Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Módulo 4 I Volume 6 17UESC Pressupostos epistemológicos da avaliação da aprendizagem 1 U ni da de 2 O CAMPO DA AVALIAÇÃO: HISTÓRICO E CONCEITO Os conceitos atribuídos à avaliação correspondem às etapas históricas da educação. Para estudarmos sobre o histórico da avaliação e seus conceitos, recorremos a algumas leituras teóricas sobre o processo de avaliação da aprendizagem que está ligado a pressupostos da produção do conhecimento a partir das décadas de 1980 e 1990. Neste período, o ato de avaliar passa por um grande debate no cenário da educação escolar, e é entendido como um processo que deve apontar para a reconstrução permanente dos conteúdos apreendidos; paradoxal à concepção de que a prática avaliativa é o instrumento de visibilidade per si de erros relativos aos conteúdos apreendidos (LUCKESI, 1997). 2.1 Ensinar e aprender: fundamentos da avaliação da aprendizagem. Para estudarmos o conceito de avaliação da aprendizagem, precisamos revisar o que entendemos por ensinar e aprender. A Pedagogia, enquanto campo de conhecimento da educação escolar, preocupa-se com o ensino e a aprendizagem das pessoas no seu processo formativo, portanto, nos estudos que você já realizou e irá realizar, através dos conhecimentos ministrados pelas diversas atividades do curso, os conceitos de ensinar e de aprender devem ser compreendidos na sua dimensão social, afetiva, política e didática. Na disciplina Didática I e II, estudamos que as concepções de ensino e de aprendizagem caminham juntas no decorrer da história da educação. Vimos que para a pedagogia tradicional e tecnicista aprender é sinônimo 18 EADPedagogia Avaliação da aprendizagem de memorizar, sendo que o ensinar significa verbalizar conteúdos e tomar a lição do dia. Para essas concepções o ensino e a aprendizagem são processos paralelos, mas que não estão estreitamente relacionados. Para a pedagogia progressista, aprender é um processo complexo, reflexivo e ativo que se efetiva durante as experiências de assimilação de conhecimentos ou aquisição de competências e habilidades. Portanto o ensino é a orientação, o acompanhamento da aprendizagem do aluno. Ensinar é uma atividade incentivadora e orientadora do processo de aprendizagem dos alunos (OLIVEIRA, 1988). Leiam o texto da professora Lea Anastasiou e refli- tam mais sobre a importância dos conceitos de ensinar e de aprender para o entendimento crítico da avaliação da apren- dizagem. ENSINAR Um dos elementos básicos de discussão da ação docente refere-se ao ensinar, aprender e apreender. Essas ações são muitas vezes consideradas e executadas como ações disjuntas, ouvindo-se inclusive de professores, afir- mações do tipo: “eu ensinei, o aluno é que não aprendeu”. Isso é decorrente da idéia de que ensinar é apresentar ou explicar o conteúdo numa exposição, o que a grande maioria dos docentes procura fazer com a máxima habilidade de que dispõe; daí a busca por técnicas de exposição ou oratória, como sendo o elemento essencial para a competência docente. Historicamente sabemos que o modelo jesuítico, presente desde o início da colonização portuguesa no Brasil, já apresentava em seu manual, Ratio Studiorum - datado de 1599, os três passos básicos de uma aula: preleção do conteúdo pelo professor, levantamento de dúvidas dos alunos e exercícios para fixação, cabendo ao aluno a memorização para a prova. Nessa visão de ensino, a aula é o espaço onde o Módulo 4 I Volume 6 19UESC Pressupostos epistemológicos da avaliação da aprendizagem 1 U ni da de professor fala, diz, explica o conteúdo, cabendo ao aluno anotá-lo para depois memorizá-lo. Daí poder prescindir da presença do próprio aluno, pois se tem um colega que copia tudo, basta fotocopiar suas anotações e estudá-las, para dar conta dessa maneira de memorizar os conteúdos. Nesse caso, mesmo numa situação que tradicionalmente seja considerada uma boa aula, em geral explicita-se o conteúdo da disciplina com suas definições ou sínteses, desconsiderando-se os elementos históricos e contextuais, muitas vezes tomando suas sínteses temporárias como definitivas e desconectando- as de afirmações técnicas das pesquisas científicas que as originaram. Toma-se, assim, a simples transmissão da informa- ção como ensino, e o professor fica como fonte de saber, tornando-se o portador e a garantia da verdade. Segundo Not (1993) isso pode provocar, uma adoção da estrutura do outro, e quando se fala ao outro, inclusive, se utiliza a mesma linguagem, das mesmas palavras; principalmente na hora da prova. Ou, conforme Reboul (1982, p.27), [...] o aluno registra palavras ou fórmulas sem compreendê-las. Repete- as simplesmente para conseguir boas classificações ou para agradar ao professor [...] habitua-se a crer que