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t Edição Comentada Organização, prefácio, comentários e notas Guillermo Blanck Apresentação René van der Veer Introdução Mario Carretero P sic o l o g ia P e d a g ó g ic a V691p Vigotski, Liev Semionovich Psicologia Pedagògica / Liev Semionovich Vigotski; trad. Claudia Schilling - Porto Alegre: Artmed, 2003. 1. Psicologia pedagògica - Vigotski. I. Titulo. CDU 37.013.77(Vigotski) [www.abpdea,org.br| A ssociação Brasileira pa ra a P ro teção dos Direitos Editoriais e A utorais R e s p e i t e o A u t o r N a o F a ç a C ó p i a Catalogação na publicação: Monica Ballejo Canto - CRB 10/1023 ISBN 85-363-0047-7 P sic o lo g ia P ed a g ó g ic a Edição Comentada Liev Semionovich Vigotski Organização, prefácio, comentários e notas: Guilhermo Blanck Apresentação: René van der Veer Introdução: Mario Carretero Tradução: Claudia Schilling Consultoria, supervisão e revisão técnica desta edição: Edival Sebastião Teixeira Psicólogo, Professor de Psicologia do CEFET/PR - Unidade de Pato Branco. Mestre em Educação pela UNESP, Doutorando em Educação pela USP Obra originalmente publicada sob o título Psicología pedagógica: um curso breve © Aique Grupo Editor S.A., 2001 Capa ' Mário Ròhnelt Preparação do original Maria Lúcia Barbará Leitura final Fabiana Cardoso Fidelis Supervisão editorial Mônica Ballejo Canto Projeto e editoração Armazém Digital Editoração Eletrônica - rcmv Reservados todos os direitos de publicação, em língua portuguesa, à ARTMED® EDITORA S.A. Av. Jerônimo de Orneias, 670 - Santana 90040-340 Porto Alegre RS Fone: (51) 3330-3444 Fax: (51) 3330-2378 E proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Editora. SÃO PAULO Av. Rebouças, 1073 - Jardins 05401-150 São Paulo, SP Fone: (11) 3062-3757 Fax: (11) 3062-2487 SAC 0800 703-3444 IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL Apresentação René van der Veer Psicologia pedagógica, foi o primeiro livro publicado por Liev S. Vigotski. Embora só te nha aparecido em 1926, diversos motivos le vam a crer que o livro já estava totalmente te r minado em 1924. Foi concebido como livro de texto para estudantes que aspiravam a lecio nar em colégios secundários. Por isso, a obra trata de tantos temas significativos para os pro fessores. Vigotski fala da educação moral e es tética, da necessidade de instruir as crianças sobre questões sexuais, da vantagem dos colé gios mistos e de muitos outros temas afins. Na escolha de seus temas e no nível de seu tra ta mento, Psicologia pedagógica não difere muito dos livros de texto utilizados hoje em dia nos cursos de introdução à psicologia nas univer sidades européias e norte-americanas. Entre tanto, muito mais que nos textos atuais, Psico logia pedagógica exprime um ponto de vista pes soal sobre essas questões. Essa visão pessoal nos p e rm i te c o m p a ra r o p e n sa m e n to de Vigotski com o de seus contemporâneos, bem como percorrer o caminho do desenvolvimen to de seu próprio pensamento. Por isso, pode mos ler este livro levando em conta pelos m e nos dois aspectos. Em primeiro lugar, conside rando-o um resumo de todo o conhecimento psicológico significativo para a educação da década de 1920; em segundo lugar, como um d o cu m en to que m o s tra as concepções de Vigotski sobre áreas específicas em um perío do particular de seu desenvolvimento intelec tual. Um exemplo disso poderia ser a concep ção de Vigotski sobre a educação. Em seus anos mais tardios, na década de 30, Vigotski formulou a noção de que a educa ção conduzia ao desenvolvimento e in trodu ziu a categoria denom inada “zona de desen volvimento proximal”. O significado essencial dessa categoria é que, de acordo com o nível da criança quando alcança certa meta, em co operação com adultos ou com pares mais ca pazes, pode-se prever seu desempenho poste rior independente para a lcançar essa meta. Tal noção sugere que a atividade conjunta com colegas mais capazes é essencial para o desen volvimento cognitivo e que as crianças dife rem em sua habilidade de tirar partido dessa cooperação. Na década de 20, a concepção de Vigotski sobre o papel da educação no desen volvimento cognitivo era um pouco diferente. Em Psicologia pedagógica, ele sugere que o pro fessor tem de criar as circunstâncias e as con dições ideais mais propícias para que a apren dizagem se realize; porém, em última instân cia, a criança é que deve aprender com suas próprias atividades. De alguma maneira fun damental, as crianças educam-se a si mesmas. Os pontos de vista de Vigotski sobre a educação e o desenvolvimento cognitivo nas décadas de 20 e de 30 podem ser básica e com pletamente compatíveis. No entanto, é evidente que eles apresentam um a diferença de ênfase. O Vigotski dos anos 30 parece dar mais impor tância à cooperação que o dos anos 20. Tais questões devem ser discutidas mais detalha dam ente para se com preender o desenvolvi m ento do pensam ento de Vigotski e também porque são muito ipiportantes e vigentes. Fe lizmente, a publicação de Psicologia pedagógi ca nos permite abordar tanto essas questões quanto outras afins. A versão em espanhol de Psicologia peda gógica foi redigida e anotada pelo Dr. Guillermo vi APRESENTAÇÃO Blanck, um dos historiadores da psicologia que mais entende da questão. Como tal, ele per tence a urna especie em perigo