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SUMÁRIO Introdução.................................................................................................................................09 Primeiro capítulo – Definição e Historiografia.......................................................................11 1.1. As mutuais na Historiografia Brasileira.............................................................................14 1.2. As mutuais e outras formas de associações.......................................................................17 1.3. Características das mutuais................................................................................................20 1.4. As mutuais e o Estado........................................................................................................26 Segundo capítulo – Mutuais profissionais...............................................................................30 2.1. Da admissão dos sócios......................................................................................................32 2.2. Dos deveres, direitos e beneficência..................................................................................34 2.3. A defesa profissional..........................................................................................................37 Terceiro capítulo – Mutuais abertas........................................................................................41 3.1. Da admissão dos sócios......................................................................................................42 3.2. Dos deveres, direitos e beneficência..................................................................................44 3.3. Solidariedade e religiosidade.............................................................................................46 Considerações finais.................................................................................................................49 Referências................................................................................................................................51 Anexos......................................................................................................................................65 9 INTRODUÇÃO A análise proposta aqui tem como foco o estudo de dois tipos de associações de socorro mútuo: as mutuais profissionais e as mutuais abertas. O universo empírico é a cidade de Belém entre os anos de 1890 a 1930, período esse conhecido como Primeira República. O interesse pelo estudo das mutuais veio-me quando tive a oportunidade de apresentar um seminário durante a disciplina de História do Brasil III cujo tema tratava das associações de socorro mútuo. Desde então tenho dedicado boa parte do tempo ao estudo das mutuais. A proposta de pesquisa é uma perspectiva histórica que tem como intuito fazer uma análise das duas modalidades de mutuais, atentando para as peculiaridades das mesmas. Pois ao que tudo indica, essas associações de socorro mútuo podem revelar características bastante diferentes daquelas que a recente historiografia sobre o mutualismo concebeu como traços distintivos no que tange a sua classificação. Segundo Tânia Regina de Luca, nas mutuais abertas já está-se muito próxima da ideia de um serviço prestado, quase um plano de saúde. Para a autora, os sócios nada tinham em comum a não ser o fato de contribuírem mensalmente para os cofres sociais. 1 Defendo a ideia de que havia outros elos de ligação entre os sócios de uma mutual aberta, o que será melhor explicado no decorrer desta análise. Concernente às mutuais profissionais, sustento a ideia de que o que define esse tipo de mutual é o fato de se propor a defender os interesses profissionais de seus associados, e não o fato de reunir exclusivamente trabalhadores de uma mesma categoria profissional. Além do mais, a designação “mutuais profissionais” é mais ampla, englobando tanto mutuais que reúnem exclusivamente trabalhadores de uma mesma categoria profissional quanto mutuais que agremiam trabalhadores com diferentes profissões. É com base nesses pressupostos que este trabalho se pautará ao longo de toda análise. Para tanto, esse trabalho será dividido em três capítulos. No primeiro capítulo, falaremos sobre o fenômeno do mutualismo na historiografia brasileira bem como do conceito de mutuais e de outras formas de associações. Ainda neste capítulo, trataremos das características das mutuais e sua diversidade assim como a identidade, sociabilidade e cultura associativa. Por fim, analisar-se-á a relação das mutuais com o Estado. No segundo capítulo, nos dedicaremos à análise das mutuais profissionais na cidade de Belém. Para tanto, trataremos da admissão dos sócios, isto é, das exigências que esse tipo de __________________________ 1 LUCA, Tania Regina de. O sonho do futuro assegurado: mutualismo em São Paulo. São Paulo: Contexto, 1990, p. 165. 10 mutual fazia às pessoas que estavam interessadas em fazer parte da associação. Em seguida, trataremos dos objetivos e benefícios que esse tipo de mutual realizava assim como o significado da defesa profissional. No terceiro capítulo, a análise permeará o estudo das mutuais abertas. Para isso, a metodologia usada nas mutuais abertas será praticamente a mesma que foi seguida nas mutuais profissionais. Ou seja, trataremos da admissão dos sócios e dos objetivos e benefícios das mutuais abertas. No final deste capítulo, falaremos sobre a influência da religiosidade popular nas mutuais abertas e o associativismo das mesmas. As fontes utilizadas para esse trabalho são, em sua maioria, estatutos e em menor quantidade ofícios. Os estatutos representam fontes de inestimável valor, sem os quais dificilmente este trabalho se tornaria realidade. Esses estatutos foram encontrados na seção de Cartório de Títulos e Documentos do Centro de Memória da Amazônia, doravante CMA. Através deles, se pôde perceber se determinada associação era de fato uma mutual ou não. Outrossim, por meio dos estatutos foi possível concentrar o foco em determinado tipo de mutual, na medida em que se analisavam os objetivos e critérios para a admissão de sócios nas mutuais. Por seu turno, os ofícios, coligidos durante a pesquisa no Arquivo Público do Estado do Pará, demonstram que boa parte das mutuais mantinham uma relação de proximidade com o Estado, embora nem sempre seja possível saber em que sentido se dava essa relação. Os ofícios tratam geralmente de petições de bandas de música para o festejo do aniversário de determinada associação de socorro mútuo e/ou para acompanhar a procissão do santo patrono da associação. Outros ofícios são convites para que o governador do Estado se dignasse a participar da festividade promovida em prol do aniversário da associação. Atinente à bibliografia sobre o mutualismo a mesma será comentada logo no início do primeiro capítulo. Dessa forma, para darmos sustentação teórica às hipóteses levantadas, este trabalho fará uso tanto das fontes coligidas no CMA quanto das que foram encontradas no Arquivo Público do Estado do Pará, doravante APEP; discursando sempre com a bibliografia nacional concernente às mutuais. Ademais, o presente trabalho dialogará, sempre que for necessário, com outras áreas do conhecimento como a antropologia e a sociologia. 11 PRIMEIRO CAPÍTULO: DEFINIÇÃO E HISTORIOGRAFIA Antes de analisarmos propriamente as mutuais, apresentaremos uma visão geral do período que compreende a Primeira República. A implantação da República em 1889 inaugurou um novo período na história do Brasil, período esse não mais baseado na mão-de- obra escrava e sim livre, portanto, assalariada. A transição do século XIX ao XX foi marcada pela expansão do capitalismo em vários países. De fato, com a expansãodo mundo capitalista houve uma ampliação dos investimentos de capitais estrangeiros no país. Esses capitais destinavam-se principalmente a empréstimos governamentais e à instalação de uma infraestrutura dos meios de comunicação e transportes e de bens de capital destinados ao incremento das indústrias extrativas e ao beneficiamento de matérias-primas. 1 Assim, o imperialismo e o capital financeiro se espalharam por todo o Brasil. A Grã- Bretanha, a França e os Estados Unidos passaram a investir nos vários estados do país, inclusive no Pará. Esses investimentos se concentravam em várias áreas, como por exemplo: no sistema de transporte, luz e gás; nos transportes marítimos; na agricultura; na indústria têxtil e em financiamentos e empréstimos à agricultura e às empresas. 2 De fato, o capital inglês foi preponderante durante a Primeira República. Mesmo depois da Primeira Guerra Mundial e do avanço do capital americano, ele continuou a ser predominante. 3 Isso, em boa parte, fora possível por que a República lançara as bases que faltavam ao capitalismo, isto é, a formação de uma grande massa de mão-de-obra livre que atendesse os anseios dos capitalistas. Para citar um exemplo; só no Rio de Janeiro, a abolição e a crise da economia cafeeira resultaram em uma imensa mobilização de massa humana (85 547 pessoas) dirigindo-se para a então capital do país, amalgamando-se já com uma numerosa quantidade de escravos recém-libertados. Somam-se a esta multidão as constantes levas de imigrantes que chegavam ao porto do Rio de Janeiro. 4 Nesse ínterim, as condições de vida dos trabalhadores assalariados urbanos não tinham sofrido mudanças significativas que beneficiassem os mesmos; haja vista que com a expansão do capitalismo não houve uma preocupação por parte do Estado em regular a relação capital- trabalho. Tânia Regina de Luca, citando Kowarick, afirma que: __________________________ 1 SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. 