existe uma ‘língua do professor’, que tem de aceitar sem a compreender, um pouco como a missa em latim. [...] O verbalismo estende-se até às matemáticas; pode-se passar a vida inteira sem saber porque é que se faz um transporte numa operação; aprendeu-se mas não se compreendeu; contenta-se em saber aplicar uma fórmula mágica... Nesse processo ficam excluídos a historicidade, os determinantes, os nexos internos, a rede teórica, enfim os elementos que possibilitaram aquela síntese obtida; a ausência desses aspectos científicos, sociais e históricos deixa os conteúdos soltos, fragmentados, com fim em si 20 EADPedagogia Avaliação da aprendizagem mesmo. Embora esse tenha sido o modelo que nós, professores atuais, vivenciamos como alunos e com o qual conseguimos efetivar sínteses que nos possibilitaram prosseguir em nossa caminhada acadêmica, temos hoje dados de pesquisas que nos permitem um caminhar científico e relacionado ao quadro teórico prático atual que a Pedagogia coloca à disposição. A compreensão do que seja ensinar é um desses elementos: o verbo ensinar, do latim, insignare, significa marcar com um sinal, que deveria ser de vida, de busca e de despertar para o conhecimento. Na realidade da sala de aula, pode ocorrer a compreensão ou não do conteúdo pretendido, a adesão ou não a formas de pensamento mais evoluídas, a mobilização ou não para outras ações de es- tudo e de aprendizagem. Como outros verbos de ação, ensinar contém - em si - duas dimensões: uma utilização intencional e uma de resultado, ou seja, a intenção de ensinar e a efetivação dessa meta pretendida. Assim, se eu expliquei um conteúdo, mas o aluno não se apropriou dele, posso dizer que ensinei, ou apenas cumpri uma parte do processo? Mesmo tendo uma sincera intenção de ensinar, se a meta (a apreensão, a apropriação do conteúdo por parte do aluno) não se efetivou plenamente, como seria necessário ou esperado para o prosseguimento do caminho escolar do aluno, posso dizer que ensinei? Terei cumprido as duas dimensões pretendidas na ação de ensinar? APRENDER E APREENDER Encontramos também uma diferença entre aprender e apreender. Embora nos dois verbos exista a relação entre os sujeitos e o conhecimento, o apreender, do latim apprehendere, significa segurar, prender, pegar, assimilar mentalmente, entender, compreender, agarrar. Não é um verbo passivo; para apreender é preciso agir, exercitar-se, informar-se, tomar para si, apropriar-se... O verbo aprender, derivado de apreender por Módulo 4 I Volume 6 21UESC Pressupostos epistemológicos da avaliação da aprendizagem 1 U ni da de síncope, significa tomar conhecimento, reter na memória mediante estudo, receber a informação de... É preciso distinguir quais dessas ações estão presentes na meta que estabelecemos ao ensinar: se for apenas receber a informação de, bastará passá-la através da exposição oral. Nessa perspectiva, uma boa palestra é o suficiente para a transmissão da informação. No entanto, se nossa meta se refere a apropriação do conhecimento pelo aluno, para além do simples repasse da informação, é para isso queprecisaremos estar nos organizando: é preciso superar o aprender, que tem se resumido à memorização, na direção do apreender, segurar, apropriar, agarrar, prender, pegar, assimilar mentalmente, entender, compreender. Daí a necessidade atual de se revisar o ‘assistir aulas’, pois a ação de apreender não é passiva. O agarrar por parte de aluno exige ação constante e consciente: exige se informar, se exercitar, se instruir. O assistir ou dar aulas precisa ser substituído pela ação conjunta do fazer aulas. Nesse fazer aulas é que surgem as necessárias formas de atuação do professor com o aluno sobre o objeto de estudo e a definição, escolha e efetivação de estratégias diferenciadas que facilitem esse novo fazer. Fonte:<http://www.fcf.usp.br/Ensino/Graduacao/Disciplinas/Exclusivo/ Inserir/Anexos/LinkAnexos/CAP%C3%8DTULO%201%20LeaAnastasiou. pdf>. 2.2 Avaliação: um pouco de história A palavra avaliar vem do latim a+valare, que significa atribuir valor e mérito ao objeto em estudo; assim, avaliar é atribuir juízo de valor sobre uma ação ou uma matéria. Em se tratando de avaliar o processo de ensino e aprendizagem, o seu significado tem sido pautado pela lógica da mensuração, isto é, associa-se o significado de avaliar ao de medir os conhecimentos adquiridos pelos alunos. Veremos que esse entendimento é contrário a outro momento paradigmático 22 EADPedagogia Avaliação da aprendizagem da educação que entende a avaliação da aprendizagem como um processo contínuo, ligado à formação dos educandos, capaz de reestruturar conhecimentos sedimentados. Para melhor compreendermos que a avaliação é um conceito complexo e acompanha o desenvolvimento da educação e suas mudanças