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HISTÓRIA, TEORIAS E FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO PENAL Autor: Nelson Natalino Frizon Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS Reitor: Prof. Dr. Malcon Tafner Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Profa. Hiandra Bárbara Götzinger Profa. Izilene Conceição Amaro Ewald Profa. Jociane Stolf Revisão de Conteúdo: Claudia Roczanski Pinheiro Revisão Gramatical: Marli Helena Faust Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci 345 F921h Frizon, Nelson Natalino História, teorias e fundamentos constitucionais do direito Penal. Nelson Natalino Frizon. Indaial : Uniasselvi, 2011. 107 p. : il. Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7830-471-3 1. Direito penal - Constitucional I. Centro Universitário Leonardo da Vinci CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (047) 3281-9000/3281-9090 Copyright © UNIASSELVI 2011 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Nelson Natalino Frizon Graduado em Filosofia pela FEBE/ UFSC, e em Direito pela UNIVALI, Mestre em Filosofia pela UFSC. É professor de nível superior e Advogado atuante na seccional de Itajaí/SC. Possui escritório com o sempre colaborador Dr. Thiago Vigarani de Figueiredo. Sumário APRESENTAÇÃO ..................................................................... 7 CAPÍTULO 1 Direito Penal na História ...................................................... 9 CAPÍTULO 2 Direito Penal Internacional ............................................... 35 CAPÍTULO 3 Direito Penal Constitucional ............................................. 67 CAPÍTULO 4 As Normas Penais em Processos Judiciais e Inquéritos Policiais ........................................... 91 7 APRESENTAÇÃO Prezado(a) Pós-graduando(a), o material que está sendo apresentado a vocês tem por objeto conhecer um pouco da história do direito penal, os tratados internacionais e os princípios constitucionais do direito penal brasileiro. É certo que a vida em sociedade visa ao bem comum, sendo o Estado o ente responsável por conduzir os cidadãos a esse fim. Toda organização social é possível através da cultura. A cultura humana desenvolve-se num corpo de obrigações, proibições e leis que devem ser cumpridas por motivos práticos, morais ou emocionais. Dentro da organização jurídica estatal cabe ao direito penal o arcabouço limitador e sancionador dos desvios e infrações jurídicas. O direito penal passou por várias fases até o estágio em que hoje se encontra. Esse estágio mais avançado do direito penal encontra-se no ordenamento jurídico do Estado democrático de direito. O Brasil, por sua constituição, é denominado Estado Democrático de Direito. Por isso, convidamos a recordar e analisar a história e a fundamentação do Direito Penal. No primeiro capítulo você poderá acompanhar breves abordagens históricas do Direito Penal Geral e do Direito Penal no Brasil, e acompanhar a evolução dos conceitos e fundamentos do Direito Penal e da Teoria Geral do Delito. Temas importantes para o operador do direito que atua no Direito Penal, pois o conteúdo apresentado auxiliará na compreensão sociológica e filosófica dos demais capítulos desta disciplina, como também será fundamental para a compreensão da parte especial do Direito Penal. O segundo capítulo aborda o tema Tratados e Convenções Internacionais, que será de importância ímpar para a compreensão das relações no mundo globalizado. Os povos evoluíram em seus sistemas de comunicação e isso possibilitou grandes avanços e melhorias na vida humana. No entanto, a criminalidade continuou se propagando e sob o véu da guerra muitos crimes contra a vida continuaram a ser cometidos dolosamente. A necessidade de demonstrar que os crimes não poderiam ficar impunes fez com que a comunidade internacional discutisse pontos específicos no direito internacional penal. Os Tratados e Convenções foram decisivos para a criação dos Tribunais Penais Internacionais e para a Corte Internacional Penal. No terceiro capítulo serão abordados os aspectos essenciais do Direito Penal na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, observando- se especialmente os direitos e garantias constitucionais, os princípios penais, as limitações e as proibições da pena. 8 No quarto capítulo você vai encontrar subsídios para compreender a evolução do modelo acusatório no processo penal. Na parte das normas penais judiciais será possível entender a função do Inquérito Penal e como são instauradas as diferentes formas de ação penal existentes no ordenamento brasileiro. O material está aqui, é hora de se inteirar do seu conteúdo e aprofundar a pesquisa jurídica. CAPÍTULO 1 Direito Penal na História A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 3 Apresentar a evolução histórica do Direito Penal, identificando os elementos caracterizadores do delito. 3 Compreender os conceitos e fundamentos do direito penal. 11 Direito Penal na História Capítulo 1 Contextualização Todas as sociedades desenvolvem uma cultura que disciplina aspectos normativos, delimitando a existência de padrões, regras e valores que institucionalizam modelos de conduta. Em um Estado democrático de direito a lei é considerada como parte nuclear de controle social, elemento material para prevenir, remediar ou castigar os desvios das normas preestabelecidas. Mas as adequações nas organizações sociais são o resultado de uma longa história. Debruçar-se sobre a história das civilizações nos oportuniza ver as diferentes formas de controle social que existiram. Cada organização social elaborou um sistema jurídico que traduzia a especificidade necessária e que permite observar seu grau de evolução e complexidade. O direito primitivo não era legislado, as populações não conheciam a escrita formal e suas regras de regulamentação mantinham-se e conservavam-se pela tradição. O direito penal é o que mais se destaca desde a pré-história, ainda que pouco sobre o ordenamento jurídico daquele período possa ser aferido. No entanto, com o surgimento dos primeiros textos jurídicos escritos tornou-se possível compreender como ocorreu o período de transição. Foi a partir dos costumes existentes que a lei escrita os regulamentou e os difundiu de forma igual a todos os membros daquela organização social, fossem nativos ou estrangeiros. Assim, iniciou-se a regulamentação positiva que foi ocupando o espaço da tradição. Entretanto, deve-se destacar que a evolução da aplicação penal não foi linear, como ainda não é, para todas as sociedades. Hoje, ainda, há sociedades nas quais pequenos delitos podem levar à pena de morte, enquanto outras já aboliram radicalmente de seus ordenamentos sua aplicação até mesmo para os crimes mais hediondos. Mas o que você, pós-graduando(a), deve considerar é que a cultura humana desenvolve-se num corpo de obrigações, proibições e leis que devem ser cumpridas por motivos práticos, morais ou emocionais e que, no direito penal, várias foram as fases que se passaram para chegar ao estágio em que hoje se encontra. O estágio do ordenamento jurídico mais avançado denomina-se Estado democrático de direito. No capítulo a seguir você poderá acompanhar uma breve abordagem histórica do Direito Penal Geral e do Direito Penal no Brasil, e também acompanhar a evolução dos conceitos e fundamentos do Direito Penal e da Teoria Geral do Delito. Todos esses temas são importantes para o operador do direito que atua no Direito Penal, poiso conteúdo apresentado auxiliará na compreensão sociológica e filosófica dos demais capítulos desta disciplina e será fundamental para a compreensão da parte especial do Direito Penal. 12 História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal História do Direito Penal Desde que a humanidade começou a conviver em grupos ou sociedades e ter essa interação social, iniciou-se também o problema relacionado com a agressividade, inerente a todo ser humano. Por isso, sempre houve uma necessidade de punição desses indivíduos que se desvirtuavam do padrão que a sociedade estabelecia para um convívio harmônico entre as pessoas. Com início nos tempos primitivos, o Período da Vingança foi o primeiro indício de direito penal na humanidade e se prolongou até o século XVIII. a) As três fases da vingança Esse período de vingança subdivide-se em três fases que, embora distintas, não se sucederam umas às outras, convivendo sobrepostas por um largo período, até que o entendimento majoritário substituía a fase anterior. A primeira fase foi a da vingança privada, em que a pessoa, os parentes ou até mesmo o grupo social da vítima tinham o direito de devolver a ofensa sofrida. Em outras palavras, prevalecia o famoso ditado “olho por olho, dente por dente”. Diz-se inclusive que não existia qualquer relação jurídica nesse período, mas tão somente uma realidade sociológica, visto que as atitudes de “vingança” eram apenas atos instintivos e naturais do ser humano. No entanto, não havia limites e, diante dessa falta de proporcionalidade, viu-se a necessidade de regulamentar a vingança privada. Surgiram, então, o talião e a composição. O talião surgiu como instrumento limitador da pena, ou seja, colocava proporcionalidade entre o dano sofrido pela vítima e a pena do opressor. Já a composição surgiu como instrumento regulamentador, no que talvez seja o primeiro indício das indenizações cíveis e multas penais, visto que o delinquente tinha a possibilidade de comprar sua liberdade com dinheiro ou utensílios. A segunda fase do período foi a vingança divina, que tem um profundo envolvimento religioso. Acreditava-se que a punição do delinquente era necessária para barrar a ira dos deuses. A primeira fase foi a da vingança privada, em que a pessoa, os parentes ou até mesmo o grupo social da vítima tinham o direito de devolver a ofensa sofrida. Em outras palavras, prevalecia o famoso ditado “olho por olho, dente por dente”. A segunda fase do período foi a vingança divina, que tem um profundo envolvimento religioso. Acreditava-se que a punição do delinquente era necessária para barrar a ira dos deuses. 