3. ed. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1989, pp. 41-50. 2 CARONE, Edgard. A Primeira República: Texto e Contexto (1889-1930). 3. ed. São Paulo: Difel, 1976, pp. 194-202. 3 Idem. A República Velha: instituições e classes sociais (1889-1930). 4. ed. São Paulo: Difel, 1978, p. 130. 4 SEVCENKO, Nicolau. Op. cit., 1989, p. 51. 12 mesmo após 1888 as relações de trabalho continuaram fortemente impregnadas pelos padrões herdados da escravatura. A mão-de-obra ainda era encarada, nas primeiras décadas do século XX, como algo que deveria ser usado e abusado sem limites. 5 Assim, diante dos abusos do capital, da ausência do Estado em regular a relação capital-trabalho, da falta de políticas sociais e mecanismos formais de previdência pública entre outros fatores, em várias capitais dos estados e em algumas cidades do hinterland multiplicou-se o número de associações de socorro mútuo e surgiram os sindicatos. Os primeiros geralmente concebidos como associações que visavam criar estratégias de assistência na ausência de políticas sociais e mecanismos formais de previdência pública. Os segundos classificados como organizações de resistência. 6 A historiografia tradicional sobre o movimento operário negou a importância que as associações de socorro mútuo tiveram na organização da sociedade civil. Para essa visão tradicionalista, as associações de socorro mútuo representaram as formas embrionárias de uma simbologia própria do mundo do trabalho. 7 A ideia de associar as mutuais a um embrião não só forjou o mito de que as mutuais deram origem aos sindicatos como também compartimentara a história da classe trabalhadora ao estudo das organizações partidárias e sindicais. 8 Assim, os defensores dessa interpretação, na ânsia de buscarem as origens (embriões) do sindicalismo, acabaram por incorrer no grave erro de que as mutuais teriam originado os sindicatos. Marc Bloch já havia alertado para o perigo dessa obsessão embriogênica, tão comum a tantos historiadores: o ídolo das origens. 9 Contudo, as pesquisas mais recentes sobre o mutualismo comprovam que as as- sociações de socorro mútuo ao desenvolverem hábitos de cooperação, solidariedade, espírito público e reciprocidade entre os trabalhadores acabaram por contribuir para a formação e o fortalecimento de uma cultura cívica entre os trabalhadores, indispensável para o processo de construção da cidadania no Brasil. 10 O historiador José Murilo de Carvalho, ao analisar a implantação da República na cidade do Rio de Janeiro, tem razão em asseverar que a mudança do regime político despertou em vários setores da população a expectativa de expan- __________________________ 5 Kowarick, Lúcio Apud LUCA, Tânia Regina de. Op. cit., 1990, p. 25. 6 VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro & JESUS, Ronaldo Pereira de. A experiência mutualista e a formação da classe trabalhadora no Brasil. In: FERREIRA, Jorge & REIS, Daniel Aarão (orgs.). A formação das tradições (1889-1945). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, pp. 23-26. 7 HARDMAN, Francisco Foot. Nem Pátria nem Patrão. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: UNESP, 2002, p. 41. 8 LUCA, Tânia Regina de. Op. cit., 1990, p. 10. 9 BLOCH, Marc L. Benjamin. Apologia da história, ou, O ofício de historiador. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2001, pp. 56-60. 10 VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro & JESUS, Ronaldo Pereira de. A experiência mutualista e a formação da classe trabalhadora no Brasil. In: FERREIRA, Jorge & REIS, Daniel Aarão (orgs.). Op. cit., 2007, pp. 23-24. 13 são da cidadania. De acordo com o autor, o início da República é marcado pela eclosão e desenvolvimento de várias concepções de cidadania, as quais nem sempre eram compatíveis entre si. 11 Assim, a história social do trabalho não deve mais vincular-se unicamente ao estudo das organizações sindicais e/ou partidárias. Em primeiro lugar, porque a história dos trabalhadores é a história de vida, de experiência desses trabalhadores no sentido amplo da acepção do social. Em segundo lugar, porque mutualismo e sindicalismo são formas de organização coevas e não excludentes, ambos coexistiram em um determinado período de tempo. 12 Em terceiro, porque o número de trabalhadores mutualizados fora maior em comparação com o número de trabalhadores sindicalizados, tendo por base o ano de 1942, com exceção dos Estados do Mato Grosso e Amazonas. 13 ________________________________________________ 11 CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 64. 12 LUCA, Tânia Regina de. Op. cit., 1990, p. 11. 13 SILVA JR., Adhemar L. As sociedades de socorros mútuos: estratégias privadas e públicas. Estudo centrado no Rio Grande do Sul (1854-1940). Tese de doutorado. Porto Alegre: PUCRS, 2005, p. 65. Vide a tabela 1.8: Sindicalização e mutualização 1939-1942. 14 1.1. AS MUTUAIS NA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA Há uma vasta bibliografia no campo das ciências sociais que trata das formas de organização do trabalho e dos trabalhadores no Brasil, sobretudo no período da Primeira República. Essa bibliografia entende o mutualismo, como já evocado acima, como uma manifestação “precoce”, “prematura” e “embrionária” 1 da cultura da classe trabalhadora, que antecedia ao moderno movimento operário e sindical do período republicano, com seus partidos, comícios e imprensa. A partir da década de 1990 o mutualismo passa a ser visto em uma perspectiva totalmente distinta daquela que a bibliografia tradicional lhe reservou. O trabalho pioneiro de Tânia Regina de Luca, O sonho do futuro assegurado (1990), demonstra com clareza a fragilidade da tese segundo a qual as sociedades de socorros mútuos representavam uma fase inicial e curta do movimento operário, sucedida pelo aparecimento dos sindicatos.Nesse estudo, a autora comprova que o mutualismo cresceu entre os trabalhadores urbanos desde o final do século XIX até meados da década de 1920, período em que São Paulo se industrializava rapidamente. Isto é, diante da ausência de mecanismos estatais que regulassem a relação capital-trabalho, as associações de socorro mútuo, atuando ao lado dos sindicatos, funcionavam como forma de resistência a um padrão de exploração na qual a classe trabalhadora estava inserida. Beatriz Kushnir, em Baile de máscaras (1996), ao estudar um grupo de prostitutas e cafetinas judias, do início do século XX da cidade do Rio de Janeiro, considerando suas associações de ajuda mútua, consegue captar os mecanismos de sociabilidade e solidariedade do grupo. Para a autora as trajetórias das histórias de vida e das associações revelam as ações coletivas exercidas por esse grupo de mulheres, cujo principal objetivo era construir e manter uma identidade baseada no fato de serem judias. Ademais, a união dessas mulheres foi também a estratégia que elas encontraram para lutar contra a discriminação sofrida tanto pela sociedade em geral quanto pela comunidade judaica. Cláudio Batalha, no volume especial da coleção Cadernos do AEL (1999), destaca a necessidade de romper com a visão tradicional que dividia a ocorrência das associações mutuais e sindicais em duas etapas distintas que se sucediam. Nesse sentido, o autor, acompa- _________________________________________________ 1 Os exemplos são muitos como o trabalho pioneiro de RODRIGUES, José Albertino. Sindicato e Desenvolvimento no Brasil. São Paulo: Difel, 1968, pp. 6-7. Ver também HARDMAN, Francisco Foot. Nem Pátria, nem Patrão. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 31; POSSAS, Cristina. Saúde e trabalho - A crise da previdência social. Rio de Janeiro: Graal, 1981, p. 197. 15 nhando a mesma linha de análise de Tânia Regina de Luca, contesta a ideia de que as associações de resistência teriam substituído às mutuais. Para o autor, ambos os tipos de associações de trabalhadores coexistiram e suas ações se confundiram durante certo período de tempo. Isto é, tanto as associações de socorro mútuo praticavam ações de resistência como os sindicatos promoviam ações assistencialistas. Em Culturas de classe (2004), Cláudio Batalha analisa a cultura operária nos diferentes tipos de associações de trabalhadores. Nesse sentido, o autor faz de forma contundente a diferença entre “cultura militante”, “cultura associativa” e “cultura de classe”. Contudo, o foco de análise principal é a cultura associativa. Ademais, o autor chama a atenção para os rituais e celebrações dos trabalhadores, sobretudo acerca das comemorações do Primeiro de Maio, dia do Trabalhador. Adhemar Lourenço da Silva Jr., em seu artigo, “Condicionantes locais no estudo do socorro mútuo” (1999), faz uma análise da relação das associações de socorro com as elites econômicas, os potentados locais e o Estado, identificando o movimento de troca de benefícios e proteção por apoio político. Em outro estudo intitulado Estado e mutualismo no Rio Grande do Sul (2000), o autor prioriza a abordagem de regulamentação das associações de socorro mútuo pelo Estado, desde o Império até as mudanças formais inseridas pelo advento da República. Nesse sentido, para o autor a ação do Estado em direção à criação de um mercado previdenciário levaria ao esvaziamento das associações de socorro mútuo nas décadas de 1930 e 1940. Em sua tese, As sociedades de socorros mútuos: estratégias privadas e públicas, Adhemar Lourenço da Silva Jr. (2005) tem como objetivo verificar se as formas de organização das associações de socorro mútuo, voltadas para a implementação de estratégia privadas, poderiam favorecer a implementação de estratégias públicas. Todos os seus trabalhos sobre as associações de socorro mútuo se concentram na realidade do Rio Grande do Sul. O