paradigmáticas, apresentamos o texto “História da avaliação: do exame à avaliação diagnós- tica”, da professora Jussara Gabriel Santos. Pensa-se que a prática avaliativa surgiu com o pretexto de analisar a aprendizagem dos alunos na escola. Mas diante da reflexão sobre o processo histórico e a concepção da avaliação, nota-se claramente que esse termo (avaliação) é recente e seu primeiro vestígio (exame) não está relacionada com a escola. [...] A prática avaliativa foi adotada desde o seu princípio como via de controle, destinada à seleção, ou seja, a inclusão de alguns e exclusão de outros. Mas esse termo ‘avaliação’ é recente, pois por muito tempo usou-se o chamado ‘exame’. O primeiro vestígio sobre o exame se deu na sociedade chinesa nos anos de 1.200 a.C, onde não aparece como instrumento educativo, mas sim como forma de controle e manutenção social. Neste período, o exame tinha um papel mediador entre os sujeitos do sexo masculino e o serviço público. Aqui, possuía a incumbência de ‘selecionar, entre sujeitos do sexo masculino, aqueles que seriam admitidos no serviço público’ (Esteban, 2002, p.30). O exame é o ajustamento das técnicas de posição social na sociedade chinesa, pois permite a mobilidade social dos sujeitos de sexo masculino, ou melhor, o acesso à administração da coisa público. Assim, no século XVII surgem duas correntes para a institucionalização do exame: uma vem de Comenius que defende o exame como um espaço de aprendizagem e não de verificação da aprendizagem; se o aluno não aprendeu é necessário refletir sobre o método utilizado em função de promover a aprendizagem do mesmo. O Módulo 4 I Volume 6 23UESC Pressupostos epistemológicos da avaliação da aprendizagem 1 U ni da de exame para Comenius funciona como um aliado precioso em relação à prática docente. Em contraponto, La Salle defende o exame como supervisão permanente – aspecto de vigilância continua – centra-se no aluno e no exame aspectos que deveriam ser direcionados para a prática pedagógica, ou melhor, professor/aluno. Entende-se, portanto, que ao contrário do que se pensa, o exame – primeira prática avaliativa - não surge na escola, mas como um instrumento de controle e manutenção social – instrumento intermediário para a mobilidade social chinesa. Posteriormente a institucionalização do exame no século XVII, ramificado em duas vertentes – Comenius e La Salle - é que se começa a instalar na instituição-escola no século XIX, a pedagogia do exame. Os princípios da pedagogia do exame são: ‘qualida- de da educação, eficiência e eficácia do sistema educativo, maior vinculação entre sistema escolar (entenda-se currí- culo) e necessidades sociais (entenda-se modernização e/ ou reconversão industrial)’ (Esteban, 2002, p.53). Neste momento, são depositados no exame grandes esperanças para a melhoria da educação, pois através dele se consegue a promoção e a certificação da aprendizagem. A pedagogia do exame é articulada em prol da certificação e promoção dos sujeitos, colocando o exame como elemento inerente a toda ação educativa. [...] A atenção na pedagogia do exame está voltada para a promoção do estudante a série subseqüente de escolaridade. Porém, para que esse acontecimento aconteça é preciso à certificação comprovada, a nota. Portanto, ‘o aluno, por outro lado, está à procura do Santo Graal – a nota. Ele precisa dela, não importa se ela expressa ou não uma aprendizagem satisfatória; ele quer a nota. Faz conta e médias para verificar a sua situação. É a nota que domina tudo; é em função dela que se vive na prática escolar (Luckesi, 2002, p.24). Entretanto, no século XX a pedagogia deixa de se referir ao termo “exame” e o substitui pelo termo ‘teste’. 24 EADPedagogia Avaliação da aprendizagem Inicia-se então, os estudos para medir a inteligência humana, através do quoeficiente intelectual (QI), ou seja, a razão entre idade mental e idade cronológica. [...] Os testes foram os instrumentos utilizados para a mensuração da inteligência dos educandos. A primeira escala de inteligência foi construída pelo pedagogo e psicólogo francês Alfred Binet, com o objetivo de medir a inteligência dos alunos com dificuldade de aprendizagem na escola da rede pública francesa no ano de 1905. Essa escala mensurava a inteligência de acordo com a idade do aprendiz, ou melhor, idade mental. Com o advento da escola nova no final do século XIX na Europa e nos EUA, um movimento educacional que carregava como pilar principal de luta, a democratização do acesso ao ensino como forma de corrigir a injustiça social. Pelo viés do darwinismo, onde apenas os melhores se adaptam e assim devem ter melhores oportunidades. Os instrumentos de mensuração – os testes – seriam capazes de fazer essa diferenciação a fim de beneficiar os melhores alunos e não