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EDUCAÇÃO PARA O TURISMO: UMA ANÁLISE DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NO ENSINO FUNDAMENTAL Ivana Carolina Alves da Silva Souza¹ Francisca de Paula Santos da Silva² Universidade do Estado da Bahia (Uneb) Resumo: O presente trabalho revela os resultados da monografia intitulada “Educação para o Turismo: uma análise das práticas pedagógicas no ensino fundamental”, estudo de caso realizado na Escola Estadual Severino Vieira (Salvador-Ba) no ano de 2009 e apresentado ao curso de Turismo e Hotelaria da UNEB em 2010. Essa pesquisa traz reflexões acerca da análise das práticas pedagógicas realizadas por professores da disciplina turismo nessa escola. Para tanto, o estudo envolveu a realização de entrevistas com professores e gestores da escola, e a aplicação de formulários aos estudantes. As constatações obtidas permitiram questionamentos no que tange à necessidade de maior diálogo entre o turismo e a educação, bem como o desenvolvimento de práticas pedagógicas que estimulem a participação cidadã e a consciência turística dos estudantes residentes. Palavras-chave: Turismo; Educação; Práticas pedagógicas; Ensino Fundamental; Escola Estadual Severino Vieira. 1. INTRODUÇÃO A atividade turística tem como característica basilar o deslocamento de pessoas, de maneira a permitir interações de natureza cultural, social e econômica, as quais imprimem nessa atividade um caráter complexo, amplo e multifacetado. Essa facilidade de trânsito interdisciplinar faz com que o turismo adquira diversas denominações, principalmente as que o classificam unicamente como atividade econômica. Entretanto, Banducci Jr (2001) salienta que mesmo sendo o turismo elemento da sociedade pós-moderna consumista, este não pode ser tratado apenas do ponto de vista econômico. Nesse sentido, Moesch (2002) ratifica a importância de concebê-lo como fenômeno, uma vez que o turismo observado apenas sob o viés economicista impossibilita ¹ Bacharel em turismo e hotelaria pela UNEB – HUivanacarolina.souza@gmail.comU ² Doutora em Educação pela UFBA, professora adjunta do curso de turismo e hotelaria – UNEB - HUfsilva@uneb.brU uma análise mais profunda desse fenômeno, ficando restrito a dados e projeções estatísticas. Para conceituar o turismo, essa autora, utiliza como base as relações interpessoais existentes o contato entre o turista e o residente, justificando o turismo enquanto fenômeno social por ser “uma combinação complexa de inter-relacionamento entre produção e serviços, em cuja composição integram-se uma prática social com base cultural, com herança histórica, a um meio ambiente diverso, cartografia natural, relações sociais de hospitalidade, troca de informações interculturais”. (MOESCH 2002, p.9). Por isto, é importante salientar, que o turismo não pode ser visto apenas na perspectiva do mercado e da atenção aos desejos dos turistas, pois, assim como defende Goodey (2002), o local estruturado como palco para as “intervenções turísticas” e fonte de satisfação das vontades dos visitantes são dotados, de símbolos, valores, tradições, costumes, e por pessoas, as quais deram identidade aquele espaço, que merece ter sua integridade respeitada e preservada. Nessa perspectiva, faz-se necessário que o habitante local se conscientize sobre a importância de reconhecer e valorizar os elementos de sua história e do seu espaço de convívio. E para que esse processo seja possível, a educação deve se figurar como via de acesso à construção de uma visão sócio-crítica e consciente da comunidade perante o seu patrimônio e a sua própria existência, de maneira a viabilizar o desenvolvimento sustentado da atividade, e principalmente a inclusão e a participação dos residentes locais nas ações inerentes ao turismo e a sua cidade. 