artigo em conjunto de Cláudia M. R. Viscardi e Ronaldo Pereira de Jesus, “A experiência mutualista e a formação da classe trabalhadora no Brasil” publicado na coletânea A formação das tradições (2007), traduz de forma contundente a importância que as associações de socorro mútuo tiveram para a formação da classe trabalhadora no Brasil. Nesse sentido, os autores concebem as associações de socorro mútuo foram primordiais para a organização da sociedade civil na luta pela expansão da cidadania. Em outros termos, as associações de socorro mútuo desempenharam um papel essencial na formação e acúmulo de cultura cívica, entendida como cultura política composta de hábitos de cooperação, 16 solidariedade, espírito público e reciprocidade em oposição às relações verticais próprias do clientelismo. Dessa forma, essas recentes produções de temas ligados à história do trabalho descrevem novas tendências e renovações para essa área, de certo modo, superando a crise vivida nos anos de 1990, quando diagnósticos pessimistas indicavam o fim dessa área. 2 A concepção de que o fazer-se da classe operária é um fato tanto da história política e cultural quanto da econômica e que ela não foi gerada espontaneamente pelo sistema fabril 3 permitiu que outras manifestações associativas, como as associações mutuais, ganhassem importância nos estudos sobre a sua constituição e, por conseguinte, o movimento operário não é mais o único foco para o estudo da história do trabalho. ________________________________________________ 2 BATALHA, Claudio H. M. A historiografia da classe operária no Brasil: trajetórias e tendências. In: FREITAS, Marcos Cezar. Historiografia brasileira em perspectiva. (org.). São Paulo: Contexto, 1998, pp. 145-158. 3 THOMPSON, Edward P. A Formação da Classe Operária Inglesa. Vol. I, II e III. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. 17 1.2. AS MUTUAIS E OUTRAS FORMAS DE ASSOCIAÇÕES A existência complexa e multifacetada das associações de socorro mútuo, em voga entre as últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX, requer a necessidade de se fazer uma abordagem meticulosa sobre as outras formas de organizações que permeavam a vida de muitos trabalhadores. Assim, é imprescindível que se estabeleçam as diferenças cruciais entre as sociedades de socorro mútuo e as outras formas de associações, a saber: irmandades, corporações de ofício, entidades filantrópicas, seguradoras e sindicatos. Numa visão geral, a maioria das associações de socorro mútuo é considerada como formas de organização com especificidades próprias cujo principal objetivo era oferecer aos seus agremiados proteção na ausência de mecanismos formais de previdência pública. Ofereciam pensões à família do sócio enfermo (ou que viesse a falecer), indenizações, auxílio funeral, custeio de remédios, atendimento hospitalar, entre outros. Todos esses serviços dependiam evidentemente dos recursos disponíveis da associação, os quais estavam relacionados ao número e poder aquisitivo dos associados. 1 Possuíam corpos administrativos formados por assembleias onde os membros (quites com suas mensalidades) poderiam tanto eleger quanto ser eleito presidente, secretário ou tesoureiro; nomeavam-se sócios fundadores, beneméritos e remidos. Contudo, a observação das fontes na qual este trabalho se pauta concebe a ideia de que objetivo principal das mutuais profissionais em Belém era a defesa profissional. As irmandades eram associações laicas de religiosos que se originaram em um período anterior ao aparecimento das primeiras associações de caráter mutual. Atuavam na propagação e no fortalecimento da fé católica. Segundo Cláudia M. R. Viscardi e Ronaldo P. de Jesus, as irmandades embora possam ter contribuído para a composição de uma cultura associativa, não há nenhuma comprovação empírica de que as associações de socorro mútuo sejam um desdobramento das irmandades.Acrescentam ainda que em algumas regiões do Brasil, irmandades e mutuais foram cronologicamente coetâneas. As corporações de ofício eram associações que tinham como principais objetivos a transmissão e proteção de um saber específico; 2 muito embora fosse comum que uma associ- ação de socorro mútuo se organizasse em torno de trabalhadores de um mesmo ofício. As pes- quisas sobre mutualismo comprovam que a maioria das associações de socorro mútuo não fa- __________________________ 1 VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro & JESUS, Ronaldo Pereira de. A experiência mutualista e a formação da classe trabalhadora no Brasil. In: FERREIRA, Jorge & REIS, Daniel Aarão (org.). Op. cit., 2007, p. 26. 2 Ibidem, p. 25. 18 zia esse tipo de distinção. Ademais, as mutuais não tinham em seus objetivos a preocupação com a transmissão e proteção de um oficio ou profissão. Para ser mais claro, as associações de socorro mútuo que reuniam trabalhadores de um mesmo ofício representavam um tipo de mutual na qual os principais objetivos eram fornecer aos seus associados proteção na ausência dos mecanismos formais de previdência pública e lutar por melhores condições da categoria. As associações filantrópicas objetivavam oferecer socorro aos necessitados sem que para isso se fizesse necessário uma contribuição financeira obrigatória. Assim, mantinham com os beneficiados, aos quais prestavam socorro, uma relação de solidariedade vertical. 3 Por seu turno, as associações de socorro mútuo funcionavam como organizações cooperativas, fortemente marcadas por elos de solidariedade horizontal. O fato das mutuais serem marcadas pela solidariedade horizontal, não significa que não se dedicassem à filantropia. Algumas mutuais praticavam obras de caridade. No entanto, faziam-na em beneficio dos não associados, exercendo assim uma solidariedade vertical com os mesmos. Além disso, as associações filantrópicas eram, em grande parte, religiosas, enquanto que as mutuais eram leigas, porém isso não quer dizer que seus membros não tivessem convicções religiosas ou que as mesmas não fizessem referência a Deus ou aos santos de proteção. As seguradoras eram organizações que se constituíam em companhias privadas com fins puramente lucrativos. Vendiam serviços similares aos das associações de socorro mútuo. Porém, não compartilhavam das mesmas características das mutuais. De acordo com Cláudia M. R. Viscardi e Ronaldo P. de Jesus, a proliferação das seguradoras ocorreu devido o resulta- do de duas conjunturas: A primeira, por decorrência de uma lei editada em 1912, que reduzia as taxas sobre as operações de seguro no Brasil. A segunda, resultante da instituição da Lei de Proteção contra Acidentes de Trabalho, em vigor a partir de 1919. Com o propósito de serem contratadas pelas empresas para o cumprimento da segunda lei, a vida das seguradoras foi curta, por falta de clientes ou pela opção dos trabalhadores e patrões recorrer às mutuais.4 Por fim, os sindicatos eram organizações tipicamente operárias que se pautavam na resistência, na combatividade, no uso da greve e na ação partidária, embora muitos também praticassem ações assistencialistas. Surgiram em um período posterior às mutuais, pois o aparecimento de mutuais data desde o Império. Durante um determinado período de tempo, _________________________________________________ 3 Sobre associações filantrópicas vide: VISCARDI, Cláudia M. R. Mutualismo e filantropia. Lócus: Revista de História. Juiz de Fora: Editora UFJF, vol.10, 2004, pp. 100 e 105-107. 4 VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro & JESUS, Ronaldo Pereira de. A experiência mutualista e a formação da classe trabalhadora no Brasil. In: FERREIRA, Jorge & REIS, Daniel Aarão (orgs.). Op. cit., 2007, p. 26. 19 sindicalismo e mutualismo juntos dividiram espaços na vida de muitos trabalhadores. Conforme Tânia Regina de Luca: Há casos de sindicatos originados a partir de antigas sociedades de auxílios, porém isso não subordina todo um movimento a outro. Em contrapartida existem exemplos de sindicatos que passaram a se dedicar exclusivamente a atividades beneficentes, não se concluindo daí que a beneficência teria suplantado o sindicalismo. 5 Em suma, as associações de socorro mútuo não deram origem aos sindicatos. Ambos integram como vimos um conjunto mais amplo de associações surgidas em razão das mudanças ocorridas no século XIX e início do XX. __________________________ 5 LUCA, Tânia Regina de. Op. cit., 1990, p. 11. 20 1.3. CARACTERÍSTICAS DAS MUTUAIS Após termos distinguido as associações de socorro mútuo em relação a outras organizações, iremos analisar as características internas entre os tipos de mutuais bem como sua função identitária e sociocultural. Para tanto, este subponto se dividirá em dois tópicos, a saber: a) diversidade das mutuais e b) função identitária e sociocultural. a) Diversidade das mutuais: As associações de socorro mútuo são bastante diversificadas quanto a sua composição, motivação, temporalidade, clientela e objetivos. De fato a maioria tinha como objetivo precípuo oferecer socorro na ausência de mecanismos formais de previdência pública. No estudo que Tânia Regina de Luca realizou na cidade de São Paulo, a autora classificou as associações de socorro mútuo em mutuais de empresa, de órgãos públicos, mutuais por categoria profissional, por etnia, por bairro e abertas. Nesse estudo, dos seis conjuntos em que a autora classificara as associações de socorro mútuo, três deles referem-se diretamente ao mundo do trabalho: as mutuais de empresas, de órgãos públicos e as organizadas por categoria profissional. Assim, conforme o universo empírico da autora, nas mutuais de empresas, a admissão dos sócios estava relacionada ao fato do indivíduo fazer parte do quadro de funcionários da empresa, independente da função exercida na empresa. Nas mutuais organizadas por categorias profissionais agremiavam exclusivamente elementos que exercessem profissões idênticas ou conexas, não importando onde a desempenhavam. Enquanto que nas mutuais de órgãos públicos reuniam seus sócios em função do local do trabalho (secretarias, repartições, etc.) ou em função da natureza do cargo exercido (escriturários, fiscais, etc.). 