cometer injustiça intelectual com os mesmos. Nesta perspectiva, a avaliação dos ‘deficientes mentais’ ou ‘anormais’ dentro da escola nas três primeiras décadas no século XX, baseava-se quase integralmente ao nível intelectual. O produto dos testes eram utilizados, para explicar a eliminação dos chamados ‘degenerados mentais’ e ‘o acesso à escola de acordo com as condições cognitivas individuais’. No entanto, o modelo científico da psicologia positivista pautado no objetivismo instigou a escola em buscar a objetividade do conhecimento do aluno e adotar as questões-teste para a avaliação do mesmo, em imitação aos testes psicológicos. Em meados da segunda metade do século XX, o termo ‘teste’ é substituído pelo termo ‘avaliação’, empregado primordialmente pela administração cientifica por ser uma palavra que expressava neutralidade, imagem acadêmica e insight de controle. Neste momento, surge a pedagogia tecnicista que se difundiu na educação como tecnicismo Módulo 4 I Volume 6 25UESC Pressupostos epistemológicos da avaliação da aprendizagem 1 U ni da de educacional. Esse movimento educacional era inspirado nas teorias behavioristas da aprendizagem e na abordagem sistêmica do ensino, buscando relacionar a educação com as exigências industriais e tecnológicas da sociedade. A avaliação neste período se limita ao campo técnico, ou melhor, a construção de livros técnicos sobrea avaliação. [...] ‘A escola brasileira opera com a verifi- cação e não com a avaliação da aprendizagem’ (Luckesi, 2002, p.93). Esse fato fica confirmado ao observar a fun- ção classificatória do educando, ou seja, o professor rotula o seu aluno como ruim e bom no desempenho escolar, quando este apresenta maior número de erros – reprova- ção – ou maior número de acertos - aprovação. Em outras palavras, entende-se que as respostas erradas são sinônimas do não-saber e as respostas certas sinônimas do conhecimento construído. Essa linha de raciocínio nas práticas avaliativas, dissolve- se no seio escolar de forma autoritária, inibindo e freando as vozes dissonantes dentro de um processo de negação dos diversos estágios individuais na construção do conhecimento. Por causa da maneira autoritária que a avaliação tem sido aplicada no interior das escolas, conseqüência da sua concepção e história é urgente o resgate da avaliação formativa e processual. Essas possibilitam que o professor acompanhe e interfira dialogicamente no processo de aprendizagem do aluno, a fim de atingir os objetivos esperados. Ou melhor, ainda, não somente resgatar como prática avaliativa a função formativa e processual, mas também o processo de ‘(re) significação da avaliação’. Fonte: http://www.ic-ufu.org/anaisufu2008/PDF/SA08-20949.PDF 2.3 Discutindo conceitos de avaliação. No final dos anos 1980 e início de 1990, surgem, no Brasil, concepções mais progressistas da avaliação. Essas 26 EADPedagogia Avaliação da aprendizagem Visite o site do professor Lu- ckesi e tenha boas reflexões sobre a avaliação da aprendiza- gem http://www.luckesi.com. br/apresentacao.htm Figura 1.1 – Cipriano Luckesi Fonte: http://vidaeducacao.com.br/wp-con- tent/uploads/2010/06/cipriano-luckesi.jpg concepções não são consensuais entre os autores, e para abrir a discussão sobre o conceito de avaliação escolhemos três autores que são lidos e influenciam os estudos sobre a temática no Brasil. Começamos com Cipriano Carlos Luckesi, profes- sor baiano aposentado da Universidade Federal da Bahia – UFBA, um dos nomes de referência em avaliação da apren- dizagem escolar, assunto no qual se especializou ao longo de quatro décadas. Entre seus livros, os mais indicados são Filosofia da Educação (1993) e Avaliação da aprendizagem escolar (1990), nos quais discute a avaliação escolar para além do autoritarismo, marcando uma fase no debate sobre a avaliação na educação brasileira. Para Luckesi (1997), a avaliação da aprendizagem é uma prática de investigação do professor, cujo sentido é intervir na busca dos melhores resultados do processo de aprendizagem dos nossos educandos, em sala de aula. Em seu conceito, afirma que a avaliação é um juízo de qualidade sobre dados relevantes para uma tomada de decisão. Ao discutir a avaliação escolar para além do autoritarismo no livro Avaliação da aprendizagem escolar, o professor Luckesi analisa o caráter controlador e dominante da avaliação escolar e denuncia a função autoritária que desempenha na prática educativa. Levanta em seus argumentos uma verdadeira teoria do erro. Qualifica o erro na aprendizagem, afirmando que o erro é essencial, e é parte do processo de aprender, não pode ser entendido como falha na aprendizagem, mas o início dela. Os erros, assim como as dúvidas, são eventos importantes e impulsionadores da ação de aprender. Quando iniciamos a