2. TURISMO E EDUCAÇÃO: COSTRUINDO DIÁLOGOS Nesse sentido, o turismo e a educação podem revelar seus pontos de convergência, e canais de diálogo. Azevedo (1999) ratifica que existe sim, comunicação entre educação e turismo, mostrando os principais pontos de aproximação entre esses campos do saber. Esse autor destaca fatores como a natureza humana, as relações sociais, a interdisciplinaridade, a relação existente entre o espaço e a cultura no universo do turismo e a educação ambiental, a qual pode estar inserida no turismo como potencial ou como método aplicável em áreas turísticas. Elementos comuns tanto ao universo turístico, quanto ao universo educacional. Apesar de essas correlações evidenciarem a natureza relacional entre turismo e educação, na prática essa realidade ainda se distancia, o que impede a percepção das diferentes facetas do fenômeno turístico e as possibilidades de aproveitá-lo sob uma visão mais humanística, construtiva e enquanto mecanismo de desenvolvimento da comunidade receptora. A interação entre o turista e o residente representa uma ponte de aproximação que viabiliza a troca de experiências, de culturas, de modos de pensar e agir, que podem conduzir tanto o turista quanto o morador a uma nova compreensão do mundo e das relações que permeiam culturas distintas. Possivelmente o sentimento de pertencimento à sua cultura auxilie ao residente nesse processo, fazendo-o reconhecer suas origens e a importância desta, sinalizando seu papel na comunidade. E o turismo pode ser agente de transformações ao atuar como um vetor educacional. Entretanto, para que o turismo seja compreendido enquanto instrumento de educação, de formação crítica e consciente, é primordial o reconhecimento da sua natureza social e dos aspectos que lhe dão essa condição de agente sócio-transformador. A exemplo da sua dinamicidade, e interdisciplinaridade, que lhe permitem abarcar elementos inerentes a cultura e a diversidade, e construir diálogos diretos com diferentes áreas do conhecimento, como a educação por exemplo. 3. EDUCAÇÃO PARA O TURISMO: CAMINHOS PARA A CONSCIENTIZ(AÇÃO) Na tentativa de encontrar um ponto de equilíbrio entre o turismo e o seu próprio sustento, vem crescendo no mundo uma mobilização em defesa da sustentabilidade da atividade, através de estratégias educativas, que realcem outra dimensão do turismo, enaltecendo as possibilidades de desenvolvê-lo, praticá-lo e usufruí-lo de maneira mais controlada e sustentada. Trata-se da educação para o turismo, um movimento que vem ganhando notória representatividade na sociedade mundial, especialmente nos últimos 50 anos, porém, assim como a própria indústria, sua natureza é muito fragmentada. (COOPER; SHEPERD; WESTLAKE, 2001). Na visão de Portuguez (2001) essa dissociação que inviabiliza um processo educacional para o turismo mais eficaz, é o fato de a atividade ainda estar vinculada a uma visão econômica, pois, enquanto os atrativos e potenciais turísticos são divulgados, o estudo do planejamento dos mesmos para garantir o desenvolvimento não é tido como prioridade. Dessa forma, a atividade cresce em ritmo frenético e predatório. A fim de controlar esse crescimento, que se faz de suma importância estabelecer diretrizes e incentivos voltados a construção de uma consciência para o turismo. O objetivo é evitar que a apropriação inadequada da atividade sobre as paisagens turísticas, continuem a depredar as cidades e patrimônios pertencentes à humanidade. Consciência para o turismo implica na desconstrução de uma postura de comodismo e passividade, ela requer participação direta dos agentes envolvidos, incluindo gestores, empresários, comunidade e turistas, para a construção de uma identidade, o entendimento, a defesa e a realização de ações que permitam mitigar os danos da atividade. Nesse sentido, Ribas (2002) defende o seguinte propósito: [...] educar para o turismo é uma necessidade para que o desenvolvimento da atividade turística não seja responsável pela extinção da mesma, pois sem planejamento para o progresso, o turismo pode ocorrer de modoque a constante presença humana venha a esgotar os recursos e atrativos, os quais compõem sua matéria-prima. A educação é um dos aportes fundamentais de estímulo e desenvolvimento de qualquer tipo de atividade. E uma das fragilidades do turismo é o não aproveitamento dessa ferramenta para permitir um desenvolvimento integrado dos agentes responsáveis pelo seu funcionamento, se configurando numa ingênua contradição; afinal é impossível estabelecer uma relação sadia e homogênea se os entes que compõem essa cadeia estrutural não são intercomunicantes. Contudo, é válido frisar que por ser integrante do espaço turístico visitado, a comunidade tem por direito participar das decisões concernentes ao planejamento e desenvolvimento do turismo, afinal, eles se constituem em uma das bases de sustentação da atividade e a personificação do local. Rodrigues (1999) ainda salienta que é de vital importância instrumentalizar através