1 Ainda, segundo a mesma autora, as associações mutuais organizadas por etnia reuniam seus sócios em função de sua origem e tradição cultural específicas. Essas mutuais são subdivididas em três, a saber: associações fundadas por estrangeiros, por migrantes ou ainda por negros. 2 Já as mutuais organizadas por bairros reuniam indivíduos cujo traço comum era o fato de habitarem numa mesma área da cidade. 3 Enquanto que as mutuais abertas são aquelas em que não havia qualquer tipo de restrição para a admissão de indivíduos à associação, exigindo-se apenas que o associado pagasse a mensalidade e respeitasse os estatutos. 4 ________________________________________________ 1 LUCA, Tânia Regina de. Op. cit., 1990, p. 39. 2 Ibidem, p. 124. 3 Ibidem, p. 152. 4 Ibidem, p. 160. 21 Com relação à classificação, concebe-se que as associações de socorro mútuo podem ser classificadas em mutuais de empresa, de órgãos públicos, profissionais, por bairro, abertas e etno-culturais. Como se pode notar este trabalho adota a designação mutuais profissionais 5 ao invés de mutuais por categoria profissional. Pois, como já foi dito, a designação mutuais profissionais engloba tanto as mutuais que reúnem exclusivamente trabalhadores de uma mesma categoria profissional quanto as mutuais que agremiam trabalhadores com diferentes profissões. Com o objetivo de deixar mais claro essas afirmações, aprofundaremos a discussão no terceiro capítulo. Concernente aos objetivos das mutuais, os trabalhos de Tânia R. de Luca e de AdhemarLourenço da Silva Jr. merecem créditos especiais. Assim, conforme o trabalho de Tânia de Luca, realizado nas cidades de São Paulo e Santos, entre 1890 e 1930, percebe-se as consecutivas porcentagens, levando-se em conta a totalidade das mutuais. Fazer o funeral dos sócios: 51,6%; fornecer medicamentos: 32,5%; fornecer tratamento hospitalar: 18,3%; fornecer tratamento médico: 42,7%; prestar auxílio a doentes: 56,9%; prestar auxílio a inválidos e idosos: 22,8%; estender direitos sociais à família: 11%; prestar auxílio a viúvas: 30,1%; procurar emprego para os sócios: 9,3%; prestar assistência jurídica: 13,8%; propiciar instrução: 26,8%; organizar biblioteca: 18,3%. 6 Já o trabalho de Adhemar Silva Jr., cujo universo empírico é o Rio Grande do Sul, considerando o século XX, nota-se do total das mutuais as seguintes porcentagens: 62,5% propunham assistência médica e farmacêutica a sócios; 16,67% assistência médica e farmacêutica a familiares; 29,17% fornecer diária em caso de doença; 37,5% enterro e/ou sufrágio para sócio; pensão em caso de morte: 8,33%; pensão por pobreza ou invalidez 16,67%; pecúlio em caso de morte: 33,33%; procurar emprego ou trabalho: 37,5%; assistência jurídica: 45,83%; manter escolas ou aulas para sócios: 50%; manter biblioteca: 50%. 7 No início deste subponto foi dito que a maior parte das associações de socorro mútuo tinha como principal objetivo oferecer socorro na ausência de mecanismos formais de previdência pública; porém, maioria não significa totalidade. Assim, nem todas as mutuais tinham como principal finalidade o socorro, ainda que isso a caracterizasse como uma mutual. _________________________________________ 5 A designação mutuais profissionais tomei emprestado da expressão socorro mútuo profissional usada por Michel Ralle. Cf. Michel Ralle. “A função da proteção mutualista na construção de uma identidade operária na Espanha (1870-1910)”. Locus: Sociedades operárias e mutualismo. Cadernos do AEL, Campinas, IFCH, Unicamp, v. 6, 10-11, 1999, p. 22. 6 LUCA, Tânia Regina de. Op. cit., 1990, p. 33. 7 SILVA JR., Adhemar L. As sociedades de socorros mútuos: estratégias privadas e públicas. Estudo centrado no Rio Grande do Sul (1854-1940). Programa de Pós-Graduação em História. Tese de doutorado. Porto Alegre: PUCRS, 2005, p.163. 22 Como exemplos de mutuais que não tinham como principal objetivo o socorro podemos citar: mutuais profissionais e mutuais de caráter etno-cultural. Uma análise nos estatutos de mutuais profissionais e etno-culturais, coligidos por mim durante a pesquisa, pode corroborar a asserção acima. A União dos Funileiros do Pará, fundada no dia 3 de setembro de 1905, composta por funileiros e ofícios correlatos, tinha como principal objetivo congregar todos os operários de funilaria e suas ramificações em um só corpo e defender os interesses profissionais dos funileiros. 8 O Centro Musical Paraense, fundado no dia 09 de maio de 1915, era uma associação para músicos de ambos os sexos que tinha como principal finalidade promover a união da classe dos músicos e defender seus interesses morais e materiais. 9 O Grêmio Farmacêutico do Pará, provavelmente fundado no ano de 1907, associação composta unicamente por farmacêuticos diplomados, tinha como objetivo principal pugnar pelos interesses morais e materiais da classe. 10 Nota-se, portanto, com estes exemplos que as mutuais profissionais não tinham como principal objetivo o socorro. Porém, mesmo essas mutuais tendo como objetivo precípuo a defesa dos interesses profissionais dos seus associados. Isso não significa dizer que o socorro prestado aos seus associados fosse irrelevante. Por outro lado, as mutuais etno-culturais não seguiram uma tendência única, pelo menos para a cidade de Belém. Quando falo em tendência única refiro-me ao objetivo principal a que se propõe a associação. É verossímil que uma ou duas mutuais etno-culturais, no caso da cidade de Belém, tenham tido como objetivo principal manter firme o sentimento pátrio entre os consócios, seja difundindo através de sua cultura ou festejando as datas comemorativas trazidas de sua terra natal. Entre as mutuais etno-culturais em Belém, podemos citar: a Benemérita Sociedade Portuguesa Beneficente Paraense 11 , a Sociedade Italiana de Beneficência 12 , a Unione Italiana di Istruzione e Mutuo Soccorso (União Italiana de Instrução e Socorro Mútuo) 13 , a Unión Española de Socorros Mútuos (União Espanhola de ________________________________________________ 8 Sociedade Beneficente União dos Funileiros do Pará - Estatuto de 05 de nov. de 1909 (extrato). Centro de Memória da Amazônia. Fundo Cartório de Títulos e Documentos, Estatutos (1872-1909), cx. 01, doc. 10. 9 Centro Musical Paraense – Estatuto de 1915. CMA. Fundo Cartório de Títulos e Documentos, Estatutos (1910- 1919), arts. 1º- 3º, cx. 02, doc. 21. 10 Grêmio Farmacêutico do Pará – Estatuto de 24 de dez. de 1907. Centro de Memória da Amazônia. Fundo Cartório de Títulos e Documentos, Estatutos (1872-1909), cx. 01, doc. 05. 11 Ofício do 1° secretário da Sociedade Portuguesa Beneficente ao governador do Pará de 17 de abril 1912. Arquivo Público do Estado do Pará. Fundo Secretaria do Governo, Ofícios - diversas sociedades e associações (1910-1916), avulso. 12 Sociedade Italiana de Beneficência – Estatuto de 18 de maio de 1919. Centro de Memória da Amazônia. Fundo Cartório de Títulos e Documentos, Estatutos (1910-1919), cx. 02, doc. 53. 13 Unione Italiana di Istruzione e Mutuo Soccorso – Estatuto de 1° de junho de 1919. Centro de Memória da Amazônia. Fundo Cartório de Títulos e Documentos, Estatutos (1910-1919), cx. 02, doc. 52. 23 Socorros Mútuos) 14 e a Sociedade Beneficente Shaar Hashamaim (Porta do Céu). 15 Percebe-se até aqui que o mutualismo se apresenta sobre diversas formas e com parti- cularidades próprias de cada lugar. Assim sendo, as associações de socorro mútuo não podem ser classificadas segundo um padrão unívoco, haja vista que o mutualismo é um fenômeno multifacetário. Classifica-las conforme esse paradigma, a meu ver, é desconsiderar as especificidades de cada uma delas. Em outras palavras, o estudo das mutuais não pode ser delimitado por teorias, paradigmas ou classificações fixas como veremos adiante. b) Função identitária e sociocultural das mutuais Antes de adentrarmos especificamente na função identitária e sociocultural das mutuais das associações de socorro mútuo em Belém é necessário que se faça uma distinção entre cultura associativa e cultura militante. Segundo Cláudio Batalha, o termo “cultura associativa” comporta um duplo significado. O primeiro deles remete ao hábito de associar- se, a tendência de conferir uma certa institucionalidade a formas de sociabilidade diversas. 16 O segundo significado de cultura associativa, o autor conceitua como sendo um conjunto de propostas e práticas culturais das organizações operárias, a visão de mundo expressa nos discursos bem como os rituais que regem a vida das associações. 17 Por sua vez, a cultura militante assume aspectos específicos a cada corrente ideológica preservando, todavia, traços comuns a todas essas correntes. Em outras palavras, a cultura militante não é específica ou exclusiva do anarquismo, ou de qualquer outra corrente ideológica. 18 Depois de termos conceituado o que é cultura associativa e o que é cultura militante poderemos entender como as diversas sociabilidades e os rituais das associações de socorro mútuo de Belém favoreceram o aparecimento de uma cultura associativa. Uma análise nos rituais dessas associações pode confirmar a assertiva. Os rituais das associações de socorro __________________________ 14 Ofício do secretário geral da Unión Española de Socorros Mútuos ao governador do Pará de 24 de maio de 1916. Arquivo Público do Estado do Pará. Fundo: Secretaria do Governo, Ofícios- diversas sociedades e associações (1910-1916), avulso. 