e quase em extinção. De um ponto de vista quantitativo , os historiadores da psicologia são muito estra nhos. Lêem centenas de livros para produzir apenas um, ou suas notas de rodapé. Conse qüentem ente, sua relação input-output é m ui to desproporcional. São como os beija-flores, que precisam de enormes quantidades de néc tar para continuar zunindo. Do ponto de vista da produção de livros, os historiadores da psi cologia são o caminho livresco que desemboca na produção de outro livro. Sua desvantagem é que são muito pouco prolíficos. Só podemos defender o trabalho dos his toriadores da psicologia se adotarmos um pon to de vista qualitativo, destacando que seu zum bido leva-nos a resultados qualitativamente no vos. Isso pode ser apreciado facilmente no caso da presente edição de Psicologia pedagógica. O texto original de Vigotski tornou-se relativa m ente difícil para sua compreensão cabal, pois o leitor atual não conhece muito da psicolo gia, filosofia e medicina dos anos 20. Apesar disso, Blanck foi capaz de acrescentar ao texto original um grande número de notas sumamen te precisas e reveladoras. Suas notas e seu pre fácio contêm inúmeros dados históricos que en riquecem consideravelmente nossa compreen são do livro e converteram esta edição da obra de Vigotski na m elhor edição disponível em qualquer língua. A psicologia deve muito aos escritos de Liev S. Vigotski e nós, leitores m o dernos, devemos agradecer a Guillermo Blanck pela organização desta obra, uma das mais im portantes de Vigotski. Sumário A p re s e n ta ç ã o .......................................................................................................................................................v René van der Veer 1 / I n t r o d u ç ã o .......................................................................................................................................................11 Mario Carretero P re fá c io .............................................................................................................................................................15 Guillermo Blanck Prólogo à ed ição ru s sa de 1926 .............................................................................................................33 Liev S. Vigotski 1 . A pedagogia e a psicologia ............................................................................................................37 A pedagog ia ........................................................................................................................................37 A psico log ia ........................................................................................................................................37 A psicologia pedagógica ................................................................................................................. 41 2 . Os conceitos de comportamento e de r e a ç ã o .......................................................................... 47 O com portam ento e a r e a ç ã o ........................................................................................................47 Os três componentes da reação ................................. .................................................................. 47 A reação e o re f lex o .........................................................................................................................48 A divisão das reações em hereditárias e adquiridas ..............................................................49 Os reflexos hereditários ou incondicionados........................................................................... 50 Os instin tos ........................................................................................................................ ................ 50 A origem das reações [e outros comportamentos hered itár ios] .........................................51 A teoria dos reflexos condicionados........................................................................................... 53 Os super-reflexos.............................................................................................................................. 55 As formas complexas dos reflexos cond ic ionados ................................................................. 55 3 . As principais leis da atividade nervosa superior (comportamento) do ser h u m a n o .....59 As leis de inibição e de desin ib ição .............................................................................................59 A psique e a r e a ç ã o .......................................................................................................................... 61 O com portam ento animal e o comportamento h u m a n o ...................................................... 61 A formação das reações no com portam ento .............................................................................63 O princípio do dom inante no co m p o rtam en to ........................................................................65 A constituição do ser hum ano em relação ao seu co m p o rtam en to .................................. 66 4 . Os fatores biológico e social da e d u c a ç ã o ................................................................................ 