da educação para o turismo as comunidades locais, a fim de torná-los elementos ativos nos projetos turísticos e indivíduos inseridos na realidade do turismo de maneira atuante: o respeito na relação entre turista e visitante se fundamenta na compreensão dos valores culturais e das crenças que nos levam a ter comportamentos distintos. Para isto é fundamental a comunicação bem como todos os outros meios de que a indústria do turismo pode hoje se valer, mas também requer que a comunidade conheça a si própria. A essência do planejamento turístico local é que a comunidade, em todos os seus segmentos, tenha consciência de seu patrimônio, tanto do patrimônio material quanto do imaterial e que decida sobre aquilo que deseja compartilhar e o que deseja guardar para si, e que escolha onde e como deseja que esta troca ocorra. É claro que a educação, a consciência ambiental e uma noção razoável de Geografia e História precedem qualquer compartilhamento com outrem. A base da eficácia do turismo sustentável é assim, o autoconhecimento e uma administração consciente do ambiente, pelo qual somos temporariamente responsáveis (GOODEY, 2002 p. 55). Quando o turismo assume o seu caráter educacional, ele ajuda a resgatar as práticas de lazer e cultura, indispensáveis para o desenvolvimento da cidadania, sensibilizando os residentes para a preservação dos patrimônios da cidade e do meio ambiente, além de valorizar a saúde da comunidade, e despertar o respeito pela vida coletiva. Assim, percebe-se a possibilidade de desmitificar a idéia de que o turismo se resume unicamente a festas e viagens, geralmente vistas sob uma ótica preconceituosa. Fazendo com que, até mesmo aquele cidadão mais alheio ao universo turístico, se sinta estimulado a interagir, participar e compreender que assim como o turista ele também é figura essencial para que o turismo funcione. E nada mais adequado do que estimular o cidadão a conscientizar-se para o turismo, desde seus primeiros anos escolares, pois, é também na escola que ele construirá seus projetos de vida enquanto integrante da sociedade. No entanto, embora a característica multifacetada do turismo favoreça a implantação de um processo educacional, devido a sua facilidade de trânsito interdisciplinar, ainda existe algumas dificuldades, que inviabilizam o estabelecimento de um conectivo entre o turismo e a educação escolar, bem como entraves estruturais, sócio-culturais e políticos que acompanham a atividade turística brasileira e o sistema nacional de ensino. 4. AS POSSIBILIDADES DE UMA EDUCAÇÃO CONSTRUTIVISTA Falar de educação e turismo exige descobrir os reais sentidos de palavras como participação, transformação e construção. Partindo dessa premissa, que a teoria da educação que fundamentou a pesquisa permeou os pensadores do construtivismo. Autores como Moretto (2002) e Fosnot (1998) os quais consideram o foco de um processo educativo a construção do conhecimento, onde o sujeito é visto como agente transformador, crítico e participativo. Tal como Freire (1977) ao conceber a educação como um ato de desenvolvimento humano, que permita ao indivíduo contribuir para o progresso da sociedade, através de uma participação responsável, consciente, possível através da vivência da humanidade e do acúmulo de experiências consigo e com o outro. Delors (2001, p.19) complementa esta visão, supondo um ideal de educação: trata-se de aprender a viver juntos, desenvolvendo o conhecimento acerca dos outros, da sua história, tradições e espiritualidade. E a partir daí, criar um espírito novo que graças, precisamente, a esta percepção das nossas crescentes interdependências, e graças a uma análise partilhada dos riscos e dos desafios do futuro, conduza à realização de projetos comuns ou, então, a uma gestão inteligente e apaziguadora dos inevitáveis conflitos; utopia pensarão alguns, mas utopia necessária, utopia vital para sair do ciclo perigoso que se alimenta do cinismo e da resignação. Por isso, a escola tida como um dos principais agentes de educação formal, deve se inserir nesse processo e nessa realidade. Bauer e Bassi (2006) defendem que a instituição escolar precisa estar comprometida com o desenvolvimento de capacidades que permitam intervir na sociedade para transformá-la, já que um indivíduo com valores pode ser o início do caminho para um mundo melhor, não podendo mais tratar os valores apenas como conceitos idéias: os conhecimentos que se transmitem e se recriam na escola, ganham sentido quando se tornam produto de uma construção dinâmica entre os saberes escolares e os demais saberes. A escola deve possibilitar ao aluno a valorização da cultura do seu grupo e, ao mesmo tempo, ultrapassar seus limites propiciando o acesso ao saber elaborado na cultura brasileira e aquele que faz parte do patrimônio universal da humanidade. (SILVA apud PORTUGUEZ, 2001, p.79). Tais propósitos se configuram como um ideal teórico para fundamentar um processo de educação turística, dada a relevância desse tema e o poder de intervenção que ele possui perante a sociedade, a cultura e os valores humanos. Todavia, embora os Parâmetros Curriculares Nacionais e os Temas Transversais instituídos pelo MEC demonstrem possibilidades viáveis de investir neste tipo de educação, a prática revela outra realidade. 5. EDUCAÇÃO PARA O TURISMO NO ENSINO FUNDAMENTAL Os temas transversais compreendem um universo de sub-temas, ou seja, assuntos que geralmente estão com visibilidade no cenário social em que a escola está inserida, e que se adéquam a natureza daquele tema central. Os temas propostos pelo Ministério da Educação (MEC) são: Ética, Meio Ambiente, Orientação Sexual, Pluralidade Cultural, Saúde, Trabalho e Consumo. Temas como o turismo são desenvolvidos como sub-temas desses temas macros e concebidos como disciplinas da grade curricular diversa. A natureza do turismo permite que a disciplina dialogue com todos os temas transversais propostos pelo MEC. Assim como sugere Ribas (2002), a Ética poderia ser utilizada na análise dos comportamentos e condutas do turista no local visitado; a pluralidade cultural, explorando a migração que influenciou na formação do povo brasileiro; as diversidades culturais existentes nas regiões brasileiras, trabalhando conflitos sociais, a exemplo do etnocentrismo e do racismo; o meio ambiente envolvendo a preservação, educação ambiental, conservação, a relação entre o meio natural e o meio urbano, o problema do lixo nas cidades e sua influência na saúde da população, os aglomerados urbanos, e ainda a sexualidade com a prática ilegal do turismo sexual. A inserção do turismo no âmbito educacional possibilita percepções de que o fenômeno se tornou relevante no contexto social brasileiro e como defende Portuguez (1999), não pode mais ser posto à margem do processo educativo, visto que, os estudantes têm a necessidade e o direito de analisá-lo,criticá-lo, pesquisá-lo e, ou, com ele conviver de forma mais consciente: o sujeito, ou seja, o próprio aluno é considerado um ser atuante que através da interação com os professores, com os companheiros de sala, com os recursos didáticos, com o meio social e também do resgate da sua vivência e da sua percepção cultural, constrói significados sobre os conteúdos da aprendizagem. É este o sujeito atuante capaz de modificar, desenvolver e enriquecer os instrumentos de ação e interpretação no âmbito social. (BRASIL, 1998). No estudo da disciplina turismo o interessante seria estimular os estudantes a conhecer e divulgar informações sobre seu local de vivência e a valorizar a cultura, e os aspectos naturais e sociais do contexto em que eles estão inseridos, permitindo que eles reconheçam as oportunidades e também os prejuízos da área, os quais são geralmente ocasionados pela ausência de planejamento turístico local. Por isso, se torna importante a sensibilização dos educandos, no que se refere a conservação/preservação e sustentabilidade dos patrimônios culturais, além do entendimento das relações de consumo no turismo, identificando os danos que elas podem acarretar ao meio e às relações humanas. Sendo assim, o próprio residente poderá ainda contribuir para formar turistas com uma “bagagem cidadã”, o que seria a postura digna de visitante. (MOESCH, 2001, apud RIBAS, 2002). Esse leque de possibilidade demonstra o potencial do turismo enquanto disciplina diversa, uma vez que ela pode ser trabalhada transversalmente com todos os temas sugeridos pelo Ministério da Educação (MEC) e as demais disciplinas tradicionais. No entanto, Ribas (2002) mostra que a disciplina turismo no ensino fundamental é desenvolvida sob outra perspectiva prática em várias localidades brasileiras. As inúmeras tentativas de instrumentalização para o turismo se dão através de programas oficias e imediatistas, muitas vezes implantados nas