15 Sociedade Beneficente Shaar Hashamaim – Estatuto de 10 de jan. de 1928. Centro de Memória da Amazônia. Fundo Cartório de Títulos e Documentos, Estatutos (1920-1929), cx. 03, doc. 38. Essa associação é uma mutual étnica cujos requisitos para a admissão como sócio são: ser do sexo masculino e professar a religião israelita. Segundo o historiador Karl Heinz Arenz, essa sociedade era composta por judeus marroquinos. 16 BATALHA, Claudio H. M. Culturas de classe. Campinas: Unicamp, 2004, p. 96. 17 Ibidem, p. 99. 18 Ibidem, p. 99. 24 mútuo vão desde as atividades de uma associação, como o procedimento adotado durante uma assembleia geral, com a nomeação dos novos dirigentes até as festividades ou as comemorações do aniversário de uma associação. As festividades realizadas pelas associações de socorro mútuo, como as comemorações do dia 1° de Maio ou mesmo do aniversário das associações podem nos revelar muito a respeito de sua cultura associativa. Outrossim, as celebrações das associações de socorro mútuo podiam variar consideravelmente desde uma simples reunião na sede associativa para ouvir discursos referentes à data de aniversário bem como celebrações abertas ao público relativamente mais elaboradas e organizadas. São vários os exemplos que podem ser elucidados. Assim no dia 28 de abril de 1897, a Sociedade Mecânica Beneficente Paraense enviou um ofício ao então governador José Paes de Carvalho convidando-o para participar das comemorações que esta sociedade realizaria em homenagem ao dia 1° de Maio. Neste mesmo ofício, essa associação pedia que fosse concedida uma banda marcial para tocar na festividade. 19 No ano de 1900, esta mesma associação convidou novamente Paes de Carvalho para participar das festividades em homenagem ao dia 1° de Maio, festividade essa que tinha por objetivo comemorar o trabalho livre. 20 Outros exemplos podem ser elencados como no caso da Sociedade Beneficente Artística Paraense que, no dia 27 de julho de 1912, enviou um ofício no qual agradecia ao governador João Luiz Coelho por ter concedido a banda musical da Brigada Militar para tocar na comemoração de aniversário desta associação ocorrida no dia 26 de junho do mesmo ano. 21 Em 11 de setembro de 1912, a Sociedade Beneficente do Sagrado Coração de Maria solicitou a João Luiz Coelho a banda marcial para tocar durante a procissão em homenagem a Padroeira desta associação bem como no arraial promovido por esta associação. 22 Nota-se que era comum as associações de socorro mútuo solicitarem junto ao Estado a presença de uma banda marcial para tocar nas comemorações do aniversário da sociedade ou nas comemora- _________________________________________________ 19 Ofício do 1° secretário da Sociedade Mecânica Beneficente Paraense ao governador Paes de Carvalho de 28 de abril 1897. APEP. Fundo: Secretaria de Governo, Ofícios - associações, clubes e sociedades (1890-1899), avulso. 20 Ofício do 1° secretário da Sociedade Mecânica Beneficente Paraense ao governador Paes de Carvalho de 28 de abril 1900. APEP. Fundo: Secretaria de Governo, Ofícios - diversas associações, clubes, sindicatos e sociedades (1901-1909), avulso. 21 Ofício do presidente da Sociedade Beneficente Artística Paraense ao governador João Antônio Luiz Coelho de 27 de junho 1912. APEP. Fundo: Secretaria do Governo, Ofícios – diversas sociedades e associações (1910- 1916), avulso. 22 Ofício do presidente da Sociedade Beneficente do Sagrado Coração de Maria ao governador João Antônio Luiz Coelho de 11 de setembro de 1912. APEP. Fundo: Secretaria do Governo, Ofícios – diversas sociedades e associações (1910-1916), avulso. 25 ções do dia 1° de Maio, dentre outros eventos. A comemoração do aniversário de fundação de uma mutual era uma das mais importantes celebrações da vida associativa. Para Cláudio Batalha, essa celebração é uma herança do dia do santo patrono celebrado pelas corporações de ofício que nas associações de socorro mútuo encontra um equivalente descristianizado. 23 No entanto, nem toda celebração do aniversário de uma mutual tinha um caráter a-religioso. A prova disso pode ser comprovada pela existência de mutuais abertas que tinham um caráter religioso, como é o caso da Sociedade Beneficente do Sagrado Coração de Maria. Concernente às primeiras manifestações do 1° de Maio no Brasil, Cláudio Batalha concebe que esta comemoração foi celebrada a partir de 1891 no Rio de Janeiro bem como em outras cidades. Ressalta ainda que as celebrações do 1° de Maio eram celebradas primordialmente pelas associações mutuais, políticas e culturais. 24 De uma forma ou de outra, o que fica patente é que as comemorações do dia 1° de Maio tinham um significado importante na vida social de muitas associações de socorro mútuo, desempenhando também uma simbologia com seus rituais em homenagem ao Dia do Trabalhador. Assim, reitero que as festividades em homenagem ao aniversário da associação, bem como as manifestações do 1º de Maio (com seus rituais e símbolos) funcionavam como local de união de identidades e interesses compartilhados, os quais reforçavam os laços de solidariedades horizontais e edificavam espaços de sociabilidade entre seus membros. Destarte, após termos penetrado no universo cultural das mutuais em Belém através da análise dos rituais, das festividades e das comemorações dessas associações podemos perceber que essas diversas sociabilidades bem como os rituais favoreceram o aparecimento de uma cultura associativa. Ademais cremos que as mutuais engendraram uma identidade cultural própria através dos hábitos de solidariedade, cooperação e reciprocidade. ___________________________________________________ 23 BATALHA, Claudio H. M. “Sociedades operárias e mutualismo”. Cadernos do AEL. Campinas: IFCH, Unicamp, v. 6, n. 10-11, 1999, p. 47. 24 BATALHA, Claudio H. M. et al (orgs.). Op. Cit., 2004, p. 10. 26 1.4. AS MUTUAIS E O ESTADO As associações de socorro mútuo só tornaram-se objeto da ação do Estado em 1860. Os parâmetros legais que nortearam a organização das mutuais no Brasil foram, de modo geral, de âmbito nacional. A primeira lei a tratar das agremiações mutualistas foi a de número 1.083 de 22 de agosto de 1860, estabelecida pelo decreto n° 2.711 de 19 de dezembro de 1860, que dava providencias a respeito de bancos de emissão, meio circulante e diversas companhias e sociedades. Conforme o texto desta lei, as associações de socorro mútuo, para se instalarem, dependiam do parecer do Imperador na capital e dos Presidentes nas províncias. 1 Segundo Tânia Regina de Luca, as associações mutuais deveriam enviar os seus respectivos estatutos à autoridade competente, especificando o nome da sociedade, a sua sede, os seus fins, a durabilidade prevista, o valor da mensalidade, a maneira como se pretendiam utilizar os fundos sociais, serviços oferecidos, as atribuições dos dirigentes, o modo de administração, as condições para a eleição dos membros, o número de associados e finalmente os critérios para a admissão e eliminação destes. À luz dessas informações, o chefe do Poder Executivo emitia uma carta favorável ou não ao funcionamento da entidade. Aprovados os estatutos, a sociedade adquiria personalidade jurídica e recebia favores como: isenções de imposto de selo, faculdade de aceitar dons e legados e direito de receber 6% de juros nos depósitos em caixas econômicas, capitalizados no fim de cada semestre civil. 2 A lei n° 3.150 de 4 de novembro de 1882, regulamentada pelo decreto n° 8.821 de 20 de dezembro de 1882 modificou sobremaneira o estabelecido para as sociedades de socorro mútuo desde 1860. A nova regra fixava a necessidade de autorização prévia somente para as entidades que tivessem a forma anônima, as demais (literárias,científicas, políticas ou de socorro mútuo) prescindiam a autorização do governo e ficavam regidas pelo direito comum. Dessa forma, retrocedia ao “privatismo” anterior a 1860. 3 Segundo Ademar Silva Jr., o fato dos estatutos das sociedades de socorros mútuos não mais precisarem da aprovação legal, ao contrário dos congêneres montepios, teria gerado dúvidas nos grupos fundadores das entidades, que ainda requeriam à Presidência da Província do Rio Grande do Sul sua aprovação. 4 ________________________________________________ 1 LUCA, Tânia Regina de. Op. Cit., pp. 13-14. 2 Ibidem, p. 14. 3 Ibidem, p. 17. 4 SILVA JR., Adhemar L. Op. Cit., 2005, p. 300. 27 Na consolidação do regime republicano, os novos dispositivos que regulavam as mutuais não modificaram grandemente a legislação de 1882. De acordo com o mesmo autor: o decreto nº 164, de 17 de janeiro de 1890, mantém a prescindência de autorização para as sociedades civis em geral – inclusive as de socorros mútuos – mas reitera a necessidade de submissão dos estatutos de “montepios, os montes de socorro ou de piedade, as caixas econômicas e as sociedades de seguros mútuos”, algo que se mantém mesmo no Código Civil, sancionado em 1916. 5 Com o decreto nº 173, de 10 de setembro de 1893, abriu-se uma nova possibilidade das sociedades de socorros mútuos adquirirem o reconhecimento de pessoa jurídica mediante o registro de seus estatutos e a publicação de seu extrato no diário oficial do Estado. 