13 Direito Penal na História Capítulo 1 Nessa fase de vingança divina quem administrava as sanções penais eram os sacerdotes, logo, o direito confundia-se muito com os preceitos morais religiosos. Como em todo período da vingança, as penas na fase da vingança divina também eram corpóreas, ou seja, punia-se o corpo do delinquente, em penas na maioria das vezes cruéis e desumanas. O último estágio do período de vingança é denominado de vingança pública, em que finalmente a legitimidade da punição foi incorporada ao Estado, obviamente este representado unicamente por seu soberano, ou seja, rei, príncipe ou regente. Em que pese o período da vingança não ter uma ordem cronológica nos seus estágios, tampouco se pode considerar que houve evolução significativa na aplicação das penas. Algumas leis, da antiguidade e do período medievo, merecem destaque por disciplinar as regulamentações penais. Citam-se: o Código de Hamurabi, Código de Drácon e de Sólon, a Lei das XII Tábuas, o Direito Chinês, a Legislação Mosaica, o Código de Manu, as Leis do Alcorão e as leis feudais. Hamurabi, construtor de canais, templos e fortalezas, castigador de rebeliões, audacioso na guerra e jurista na paz, deixou em seu código, em que há muita punição, muita justeza, muito rigor e muita equidade, a definição mais clara da lei de talião. “§196. Se alguém tirar um olho a outro, perderá o próprio olho. § 197. Se alguém quebrar um osso a outrem, parta-se-lhe um osso também.” (GILISSEN, 1995, p. 49). Na Grécia, a passagem do direito consuetudinário para as leis escritas atribui-se a Drácon, que elaborou um rígido código de leis baseado nas normas tradicionais arbitradas pelos juízes. No código de Drácon, a punição para qualquer forma de roubo era a morte. Tanto o furto quanto o assassinato recebiam a mesma punição: a morte. No entanto, deve-se a Drácon o começo de um importante princípio do Direito Penal: a diferença entre o homicídio involuntário, o voluntário e a legítima defesa. Por serem muito rigorosas, as leis de Drácon já estavam deixando de ser cumpridas. Coube a Sólon modificar esse código de leis. Sólon procurou abrandar a rigorosidade. Cita-se, como exemplo: a punição do roubo, que era a morte, passou a ser uma multa igual ao dobro do valor roubado (GILISSEN, 1995). Na Roma antiga, a Lei das XII Tábuas aparece como a primeira codificação de leis a servir como fonte do direito penal. Nenhum Código até hoje foi tão conciso e tão autoritário e direto quanto o da Lex decemviralis. Mesmo não havendo O último estágio do período de vingança é denominado de vingança pública, em que finalmente a legitimidade da punição foi incorporada ao Estado, obviamente este representado unicamente por seu soberano, ou seja, rei, príncipe ou regente. 14 História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal consenso sobre a forma como foi escrita a Lei que compôs a Lex decemviralis, sabe-se que continha a organização civil e a criminal. Na parte criminal, destaca- se a Tábua VII, n. 11 – Se alguém fere alguém, que sofra a lei de Talião, salvo se houver composição, e a Tábua VIII, que trata Dos delitos (GILISSEN, 1995). O direito chinês não é um direito estritamente religioso, é antes um sistema jurídico integrado numa concepção filosófica, o Confucionismo. Existiam no direito tradicional chinês dois conjuntos de normas: o < li > e o < fa >. O li é o que mais se aproxima da nossa noção de direito. É um conjunto de regras de conveniência e de bom comportamento que se impõem ao homem honesto, uma espécie de código moral. O fa é o conjunto de regras, sobretudo penais, desenvolvido pela Escola da Lei (fa-kia), da época da dinastia dos Ch’in (século III antes de nossa era). O governo pela lei não conseguiu se impor. Então, já no século II a.C, na época dos Han, acontece a “confucianização das leis”, ou seja, uma conciliação entre o li e o fa, que vai subsistir durante 2000 anos. Para o povo comum não restavam senão leis penais, e mais de 18 códigos são conhecidos. Esse número grande foi fruto de compilações de leis penais, e alguns figuraram até a instauração da República da China, em 1912 (GILISSEN, 1995). A legislação mosaica disciplina sobre as penalidades, no livro de Deuteronômio. No cap. 19, v. 21, exemplifica a lei de talião e no cap. 25, v. 1-3, exemplifica outras penalidades. No cap. 19 v. 4 – 6, 11-12, encontra-se a tipificação do Homicídio Involuntário e Voluntário. No cap. 22 v. 22ss, o crime de adultério e contra a mulher, e no cap.19 v. 15-19, a validade da prova testemunhal (GILISSEN, 1995). O Código de Manu faz parte da coleção dos livros bramânicos, enfeixado em quatro compêndios: - o Maabárata, o Romaiana, os Purunas e as Leis de Manu. As Leis de Manu podem ser divididas em três partes, tratando respectivamente de Religião, Moral e Leis Civis. As leis penais situam-se na segunda parte. Do Código de Manu dois pontos merecem destaque: a diferenciação do Roubo para o Furto e a rigorosidade em relação à mulher (GILISSEN, 1995). O Alcorão contém 114 Suratas, ou capítulos, escritas em Medina e Meca. O Alcorão é sempre uma lei acimadas demais, dispõe de prevalência e controle. Do Alcorão se podem extrair muitas matérias ligadas diretamente ao Direito Penal: a lei de talião – surata II. Adultério – surata 37; Assassinato – capitulo IV no versículo 95; Boato – surata IV, versículo 85; Calúnia – surata XXIV, v. 23; Difamação – surata XLIX v.2; Falso Testemunho – surata IV v.112 (GILISSEN, 1995). b) Leis do Período Medievo 15 Direito Penal na História Capítulo 1 Período Medievo: também conhecido como Idade Média, Idade Medieval ou era medieval, é o período compreendido entre o século V (desintegração do Império Romano do Ocidente) e o século XV (fim do Império Romano do Oriente, com a Queda de Constantinopla ou com a descoberta das Américas). Foi um período com bastante influência da Igreja, no qual na verdade predominava o feudalismo como “organização social e política”, que se caracteriza pelo trabalho no campo, onde os camponeses cuidavam de uma pequena gleba das terras e ficavam subordinados aos senhores feudais (donos das terras doadas pelos reis). Por outro lado, esses senhores forneciam proteção aos camponeses contra possíveis invasões. Já no Período Medievo, não menos cruel que os anteriores, as penas impostas aos infratores continuavam nas mãos de uma única pessoa, que poderia aplicar a pena que bem entendesse, e obviamente a mais difundida era a pena de morte. Em grande parte da Europa prevalecia o sistema feudal. O Direito se encontrava esfacelado, particularizado em cada feudo, onde o senhor feudal ditava arbitrariamente o direito aos seus súditos. No entanto, ainda no Período Medievo no Ocidente, a forte presença da Igreja Cristã, com toda a sua estrutura hierárquica, fundada no Direito Canônico, detinha o poder divino e disputava o poder temporal. A Igreja instituía os tribunais inquisitivos, sem respeitar o direito da ampla defesa, pois a instituição eclesiástica tinha o poder de definir o que era justo e o que era injusto. Em síntese, a Igreja era detentora do monopólio do controle social medieval. Durante a Idade Média, o Tribunal do Santo Ofício, ou da Inquisição, que remonta ao século IV, atingindo a forma mais punitiva a partir do século X, foi marcado por atos de extrema crueldade contra os supostos hereges. O processo era sumário, ao acusado era negado informar quem o acusava, as crianças e mulheres eram aceitas como testemunhas, mas só para a acusação. Já havia a delação com regalias e os métodos de tortura direcionavam-se para o enfraquecimento das forças físicas a fim de obter a confissão. Condenados eram executados na fogueira ou por estrangulamento. É nesse período que a prisão deixa de ser meio e passa a ser pena fim. A prisão é a forma para redimir os pecados. Com o advento do absolutismo, a crueldade exercida pela igreja passou A Igreja instituía os tribunais inquisitivos, sem respeitar o direito da ampla defesa, pois a instituição eclesiástica tinha o poder de definir o que era justo e o que era injusto. 