75 A atividade do processo educativo e seus p a r t ic ip a n tes ...................................................... 78 Os objetivos da educação do ponto de vista psicológico...................................................... 80 A educação como seleção social.......................... ........................................................................ 81 SUMÁRIO ■ Os instintos como objeto, mecanismo e meios da educação ............................................... 85 A origem dos in s t in to s ...................................................................................................................... 86 As relações entre instinto, reflexo e r a z ã o .................................................................................. 89 Os instintos e a lei b iogenética ....................................................................................................... 89 Dois critérios extremos sobre o in s t in to ...................................................................................... 91 O instinto como um mecanismo da e d u c a ç ã o ...........................................................................91 O conceito de su b lim ação ................................................................................................................92 A educação do instinto sexua l........................................................................................................ 93 As premissas psicológicas da educação m is ta ............................................................................96 A aplicação pedagógica dos in s t in to s ...........................................................................................99 Os interesses in fa n t is .................................................................................................................... 100 O padrão dos interesses in fa n t is ............................................................................................... 103 O significado psicológico do j o g o ..............................................................................................104 A educação do comportamento em o cio n a l .............................................................................113 O conceito de em o ção ................................................................................................................... 113 A natureza biológica das e m o ç õ e s ........................................................................................... 115 A natureza psicológica das e m o çõ e s ........................................................................................117 A educação dos sen tim en to s .......................................................................................................119 ■ A psicologia e a pedagogia da a te n ç ã o .................................................................................... 125 A natureza psicológica da a te n ç ã o ............................................................................................125 As características da o r ien tação .................................................................................................126 A orientação externa e in te rn a ................................................................................................... 127 A atenção e a d is tração .................................................................................................................129 O significado biológico da o r ien tação ..................................................................................... 129 O valor educativo da o r ien tação ............................................................................................... 130 O desenvolvimento da a te n ç ã o ..................................................................................................131 O valor psicológico da expecta tiva ............................................................................................132 Conclusões pedagógicas............................................................................................................... 134 A atenção e o h á b i to ......................................................................................................................136 O correlato fisiológico da a ten ção .............................................................................................137 O funcionamento da atenção em seu c o n ju n to ....................................................................139 A atenção e a apercepção.............................................................................................................140 . O reforço e a reprodução das reações [A memoria e a imaginação] .............................. 143 O conceito de plasticidade da m a té r i a .................................................................................... 143 A natureza psicológica da m e m o r ia ......................................................................................... 143 A estrutura do processo da m e m o r ia .......................................................................................145Os tipos de m e m o r ia ......................................................................................................................146 As peculiaridades individuais da m e m o r ia .............................................................................147 Os limites da educação da m em o ria ......................................................................................... 