6 Fica evidente que a primeira interação entre as associações mutualistas e o Estado se dava através das normas legais. No que concerne a uma relação de proximidade das mutuais de Belém com o Estado. Uma análise minuciosa nos ofícios das associações de socorro mútuo nos revela muito dessa relação. No dia 25 de julho de 1891 José Ribeiro Fontes, secretário da Associação Dramática Recreativa e Beneficente redigiu um oficio ao então governador do Estado do Pará, o senhor Lauro Sodré. Eis abaixo parte da transcrição do oficio: Em virtude de vosso oficio dirigido á directoria desta associação, designando o dia 9 do mez vindouro para ser realisado o espectaculo que se promove em beneficio do Lyceu Benjamin Constant, cumpre-me levar ao vosso conhecimento que d’acordo com a commissão encarregada desse empenho, havia sido já determinado o dia 14 do mesmo mez para ter lugar a referida festa, a vista de haver kermesse no dia 15, aliás preferido.7 O espetáculo que se promoveu foi em beneficio do Lyceu de Artes e Officios Benjamin Constant, instituição de ensino direcionado à formação de crianças e adultos de baixa renda. A Associação Dramática Recreativa e Beneficente era uma mutual que também praticava a caridade. De acordo com Claudia Maria Viscardi e Ronaldo P. de Jesus, algumas mutuais se dedicavam à filantropia, no entanto, faziam-no em beneficio não dos associados e sim de indivíduos que dela estivessem excluídos. 8 Por outro lado, o fato de uma mutual também se dedicar à filantropia criava uma condição propícia para que a associação recebes- ________________________________________________ 5 Ibidem, p. 301. 6 LUCA, Tânia Regina de. Op. Cit., 1990, p. 17. 7 Ofício do 1° secretário da Associação Dramática Recreativa e Beneficente ao governador Lauro Sodré de 25 de julho de 1891. APEP. Fundo: Secretaria do Governo, Ofícios – associações, clubes e sociedades (1890-1899), avulso. 8 VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro & JESUS, Ronaldo Pereira de. A experiência mutualista e a formação da classe trabalhadora no Brasil. In: FERREIRA, Jorge & REIS, Daniel Aarão (orgs.). Op. cit., 2007, p. 25. 28 se subvenções do Estado. Segundo Paula Nomelini, várias associações mutualistas e recreativas enviavam pedidos de isenções e auxílios ao poder municipal. 9 De fato, várias associações de socorro mútuo procuravam manter até certo ponto uma proximidade com as autoridades políticas locais. A intenção meramente desinteressada de convidar a autoridade do mais alto escalão do governo para participar de festividades, reuniões da associação ou qualquer outro evento demonstra uma das maneiras das mutuais criarem uma aproximação mais concreta com o Estado. Há diversos ofícios que comprovam a assertiva acima. Por exemplo, no dia 10 de agosto de 1895 a Sociedade Mecânica Beneficente Paraense convidou o governador Lauro Sodré para assistir a cerimônia de posse dos novos dirigentes da associação a ser realizada no dia 15 de agosto. 10 Ainda no mesmo ano, a Sociedade Beneficente dos Trabalhadores do Mar e Terra d’Amazônia solicitava ao governador que Francisco Coriolano Cavalcante fosse empregado como escrivão em um dos vapores da navegação fluvial subvencionada pelo Estado. 11 No dia 14 de abril de 1900, a Sociedade Beneficente União Salvaterrense convidava Paes de Carvalho para a cerimônia de posse dos novos dirigentes desta mutual, a ser realizada às 9 horas da manhã do dia 22 de abril na sede da associação sito à travessa Apinagés, n° 31. 12 Em 1907, essa mesma sociedade convidava o governador Augusto Montenegro para o vigésimo quinto aniversário de fundação da associação. 13 Em 10 de dezembro de 1912, a Sociedade Beneficente União Protetora dos Boleeiros e Carroceiros convidou o governador João Antonio Luiz Coelho para a cerimônia de posse dos novos dirigentes da associação. 14 Às vezes, o convite era para assistir a uma procissão ou missa. Destarte, em 21 de março de 1916, a Sociedade Beneficente do Senhor do Bom Jesus da Coluna convidou o governador Enéas Martins para assistir a uma missa que seria celebrada em homenagem ao Santo Patrono da re- ________________________________________________ 9 NOMELINI, Paula Christina Bin. Associações operárias mutualistas e recreativas em Campinas (1906-1930). Dissertação de Mestrado. Campinas: UNICAMP, 2007, p. 125. 10 Ofício da secretaria da Sociedade Mecânica Beneficente Paraense ao governador Lauro Sodré de 10 de agosto de 1895. APEP. Fundo: Secretaria do Governo, Ofícios – associações, clubes e sociedades (1890-1899), avulso. 11 Ofício do 1° secretário da Sociedade Beneficente dos Trabalhadores do Mar e Terra da Amazônia ao governador Lauro Sodré de 1° de novembro de 1895. APEP. Fundo: Secretaria do Governo, Ofícios – associações, clubes e sociedades (1890-1899), avulso. 12 Ofício do 1° secretário da Sociedade Beneficente União Salvaterrense ao governador Paes de Carvalho de 14 de abril de 1900 . APEP. Fundo: Secretaria do Governo. Ofícios – Diversas associações, clubes, sindicatos e sociedades (1901 – 1909.), avulso. 13 Ofício do presidente da Sociedade Beneficente União Salvaterrense ao governador Augusto Montenegro de 28 de maio de 1907. APEP. Fundo: Secretaria do Governo. Ofícios – Diversas associações, clubes, sindicatos e sociedades (1901 – 1909), avulso. 14 Ofício do presidente da Sociedade Beneficente União Protetora dos Boleeiros e Carroceiros ao governador de 10 de dezembro de 1912. APEP. Fundo: Secretaria do Governo. Ofícios - Diversas sociedades e associações (1910 – 1916), avulso. 29 ferida associação. 15 Outra forma das mutuais se aproximarem do Estado era conferindo o título de sócio benemérito ou honorário a políticos influentes. Os sócios beneméritos eram os que despendiam contribuições significativas para a associação e não precisavam usufruir as benesses conferidas aos demais associados. A vantagem que desfrutavam residia no status a eles conferido ou no reforço de seu poder junto à comunidade na qual se inseriam. 16 Um exemplo disso é o caso da Sociedade Mecânica Beneficente Paraense que no dia primeiro de agosto de 1897 conferia ao governador Paes de Carvalho o título de sócio benemérito 17 . Em 29 de novembro do mesmo ano, Manoelito dos Reis Couto, primeiro secretário desta sociedade enviou um oficio ao governador Paes de Carvalho o qual rezava assim: A assembléa geral reunida emsessão extraordinaria em 26 de (novembro de 1897), houve por bem nomear V. Ex.a para fazer parte da commissão protectora da reedificação do predio d’esta sociedade.Contando essa assembléa geral com o vosso valioso apoio e protecção, está certa que V. Ex.a não se há de recusar ainda mais esta vez para um fim justissimo como este, de levar a effeito uma obra que vae engrandecer a nossa sociedade. 18 Todos esses exemplos elucidados acima demonstram que existia uma relação de proximidade entre o Estado e as associações de socorro mútuo. Por outro lado, os responsáveis pelas associações tinham consciência de que, muitas das vezes, exerciam uma função que cabia ao Estado. É o duplo papel de muitas mutuais, pois, embora fossem organizações de direito privado, desempenhavam frequentemente funções públicas. Dessa forma, através da análise pormenorizada das mutuais, percebe-se que essas organizações apresentam algumas particularidades próprias, embora todas tenham um cunho previdenciário que lhe é inerente. A despeito das relações desenvolvidas pelas mutuais, nota- se que as mesmas engendraram relações horizontais entre seus associados, e verticais com o agente do Estado, ao menos em uma parte significativa das mutuais. ________________________________ 15 Ofício do secretário da Sociedade Beneficente do Senhor do Bom Jesus da Coluna ao governador Enéas Martins de 21 de março de 1916. APEP. Fundo: Secretaria do Governo. Diversas sociedades e associações. Ano: (1910 – 1916), avulso. 16 VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro & JESUS, Ronaldo Pereira de. A experiência mutualista e a formação da classe trabalhadora no Brasil. In: FERREIRA, Jorge & REIS, Daniel Aarão (orgs.). Op. Cit. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 29. 17 Oficio do 1° secretário da Sociedade Mecânica Beneficente Paraense ao governador José Paes de Carvalho de 6 de agosto de 1897. APEP. Fundo: Secretaria do Governo, Ofícios – associações, clubes e sociedades (1890- 1899), avulso. 18 Oficio do 1° secretário da Sociedade Mecânica Beneficente Paraense ao governador José Paes de Carvalho de 29 de novembro de 1897. APEP. Fundo: Secretaria do Governo, Ofícios – associações, clubes e sociedades (1890-1899), avulso. 30 SEGUNDO CAPÍTULO: AS MUTUAIS PROFISSIONAIS Neste capítulo nos propomos demonstrar que o objetivo principal das mutuais profissionais era defesa profissional de seus associados. Para a consecução de tal propósito analisaremos as mutuais a partir da admissão, dos direitos, dos deveres e da beneficência dos sócios bem como dos fins a que essas associações se destinam. Todavia, antes de iniciarmos esta análise faremos um breve contexto da cidade. Em Belém, o advento da República gerou uma série de transformações no cenário. Segundo William Gaia Farias, o processo de mudança da Monarquia para a República não ocorreu de forma pacífica. Pelo contrário, “foi marcado por uma série de debates, conflitos e impasses”. 1 As disputas políticas partidárias pelo controle da República são exemplos dessa instabilidade no governo. 2 Por outro lado, a República não é apenas a implantação de um novo regime. Mas sim um período da história do Brasil e, portanto do Pará, marcado por uma intensa mudança política, econômica, social e cultural 3 . Na Amazônia, a valorização da borracha no mercado internacional e a intensificação da sua exploração desencadearam o desenvolvimento de outros setores da economia. 4 A procura da borracha e o aumento populacional resultante da migração de trabalhadores do Nordeste levaram à necessidade de investimentos em vários setores como transporte, alimentação e saneamento. Em outros termos, houve a necessidade de reestruturar a cidade de Belém a fim de acompanhar as transformações econômicas e sociais do capitalismo. 