16 História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal à mão dos monarcas, que detinham o poder absoluto. Pode-se afirmar que foi um período conturbado, pois a Igreja Cristã sofria com as divisões e o poder dos Estados Nacionais restava centralizado na mão de um soberano absoluto. O exemplo mais forte da centralização do poder nas mãos do rei encontra-se na expressão atribuída a Luis XIV, que diz: “L’État c’est moi” (O Estado sou eu). c) Período humanitário da pena Enfim, chega-se ao período humanitário da pena, com forte participação de filósofos como Beccaria, Locke, Montesquieu, Voltaire e Rousseau, em um período que ficou conhecido também como iluminismo. Beccaria: Cesare Bonesana, marquês de Beccaria (1738 – 1794), italiano, foi jurista, filósofo, economista e literato. Sua obra mais conhecida foi ““Dei Delitti e Delle Pene” (Dos delitos e das penas). Considerado um clássico do direito penal, defende a igualdade entre os criminosos que cometem o mesmo crime e a pena como uma forma de ressocialização, denunciando na obra os julgamentos secretos, as torturas empregadas e o confisco de bens do condenado, por exemplo. Locke: John Locke (1632 – 1704), inglês, filósofo e ideólogo do liberalismo, além de ser um dos principais teóricos do contrato social. Sua principal tese afirmava que os homens nascem com direitos naturais: vida, liberdade, igualdade, propriedade. Para preservar esses direitos o homem formou os governos e assim, se os governantes não respeitassem tais direitos naturais, o povo tinha o direito de se rebelar contra esse governo. Locke ajudou com essas ideias a derrubar o absolutismo na Inglaterra. Montesquieu: Charles-Louis de Secondatt, barão de Montesquieu (1689 – 1755), francês, político, filósofo e escritor, ficou famoso com a sua teoria de separação dos poderes, no livro “L’Esprit des lois” (O Espírito das leis), criticando severamente a monarquia absolutista e também o clero católico. Voltaire: François Marie Arouet, conhecido simplesmente como Voltaire (1694 – 1778), francês, foi filósofo e escritor, além de ser ensaísta e deísta. Defendia uma reforma social, fazendo críticas aos privilégios do clero e da nobreza, além de criticar o absolutismo. Na 17 Direito Penal na História Capítulo 1 verdade, era um exímio defensor do liberalismo, que defendia a ideia de que o indivíduo é capaz de elaborar suas próprias leis e a vontade da maioria deve prevalecer no âmbito sociopolítico. Rousseau: Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778), suíço, filósofo, escritor, teórico político e compositor autodidata. Várias foram as ideias de Rousseau, mas no âmbito jurídico a que se destaca é a obra “O Contrato Social”, na qual propõe que todos os homens elaborem um novo contrato social, salientando sua liberdade baseada nas experiências políticas da civilização antiga e garantindo o consenso e os direitos e todos os cidadãos. Nesse período teve início a transação da arbitrariedade, que era imposta anteriormente, para a razão, levando à fixação legal dos delitos e das penas, pensamento este muito bem expressado por Beccaria no livro “Dei Delitti e Delle Pene” (Dos delitos e das penas), tanto que muitos dos ideais expressos por Beccaria nesse livro foram utilizados na revolução francesa e, consequentemente, na Declaração dos Direitos do Homem. Foi no período humanitário que surgiu a ideia de direito natural, ou jusnaturalismo, que para alguns sobrevive até os dias atuais como princípios que apontam, entre outros, para os direitos: à liberdade, à igualdade, à vida, à segurança, etc. Assim, com o iluminismo surgiu a escola clássica, que era composta pelos pensadores que seguiam seus ideais básicos e com eles surgiram também três teorias, no que tange à finalidade da pena: A absoluta, que defendia a pena como uma exigência de justiça. A relativa, que assegurava a pena como uma forma de prevenção geral e especial. E a mista, que nada mais é do que a fusão das duas primeiras, afirmando que a pena tem na verdade as duas finalidades. É de extrema importância observar que foi nesse período humanitário que a pena saiu da sanção corpórea do infrator, quando o mesmo pagava pela sua infração, muitas vezes, com seu próprio corpo, para finalmente punir a atitude, ou melhor, o delito em si. O crime é uma infração por atos omissivos ou comissivos, da definição legislada pelo Estado, que foi promulgada visando à segurança e ao bem-estar de seus cidadãos, por um ato externo de um agente imputável que causou um dano à sociedade. Nesse período teve início a transação da arbitrariedade, que era imposta anteriormente, para a razão, levando à fixação legal dos delitos e das penas. Foi nesse período humanitário que a pena saiu da sanção corpórea do infrator, quandoo mesmo pagava pela sua infração, muitas vezes, com seu próprio corpo, para finalmente punir a atitude, ou melhor, o delito em si. Foi no período humanitário que surgiu a ideia de direito natural. 18 História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal d) Período científico Na sequência se observa o período científico, ou criminológico, que tem como principal prerrogativa o estudo do homem e suas atitudes, visto que para cada crime existiria sempre alguma razão determinante que o ocasionou, como se estivesse negando o livre arbítrio. O nome dessa teoria, defendida por Laplace, é determinismo. Nesse período também surgiram importantes escolas de pensadores, como a escola positivista, que contou com os pensadores César Lombroso, Enrico Ferri e Rafael Garofalo e suas contribuições. Lombroso se preocupa com a análise mais antropológica do criminoso. Em sua obra L’uomo Delinquente, defendia que muitos delinquentes nasceram biologicamente tendentes à prática de delitos. Já Enrico Ferri, que inclusive foi discípulo de Lombroso, faz uma análise mais social da conduta do criminoso, ao incluir nesse pensamento, além do fator biológico, o social e o físico, dividindo os criminosos em cinco categorias: o louco, o nato, o habitual, o passional e o ocasional. Para ele a pena tem a finalidade de proteção social, que se realiza por meio da correção, da intimidação ou mesmo da eliminação pela pena capital. Garofalo, o primeiro a usar a denominação “criminologia” para Ciências Penais, preocupa-se em analisar o indivíduo criminoso como um portador de anomalias de ordem moral. Para Mirabete, os princípios da Escola Positiva são, em resumo: • o crime é fenômeno natural e social, sujeito às influências do meio e de múltiplos fatores, exigindo o estudo pelo método experimental; • a responsabilidade penal é responsabilidade social por viver o criminoso em sociedade, e tem por base a sua periculosidade; • a pena é medida de defesa social, visando à recuperação do criminoso ou à sua neutralização; • o criminoso é sempre, psicologicamente, um anormal, de forma temporária ou permanente. Ainda que não se possa especificar cada uma das demais escolas, ainda do período denominado científico citam-se a Terceira Escola, a Escola Moderna Alemã, a do Neoclassicismo, a do Neopositivismo, a Constitucionalista, a Programática e a Socialista, que contribuíram e influenciaram as inovações práticas, como o instituto das medidas de segurança, do livramento condicional, O período científico, ou criminológico, que tem como principal prerrogativa o estudo do homem e suas atitudes, visto que para cada crime existiria sempre alguma razão determinante que o ocasionou. 