147 O interesse e o matiz e m o c io n a l ............................................................................................... 148 O esquecimento e a recordação e r r ô n e a .................................................................................149 As funções psíquicas da m e m o r i a .............................................................................................151 A técnica da m e m o r ia ............................................................................................... ....................151 Os dois tipos de recordação das r e a ç õ e s ................................................................................ 152 A realidade da fa n ta s ia .................................................................................................................153 As funções da im ag inação ............................................................................................................ 153 A educação do com portam ento im ag ina tivo ......................................................................... 155 ) 9 161 161 167 169 172 172 175 176 181 181 187 188 190 193 193 195 197 197 198 199 200 203 209 209 212 216 225 225 225 227 228 229 230 232 236 239 243 249 249 252 254 257 257 257 261 9 . O pensamento como forma de comportamento particularmente complexo A n a tu re z a m o to ra dos processos de p e n s a m e n to ............................................... O co m p o rtam en to conscien te e a v o n ta d e .............................................................. A psicologia d a l in g u a g e m ............................................................................................. O ego e o i d .......................................................................................................................... Conclusões p e d a g ó g ic a s .................................................................................................. A análise e a s ín te s e ........................................................................................................... A im portân c ia do p en sam en to p a ra a educação in te r io r .................................. 10. 11 . 12. 13. 14. 15. O esclarecimento psicológico da educação pelo t raba lho ................................ Os tipos de educação pelo t r a b a lh o ........................................................................ O conhecimento da natureza através do t r a b a lh o .............................................. A coordenação dos esforços de t r a b a lh o ............................................................... O valor do esforço de traba lho .................................................................................. O conhecimento sintético .......................................................................................... A p rá t ic a ........................................................................................................................... O profissionalismo e a politécnica............................................................................ O comportamento social e sua relação com o desenvolvimento da criança O conceito de ad ap tação ............................................................................................. A criança e o a m b ie n te ............................................................................................... O ambiente contemporâneo e a educação ............................................................. As formas reais do comportamento social............................................................. As flutuações no desenvolvimento da c r ian ça ..................................................... O comportamento m oral.............................................................................................. A natureza da moral do ponto de vista psicológico........................................... Os princípios da educação m o r a l ............................................................................. As infrações morais das c rianças .............................................................................. A educação e s té t ic a ...................................................................................................... A estética a serviço da pedagog ia ............................................................................. A moral e a a r t e ............................................................................................................. A arte e o estudo da re a l id a d e .................................................................................. A arte como um fim em si m esm o ............................................................................ A passividade e a atividade na vivência e s té t i c a ................................................ A importância biológica da atividade e s té t ic a ..................................................... A caracterização psicológica da reação e s té t i c a .................................................. A educação da criatividade, do juízo estético e das habilidades técnicas.... A fábula [e as histórias infantis] .............................................................................. A educação estética e o ta le n to ................................................................................. O exercício e a fa d ig a ................................................................................................... Sobre o h á b i to ................................................................................................................ O significado pedagógico dos exerc íc ios ............................................................... A teoria sobre a fa d ig a ................................................................................................. O comportamento an o rm a l......................................................................................... O conceito de comportamento a n o rm a l ................................................................. As crianças com deficiências físicas......................................................................... As deficiências e as doenças mentais ..................................................................... 10 SUMÁRIO A psicopatologia da vida cotidiana ............................................................................................. 263 A h ip n o se ..............................................................................................................................................264 1 6 . O tem peram ento e o c a r á te r ............................................................................................................267 O significado dos te rm o s .................................................................................................................267 O tem p e ram en to ................................................................................................................................268 A estru tura do corpo e o c a r á t e r .................................................................................................. 268 Os quatro tipos de te m p e ram en to ................................................................................................271 O problema da vocação e a psico técnica ................................................................................... 273 Os traços endógenos e exógenos do c a r á te r .............................................................................2771 7 . O problema do talento e os objetivos individuais da e d u c a ç a o ........................................... 283 A personalidade e a educação .......................................................................................................283 1 8 . As formas fundamentais do estudo da personalidade da c r ia n ça ....................................... 287 As pesquisas psicológicas experimentais da personalidade da c r ia n ç a ...........................290 O método de Binet-Simon.............................................................................................................. 292 O experimento n a tu ra l .................................................................................................................... 293 1 9 . A psicologia e o p ro fesso r ............................................................................................................... 295 A natureza psicológica do trabalho d o cen te .............................................................................295 A vida como criação ..........................................................................................................................301 índice o n o m ást ico ..................................................................................................................................... . 307 Introdução Mario Carretero A RELEVÂNCIA DA OBRÁ DE VIGOTSKI PARA A EDUCAÇÃO H oje em dia , a o b ra de V igotski e s tá se n do e x tra o rd in a r ia m e n te d ifu n d id a . Sem d ú vida, os apo rte s do gen ial psicólogo russo vêm sendo , ñas ú ltim as d écad as , um p o n to de r e ferência o b rig a tó rio p a ra n u m ero so s au to re s do ám bito educativo e psicológico, assim com o p a ra o am b ien te d a sem io log ia e d a crítica lite rá ria e, de fo rm a m ais gera l, das h u m a n i dades e ciências sociais. Pode-se a firm ar que esse é um caso de recu p e ra ção v e rtig in o sa de um a u to r falecido há m ais de m eio século , que em seu m o m en to não teve o re co n h e c im e n to ad eq u a d o e que se im p lan to u fo rte m e n te e n tre os le ito res. Parece-nos im portan te destacar que a o r ganização desta edição realizada por G uillerm o B la n c k - reconhecido com o um dos m aiores es pecialistas m undiais n a biografia de Vigotski - caracteriza-se, em nossa opinião, por sua exce lência em todos os sentidos. Ele não se ocupou apenas da trad u ção e do estilo , m as tam bém suas abun d an tes e m inuciosas no tas podem ser de g rande u tilid ad e ao le ito r p a ra s itu a r os a u tores e questões aos quais se refere V igotski e que não p erten cem à nossa época. Esta in trodução nos perm ite s itu a r em um contex to h istórico e in te lec tu a lm en te re le v an te a v ida e a ob ra de Vigotski, ap