aprendizagem, necessariamente erramos e temos dúvidas, temos dúvidas porque erramos e erramos porque temos dúvidas. No conflito cognitivo, para respondermos as nossas dúvidas, caminhamos para os acertos, para a compreensão do conhecimento, para a aprendizagem. A partir das saiba mais Módulo 4 I Volume 6 27UESC Pressupostos epistemológicos da avaliação da aprendizagem 1 U ni da deÉ importante que você leia os livros mais recomendados da professora Jussara Hoffmann que são Avaliação Mediadora uma prática em construção da pré-escola à universidade, e Avaliação: Mito e Desafio uma perspectiva construtivista. Vi- site seu site http://www.jussa- rahoffmann.com.br compreensões e dos novos conhecimentos, produzimos novas dúvidas e novos erros. O segundo conceito que apresentamos foi elaborado pela professora Jussara Maria Lerch Hoffmann, do Rio Grande do Sul. Na Faculdade de Educação da UFRGS, desenvolveu estudos e pesquisas em avaliação e educação infantil e, quando se aposentou como Professora Adjunta, em 1996, fundou e assumiu a direção da Editora Mediação. A autora tem hoje doze livros publicados sobre o tema, além de inúmeros artigos em revistas. O conjunto de suas obras supera a marca de 300 mil exemplares vendidos no país. Para Hoffmann (1993), a avaliação é inerente e indissociável da aprendizagem enquanto concebida como problematização, questionamento, reflexão sobre a ação. A avaliação é reflexão transformada em ação, ação essa que nos impulsiona para novas reflexões. Reflexão permanente do educador sobre a realidade, e acompanhamento passo a passo do educando, na sua trajetória de construção de conhecimento. Hoffmann (1993) afirma que um professor que não avalia constantemente a ação educativa, no sentido indagativo, investigativo do termo, instala sua docência em verdades absolutas, pré-moldadas e terminais. Com esse pensamento, defende a avaliação como mediadora do processo de ensino e de aprendizagem. A avaliação mediadora se desenvolve em benefício do educando e acontece quando o diálogo é estabelecido entre quem educa e quem é educado. Para esta concepção de avaliação, cabe ao professor informar, através do diálogo, o processo de aprendizagem do seu aluno. O diálogo pode vir em forma de conversas, de comentários escritos nos trabalhos dos alunos ou ainda nos relatórios. Não podemos confundir mediação com informação. A avaliação mediadora é muito mais que informar o desempenho do aluno, é dialogar com ele sobre seu processo de aprendizagem, discutindo sobre suas dificuldades e saiba mais Figura 1.2 – Jussara Hoffmann Fonte: http://www.jussarahoffmann.com.br/ site/curriculo.asp?m=1 28 EADPedagogia Avaliação da aprendizagem Figura 1.3 – Philippe Perrenoud Fonte: http://revistaescola.abril.com. br/formacao/formacao-continuada/ entrevista-philippe-perrenoud-democra- tizacao-ensino-534507.shtml superações. Neste processo dialógico, o professor refaz seu planejamento para adequá-lo ao percurso de aprendizagem dos(as) seus alunos(as). O terceiro conceito que apresentamos é de autoria do professor Philippe Perrenoud, doutor em sociologia e antropologia e professor da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Genebra. Estudioso da evasão e das desigualdades na escola e especialista em práticas pedagógicas em instituições de ensino, é diretor do Laboratório de Pesquisas sobre a Inovação na Formação e na Educação (Life), também em Genebra. Segundo Perrenoud (1999, p. 9), A avaliação não é uma tortura medieval. É uma invenção mais tardia, nascida com os colégios por volta do século XVII e tornado indissociável do ensino de massa que conhecemos desde o século XIX, com a escolaridade obrigatória. Para Perrenoud (1999), a avaliação da aprendizagem é um processo mediador na construção do currículo e se encontra intimamente relacionada à gestão da aprendizagem dos alunos. Destacamos a observação feita pelo professor Perrenoud (1999, p.54). Na avaliação da aprendizagem, o professor não deve permitir que os resultados das provas periódicas, geralmente de caráter classificatório, sejam supervalorizados em detrimento de suas observações diárias, de caráter diagnóstico. A avaliação é um processo que deve estar a serviço das individualizações da aprendizagem. Ao discutir sobre a avaliação das competências desenvolvidas pelos alunos, Perrenoud contribui para pensarmos o currículo escolar pautado nas competências e habilidades. Para este autor, a organização pedagógica da Módulo4 I Volume 6 29UESC Pressupostos epistemológicos da avaliação da aprendizagem 1 U ni da de escola deve se voltar para criar estratégias e avaliações que possibilitem ao (à) aluno(a) o desenvolvimento pleno das suas competências e habilidades. Existem muitos outros autores que debatem a temática da avaliação da aprendizagem. Esperamos que você, futuro(a) pedagogo(a), pesquise e amplie seus estudos sobre o conceito de avaliação. Aproveite e faça uma pesquisa sobre a temática no portal Domínio Público, do Ministério da Educação. ATIVIDADE Agora, como síntese dos estudos realizados até aqui, redija um texto, evidenciando a relação/ complementação dos estudos acerca da avaliação, apresentados pelos professores Luckesi, Jussara e Perrenoud. Encaminhe para seu tutor e depois socialize os textos com seus colegas para alimentar um debate inicial a respeito da avaliação. 