19 Direito Penal na História Capítulo 1 do sursis, na perspectiva humanista das sociedades que defendem medidas que proporcionam a adaptação do condenado ao convívio social. Diante do supra exposto, na próxima seção analisaremos um pouco do histórico do direito penal no Brasil. História do Direito Penal no Brasil Enquanto o Brasil vivenciava seu período colonial, predominava no mundo, principalmente na Europa, o absolutismo monárquico, em que o poder do Estado estava concentrado em uma única pessoa, que ditava todas as regras em seu país. A Europa, sobretudo Portugal, ainda estava vivendo o período de vingança pública, mas muito influenciada pelo estágio anterior de vingança divina. A verdade é que com a chegada de Portugal às terras brasileiras, os costumes ou possíveis sanções penais que eram impostas pelos silvícolas aos infratores em nada influenciaram no cenário jurídico brasileiro, visto que Portugal impôs suas ordenações no Brasil Colônia, neutralizando qualquer ordem natural advinda dos silvícolas. O Brasil tem sua origem como colônia de Portugal e na época de sua ocupação estiveram em vigor as ordenações Afonsinas (até 1512) e Manuelinas (até 1569), o Código de D. Sebastião (até 1603) e as Ordenações Filipinas (até o Império do Brasil). Estas últimas continham o Livro V, o qual disciplinava sobre as penas e refletia o Direito Penal Medieval. O modelo se fundamentava nos preceitos religiosos. A punição ao crime era extremamente rigorosa, com penas cruéis. As penas severas e cruéis (açoites, degredo, mutilação, queimaduras, morte, etc.) visavam infundir o temor pelo castigo. A condenação ocorria sem o contraditório real. A cominação da pena de morte estava em quase todos os delitos. As condenações à pena de morte eram constantes e eram executadas pela força, com torturas, pelo fogo etc. Aplicavam- se outras penas, as infamantes, o confisco, os galés e até a “morte para sempre”. Cumpre ressaltar, no entanto, que as penas eram desproporcionais à falta praticada, não havia cominação e fixação semelhante para crimes semelhantes. No entanto, proclamada a independência, previa a Constituição de 1824 que se elaborasse uma nova legislação penal e em 16 de dezembro de 1830 D. Pedro Enquanto o Brasil vivenciava seu período colonial, a Europa, sobretudo Portugal, ainda estava vivendo o período de vingança pública, mas muito influenciada pelo estágio anterior de vingança divina. 20 História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal I sancionou o Código Criminal do Império. Este fixava na nova lei um esboço de individualização da pena, previa a existência de atenuantes e agravantes, estabelecia um julgamento especial para os menores de 14 anos e disciplinava sobre a pena de morte, a ser executada pela forca, que visava coibir a prática de crimes pelos escravos. Apesar de ter influências liberais e grandes avanços em relação às penas praticadas na legislação anterior, o Código Criminal ainda apresentava defeitos que eram comuns à época: não definia a culpa, aludindo apenas ao dolo, mantinha a desigualdade no tratamento das pessoas, mormente dos escravos, e era eminentemente inquisitivo. Com a proclamação da República foi editado, em 11 de outubro de 1890, o Código Criminal da República, que sofreu críticas pelas falhas que apresentava. Em virtude de, na promulgação da Constituição de 1891, esta ter abolido a pena de morte, a de galés e a de banimento judicial, o Código Republicano de 1890 sofreu modificações e contemplou as seguintes sanções: a) prisão; b) banimento (privação temporária diversa do que a Carta Magna punia, que era o banimento judicial que consistia em pena perpétua); C) interdição (suspensão dos direitos políticos, etc.); d) suspensão e perda de emprego público e multa. Para o período podem-se considerar certos avanços, uma vez que, além de abolir a pena de morte, instalou o regime penitenciário de caráter correcional. O Código de 1890 sofreu, ao longo dos tempos, certas tentativas de correção, o que acabou por gerar mais confusão na sua correta aplicação, dada a grande quantidade de leis extravagantes. Diante de tal realidade, coube ao desembargador Vicente Piragibe o encargo de consolidar essas leis extravagantes. Através do Decreto nº 22.213, de 14 de dezembro de 1932, ocorreu a denominada Consolidação das Leis Penais de Piragibe, que vigorou até 1940, e que também foi chamada de Estatuto Penal Brasileiro. Promulgado em dezembro de 1940, o novo Código Penal somente passou a vigorar em 1º de Janeiro de 1942. O Código de 1940 teve origem no projeto de Alcântara Machado, submetido ao trabalho de uma comissão revisora composta por Nelson Hungria, Vieira Braga, Marcélio de Queiroz e Roberto Lira. Considerado uma obra harmônica que observou as modernas ideias doutrinárias e aquilo de mais aconselhável nas legislações que existiam naquela época, foi declarado no Congresso de Santiago do Chile, em 1941, como “um notável progresso jurídico, tanto por sua estrutura, quanto por sua técnica e avançadas instituições que contém”.21 Direito Penal na História Capítulo 1 Desde então, várias foram as tentativas de aperfeiçoar a nossa legislação penal. Pode-se afirmar que uma delas, a conduzida pelo ministro Nelson Hungria, teve grande repercussão, pois chegou a ser convertida em Decreto-Lei Nº 1004, de 21 de outubro de 1969. Pelas críticas que recebeu, foi modificada pela Lei Nº 6.016, de 31 de Dezembro de 1973. Nº entanto nunca entrou em vigor, pois foi revogada pela Lei Nº 6.578, de 11 de outubro de 1978. Mas no ano de 1984, foi analisado o anteprojeto que teve início com o professor Francisco de Assis Toledo, da Universidade de Brasília, e que fora publicado em 1981, para receber sugestões. Depois de discutido no Congresso, o projeto foi aprovado e promulgada a Lei No 7.209 de 11/07/1984; seguindo o modelo germânico, houve alteração substancial da parte geral. O Código Penal, desde então, está sempre sendo adequado às necessidades sociais do Estado Democrático de Direito. As últimas alterações foram as da Lei nº 12.234/05.05.2010. As atualizações demonstram a dinâmica das mudanças que a sociedade brasileira vem tendo nas últimas décadas, fruto da globalização das informações, e a necessidade de buscar uma forma mais eficiente na tentativa de ressocializar aquele que pratica um delito. Atividade de Estudos: 1) Quais as principais codificações da antiguidade e do período medievo? Quais os crimes que ela disciplinava? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 2) Quais a três fases do período de vingança da pena e a principal característica de cada uma delas? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ O Código Penal, desde então, está sempre sendo adequado às necessidades sociais do Estado Democrático de Direito. As últimas alterações foram as da Lei nº 12.234/05.05.2010. 22 História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 3) Quais as características do período humanitário da pena? E quais as três teorias que surgiram concernentes à finalidade da pena? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 4) Quais as características do período científico? E qual é a finalidade da pena nesse período? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 5) Durante o período de Brasil Colônia, quais legislações estiveram vigentes? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 6) Quando foi sancionado o primeiro Código Penal inteiramente brasileiro? E quais eram suas principais características, avanços e defeitos? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 7) Quais as principais sanções previstas no Código Criminal Republicano e quando ele foi promulgado? 23 Direito Penal na História Capítulo 1 ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Conceito e Fundamentos do Direito Penal Nesta seção vamos conhecer um conceito e o objeto do direito penal e alguns aspectos que fundamentam o direito penal. a) Conceito do direito penal No decurso da história nem sempre foi possível diferenciar as esferas do direito, fato que ainda é presente nos dias atuais. Para muitos permanece o questionamento sobre a diferença entre direito criminal e direito penal. Inicialmente é mister salientar que no Brasil, segundo o Art. 22, inciso I da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, adotou-se a nomenclatura direito penal. O direito penal, de acordo com Capez (2009, p. 01) é: [...] o segmento do ordenamento jurídico que detém a função de selecionar os comportamentos humanos mais graves e perniciosos à coletividade, capazes de colocar em risco valores fundamentais para a convivência social, e descrevê-los como infrações penais, cominando- lhes, em consequência, as respectivas sanções, além de estabelecer todas as regras complementares e gerais necessárias à sua correta e justa aplicação. Já para Nucci (2006, p. 41), o direito penal, é “o corpo de normas jurídicas voltado à fixação dos limites do poder punitivo do Estado, instituindo infrações penais e as sanções correspondentes, bem como regras atinentes à sua aplicação”. Direito penal é um conjunto de normas que tipificam um ou vários atos do ser humano como crime. Estabelece, por conseguinte, medidas de segurança como forma de correção e coerção da sociedade para esses infratores, tutelando, portanto, a proteção dos valores fundamentais através das penas e do poder de punir do Estado, e estabelecendo também os limites punitivos do poder público. 