escolas de nível fundamental e médio. Portuguez (1999) acredita que essas medidas são concebidas como oportunidade de superação dos muitos problemas relativos ao fenômeno turístico; contudo, poucas são as contribuições para o enriquecimento do referencial crítico das populações receptoras, público alvo desses programas. Afinal, eles são organizados geralmente para ensinar moradores dos lugares turísticos a receberem bem o turista, visando seu retorno; e é com esse retorno que se acredita poder desfrutar das “maravilhosas” possibilidades financeiras que o setor pode proporcionar. Tais medidas, não podem ser consideradas processos de educação para o turismo, que possibilitem a conscientização, afinal, elas não permitem ao residente desenvolver uma percepção crítica e consciente sobre a atividade. Educar para o turismo requer a apresentação de questões que interroguem sobre o cotidiano do turismo e permita ao morador refletir sobre a sua relação com a atividade, como ela está sendo desenvolvida e qual papel ele deve figurar para também auxiliar no desenvolvimento desta. Como supõe Azevedo (1999), um processo de educação para o turismo, e para conscientização, não deve ter como objetivo único fornecer ao estudante conhecimento específico e técnico da área, mas também, evidenciar o quanto a educação turística pode servir para a sensibilização do educando perante sua cidade e seus recursos naturais, edificados e culturais, criando valores que não são intrínsecos aos jovens de hoje. Comumente, quando se fala em educação para o turismo, há uma preocupação maior em estabelecer um processo educativo voltado para os docentes dos cursos superiores e técnicos da área, buscando a excelência do setor apenas com uma visão mercadológica, ou seja, mão de obra capacitada para atuar no mercado. Poucos são os docentes que trabalham ou desejam desenvolver o turismo no ensino fundamental e médio de modo a possibilitar-lhes uma visão mais humana do turismo. (RIBAS, 2002). Essa autora ainda salienta que a criação de disciplinas como o turismo, é geralmente idéia dos professores, estes, mesmo com o apoio de suas instituições deparam-se com alguns problemas de cunho teórico e metodológico, afinal, não são todos os educadores que receberam em sua formação conteúdos necessários para aplicar o ensino do turismo. Dentre os problemas encontrados estão: inexistência de uma orientação específica para o turismo e o pouco embasamento teórico, ausência de livros técnicos, bibliografia restrita, fontes teóricas de pouca credibilidade, material didático precário, falta de tempo dos professores, ausência de aulas práticas de campo, de oficinas e da ludicidade. Os chamados temas transversais instituídos pelo MEC são uma excelente proposta das autoridades nacionais. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais, embora sua importância seja realçada, há pouca orientação sobre como abordar esses temas. Essa abordagem não se resolve com currículos ou programas, mas com uma mudança de atitude por parte dos professores de todas as disciplinas diversas. O ideal seria adotar uma nova postura com relação à educação, através do conhecimento de si próprio, da sociedade, da natureza e do universo (HANNAS; PEREIRA, 2000). Essa falta de orientação tem como resultado questionamentos acerca da ausência do bacharel em turismo nesse processo, tanto em sala de aula, quanto na orientação destes professores que lecionam a disciplina turismo no ensino fundamental. A interferência de um profissional que tenha conhecimento mais aprofundado sobre o turismo, certamente permitiria a diminuição de equívocos teóricos, além de estimular um trabalho mais efetivo e direcionado e até mesmo contribuir para a formação de uma nova postura dos professores perante esta disciplina. Os professores podem desenvolver suas práticas pedagógicas, em consonância com as diretrizes do ensino fundamental, as quais defendem que: as escolas deverão estabelecer, como norteadores de suas ações pedagógicas: a] os princípios éticos da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem comum; b] os princípios políticos dos direitos e deveres de cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática; c] os princípios estéticos da sensibilidade, da criatividade, e da diversidade de manifestações artísticas e culturais. Estes princípios deverão fundamentar as práticas pedagógicas das escolas, pois será