2.4 Avaliar e examinar Para entendermos com clareza a diferença entre o conceito de avaliar e o conceito de examinar, coadunamos com as ideias do professor Luckesi (1997, p.47), para quem “avaliar é o ato de diagnosticar uma experiência, tendo em vista reorientá-la para produzir o melhor resultado possível; por isso, não é classificatória, nem seletiva, ao contrário, é diagnóstica e inclusiva”. Com esta definição, a avaliação participa da lógica da política de inclusão na educação, bem diferente, da lógica classificatória que exclui os(as) alunos(as). ATIVIDADE 30 EADPedagogia Avaliação da aprendizagem No Dicionário da Língua Portuguesa Aurélio (2008), examinar significa submeter a exame, provar que alguém demonstra capacidade em determinado assunto. Em uma abordagem tradicional de educação, o professor é o grande e único responsável em provar que o(a) aluno(a) aprendeu os conteúdos ensinados por ele, por isso o equívoco entre avaliar e examinar. Podemos afirmar que o ato de examinar é uma das etapas do ato de avaliar. Em Luckesi (1997), examinar é classificatório e seletivo, não se destina à construção do melhor resultado possível, e sim à classificação estática e final do que é examinado. Nossos professores, em seu cotidiano, não percebem tal distinção e, quando dizem que estão avaliando, na verdade estão examinando. Em nossas escolas, praticamos mais exames do que avaliação escolar. No ato de avaliar, no entanto, o papel do professor, através de vários instrumentos, é conhecer o processo de aprendizagem do aluno, para replanejamento pedagógico, com futuras correções do ensino, das orientações didáticas e das atividades a serem realizadas pelos alunos. O que o professor deve observar com os instrumentos de exames é tão somente a identificação do percurso da aprendizagem do(a) aluno(a). Para poder orientá-lo melhor neste percurso, o exame é um meio que o professor utiliza para conhecer o que já foi ou não aprendido pelo aluno e, assim, continuar a avaliá-lo. 2.5 Avaliação e nota Historicamente, a nota é usada para representar a avaliação quantitativa e aferir o quanto o(a) aluno(a) aprendeu, ou seja, as notas têm a finalidade de medir. A concepção de ensino conservadora e positivista separa o conceito de qualidade do conceito de quantidade, acreditando que somente o número é sinônimo de exatidão. Módulo 4 I Volume 6 31UESC Pressupostos epistemológicos da avaliação da aprendizagem 1 U ni da de Confundimos, por muito tempo, a avaliação com a nota. Precisamos entender que a nota é uma parte do processo avaliativo, e que ela é aplicada, quando necessário for, a uma avaliação para verificar os conteúdos aprendidos pelos(as) alunos(as). Como estudaremos a seguir, existem outras formas de avaliar a aprendizagem que não sejam necessariamente através da verificação e da atribuição da nota. A nota tem servido na avaliação classificatória como um instrumento para rotular, selecionar e classificar as pessoas. Em Luckesi (1997, p.17), a ideia de “tirar nota para passar de ano” está tão enraizada em nossa cultura escolar que, muitas vezes, alunos e professores esquecem o objetivo principal da escola: possibilitar a aprendizagem de conhecimentos já produzidos e sistematizados pela humanidade como também a construção de novos conhecimentos, os quais, uma vez aprendidos/produzidos, contribuem para a vida do aluno e consequentemente para a sociedade em que está inserido. As notas e os conceitos são rótulos que servem para aprovar ou reprovar o(a) aluno(a); marcam sua vida escolar como bom, regular, péssimo, insuficiente, repetente etc. No exercício de uma prática avaliativa classificatória, em cujo campo discursivo os termos mais usados são medidas, notas, provas, a avaliação realiza medidas de tudo, vai das competências cognitivas às competências sociais e emocionais. Como se fosse justo e verdadeiro medir quantitativamente esses aspectos nos(as) alunos(as). Voltamos a frisar que o sistema de notas é uma exigência burocrática e não pode ser entendido como o sistema avaliativo de uma escola. As notas podem estar voltadas para uma avaliação qualitativa. É plausível que, no final de um processo de avaliação processual e mediadora, o docente de forma coerente e justa represente a avaliação em notas para atender ao sistema burocrático. 