5 Nesse contexto, a exploração a que estavam submetidos os trabalhadores não se diferenciava muito do tempo da Monarquia. No Pará, como em outros estados, não houve uma preocupação por parte do governo em regular a relação capital-trabalho. Podemos dizer que havia uma “insegurança estrutural” 6 vivida por esses trabalhadores. Alexandre Fortes resume bem esse estado de insegurança no qual os trabalhadores foram inseridos quando diz que o desenvolvimento do capitalismo engendra transformações profundas no modo como as coletividades de trabalhadores enfrentam os riscos próprios de sua existência mortal e da sua __________________________________________ 1 FARIAS, William Gaia. O alvorecer da República no Pará (1886-1897). Belém: Editora Açaí, 2008, p. 9. 2 MOURA, Daniella de Almeida. A República paraense em festa. Dissertação de mestrado. Belém: UFPA, 2008, p. 20. 3 SARGES, Maria de Nazaré. Belém: Riquezas produzindo a belle-époque (1870- 1912). 2. ed. Belém: Paka- Tatu, 2002, p. 135. 4 Ibidem, pp. 75-89. 5 Ibidem, pp. 135-144. 6 SAVAGE, Mike. “Classe e história do trabalho”. In: BATALHA, Cláudio H. M. et al. (orgs.). Culturas de classe: identidade e diversidade na formação do operariado. Campinas: Editora da UNICAMP, 2004, p. 33. 31 condição social. 7 A integração internacional de mercados e a industrialização levam a deslocamentos massivos de população, concentração em núcleos urbanos, extinção de velhos e surgimento de novos modos de sobrevivência econômica, ocasionando a crise ou o desaparecimento de mecanismos tradicionais de solidariedade baseados em estruturas de parentesco, normas de ação comunitária ou ofício. Ao mesmo tempo, novos vínculos associativos surgem no universo urbano. 8 Assim, em meio a uma insegurança experienciada por muitos trabalhadores, a cidade de Belém foi um espaço propício à proliferação de diversas associações de socorro mútuo ao longo da Primeira República. A criação de muitas mutuais foram as formas encontradas pelos trabalhadores belenenses na luta contra a insegurança estrutural e na falta de mecanismos formais de previdência pública. No levantamento das fontes coligidas no CMA (Centro de Memória da Amazônia) e no APEP, o conjunto de mutuais profissionais compunha-se de 20 agremiações. Esta assertiva foi concebida através da análise nos estatutos dessas associações de socorro mútuo. No entanto, é provável que o número de mutuais profissionais existentes fora muito maior do que esse relatado nesta pesquisa. Foram encontradas associações mutuais entre funileiros, empregados do comércio, foguistas, farmacêuticos, caixeiros, estivadores, leiteiros, pescadores, gráficos, condutores e motorneiros, trabalhadores de peixe (pescadores e vendedores de peixe), açougueiros e músicos, evidenciando a heterogeneidade do mundo do trabalho na cidade de Belém. A tabela I pode nos dar uma visão geral dessas mutuais no que concerne sobre o nome, data de fundação e o ano do estatuto ou ofício usado como fonte nesse trabalho. 9 ________________________________________________ 7 FORTES, Alexandre. “Da solidariedade à assistência: estratégias organizativas e mutualidade no movimento operário de Porto alegre na primeira metade do século XX.” In: Sociedades operárias e mutualismo. Cadernos do AEL. Campinas: Unicamp, v. 6, 10-11, 1999, p. 173. 8 FORTES, Alexandre. Op. cit., pp. 173-174. 9 Para consultar os dados apresentados na tabela I vide os anexos. 32 2.1. DA ADMISSÃO DOS SÓCIOS A maioria das mutuais profissionais pesquisadas aqui admitia entre seus associados membros que não pertenciam à categoria profissional da qual a associação tinha por objetivo precípuo defender. Todavia, existiam aquelas que reuniam exclusivamente trabalhadores de uma mesma categoria profissional. Das vinte mutuais profissionais catalogadas aqui oito admitiam apenas trabalhadores da mesma categoria e profissões correlatas e doze admitiam tanto os trabalhadores na qual a mutual tinha por objetivo precípuo defender quanto trabalhadores deoutras categorias profissionais. Essa característica de admitir membros de outras categorias profissionais pode ter sido uma forma encontrada por essas associações para que as mesmas aumentassem as reservas de seus cofres sociais no sentido de amparar os associados quando estes se achassem necessitados. Entre as mutuais profissionais que reuniam exclusivamente trabalhadores de uma mesma categoria e profissões correlatas estão: Grêmio Farmacêutico do Pará, Associação dos Empregados no Comércio do Pará, Sociedade Beneficente União dos Funileiros, Centro Musical Paraense, Sociedade Fênix Caixeiral Paraense, Cooperativa Tipográfica, Sociedade União Protetora dos Condutores e Motorneiros e a Sociedade Beneficente União dos Foguistas do Pará. Essa última, por exemplo, reunia foguistas e carvoeiros, ou seja, eram duas profissões em uma mesma mutual. Já as mutuais profissionais que admitiam entre seus associados membros de outras categorias profissionais são as seguintes: Sociedade Mecânica Beneficente Paraense, Sociedade União Protetora dos Estivadores, Associação Beneficente dos Leiteiros do Pará, Sociedade União Beneficente dos Estivadores da Borracha, Associação dos Socorros Mútuos dos Pescadores no Pará, Sociedade Beneficente União dos Açougueiros, Associação Beneficente dos Pescadores no Pará, Sociedade Beneficente União dos Cigarreiros do Pará, Sociedade Beneficente dos Trabalhadores de Peixe do Pará e União Auxiliadora dos Operários Estivadores do Pará. Em ambas as mutuais profissionais a pessoa interessada em tornar-se sócio da associação deveria se enquadrar no padrão de exigências estabelecidas no estatuto da associação. Essas exigências geralmente eram: ter boa conduta moral; não sofrer de moléstia contagiosa ou incurável; estar dentro da idade mínima ou máxima exigida pela associação, ser proposto por um sócio efetivo ou fundador no gozo de seus direitos sociais. Se atendidas as exigências, era encaminhada uma proposta à Diretoria da associação mencionando a idade, filiação, estado civil, nacionalidade, profissão, residência e local do trabalho ou da residência 33 do interessado. Concluída essa parte e aprovada pela diretoria, o interessado em fazer parte da mutual tornava-se sócio adquirindo para si direitos e deveres. 1 É imprescindível salientar que essas exigências no que tange à admissão de associados dizem respeito apenas aos sócios fundadores, efetivos, contribuintes ou remidos. 2 Os sócios honorários, beneméritos ou correspondentes eram regidos por outros parâmetros os quais já foram bem explicitados no capítulo anterior. No geral, uma mutual instituía e reconhecia em seus estatutos seis classes de sócios, scilet: fundadores, efetivos, remidos, beneméritos, honorários e correspondentes. 3 Destarte, a análise das mutuais tanto neste capítulo quanto no próximo refere-se somente aos sócios fundadores, efetivos, contribuintes ou remidos, os quais estavam ligados por laços de solidariedade e reciprocidade. É importante notar que os vínculos que sócios fundadores, efetivos, contribuintes e remidos tinham uns com os outros representavam as relações horizontais. Enquanto que os vínculos que esses sócios tinham com o governador ou outro político local eram representados pelas relações verticais. ________________________________________________ 1 Cooperativa Tipográfica – Estatuto de 1917. Centro de Memória da Amazônia. Fundo Cartório de Títulos e Documentos, Estatutos (1910-1919), Art. 5º, parágrafos do 1º ao 5°, cx. 02, doc. 34. Associação Beneficente dos Leiteiros do Pará– Estatuto de 1917. Centro de Memória da Amazônia. Fundo Cartório de Títulos e Documentos, Estatutos (1910-1919), Art. 7º, parágrafos do 1º ao 4°, cx. 02, doc. 36. 2 Os sócios fundadores eram aqueles que se inscreviam até a instalação da Associação. Os efetivos eram aqueles que se inscreviam depois da instalação da Associação, em algumas mutuais o sócio efetivo era denominado sócio contribuinte. Os sócios remidos eram os agremiados fundadores ou efetivos que doavam uma grande soma em dinheiro para a associação, ficando assim isentos do pagamento da mensalidade. Os sócios correspondentes eram os cidadãos que residindo fora da capital do Estado prestavam algum auxílio moral ou material a mutual, sendo que os mesmos não tinham qualquer obrigação de contribuir para os cofres sociais da associação. Associação Beneficente dos Pescadores no Pará – Estatuto de 1917. Centro de Memória da Amazônia. Fundo Cartório de Títulos e Documentos, Estatutos (1910-1919), Arts. 7°, 8° e 11° cx. 02, doc. 33. 3 Sociedade Fênix Caixeiral Paraense – Estatuto de 1917. Centro de Memória da Amazônia. Fundo Cartório de Títulos e Documentos, Estatutos (1910-1919), Art. 4°, cx. 02, doc. 32. Sociedade Beneficente União dos Cigarreiros do Pará – Estatuto de 1917. Centro de Memória da Amazônia. Fundo Cartório de Títulos e Documentos, Estatutos (1910-1919), artigo 4°, cx. 02, doc. 38. 