24 História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal Assim, conclui-se que o direito penal é um conjunto de normas que tipificam um ou vários atos do ser humano como crime. Estabelece, por conseguinte, medidas de segurança como forma de correção e coerção da sociedade para esses infratores, tutelando, portanto, a proteção dos valores fundamentais, tais como: vida, patrimônio, propriedade, liberdade, saúde, etc., através das penas e do poder de punir do Estado, e estabelecendo também os limites punitivos do poder público. Temos, portanto, a teoria objetiva do direito penal, que é o conjunto de normas impostas pelo Estado, padronizando o comportamento dos indivíduos, ou seja, tipificando os fatos sociais juridicamente puníveis no ordenamento jurídico pátrio, e a teoria subjetiva do direito penal, que confere ao Estado a exclusividade de colocar em prática as punições elencadas nas condutas previamente ditas como criminosas, ou seja, o Estado é o único titular do jus puniendi (direito de punir). Observa-se que este Estado é aquele conceituado no art. 1o da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito [...]”. (CRFB, 1988, Art. 1o). Nesta seara a função do direito penal dentro do ordenamento jurídico pátrio é a proteção dos valores fundamentaisatravés da prevenção, visto que orienta um fato social humano como crime, e impõe previamente uma pena. Estaria assim a sociedade intimidando o agente de cometer o delito. No mesmo sentido: A missão do Direito Penal é proteger os valores fundamentais para a subsistência do corpo social, tais como a vida, a saúde, a liberdade, a propriedade etc., denominados bens jurídicos. Essa proteção é exercida não apenas pela intimidação coletiva, mais conhecida como prevenção geral e exercida mediante a difusão do temor aos possíveis infratores do risco da sanção penal, [...]. (CAPEZ, 2009, p. 01). Pode-se deduzir assim que o objeto do direito penal é a conduta humana comissiva ou omissiva, conforme Hans Welzel (apud CAPEZ, 2009, p. 04), visto que somente o homem tem o discernimento do fim a que podem levar suas ações ou omissões. Por isso, nenhum animal irracional é punível com as sanções previstas no Código Penal, mas são seus proprietários que correm o risco, pois por um ato omisso podem deixar que seus animais domésticos, ou não, causem a outrem dano passível de punição penal, como uma lesão corporal, por exemplo. A teoria subjetiva do direito penal, que confere ao Estado a exclusividade de colocar em prática as punições elencadas nas condutas previamente ditas como criminosas. A teoria objetiva do direito penal, que é o conjunto de normas impostas pelo Estado, Função do direito penal é a proteção dos valores fundamentais através da prevenção. O objeto do direito penal é a conduta humana comissiva ou omissiva. 25 Direito Penal na História Capítulo 1 Por isso, constam no Código Penal as atitudes reprováveis pela sociedade de forma comissiva e, não normas proibitivas semanticamente, como por exemplo, o art. 121: “Matar alguém: Pena – reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos.” (Código Penal, 1940, Art. 121). Observa-se que no artigo não se verifica a proibição de matar alguém como “é proibido...”, ou “não matar”; aduz, sim, ao fato social “matar” e, consequentemente, à pena imposta caso o agente cometa tal atitude. Esse princípio é conhecido como o princípio da antijuridicidade, que é a relação de contrariedade do fato com o ordenamento jurídico. Praticando o ato previsto no código penal, estará o agente submetido à pena imposta. b) Fundamentos do direito penal Nos ordenamentos jurídicos atuais os fundamentos do direito penal se situam mais no aspecto de socialização e ressocialização do que no de punição. No entanto, os fundamentos punitivos permearam os códigos penais até o advento do pensamento filosófico do iluminismo, que se consolidou no que denominamos de Estado Democrático de Direito. Sobre o Estado Democrático de Direito, o Capítulo terceiro nos dará mais subsídios. No entanto, agora se faz necessário abordar alguns princípios que fundamentam o direito penal, tais como: da legalidade; da anterioridade; da reserva legal; da irretroatividade; da especialidade; da subsidiariedade; da consumação; da alternatividade. Princípio da legalidade: este princípio está tipificado no art. 1º do Código Penal e no art. 5º, inciso XXXIX da Constituição Federal e objetivamente aduz o seguinte: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.” (Código Penal, 1940, Art. 1º). O imperativo da vertente que diz que nullum crimen sine lege, advindo do direito romano, é de longa data. No entanto, a garantia do tratamento igual para todos é fruto de certa sincronia de outros dois princípios distintos, quais sejam: • o princípio da anterioridade: que aduz que somente será crime se já houver lei que o defina como ato ilícito; • e o princípio da reserva legal: que alude, para a definição de qualquer crime, a exigência de uma lei, prolatada pelo poder legislativo, vedando dessa forma definir qualquer crime por medida provisória, por exemplo, que Os fundamentos do direito penal se situam mais no aspecto de socialização e ressocialização. Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. O imperativo da vertente que diz que nullum crimen sine lege, advindo do direito romano, é de longa data. 26 História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal é um ato do poder executivo. O princípio da reserva legal estaria já vinculado ao Direito Medievo. Ainda, intimamente ligado ao princípio da legalidade, está o princípio da irretroatividade, tipificado no art. 2º do Código Penal e art. 5º, inciso XL da Constituição Federal, que garante que: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. (CRFB, 1988, Art. 5º, inciso XL). Sendo assim, caso um fato social seja definido, através de lei, como crime, posterior a sua consumação, a pessoa que o cometeu não poderá sofrer qualquer tipo de sanção, no entanto, caso o contrário ocorra, e um fato social juridicamente definido como crime deixa de ser considerado como tal, todos os réus condenados pela prática desse delito serão beneficiados e deixarão de ser considerados condenados. Lembra-se que a fase da arbitrariedade não mais existe. Princípio da especialidade: tal princípio estabelece que as normas especiais prevaleçam sobre as normas genéricas. Exemplificando: o crime de infanticídio, estabelecido no art. 123 do Código Penal, prevalece sobre o art. 121 do mesmo diploma legal, visto que naquele existe uma “especializante” que o diferencia, que é matar alguém, no caso o próprio filho, em estado puerperal durante o parto ou logo após. O mesmo acontecia anteriormente com o estupro, quando se diferenciava do atentado violento ao pudor tendo em vista unicamente a conjunção carnal, mas sabemos que atualmente tal diferenciação não existe mais em nosso ordenamento jurídico. Ademais, pertinente mencionar que o princípio da especialidade está expressamente previsto no art. 12 do Código Penal, cujo texto legal se encontra assim redigido: “Art. 12. As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso.” (Código Penal, 1940, Art. 12). Princípio da subsidiariedade: tal princípio está ligado diretamente à norma em si, em que a norma mais ampla, ou mais grave, prevalece sobre a menos ampla. Como exemplo, cita-se o sequestro, descrito no art. 148 do Código Penal, que prevalece sobre o constrangimento ilegal, elencado no art. 146 do mesmo diploma legal. Ou, ainda, o art. 250 do Código Penal, crime de incêndio, que prevalece sobre o art. 132 do Código Penal, que condiz com expor a perigo a vida ou a saúde de outrem. Princípio da consumação: já o princípio da consumação, embora parecido com o anterior, diferencia-se em decorrência de que o conflito está entre os fatos e não entre normas, visto que durante o intercriminis de um delito pode haver outros delitos, os quais se caracterizam como meios de preparação para a 27 Direito Penal na História Capítulo 1 execução, mas no resultado final o fato mais grave absorve os demais, atitude esta também denominada de concurso formal de crime, elencado no art. 70 do Código Penal. Como exemplo, na lesão corporal, se o agente resolve matar a vítima, ele responderá somente por homicídio. No entanto, resta observar ainda que há no nosso ordenamento jurídico o concurso material de crime, conforme o art. 69 do Código Penal, em que o agente responde cumulativamente pelos crimes que cometeu, visto que tais delitos foram o resultado de mais de uma ação ou omissão do agente, de forma distinta. Assim, com a falsificação de uma identidade, o agente pode cometer inúmeros outros crimes, como por exemplo o de estelionato, e o mesmo responderá pelo crime de falsificação de documentos cumulado com o crime de estelionato. Princípio da alternatividade: tal princípio estabelece vários tipos penaispara chegar à consumação do delito, ou melhor, o agente, ao praticar algum dos tipos penais elencados na norma incriminadora, já estará consumando o delito descrito, não sendo necessário que ele cometa todos os tipos penais descritos no artigo para que seja responsabilizado pela prática daquele delito. É o que ocorre, por exemplo, com o artigo 33 da Lei 11.343/2006 (tráfico ilícito de entorpecentes), que discrimina dezoito formas de cometer tal crime. Portanto, o direito penal hoje está intimamente ligado à norma e à pena imposta. Já o direito criminal, embora um dia tenha sido sinônimo de direito penal (nomenclatura trazida pelos portugueses), hoje se vincula referida ciência com a criminologia, que nada mais é que o estudo do crime, relacionando a pessoa do infrator, a vítima e a relação social do comportamento criminoso, algo que se verificará no item seguinte. Atividade de Estudos: 1) Conceitue direito penal. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 28 História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal 2) O que é a teoria objetiva e subjetiva do direito penal? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 3) Qual é a função do direito penal? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 4) Qual o objeto do direito penal? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 5) Cite e explique os princípios do direito penal. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 29 Direito Penal na História Capítulo 1 ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 6) Atualmente, qual é a principal diferença entre direito penal e direito criminal? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Teoria Geral do Delito Para cada crime há certa especificidade, no entanto podemos encontrar características que são comuns a todos eles e esse é o papel da teoria geral do delito. Como vimos anteriormente, os tipos penais nem sempre eram tipificados, ou seja, nem sempre existiu lei que relacionasse objetivamente uma conduta social humana como crime. O princípio da legalidade começou a ser levado em conta no período humanitário da pena, na época do iluminismo, a partir do século XVIII. Antes disso, tinha-se como delito o fato social considerado injusto ou antijurídico, que nada mais é do que a desaprovação do ato praticado e a culpabilidade, que é a vinculação do ato ao autor. Através desses dois institutos, antijuridicidade e culpabilidade, consegue- se definir outros elementos do delito. Segundo Conde (1988, p. 03), Na primeira, incluem-se a ação ou omissão, os meios e formas em que se realiza, seus objetos e sujeitos, a relação causal e psicológica entre elas e o resultado. Na culpabilidade, as faculdades psíquicas do autor (a chamada imputabilidade ou Para cada crime há certa especificidade. 30 História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal capacidade de culpabilidade), o conhecimento por parte do autor do caráter antijurídico do ato e a exigibilidade ao autor de um comportamento diverso. Foi então que, a partir de um dado momento histórico, passou-se a compor também nesse conceito de delito a tipicidade, que nada mais é que o fato de ter essa conduta reprovada pela sociedade (antijurídica) prevista em lei, que atribui ao culpado uma pena. O ato de tipificar é enquadrar o fato social a uma norma preexistente que o estabelece como crime. Então, o ponto de partida para a análise de um delito é definir se o mesmo está tipificado no ordenamento jurídico pátrio, para a partir daí investigar sua antijuridicidade e culpabilidade, visto que o agente pode estar protegido por excludentes que não o responsabilizarão pelo delito cometido; excludentes essas que serão explanadas na disciplina de Direito Penal, parte geral. Outros ordenamentos jurídicos consideram a punibilidade como parte integrante da teoria geral do delito, no entanto a doutrina pátria não a considera como tal, visto que a punibilidade é constada, tão somente, após a verificação e confirmação dos demais requisitos (tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade) e está mais vinculada à pena do que ao delito em si. Assim sendo, é importante saber os requisitos de um delito, visto que a Lei de Introdução ao Código Penal (Decreto Lei 3.914/1941), no art. 1º, conceitua o que é crime e contravenção penal. Na verdade, o referido artigo traz uma diferenciação técnica de crime e contravenção, não elencando totalmente os três elementos constitutivos do delito (tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade). Identifica- se apenas a tipicidade e a antijuridicidade, mas com relação à culpabilidade é omisso. No entanto, quanto à previsão da culpabilidade, esta pode ser verificada no art. 5º, inciso LVII da Constituição Federal. Nesta senda, prevalece no Brasil a classificação bipartida dos delitos, evidenciando apenas os crimes e as contravenções penais, sendo crime o que “[...] a lei comina pena de reclusão ou detenção, [...]” e contravenção “[...] a infração penal a que a lei comina, isoladamente, penas de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativamente ou cumulativamente”,conforme o art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal (Decreto-Lei 3.914/1941), sendo que ambos possuem em seu conteúdo a mesma estrutura de delito, conforme apresentado anteriormente. Resta observar que na América Latina, pelo menos na maioria dos países, tem-se essa classificação bipartida dos delitos nos Códigos Penais. Muito embora em alguns países tal classificação ou conceito de crime ou contravenções não Passou-se a compor também nesse conceito de delito a tipicidade, que nada mais é que o fato de ter essa conduta reprovada pela sociedade (antijurídica) prevista em lei, que atribui ao culpado uma pena. O ato de tipificar é enquadrar o fato social a uma norma preexistente que o estabelece como crime. 31 Direito Penal na História Capítulo 1 esteja previsto no Código Penal (como no caso do Brasil), há uma classificação em crimes de maior potencial ofensivo e crimes de menor potencial ofensivo (contravenções); não há uma uniformização na nomenclatura, podendo, por exemplo, ser encontrada a expressão “delitos” em lugar de “crimes” e “faltas” no lugar de “contravenções”, como é o caso do Código Penal do Paraguai (art. 1º), Venezuela (art. 1º, inc. 2) e Nicarágua (art. 4º), por exemplo. Há, também, países que estabelecem uma divisão tripartida nos delitos, como é o caso do Chile (art. 3º e 4º) e de Honduras (art. 3º), que classificam as infrações penais em crimes, simples delitos e faltas, mas lembra-se que a tendência atual é pela classificação bipartida. Atividade de Estudos: 1) Conceitue crime e contravenção penal. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 2) Quais são os três elementos constitutivos do delito? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 3 Qual é o conceito de crime formal e material? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 32 História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal Algumas Considerações Neste Capítulo foi possível recordar alguns tópicos sobre a história do direito penal, alguns princípios do direito penal e também uma breve análise da teoria geral do delito. A partir da recordação feita se observa que toda cultura humana se desenvolve num corpo de obrigações, proibições e leis que devem ser cumpridas por motivos práticos, morais ou emocionais e que o direito penal é um dos mecanismos mais eficientes desse controle social. A convivência em sociedade e a constante interação social exigem que os desvios dos padrões de convivência, em especial as divergências relacionadas com a agressividade, sejam punidos. A punição, por um longo período, foi marcada pela vingança. A vingança caracterizada na punição corporal recíproca, usada sem controle nos primeiros grupos ou clãs sociais, passa a ser gerida pelo Estado, que a fundamenta pela famosa Lei de Talião. Surgem códigos e leis que disciplinam diversas formas de punições e que, independentemente de ser de cunho divino ou laico, no tempo e espaço, sempre estavam ligadas à punição corporal do agente. O segundo período, denominado humanitário, tem início na transição do absolutismo para o iluminismo. Nesse período, a prescrição dos delitos e das penas é determinante para que a punição deixe de ser caracterizada nas penas do sacrifício corpóreo e passem a controlar a liberdade, numa tentativa de punir a atitude do indivíduo que infringe um dispositivo legal estatal. Por fim, o período científico, ou criminológico, que tem como principal prerrogativa o estudo do homem em suas atitudes, visto que para cada crime existiria sempre alguma razão determinante que ocasionou o agente a negar o livre arbítrio. O livre arbítrio pode ser negado pelas condições antropológicas, sociológicas e jurídicas. Assim, ainda que a pena tenha a finalidade de proteção social, que se realiza através da coerção, na perspectiva humanista, a sociedade deve defender medidas que proporcionem a adaptação do condenado ao convívio social. Ainda vimos que no Brasil, na sua origem como colônia de Portugal, as ordenações disciplinavam sobre as penas e refletiam o Direito Penal Medieval. No entanto, proclamada a independência, previa a Constituição de 1824 que se elaborasse uma nova legislação penal em que um esboço de individualização da 33 Direito Penal na História Capítulo 1 pena previa a existência de atenuantes e agravantes, estabelecia um julgamento especial para os menores de 14 anos e