32 EADPedagogia Avaliação da aprendizagem Para dar continuidade aos nossos estudos, convidamos você para fazer a leitura de parte do texto: As influências de um rio chamado avaliação escolar, de autoria dos professores Maria Claudia Reis Ferraz e Stella Maris Moura de Macedo (145 -150). Desejando transformar a avaliação, não podemos desconsiderar que um dos aspectos que tradicionalmente fazem parte da avaliação escolar é a emissão de conceitos e/ou notas, fator responsável por uma imagem difusa da escola como lugar da “prova” que “aprova ou reprova”, que hierarquiza e que divide os sujeitos, estigmatizando-os em “fortes e fracos”. Diante da pratica tradicional de quantificação e de classificação exigida da maioria dos currículos burocratizados, que ações podemos desempenhar com nossos alunos para que a lógica da exclusão (reprovação, hierarquização) embutidas nas notas e/ou nos conceitos possa ir dando espaço à criação de uma lógica da inclusão-integração? É possível que o uso das notas e dos conceitos, apesar do sentido classificatório que apresenta, atribua ao processo educativo outros sentidos que favoreçam uma aprendizagem mais significativa, servindo como instrumento de integração e auto-avaliação? Estas questões remetem-me a algumas experiências que tenho vivido enquanto avalio. Escolho uma em que muitos dos alunos e alunas demonstravam uma relação utilitária com o trabalho escolar, baseavam seu desempenho e participação nas atividades de acordo com as permutas, em termos de “pontuação”, que pudessem realizar. Era desgastante a relação com aquele grupo, e não foram poucas às vezes em que ouvia, diante de alguma proposta de trabalho: - Professora, vale nota? Vale quanto? - Se eu fizer, a senhora vai me dar quanto? A atitude de barganha era quase diária. Muitas vezes, sentia como se tivéssemos num mercado, onde o conhecimento a ser produzido e partilhado Módulo 4 I Volume 6 33UESC Pressupostos epistemológicos da avaliação da aprendizagem 1 U ni da de era visto como uma mercadoria que, dependendo da possibilidade de “lucro”, valia pena ou não “fechar negócio” e adquiri-la. A reprodução de uma lógica capitalista estava presente não só na coisificação do conhecimento, mas também, sobretudo, na interação individualista e competitiva que os alunos e alunos mantinham entre si. A dificuldade que correntemente apresentavam na realização de trabalhos coletivos parecia demonstrar a pouca experiência, durante os primeiros anos de suas vidas escolares, de situações de aprendizagem que favorecem o desenvolvimento de práticas participativas e solidárias. Suas atitudes denunciavam certas carências,na vivencia escolar, que possibilitassem a realização de atividades que potencializam o que Maturana e Varella (1995) chamam de Impulsos biológicos de cooperação. As tentativas insistentes de refletir, junto aos alunos e alunas, sobre a importância das tarefas coletivas, valorizando o aspecto positivo dos princípios que se envolvem, parecia auxiliar muito pouco uma melhor integração e socialização do grupo. O que me levava a verificar que a existência de uma determinada ordem social dá-se, ainda que de forma provisória quando os processos de comunicação entre os sujeitos que a integração consegue conferir uma significação coerentes às informações que partilham entre si. Neste sentido, alunos e alunas deixavam claro que o significado que, até aquele momento, conseguiam atribuir ao trabalho escolar era o de reafirmar a lógica da interação individualista, seletiva e competitivas presentes nas experiências de avaliação vividas por eles e elas até então. Que curso navega, no momento daquela maré, a fim de afluísse para uma reelaborarão do significado do ato de avaliar? Seria possível elaborar um procedimento avaliativo que, ao mesmo tempo, incorporasse as notas e/ou conceitos – com um código da cultura escolar reconhecido e valorizado pelos alunos/alunas -, mas que também permitisse 34 EADPedagogia Avaliação da aprendizagem iniciar um processo de aprendizagem social que promovesse maior compartilhamento entre as nações? Recordo, então, um episódio no qual a experiência vivida, na realização de uma atividade em grupo, sobre as regras do uso da pontuação gráfica talvez ilustre algumas possibilidades diante de tantas incertezas que a prática avaliativa nos traz. Os alunos e as alunas foram divididos em grupos de cincos componentes. Cada grupo recebeu uma cartolina em que as regras de usos dos Sinai foram escritas, e deveriam, então, procurar e recortar, em jornais e/ou revistas, frase e/ou fragmentos de textos que, de acordo com emprego dando a pontuação, pudessem ser encaixados (colados) junto às regras. No inicio e decorrer do trabalho, apesar