34 2.2. DOS DEVERES, DIREITOS E BENEFICÊNCIA Os sócios das mutuais profissionais ao serem admitidos como membros da associação adquiriam para si deveres, direitos e benefícios. No caso dos deveres, os sócios eram obrigados a pagar a joia, a mensalidade, o diploma, o distintivo e o exemplar dos estatutos da associação na qual se agremiara. A joia era o correspondente à matrícula ou inscrição. Os valores da joia, mensalidade, diploma, distintivo e estatuto variavam de mutual para mutual. Analisando os estatutos de algumas mutuais no ano de 1917 podemos perceber esta variação. Assim, os sócios da Sociedade Fênix Caixeiral Paraense deveriam pagar de uma só vez a importância de quinze mil réis (15$000) pela joia, diploma e estatutos e dois mil e quinhentos réis (2$500) pela mensalidade 1 . Na Associação Beneficente dos Leiteiros do Pará, os sócios tinham por dever pagar 10$000 pela joia, mensalidade de 6$000 pela mensalidade, 2$000 pelo Estatuto e 3$000 pelo diploma 2 . Na Associação Beneficente dos Pescadores no Pará, os sócios pagavam 5$000 pela mensalidade, 2$000 por um exemplar dos Estatutos e 3$000 pelo diploma 3 . Na Cooperativa Tipográfica, os sócios pagavam vinte mil réis pela joia de uma só vez ou em quatro prestações iguais, cinco mil réis pelo diploma, dois mil réis por um exemplar dos estatutos, dois mil pelo distintivo e dois mil pela mensalidade 4 . Na Sociedade Beneficente União dos Cigarreiros do Pará, os associados pagavam 5$000 pela joia, 5$000 pelo diploma, 1$000 pelo estatuto e 2$000 pela mensalidade 5 . Concernente aos direitos dos sócios, pode-se aferir que os mesmos gozavam de um conjunto de prerrogativas entre elas: o privilégio de serem eleitos para os cargos da associação, obviamente exercendo com presteza os cargos para os quais forem eleitos ou nomeados 6 , e justificando quando não pudessem assumir o cargo 7 ; de comparecer as sessões ordinárias e extraordinárias da Assembleia Geral para tomar parte em todos os assuntos ine- _________________________________________________ 1 Sociedade Fênix Caixeiral Paraense – Estatuto de 1917. Centro de Memória da Amazônia. Fundo Cartório de Títulos e Documentos, Estatutos (1910-1919), arts. 9º e 10°, cx. 02, doc. 32. 2 Associação Beneficente dos Leiteiros do Pará – Estatuto de 1917. Centro de Memória da Amazônia. Fundo Cartório de Títulos e Documentos, Estatutos (1910-1919), arts. 15º e 16º, cx. 02, doc. 36. 3 Associação Beneficente dos Pescadores no Pará – Estatuto de 1917. Centro de Memória da Amazônia. Fundo Cartório de Títulos e Documentos, Estatutos (1910-1919), art. 16°, cx. 02, doc. 33. Neste estatuto, o valor da jóia não é especificado. 4 Cooperativa Tipográfica – Estatuto de 1917. Centro de Memória da Amazônia. Fundo Cartório de Títulos e Documentos, Estatutos (1910-1919), art. 7º e parágrafos 1° e 2°, cx. 02, doc. 34. 5 Sociedade Beneficente União dosCigarreiros do Pará – Estatuto de 1917. Centro de Memória da Amazônia. Fundo Cartório de Títulos e Documentos, Estatutos (1910-1919), art. 8º, cx. 02, doc. 38. 6 Centro Musical Paraense – Estatuto de 1915. Centro de Memória da Amazônia. Fundo Cartório de Títulos e Documentos, Estatutos (1910-1919), alínea b do 1º artigo do capítulo III, cx. 02, doc. 21. 7 Associação dos Socorros Mútuos dos Pescadores no Pará – Estatuto de 1916. Centro de Memória da Amazônia. Fundo Cartório de Títulos e Documentos, Estatutos (1910-1919), art. 9º, cx. 02, doc. 28. 35 rentes à associação; de votar para eleger os novos dirigentes da associação 8 . Ademais, o associado tinha direito de frequentar a sede social, podendo utilizar os livros e revistas da biblioteca e salão de leitura; de matricular-se nas aulas mantidas pela sociedade 9 e até convocar a Assembleia Geral para reunião extraordinária, quando julgassem necessário. Todas essas regalias levavam os agremiados de uma mutual a compartilharem entre si uma vivência coletiva. Nestes termos, a associação funcionava como locus de agregação de identidades e interesses compartilhados, reforçando os laços de solidariedade horizontais e edificando espaço de sociabilidade. 10 Atinente à beneficência que as mutuais asseguravam aos seus associados, pode se asseverar categoricamente que estas eram conforme as posses da associação. Nos estatutos estão definidos os benefícios que a mutual estava disposta a oferecer aos que se agremiassem a ela. Os benefícios oferecidos eram atendimento médico, farmácia, auxílio funeral, passagem em caso de doença, serviços de advocacia, pensão, pecúlio, dentre outros. Os benefícios que quase todas as mutuais profissionais ofereciam aos seus sócios eram médico, farmácia e funeral. No entanto, havia um prazo de carência para o sócio ter direito à beneficência bem como à exigência dele estar quite com as mensalidades. Este prazo variava de uma mutual para outra, podendo ser de seis meses, um ano ou até dois anos como no caso da Sociedade Beneficente União dos Foguistas do Pará. 11 Os benefícios eram disponibilizados ao sócio quando este se encontrava enfermo ou impossibilitado de trabalhar, sendo recolhido a um hospital ou casa de saúde, cujas despesas com o tratamento do associado ficavam todas por conta da associação. Caso o sócio doente tivesse que se tratar fora da capital ou do Estado, a associação lhe daria a passagem e uma ajuda de custo mensal. O sócio que por alguma razão não pudesse ser internado, recebia essa mesma ajuda mensal em espécie, além de médico e farmácia. Em algumas associações, se a enfermidade se tornasse incurável e o sócio ficasse impossibilitado para todo e qualquer trabalho profissional o mesmo era considerado pensionista. 12 Em termos estatísticos, a análi- ________________________________________________ 8 Sociedade União Protetora dos Estivadores – Estatuto de 1916. Centro de Memória da Amazônia. Fundo Cartório de Títulos e Documentos, Estatutos (1910-1919), parágrafos 4º do art. 15, cx. 02, doc. 27. 9 Sociedade Fênix Caixeiral Paraense – Estatuto de 1917. Centro de Memória da Amazônia. Fundo Cartório de Títulos e Documentos, Estatutos (1910-1919), parágrafos 2º e 4º do art. 13, cx. 02, doc. 32. 10 VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro & JESUS, Ronaldo Pereira de. A experiência mutualista e a formação da classe trabalhadora no Brasil. In: FERREIRA, Jorge & REIS, Daniel Aarão (orgs.). Op. Cit. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 24. 11 Sociedade Beneficente União dos Foguistas do Pará – Estatuto de 1923. Centro de Memória da Amazônia. Fundo Cartório de Títulos e Documentos, Estatutos (1920-1929), arts. 14 e 15 e parágrafos, cx. 03, doc. 13. 12 Associação Beneficente dos Leiteiros do Pará – Estatuto de 1917. CMA. Fundo Cartório de Títulos e Documentos, Estatutos (1910-1919), arts. 20-22, cx. 02, doc. 36; Sociedade Beneficente União dos Foguistas do Pará – Estatuto de 1923. CMA. Fundo Cartório de Títulos e Documentos, Estatutos (1920-1929), parágrafo 3° do art. 15, cx. 03, doc. 13. 36 se minuciosa dos estatutos revelou que das vinte e uma associações profissionais 95% forneciam aos seus associados: médico, farmácia e auxílio funeral; 43% ofereciam ajuda de custo; 38% passagem por motivo de doença; 33% pensão aos sócios; 24% assistência jurídica aos sócios; 14% propiciar instrução; 19% pretendiam organizar biblioteca e 9,5% objetivavam a criação de revista. 37 2.3. A DEFESA PROFISSIONAL Através da análise do objetivo moral das mutuais profissionais podemos perceber que o seu fim principal era a defesa profissional de seus associados. A valorização moral dos associados enquanto membros da associação era o objetivo precípuo dessas mutuais. Os estatutos da Sociedade Beneficente União dos Foguistas do Pará no artigo 1º assim reza: Art. 1°-A Sociedade Beneficente União dos Foguistas do Pará, fundada na cidade de Belem, capital do Estado do Pará, aos 26 dias do mez de Julho de 1905, onde tem sua sede própria e representação jurídica, legalmente constituída de accordo com a lei do país, compor-se-á de illimitado numero de sócios de qualquer nacionalidade; seu nome não será mudado por motivo algum e reger-se-á pelos presentes estatutos, tendo por fim: a- Defender seus associados quando victimas de qualquer infortúnio; b- Zelar pelos interesses da classe, protestar-lhe apoio collectivo, reinvindicar-lhe os direitos, agir por tudo que diga respeito á sua organisação moral e material; c- Cercar de todo comforto e tratamento material e moral os seus associados quando doentes ou impossibilitados de trabalhar e em goso dos benefícios concedidos por estes estatutos; Em vários outros estatutos de mutuais profissionais iremos encontrar passagens que podem asseverar essa assertiva como, por exemplo, a Sociedade Beneficente União dos Funileiros que dizia que o seu objetivo era zelar pelos interesses da classe, protestar-lhe apoio collectivo, reivindicar-lhe os direitos, agir por tudo que diga respeito á sua organisação moral e material 2 . Ou como no caso da Sociedade Beneficente União dos Açougueiros do Pará cujo objetivo principal era pugnar pelos interesses dos sócios, promovendo e defendendo em particular os direitos e interesses da classe dos açougueiros dentro do Estado e quando pertencentes á Sociedade. 3 Em relação à União dos Açougueiros é importante notar que essa associação, assim como outras mutuais profissionais, admitia membros de outras categorias. Mas nem por isso deixava de ter como principal objetivo a defesa profissional em particular dos sócios da qual a mutual se proponha a lutar. Ora se esse era o objetivo precípuo como explicar o fato delas admitirem em quadro social membros de outras categorias profissionais. Uma hipótese é a de que com a admissão de membros de outras profissões, a associação cumpriria tanto um papel de cunho previdenciário (que lhe é próprio) quanto de aproximação com outros trabalhadores. _________________________________________ 1 Sociedade Beneficente União dos Foguistas do Pará – Estatuto de 1923. CMA. Fundo Cartório de Títulos e Documentos, Estatutos (1920-1929), art. 1º, cx. 03, doc. 13. 2 Sociedade Beneficente União dos Funileiros do Pará – Estatuto de 1909. CMA. Fundo Cartório de Títulos e Documentos, Estatutos (1872-1909), art. 1º e 2º, cx. 01, doc. 05. 3 Sociedade Beneficente União dos Açougueiros– Estatuto de 1922. Centro de Memória da Amazônia. Fundo Cartório de Títulos e Documentos, Estatutos (1920-1929), art. 3º do capítulo I e suas alíneas a e b, cx. 03, doc. 08. 38 O trecho dos estatutos da União dos Açougueiros assim rezava: Art. 3°- A Sociedade, que terá numero illimitado de sócios, poderá como tal admittir toda pessôa, qualquer que seja a nacionalidade
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