o rta n d o d a dos e visões inéd itos até o m om en to . Todas essas características nos parecem m eritó ria s e opo rtu n as , pois a o b ra do c riad o r do en foque sociocu ltu ral tem tido um destino m uito d iver so, a través de edições nem sem pre à a ltu ra da qualidade do autor. A publicação de suas Obras escolhidas rem ed iou em g rande p arte esses p ro blem as de ou tras edições an terio res em línguas d iferen tes do russo , a ausência de indicações biográficas e b ib liográficas e m esm o a falta de inform ação sobre a p roced ên c ia do texto. En tre ta n to , um te m a que a in d a perm anece p en den te e que sem dúv ida será resolvido nos p ró xim os anos, é a pub licação de obras inéditas que desem p en h aram um papel im portan te com relação ao ap o rte de Vigotski aos problem as teóricos e p rá ticos d a psicologia e da ed u ca ção. E ntre elas, en co n tra -se o livro que o le ito r tem em m ãos n es te m om ento . Como G uillerm o Blanck, em seu p re fá cio, s itua com b a s ta n te d e ta lh e o lugar deste livro no con jun to da o b ra de Vigotski, irem os lim itar-nos a a p re se n ta r algum as de suas con tribu ições aos a tu a is p rob lem as das relações en tre a psico logia e a educação . E sta o b ra p re te n d e se r - e consideram os que esse p ro p ó s ito foi b rilh a n te m e n te a lcan çado - , um m a n u a l de psico log ia pedagógica p a ra p ro fesso re s, no q u a l V igotski expõe de fo rm a sim ples e co m p le ta g ra n d e parte d este saber. Ela foi esc rita p o r u m a pessoa que, além de te r g ran d e e x p e riên c ia d o cen te (ver o p re fácio de B lanck), p en sa a psico logia a p a rtir d a ed u cação e n ão o co n trá rio , com o d e s ta cou Bruner. A lém disso , em to d o o livro pode- se s e n tir u m a p reo cu p a ção co n s tan te com os problemas reais e cotidianos da escola e um a d iscussão dos m esm os, n ão só a p a rtir das li m itad as p e rsp ec tiv as d a psico logia , d esta ou d a q u e la te n d ê n c ia , m as de um con tex to cu l tu ra l m ais am p lo , que inc lu i a lite ra tu ra , a po lítica , a filo so fia e a c u ltu ra em geral. N es se sen tid o , co n s id e ram o s que este livro co n ti 1 2 LIEV SEMIONOVICH VIGOTSKI nua sendo totalmente vigente para todos aque les que trabalham com psicologia e com ed u cação, porque nos a juda a perceber que não é im portante apenas levar em conta os avanços científicos em nosso campo, mas as perspec tivas teóricas mais amplas em que se funda m entam . Por outro lado, Vigotski realiza esse tra balho com uma linguagem simples e amena, que pode ser en tendida por qualquer professor in teressado por essas questões. Nessa caracte rística da obra parece-nos que se reflete o inte resse do autor pela transformação da socieda de mediante a educação e, em suma, seu pro fundo compromisso com as tarefas relaciona das a todos os âmbitos da aprendizagem h u m ana em contextos formais. Não podemos es quecer que Vigotski pertencia a um a geração revolucionária que estava convencida de que o homem novo seria gerado através de um con junto de transformações, entre as quais a e du cação desem penhava um papel fundamental. Essa inspiração profundam ente marxista da obra vigotskiana, que não se limita a in terpre tar o mundo, mas aspira a transformá-lo, está vinculada a essa qualidade tão característica do genial autor russo, que é a capacidade de vincular significativamente a teoria e a prática, com a possibilidade de transmiti-la aos demais membros da sociedade, sobretudo aos profes sores, que são o eixo central de todo sistema educativo. Nos últimos anos, numerosos autores se perguntaram pelos motivos do auge da obra de Vigotski. Nós mesmos, quando pudem os revisar a produção bibliográfica a esse respei to nas últimas décadas, comprovamos que o in teresse por sua obra cresce exponenc ia l mente. Como é possível que um autor marxis ta seja tão lido em um m om ento como o atual, em que posições desse tipo estão tão despresti giadas? Por que isso ocorre inclusive nos Esta dos Unidos, onde a educação e toda a cultura transform aram o individualismo em um a de suas bases teóricas? Para responder p lenam en te a essas perguntas precisaríamos de um es paço muito maior. Talvez tivéssemos de consi derar que convém separar - o que nem sem pre se faz - a enorme contribuição do marxis mo como instrum ento teórico de análise críti ca da realidade, do fracasso de suas propostas políticas concretas, como sucedeu nos estados socialistas. No entanto, um a análise desse tipo não caberia neste exíguo espaço. Por enquanto, destaquem os apenas que a forma criativa e antidogmática como Vigotski conseguiu aplicar as idéias marxistas básicas para facilitar a com preensão dos fenômenos educativos e da aprendizagem não só é de enor me pertinência em nível internacional, mas mostra ao mesmo tempo o esgotamentode fór mulas clássicas na psicologia educativa, que têm considerado tradicionalmente que a apren dizagem é um fenôm eno solitário que ocorre somente na cabeça do aprendiz. Em nossa opi nião, a capacidade visionária de Vigotski ao vislumbrar que a aprendizagem se produz em um contexto microssocial e interativo - em que o olhar do outro se constitui em fazedor de nós mesmos - , sem o qual não se pode entender cabalmente os fenômenos da aquisição