veio com o surgimento do filme fotográfico (Figura 4), que facilitou a revelação das imagens e possibilitou a cópia de uma mesma fotografia quantas vezes fosse desejado. Figura 4 – Rolo de filme fotográfico Ch am ill e W hi te /S hu tt er st oc k 3.1.2 Fotografia: do simples retrato à arte Todo conhecimento acumulado até aqui nos leva, finalmente, à questão central da relação entre a fotografia e as artes visuais. A fotografia é uma arte? O fato de ainda colocarmos essa questão é uma prova de que esse debate continua em aberto. As respostas têm variado de acordo com as mudanças relativas à definição e à compreensão da arte. Em si, naturalmente, a fotografia é apenas um meio (como a pintura a óleo ou pastel) utilizado para fazer arte, sem qualquer pretensão intrínseca de ser arte. Afinal, o que faz com que algo seja arte e não apenas habilidade é por que, e não como, tal coisa é feita. No entanto, assim como a arte, a fotografia também está associada à criatividade, pois, por sua própria natureza, seu desempenho envolve necessariamente a imaginação. (JANSON, 1996, p. 424) Fotografia e cinema: a captura do momento e do movimento 45 Não é toda fotografia que é considerada arte. O que faz da fotografia arte é o olhar criativo de alguns fotógrafos. Nesse debate, conforme Janson (1997), entre alguns exemplos de fotografias como representação artística estão as da fotógrafa Dorothea Lange. A Figura 5, denominada Mãe migrante da Califórnia, nos permite observar o olhar de Lange, que, em 1936, registrou uma mãe com seus filhos, todos atingidos pela fome ocasionada pelo efeito da depressão econômica iniciada nos Estados Unidos da América em 1929. Além da estética, o impacto da imagem, dentro do contexto histórico, a tornou um objeto artístico conhecido em todo o mundo. Figura 5 – Mãe e filhos migrantes da Califórnia, 1936. D or ot he a La ng e/ W .C om m on s Fonte: LANGE, Dorothea.
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