da dificuldade demonstrada por parte do grupo em participar do processo de elaboração de alguns critérios, tive o cuidado de rever, com alguns alunos e alunas, os itens que estariam sendo avaliados e conceituados. Para surpresa da turma, no dia seguintes os trabalhos foram afixados no mural da sala, em que cada item aparecia classificado com conceitos. O significado que costumavam a atribuir aos conceitos pôde traduzir naquele momento, para os alunos e alunas, o panorama do desempenho geral de cada grupo, e o ato de conceituar os itens 2,3,4 e 5 apresentava a oportunidade de os grupos se auto avaliarem e questionarem sua postura em relação ao trabalho desenvolvido. Mas o que pude identificar, de maneira especial foi o fato de que como as notas e conceitos representavam para os alunos e alunas um elemento do trabalho escolar bastante respeitável, vê-los aqui valoriza as ações cotidianas que para a maioria deles e delas eram consideradas secundárias, ou mesmo como algo desimportante (por exemplo, arrumar a sala e organizar o material ao final de cada trabalho), criava então, para o grupo como um todo, a possibilidade não apenas de uma nova compreensão Módulo 4 I Volume 6 35UESC Pressupostos epistemológicos da avaliação da aprendizagem 1 U ni da de e valorização dos processos de trabalho coletivo, mas também, sobretudo, da aprendizagem de princípios que podemos chamar de “cidadania social”, ou seja, uma cidadania cuja ética esta baseada no principio da responsabilidade. Essa experiência revelou-se um desafio na minha trajetória, quando me lançou a difícil e angustiante tarefa de tentar classificar e hierarquizar alguns princípios relacionais, sobretudo por considerar arbitrário todo modelo todo modelo de avaliação baseado nas notas e nos conceitos. Mas o movimento de tentar superar a aparente contradição, que muito me incomodava, de utilizar o antigo sistema de classificação no desejo de tentar elabora novos sentidos para o ato avaliativo, aos poucos me levava a perceber que, no momento, aquele talvez fosse o melhor caminho a seguir. É nessa perspectiva, a meu ver, que a experiência vivida naquele episodio tinha sido estratégica, pois me permitiu a apropriação do sentido alternativo que pudesse incorpora os princípios da comunicação: a participação e a solidariedade(Santos, 2000). Aos poucos, ia certificando-me de que o abandono do modelo seletivo e classificatório, embora não se apresentasse como uma possibilidade no contexto em que atuava, não me impedia de buscar, dentro desse mesmo modelo, por meio das ações que desempenhava, alternativas que me encaminhasse no sentido da produção de uma educação que integrasse conhecimentos e valores humanos. O trabalho que desenvolvia com aquele grupo fazia-me pensar, cada vez mais sobre o fato de que os procedimentos classificatórios, no cotidiano escolar, em muito prejudicam as relações democráticas entre os seus agentes, quase sempre negando o testemunho práticos de valores como a generosidade, justiça, alegria, solidariedade e união. Na maioria das vezes, distanciam os sujeitos, contribuído para a formação de atitudes competitivas e excludentes por meio 36 EADPedagogia Avaliação da aprendizagem da seleção e hierarquização. No entanto, acredito também que a avaliação seja um recurso, dentre tantos outro, a partir do qual tendências individualistas possam ser recompensadas promovendo a integração e a segurança na partilha dos “acertos e desacerto”, não só dos alunos e das alunas, mas também de todos que estão águas revoltas do rio “avaliação escolar”, rios cujas águas são prenhes de vida, de alternativas e de possibilidades para a formação uma saber viver humanizador. No encontro das águas... Apesar de nossas experiências terem se dado em espaços diferentes, assim como um rio cujas águas transitam por afluentes distintos, mas que se entrecruzam ao longo do percurso, nossos fazeres também se encontram interligados. Escolhemos tratar de um projeto de avaliação que implica um processo coletivo, em que os relatos apresentados possibilitem trazer para o debate a necessidade de perceber e aceitar o outro na sua diferença, incorporando princípios que integrem nossas diferenças e semelhanças, nossos conhecimentos e desconhecimentos, nossas ações, nossos sonhos, nossas vidas... (grifo das autoras). ATIVIDADE Lance mão da sua memória e relate, por meio da escrita, uma experiência avaliativa vivida por você, enquanto aluno, em que considerou injusta a nota recebida. Nesta reflexão, considere: 1. seus sentimentos em relação ao acontecido; 2. sua aprendizagem acerca do conteúdo avaliado; 3. a importância deste fato na construção de sua au- toestima. Programe com seu tutor um encontro no polo para uma discussão acerca das reflexões acima. ATIVIDADES
Compartilhar