de co nhecimento, é um a das principais razões de sua atual aceitação. Nesse sentido, muito se tem escrito u ltim am ente sobre a relação entre as obras de Vigotski e as de Piaget. Parece-me que atualm ente muitos especialistas admitem - deixando de lado algumas diferenças de m a tizes - que as obras desses dois gigantes são basicamente compatíveis, especialmente se pen sarmos em suas aplicações educativas e não tanto em suas elaborações teóricas per se. No contexto dessa compatibilidade, cabe destacar que a obra de Vigotski conseguiu instaurar, tan to entre os pesquisadores quanto entre os pro fessores, duas idéias essenciais, entre muitas outras: que deve haver a criação e a m anuten ção de comunidades de aprendizagem para que esta seja um a realidade individual e institu cional, e que as relações entre o desenvolvi m ento cognitivo e a educação devem ser con sideradas a partir de um ponto de vista dialéti co, como o que está presente na zona de desen volvimento proximal. Sem dúvida, essas duas posições em blem áticas supõem uma visão, como a que encontrarão neste livro, da educa ção como fator de crescimento pessoal e social. Por último, escrevemos estas páginas al guns meses depois que Guillermo Blanck nos PSICOLOGIA PEDAGÓGICA 13 entregou a versão final desta obra, alguns dias antes de seu falecimento tão inesperado. Gos taríamos de expressar, como já o fez a com uni dade científica, nosso agradecimento por esse trabalho tão dedicado a um a causa - dar a co nhecer a obra e a vida de Vigotski - o que Guillermo realizou com perfeição, tan to na Argentina quanto em âmbito internacional. Prefácio G uillerm o Blanck PARA LER A PSICOLOGIA PEDAGÓGICA DE VIGOTSKI A falsidade consiste em uma privação de conhecimento, implícita nas idéias inadequadas, isto é, mutiladas e confusas. Spinoza, Ética. Não me deixem cair na ignorância. Shakespeare, Hamlet. Liev Vigotski era um hom em modesto. Seu amigo de infância e juventude, Semion Dobkin, relatou que, sempre que Vigotski te r minava um a palestra, muitos se aproximavam para cumprimentá-lo e elogiá-lo. Ele costum a va responder: “Não fui eu que tornei a pales tra interessante, o tema é que é interessante”. . Quando Vigotski começou a trabalhar na Uni versidade de Moscou, dependente do Comissa riado (Ministério) do Povo para a Educação Pública, em julho de 1924, preencheu um for mulário e, na seção PUBLICAÇÕES, escreveu: “Um breve m anual de psicologia pedagógica, no prelo pela Editora E sta ta l”. Esse “breve m anual” era Psicologia pedagógica, o livro que o leitor tem em mãos neste momento. A IMPORTÂNCIA DE PSICOLOGIA PEDAGÓGICA Psicologia pedagógica é um livro que Vigotski começou a escrever em 1921 e term i nou em 1923 ou no início de 1924, quando tinha 27 anos de idade. Vigotski escreveu o tex to para estudantes que pretendiam lecionar nas últimas séries do ensino fundam ental (para crianças de 10 a 15 anos). O livro continha as aulas que Vigotski havia ministrado na Escola de Formação de Professores de Gomei durante aqueles anos, e o curso fora concebido como um a introdução à psicologia pedagógica para um a nova geração de professores soviéticos, destinados a substituir o velho sistema educa^ tivo pré-revolucionário. Quando a r e v o lu ç ã o ] ^ de outubro de 1917 ocorreu na Rússia, pro- j pondo-se a criar um a sociedade socialista, o índice de analfabetismo era de mais de 90%. I “Estabelecemos como m eta a eliminação total do analfabetismo no 102 aniversário do regi- . me soviético,” afirmou Trotsky em 1923. Essa I meta foi praticam ente alcançada. Este prefácio não pretende resumir o con teúdo do livro, mas situá-lo em sua época e na nossa, esclarecer algumas de suas característi cas e explicar como ocorreu a produção da pre sente edição, oferecer alguns critérios para sua compreensão e explicitar quem são seus poten ciais leitores. Com ecem os p o r es ta ú ltim a questão. Qualquer pessoa culta, mesmo que não especia lizada, interessada pela educação e seus proble mas, pode ler este livro. Não é preciso conhecer Vigotski nem ter um a formação superior à do ensino médio. Esse tipo de leitor apenas deve levar em conta que este livro fo i escrito por um professor jovem, porém experiente e sábio, e se destinou a estudantes que queriam ser professo res de crianças de até 15 anos, na Rússia, há 75 anos. O livro está escrito em estilo coloquial, como se fosse um professor dando uma aula. Os temas, muito variados, são explicados por meio de exemplos e relatos atraentes, extraídos 16 LIEVSEMIONOVICH VIGOTSKI da vida real ou da literatura. Entre muitos ou tros temas, o leitor pode-se informar sobre a atenção e a memória, a imaginação e o pensa mento, a linguagem, o talento e a inteligência, a educação moral e a sexual, a educação artísti ca, os contos de fadas, a importância psicológi ca do jogo, a educação das crianças com trans tornos de comportamento, a educação para o trabalho, a educação dos hábitos e a fadiga, a educação de crianças portadoras de deficiênci as mentais, auditivas e visuais e, finalmente, as características psicológicas que um professor deve ter. Como em todo curso, há temas mais fáceis e outros mais difíceis. Entre os últimos, há algumas lições sobre biologia, a evolução das espécies, a psicanálise, o funcionamento do sistema nervoso, etc. Mas talvez o mais im