disciplinava sobre a pena de morte. Com a proclamação da República foi editado o Código Criminal da República, que aboliu a pena de morte, a de galés e a de banimento judicial. O atual Código Penal, de dezembro de 1940, observou as modernas ideias doutrinárias e aquilo de mais aconselhável das legislações que existiam naquela época, e foi declarado no Congresso de Santiago do Chile, em 1941, como “um notável progresso jurídico, tanto por sua estrutura, quanto por sua técnica e avançadas instituições que contém”. Diante do contexto histórico que se apresentou foi necessário entender como atualmente se fundamenta o Direito Penal. A breve análise sobre os princípios penais possibilitou recordar pontos importantes. Ainda que para muitos permaneça o questionamento sobre a diferença do direito criminal para o direito penal, pode-se afirmar que o direito penal é um conjunto de normas que tipificam um ou vários atos do ser humano como crime, estabelecendo, por conseguinte, medidas de segurança como forma de correção e coerção da sociedade para esses infratores, tutelando, portanto, a proteção dos valores fundamentais, tais como: vida, patrimônio, propriedade, liberdade, saúde, etc., através das penas e do poder de punir do Estado, estabelecendo também os limites punitivos do poder público. Nos ordenamentos jurídicos atuais os fundamentos do direito penal se situam mais no aspecto de socialização e ressocialização do que no de punição, sustentados por alguns princípios, tais como: da legalidade; da anterioridade; da reserva legal; da irretroatividade; da especialidade; da subsidiariedade; da consumação; da alternatividade. A teoria geral do delito nos fornece as características que são comuns a cada crime, ainda que cada crime tenha certa especificidade. O crime passa a ser punido quando confirmados os requisitos de tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade. Assim, esperamos, com os temas aventados no capítulo que acabamos de estudar, ter contribuído para o surgimento de novos elementos de pesquisas sobre o direito penal. 34 História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal Referências BIBLIA SAGRADA. Edição Pastoral. São Paulo: Edições Paulinas, 1990. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. 13ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2009. v.1.CONDE, Francisco Muñoz. Teoria geral do delito. Porto Alegre: Fabris, 1998. DUARTE, Maércio Falcão. Evolução histórica do Direito Penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 34, 1 ago. 1999. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/ texto/932>. Acesso em: 1 jul. 2011. GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. 2 ed. Tradução de A. M. Hespanha e L. M. Macaísta Malheiros. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1995. MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de Direito Penal. 17 ed. São Paulo: Atlas, 2001. v. 1. NUCCI, Luiz Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 5 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2002. PETTA, Nicolina Luiza de; OJETA, Eduardo Aparício Baez. História: uma abordagem integrada. São Paulo: Moderna, 2001. http://jus.uol.com.br/revista/texto/932 http://jus.uol.com.br/revista/texto/932 CAPÍTULO 2 Direito Penal Internacional A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 3 Identificar os fundamentos do direito penal internacional e sua dinâmica no cenário mundial atual. 3 Analisar e diferenciar as competências dos tribunais penais e cortes internacionais. 37 Direito Penal Internacional Capítulo 2 Contextualização Embora os primeiros princípios do direito internacional tenham surgido com grandes pensadores como Francisco Suarez, Hugo Grotius, Francisco de Vitória entre outros, somente em tempos contemporâneos as nações despertaram para a necessidade de punir os criminosos de guerra e outros que cometem crimes contra a humanidade. A violação dos direitos à vida e à dignidade humana fez com que as nações se organizassem a fim de estabelecer princípios elementares para que as regras do direito humanitário fossem respeitadas. O século XX foi marcado por diversos conflitos que ocasionaram horrores à população, desde genocídios até tentativas de limpeza étnica, mesmo estando sob a égide das convenções de Genebra (1854), São Petersburgo (1868) e de Haia (1899 e 1907), que estabeleciam as leis e costumes da guerra, mas que não produziam efeitos na prática. No entanto, após dois conflitos de âmbito mundial (a Primeira e a Segunda Guerra Mundial), em 1919 e 1945, é que as nações passaram a priorizar o julgamento dos responsáveis pelas atrocidades cometidas nas guerras. A Convenção sobre o Genocídio, em 1948, e as demais Convenções de Genebra, em 1949, sobre conflitos armados, já previam a instalação de uma corte internacional, mas só com a aprovação de um Projeto em 1996 é que foi possível o início da materialização do Direito Internacional Penal que culminou com a aprovação, em julho de 1998, de um Tribunal Penal Internacional, instalado em 2002, em Haia. O caminho percorrido foi longo. No capítulo a seguir, você, pós-graduando(a), vai encontrar apontamentos sobre os Tribunais Militares Internacionais que julgaram os criminosos de Guerra. Os TMIs, de Nuremberg e de Tóquio, tiveram papel fundamental para a instituição do Tribunal Penal Internacional. O capítulo a seguir será de importância ímpar para a compreensão das relações internacionais na globalização. É certo que os povos evoluíram em seus sistemas de comunicação, possibilitando grandes avanços e melhorias na vida humana. No entanto, a criminalidade também continuou se propagando e sob o véu da guerra muitos crimes contra a vida foram cometidos dolosamente. A necessidade de demonstrar que os crimes contra a vida humana não poderiam ficar impunes fez com que a comunidade internacional discutisse pontos específicos no direito internacional penal. Pós-graduando(a), você encontrará indicativos para melhor compreender os Tribunais Militares Internacionais, a justiça após a Segunda Guerra, a instituição 38 História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal dos Tribunais Penais Internacionais, a formalização das Cortes Permanentes de Justiça Internacional e o papel da ONU e os Estados-Nações. Os Tribunais Militares Internacionais: Nuremberg e Tóquio De fato a Segunda Guerra Mundial contribuiu muito para o surgimento dos Tribunais Militares Internacionais, em consonância com as atrocidades que tinham como responsáveis os governos da Alemanha em face da Europa, principalmente dos judeus, e do Japão em face da China. Mas o surgimento dos Tribunais Militares Internacionais não ocorreu imediatamente após a Segunda Guerra Mundial. Ainda durante a mesma se observou a necessidade de punir os responsáveis pelos crimes cometidos. a) O Tribunal Militar Internacional de Nuremberg Nas conferências de Teerã e Moscou, em 1943, e de Potsdam, em 1945, Estados Unidos da América, União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e Grã- Bretanha, as três maiores potências econômicas e armamentistas na época, fecharam acordo para que os responsáveis pelos crimes de guerra fossem processados, julgados e punidos. Assim, em 08 de agosto de 1945, na capital inglesa (Londres), criou-se o Tribunal Militar Internacional de Nuremberg, sendo signatários os três países anteriormente citados e a França. No art. 1º de seu estatuto ficou estabelecido que o Tribunal Militar Internacional de Nuremberg foi criado especificamente para julgar e punir “[...] os grandes criminosos de guerra dos países europeus do Eixo” (GONÇALVES, 2001, p. 75). Os “países europeus do Eixo” citados no referido artigo correspondem à Alemanha e à Itália, pois ainda que o Japão tivesse sido aliado desses dois países, não foi inserto. O julgamento dos criminosos de guerra do Japão iria ter seu próprio tribunal, o Tribunal Militar Internacional de Tóquio. O Tribunal Militar Internacional de Nuremberg: Segunda Guerra Mundial contribuiu muito para o surgimento dos Tribunais Militares Internacionais Em 08 de agosto de 1945, na capital inglesa (Londres), criou-se o Tribunal Militar Internacional de Nuremberg. 