por meio da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem comum que a ética fará parte da vida cidadã dos alunos. (BRASIL, 1998) Portanto, o professor é figura preponderante neste processo, para permitir que o estudante concilie o conteúdo aprendido em aula, com a realidade que o circunda. Portanto espera-se que o professor tenha uma preparação para que ele não transmita apenas uma visão economicista, mas uma visão ampla do fenômeno. Outra determinante é o trabalho com a multidisciplinaridade, que se faz importante para a elaboração de aulas interativas que propiciem o bom desempenho dos estudantes e se torne um veículo ideal de educação para a vida, para a cidadania e para o desenvolvimento humano-social; próprio para ser cultivado em solo escolar e disseminado para além dos muros da escola. Os itens elencados são apenas alguns dos entraves estruturais encontrados pelas escolas, para se implantar um processo de educação para o turismo. É válido frisar que essas dificuldades muitas vezes podem acarretar no desestímulo do docente e no baixo desempenho da disciplina. Nesse sentido, a escola possivelmente encontrará subsídios que fortaleçam e estimulem a ação do professor em sala de aula, Ribas (2002) sugere a criação de parcerias com empresas públicas e privadas que possibilitem trabalhar o tema de maneira consistente, atrativa e eficaz, a exemplo de, visitas de campo, participação em eventos culturais entre outras atividades.A pesquisa de campo realizada em 2010 revelou que na Bahia, a situação não é diferente, além desses problemas, as disciplinas diversas, como o turismo sofrem o descaso de professores, gestores e estudantes, uma vez que é concebida como complemento à carga horária. Um exemplo deste desmerecimento à categoria diversa no estado é a não catalogação das instituições locais e suas respectivas disciplinas, o que inviabilizou o reconhecimento total das escolas baianas que lecionam turismo no ensino fundamental E diante da tradição turística da Bahia, que a consagra um dos principais redutos do turismo, o estado tem necessidade e obrigação de atuar como um dos locais que estimulam a implantação e melhor desempenho da disciplina turismo no ensino fundamental, uma vez que, a situação do planejamento e do desenvolvimento turístico nas cidades baianas, não desponta como uma das mais satisfatórias. 6. PRÁTICAS PEDAGÓGICAS PARA O TURISMO: UMA ANÁLISE DA ESCOLA ESTADUAL SEVERINO VIEIRA Conforme a lógica construtivista, a prática pedagógica é essencialmente ação, diz respeito a experiência, interação e realidade, por isso é indispensável o diálogo entre a teoria e a prática, a fim de possibilitar uma troca recíproca entre educador e educando e vice-versa. Neste sentido, Machado (2005) concebe a prática pedagógica como o produto entre a atividade do professor e do estudante. Considerando-se que a atividade crítica e criativa do estudante é fundamental para a ocorrência de aprendizagem significativa e sem a qual é impossível existir uma prática pedagógica. Partindo deste propósito, observa-se a urgência de uma educação focada na realidade, deste modo, as práticas pedagógicas atuais, devem exigir a identificação e apreensão de elementos da sociedade, os quais interferem no ambiente da escola. Esta, enquanto agente formador de cidadãos e sujeitos sociais necessita estar ciente de tais características, fundamentais para a formação do estudante. Como sugere Souza (2005), a escola deve ter como ponto de partida os aspectos da formação sócio-econômica brasileira: as relações de produção, classes sociais, cultura como prática social e ideologia. Nesta perspectiva, Giroux (1997) diz que em primeiro lugar, é importante considerar a prática pedagógica como parte de um processo social, ela envolve a dimensão educativa não apenas na esfera escolar, mas na dinâmica das relações sociais que produzem aprendizagens, que produzem o “educativo”. Sob esse prisma, as práticas pedagógicas realizadas com os estudantes da disciplina turismo foram analisadas mediante a investigação das relações dos sujeitos envolvidos, bem como a maneira como estes indivíduos concebem a atividade turística e como eles interagem com o espaço constitutivo e apropriado pelo turismo, sob o prisma de suas experiências, suas expectativas, seu contexto e sua visão perante este espaço e como esta percepção refletia sobre as práticas pedagógicas desenvolvidas