39 Direito Penal Internacional Capítulo 2 [...] é composto por quatro membros. Cada país aliado envia um titular e um suplente com a missão de garantir um processo e uma punição justos e rápidos para os principais criminosos de guerra nazistas. Os juízes não são contestáveis e cabe a cada signatário dos acordos substituir o juiz e o seu suplente no caso de problemas de saúde. A presidência é assegurada sucessivamente pelas quatro potências, seja por acordo interno no tribunal, seja por voto da maioria de pelo menos três juízes. As decisões são tomadas pela maioria e, no caso de empate, o voto do presidente é decisivo. (BAZELAIRE, 2004, p. 21). O art. 6º do Estatuto desse Tribunal estabelece a jurisdição, a competência material e as diretrizes: Artigo 60 [...] a) os crimes contra a paz: isto é, a direção, a preparação, o desencadeamento ou a continuidade de uma guerra de agressão, ou de uma guerra violando tratados, garantias ou acordos internacionais, ou a participação em um plano orquestrado ou em um complô para o cumprimento de qualquer um dos atos anteriores; b) os crimes de guerra: isto é, as violações das leis e costumes de guerra. Essas violações compreendem, entre outras, o assassinato, os maus tratos e a deportação para os trabalhos forçados ou com qualquer outro objetivo das populações civis nos territórios ocupados, o assassinato ou os maus-tratos dos prisioneiros de guerra ou das pessoas no mar, a execução dos reféns, a pilhagem dos bens públicos ou privados, a destruição sem motivo das cidades e dos vilarejos ou a devastação que não se justifiquem pelas exigências militares; c) os crimes contra a humanidade: isto é, o assassinato, o extermínio, a escravização, a deportação e qualquer outro ato desumano cometido contra qualquer população civil, antes ou durante a guerra,ou as perseguições por motivos políticos, raciais ou religiosos, quando esses atos ou perseguições, quer tenham constituído ou não uma violação do direito interno do país onde foram perpetrados, tenham sido cometidos em decorrência de qualquer crime que faça parte da competência do Tribunal, ou estejam vinculados a esse crime. Os dirigentes, organizadores, provocadores ou cúmplices que tomaram parte na elaboração ou na execução de um plano orquestrado ou de um complô para cometer qualquer um dos crimes acima definidos são responsáveis por todos os atos realizados por qualquer pessoa na execução desse plano. (SOARES, 2006, p. 1212, grifo meu). 40 História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal O princípio do devido processo legal também é respeitado no processamento do Tribunal Militar Internacional (TMI) de Nuremberg, e está fundamentado no artigo 16 de seu Estatuto, posto que as acusações devam sempre ser detalhadas e em uma língua que o acusado compreenda e entregues ao mesmo em um prazo razoável, antes do julgamento. O acusado terá o direito de ampla defesa de todas as acusações imputadas a ele, podendo relacionar todas as provas que pretende produzir, pessoalmente ou por seu advogado, além de fazer perguntas às testemunhas de acusação e sustentar eles próprios ou por intermédio de um advogado sua defesa perante o Tribunal e durante o interrogatório. Durante todo o processo deverá haver a tradução para uma língua que o acusado compreenda. Sugiro que assista ao filme: O Julgamento de Nuremberg Sinopse Com o fim da Segunda Guerra Mundial, os países aliados reuniram- se em Nuremberg, na Alemanha, para decidirem o destino de oficiais nazistas, julgados por seus bárbaros crimes, cometidos nos campos de concentração, em nome da loucura do III Reich. Entre eles está o notório Hermann Goering (Brian Cox, de Coração Valente). Com os ombros pesados pela responsabilidade e todos os olhos do mundo voltados para aquela corte, o promotor Robert Jackson (Alec Baldwin, de O Sombra) questiona os direitos dos acusados. É como fazer valer a justiça no mais importante julgamento da história. Com ricos detalhes sobre O Julgamento de Nuremberg, este filme – cuja produção executiva é co-assinada por Alec Baldwin – manteve-se fiel até às transcrições das fitas gravadas na corte, aqui também reproduzida fielmente. Todo o drama e dilema dos acusadores foram minuciosamente recriados nesta produção inquestionavelmente perfeita. Fonte: O JULGAMENTO de Nuremberg. Direção de: Yves Simoneau. Canadá/EUA: Distribuição: Warner Home Vídeo, 2000. 1 DVD (169 min.): DVDRip, color. Legendado. Port. 41 Direito Penal Internacional Capítulo 2 O Estatuto do TMI de Nuremberg não prevê recursos, no entanto seu artigo 29 prevê que o Conselho de Controle na Alemanha tem a possibilidade de reduzir ou modificar de outra forma as decisões, podendo tomar medidas mais severas. As penas previstas no Estatuto do TMI de Nuremberg podem ser consideradas bem amplas e subjetivas pois, além da pena de morte, o artigo 27 prevê que quaisquer outros tipos de pena podem ser aplicados, desde que o Tribunal as considere justas, no entanto, não conceitua especificamente o que seria uma punição justa para cada crime, ficando a cargo, portanto, unicamente dos julgadores do Tribunal. O artigo 22 do Estatuto do TMI de Nuremberg estabeleceu Berlim, na Alemanha, como sede permanente do Tribunal, mas o primeiro processamento ocorreu em Nuremberg, na Alemanha, sendo que os demais lugares ficarão à escolha do próprio Tribunal. Em 18 de outubro de 1945, na Corte Suprema de Berlim, ocorreu a audiência de estreia do TMI, esta presidida pelo juiz soviético Iola T. Nikitchenko, oportunidade em que foram apresentadas as acusações contra 24 (vinte e quatro) criminosos nazistas e 06 (seis) organizações criminosas. O processo durou quase um ano (20 de novembro de 1945 a 1º de outubro de 1946). Foram 218 (duzentos e dezoito) dias de audiência, tendo sido feita a oitiva de 360 (trezentas e sessenta) testemunhas. Os acusados resolveram se declarar inocentes das acusações, no entanto, os veredictos, dados em 30 de setembro e 1º de outubro de 1946, foram de três absolvições, nove condenações à prisão temporária ou perpétua, os quais a partir do dia 18 de julho de 1947 foram transferidos para a prisão dos Aliados em Berlim- Spandau, especialmente reservada aos criminosos de guerra, e doze condenações à morte. Os condenados à morte, no dia 16 de outubro de 1946, foram enforcados no ginásio da prisão de Nuremberg e seus corpos, em seguida, foram incinerados em Munique e suas cinzas depositadas em um afluente do rio Isar. Os “Aliados” na Segunda Guerra Mundial correspondiam aos países opositores da tríade do “Eixo”: Estados Unidos, Reino Unido, União Soviética, China, Polônia, França, Austrália, Nova Zelândia, Nepal, África do Sul, Canadá, Noruega, Bélgica, Luxemburgo, Países Baixos, Grécia, Iugoslávia, Panamá, Costa Rica, República Dominicana, El Salvador, Haiti, Honduras, Nicarágua, Guatemala, Cuba, Coreia, Tchecoslováquia, México, Etiópia, Iraque, Bolívia, Irã, Colômbia, Libéria, Romênia, Bulgária, San Marino, Albânia, Hungria, Equador, Paraguai, Peru, Uruguai, Venezuela, Turquia, Líbano, Arábia Saudita, Argentina, Chile, Dinamarca e Brasil. 42 História, Teorias e Fundamentos Constitucionais do Direito Penal b) O Tribunal Militar Internacional de Tóquio Quanto ao Tribunal Militar Internacional de Tóquio, que também é conhecido por Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente, seus ideais tiveram base na Conferência do Cairo em 1º de dezembro de 1943, quando China, Grã-Bretanha e Estados Unidos da América declararam que o fim comum da guerra é finalizar e punir a agressão japonesa. Assim, quando do ato de rendição dos japoneses, em 02 de setembro de 1945, foram estipuladas todas as questões concernentes ao tratamento e detenção dos criminosos de guerra e, concomitantemente, a Comissão de Crimes das Nações Unidas recomendou que se estabelecesse um tribunal militar internacional para a questão dos japoneses. Na Conferência de Moscou, os Ministros das Relações Exteriores da China, Estados Unidos da América, Grã-Bretanha e União Soviética, concordaram que o TMI fosse estabelecido em Tóquio, no Japão, sendo que, em janeiro de 1946, o general Douglas Mac Arthur aprovou a Carta do TMI de Tóquio. Nessa senda, em 03 de maio de 1946, o TMI do Extremo Oriente iniciou suas atividades, com a abertura de 28 (vinte e oito) processos contra criminosos de guerra japoneses, de um total de 80 (oitenta) detidos. O tribunal é composto de juízes provenientes de 11 nações aliadas: Austrália, Canadá, China, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Índia, Países Baixos, Nova Zelândia, Filipinas e União Soviética. O procurador-chefe, Joseph Keenan, é norte americano; cada país aliado designa um procurador adjunto. (BAZELAIRE, 2004, p. 28). O Estatuto do TMI de Tóquio é bem semelhante ao Estatuto do TMI de Nuremberg, muito embora conte com apenas 17 artigos. O artigo 5º do Estatuto, por exemplo, estabelece a jurisdição sobre as pessoas e sobre os crimes, especificando também a competência material do TMI de Tóquio: Artigo 5º[...] a) Crimes contra a paz. Isto é, o fato de ter planejado, preparado, desencadeado ou dado continuidade a uma guerra Tribunal Militar Internacional de Tóquio, que também é conhecido por Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente Em 03 de maio de 1946, o TMI do Extremo Oriente iniciou suas atividades. 43 Direito Penal Internacional Capítulo 2 de agressão, declarada ou não, ou a uma guerra violando o direito internacional, os tratados, acordos ou garantias, ou de ter participado em um plano comum ou em um complô visando a cometer um dos atos evocados. b) Crimes
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