para a disciplina. Em termos quantitativos, os instrumentos de coleta de dados foram direcionados a 01 vice-diretora, 03 professores de turismo, 01 coordenadora pedagógica e uma amostra de 115 estudantes. Esta amostra refere-se a 30% de um universo de 383 estudantes entre 11 e 16 anos que freqüentavam as aulas no ano letivo de 2009, nos períodos das 5ª a 8ª séries. Os profissionais envolvidos no desenvolvimento da disciplina demonstraram uma percepção muito interessante do turismo enquanto atividade, não sendo vista apenas como agente mercadológico, gerador de renda, empregos e discursos políticos, mas como uma atividade global, que envolve aspectos sociais, culturais, históricos, políticos e econômicos. Tanto gestores quanto professores reconhecem a importância do turismo e a necessidade de utilizá-lo como veículo de educação de base, em razão de sua permissividade, de sua área de abrangência e principalmente, por ser elemento influente na realidade dos estudantes de hoje. Embora lhes faltem um conhecimento mais elaborado sobre a atividade, nota-se um valioso esforço em desenvolver métodos e práticas que despertem o interesse do corpo estudantil por este assunto, bem como visitas de campo, e uso das artes, mesmo com todas as dificuldades de uma escola pública: escassez de recursos financeiros, de material didático, falta de interesse dos estudantes, indisponibilidade dos professores e principalmente o desmerecimento que permeia uma disciplina diversa. Outro tipo de atividade desenvolvida pelos professores é a utilização de cópias e questionários longos, práticas que não são bem recebidas, nem muito adequadas ao corpo estudantil, que possui entre 11 e 13 anos, e rejeitam o uso de atividades dessa natureza, conforme observado durante os relatos. O mais adequado não é abolir estas práticas por completo, mas sim adequá-las ao público e variar os procedimentos, trazendo algo diferente, pois, o adolescente necessita de algo que o motive, algo que lhe desperte o interesse de descobrir e prosseguir. A mesmice e a rotina desmotivam e podem contribuir para que a disciplina não seja vista com tanto valor pelo estudante, principalmente, quando não se tem uma obrigatoriedade de nota, como é o caso da disciplina turismo. Apesar de todas as dificuldades encontradas pelos professores da Escola Estadual Severino Vieira, para lecionar o turismo, ainda assim, a disciplina é muito bem recebida pelos discentes. Dentre os estudantes entrevistados, 85,2% gostam da disciplina, as justificativas foram variadas e demonstraram o interesse destas crianças em conhecer mais sobre Salvador, em descobrir lugares novos na cidade, a cultura e os pontos turísticos locais. Dessa forma, evidencia a necessidade da realização de trabalhos de campo, que permitam ao estudante, experienciar, vivenciar e descobrir. 77,4% dos estudantes já realizaram atividades extra classe com o Severino Vieira, os 22,6% que não tiveram essa experiência alegaram não poder participar, por falta de autorização dos pais ou por não terem sido selecionados para a atividade. Esta seleção que envolve notas, comportamento e participação nas aulas se dá em decorrência da escassez de recursos da escola para atender toda a demanda de estudantes, cuja maioria é de renda econômica baixa. Esta pesquisa revelou que a participação da escola é preponderante para os estudantes conhecerem espaços culturais como, museus, teatros e bibliotecas, locais de lazer que ainda são de pouco acesso, reconhecimento e interesse por parte da população mais carente. Dos 115 estudantes entrevistados, 80% já conhecem um museu, sendo que 57% deste total conheceram um museu graças a escola. A maioria dos estudantes da Escola Severino Vieira é residente de bairros periféricos de Salvador, locais marcados pelo elevado índice de violência e baixos indicadores sociais. Os estudantes entrevistados mostraram dificuldade em associar a disciplina turismo à atividade turística. Nenhuma das crianças entrevistadas conseguiu se identificar no processo turístico da cidade, ao não ser como guias de turismo ou exercendo alguma outra atividade profissional, os estudantes acreditam que esta é a maior contribuição da disciplina, prepará-los para dar informações aos turistas e trabalhar na área futuramente. Esse tipo de opinião demonstra o quanto a atividade turística, ainda é vista somente como oportunidade de renda, tornando urgente um trabalho de preparação desses jovens, afinal, estar consciente turisticamente não implica apenas em manter relações diretas com os visitantes, como pensa boa parte da população soteropolitana, mas é essencialmente, identificar-se com tudo aquilo que faz parte da cidade e que é apropriado pelo turismo, bens culturais, naturais e históricos, sejam eles materiais ou imateriais, que são de responsabilidade dos cidadãos de Salvador, os quais tem por dever conhecer,preservar e zelar para as gerações futuras. Tal sentimento de pertencimento e consciência que ainda não é cultuado por considerável parte da população soteropolitana, e é esta a realidade que também acompanha os estudantes da Escola Severino Vieira, carentes de um trabalho mais efetivo e direcionado. 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa revela que a Escola Estadual Severino Vieira enfrenta uma série de problemas estruturais e pedagógicos no que tange à disciplina turismo; entraves como a falta de recursos materiais para o desenvolvimento das aulas; carência de recursos didáticos; desmerecimento por parte do corpo docente da escola, por ser uma disciplina diversa, e principalmente, a inexistência de um referencial teórico mais consistente que estimule os estudantes a construírem uma visão sócio-crítica da atividade turística. Apesar de conseguirem compreender o turismo como um elemento sócio-cultural, e histórico, os professores não dispõem de uma orientação para lecionar a disciplina turismo, e auxiliá-los a imprimir esta visão social nos conteúdos apresentados e nas práticas desempenhadas. E assim, a disciplina vai sendo desenvolvida como extensão das áreas de formação dos professores em geografia e história. A falta de conhecimento sobre o turismo culmina na utilização de fontes teóricas pouco confiáveis, a exemplo de materiais promocionais e textos da internet. Tais contrapontos tornam ainda mais necessária a presença de bacharéis em turismo nesse processo de educação turística das crianças, seja na atuação em sala, ou até mesmo como orientação dos professores. Ainda assim, há de se salientar o esforço de alguns profissionais em desenvolver práticas pedagógicas criativas, como atividades lúdicas e visitas de campo, que são bem aceitas pelo corpo estudantil da escola, mas, que são mitigadas em razão das dificuldades destacadas e pela falta de credibilidade dos demais professores. O fato dos estudantes terem apreço pela disciplina, principalmente por causa dos assuntos, e pelo fato deles reconhecerem mais a cidade através dela, já são pontos positivos e potenciais para serem melhor trabalhados, de modo a transformar a disciplina num referencial de crítica, cidadania e consciência turística para os estudantes. Salientando que a utilização de estratégias como estas podem auxiliar na construção de uma nova postura dos baianos, no que tange à receptividade e à consciência do turismo, um trabalho de base a longo prazo, assim como a duração dos seus benefícios. Nesse sentido, a aproximação entre o conhecimento científico produzido nas universidades de turismo e o conhecimento produzido nas escolas de ensino fundamental se torna preponderante para a efetivação desse processo, carente de melhores intervenções. Essa proximidade seria uma oportunidade de desconcentrar o saber produzido na academia e distribuí-lo nas escolas. E por que não permitir uma socialização de experiência, e conhecimento entre professores e estudantes das universidades de turismo e das escolas de que aplicam esta disciplina? Uma alternativa para construir novos caminhos através do turismo, romper barreiras, trazer novas possibilidades, permitir experiências enriquecedoras aos sujeitos envolvidos e mostrar que ainda é possível formar cidadãos críticos na escola. 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AZEVEDO, João. Enraização de propostas turísticas. In: RODRIGUES, Adyr Balastreri. (org). Turismo e Desenvolvimento Local. São Paulo: Hucitec, 1999. p. 147-163. BANDUCCI JR. Álvaro; BARRETTO, Margarita (orgs.) Introdução. In: Turismo e Identidade Local: uma visão antropológica. Campinas, SP: Papirus, 2001. B AUER, Patrícia; BASSI, Tânia. “Ética e Responsabilidade Social no Ensino Fundamental”. Qual o Papel da Escola na Formação de Valores Humanos? In: Revista Integração. São Paulo: CETS, FGV – EAESP, n. 63, jun. 2006. 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