portante seja que se pode aprender um a série de orientações específicas sobre a educação. No livro há palavras técnicas, porém todas elas es tão explicadas no texto ou nas notas ao final dos capítulos. Todos os personagens da histó ria, da mitologia ou das obras de arte, assim como os psicólogos, pedagogos, cientistas e escritores mencionados no texto estão identi ficados nas notas. Temos de avisar a esse tipo de leitor que nunca é possível en tender abso lutamente tudo. Como dizia um professor nos so no Colégio Nacional: “Não se pode tudo”. Entretanto, o livro tem um a vantagem. Com exceção dos Capítulos 2 a 4, que devem ser lidos em ordem consecutiva, todos os outros podem ser lidos em qualquer ordem. E se esse tipo de leitor não quiser ler esses três capítu los inteiros, pode folheá-los e ler apenas as aplicações educativas que lhe interessem. Há um segundo tipo de leitor: o estudante de pedagogia ou o universitário interessado em psico logia, psicologia evolutiva, psicologia educativa e ciências da educação. Esse tipo de leitor deve ler completamente o livro em ordem consecutiva. Este texto destina-se a ser um clássico e foi escri to por um dos psicólogos mais lidos atualmente no mundo: Liev Semionovitch'Vigotski. Deve-se conhecer Vigotski. Mas, para isso se tom ar pos sível, é preciso acabar com três lendas que impe dem o acesso a um conhecim ento nítido e confiável de sua vida e de sua obra. A prim eira lenda diz que Vigotski foi um psicólogo evolutivo e educativo. Isso é ve rda de, porém está longe de ser toda a verdade. Vigotski tam bém foi um brilhante crítico lite rário e artístico, psicólogo da arte, estudioso dos problem as da psicologia dos sentimentos do ator de teatro e da psicologia da criação, em inente educador e professor, crítico sagaz, refinado te rapeu ta , psicopedagogo de crian ças portadoras de deficiências, neuropsicólogo e pesqu isador do func ionam ento normal e anorm al do cérebro e da psique, psicólogo ex perim ental, epistem ologista e historiador da psicologia, um grande psicólogogeral, psicó logo cultural, transcultural e comparativo, um destacado teórico da psicologia do pensam en to e da linguagem , um estudioso do judaísmo e dos evangelhos e tam bém um sociólogo que estudou a relação entre a psicologia e os g ran des movimentos históricos do século XX: o so cialismo, o com unism o, o fascismo e o capi- talismo.J A segunda lenda é a falsa história da vida e da obra de Vigotski, que vamos tratar a seguir - a terceira lenda será elucidada mais tarde. Não relataremos aqui toda a sua vida nem sua vasta obra. Faremos apenas um resumo e nos detere mos nos dados que desmentem a lenda, forne cendo dados significativos para desmenti-la.1 Narraremos agora, de forma sucinta, a segunda lenda, que é um a espécie de “história oficial” e diz o seguinte: Em janeiro de 1924 apareceu no II Congresso Panrusso (Nacional) de Psiconeurologia, realizado em Petrogrado, um desconhecido jovem de 27 anos, proveni ente de um a rem ota cidade provinciana. E im portante destacar que a lenda sempre começa aqui, e m 1924, e n a d a nos diz da vida de Vigotski antes dessa data, exceto que era um simples professor e que se dedicara à literatu ra e ao teatro - nunca se menciona o judaísmo de Vigotski, com todas as implicações que este teve para explicar decisivos aspectos de sua vida e carreira. De acordo com a lenda, no men cionado congresso, perante um público forma do por velhos sábios de barbas grisalhas, esse jovem fez um discurso muito eloqüente, sem ler nenhum texto. Seu argum ento central era que as correntes psicológicas dominantes na quele m om ento tinham deixado de lado o es tudo científico da consciência - um dos pro blemas mais discutidos e difíceis da época - e PSICOLOGIA PEDAGÓGICA 1 7 que esse estudo devia ser realizado. Foi tão persuasivo que o público ficou perplexo. Im pressionado, o diretor do Instituto de Psicolo gia Experimental, anexo à Universidade de Moscou, K. Kornilov, convidou-o a colaborar com ele. E assim, do dia para a noite, esse jo vem que provinha do m undo da literatura e do teatro iniciou um a fulm inante carreira no âmbito da psicologia, a partir do m om ento em que se instalou em Moscou, em 1924. No dia seguinte ele se reuniu com dois psicólogos, Luria e seu amigo Leontiev, e form aram uma troika (trio) muito unida, regida pela lealdade e pela amizade, que só acabaria com a morte, e cuja missão histórica foi a criação de um novo sistema de psicologia, que deixaria para trás a crise que afetava a disciplina naquele m om en to. O trio foi crescendo. Formou-se um a nova escola de psicologia “sócio-histórica”, monolí tica, que deu origem aos fundam entos da psi cologia soviética. Em 10 anos, Vigotski passou como um raio pela teoria, pela prática e por instituições oficiais; produziu cerca de 200 t ra balhos e morreu de tuberculose, em 1934, aos 37 anos e 6 meses de idade. Dois anos depois, as obras de Vigotski foram proibidas - durante f . 20 anos - pe 1 a d i t a d u r a d e S t á l i m Em 1956, quando começou o “desgelo” da URSS, Luria e Leontiev começaram a republicá-las. Nos anos 70, Aleksandr Romanovitch Luria e Aleksei Nikolaievitch Leontiev, que eram as mais cons pícuas figuras da psicologia soviética da épo ca, morreram. Em 1980 nasceu o “fenômeno Vigotski”, que cresceu muito até os dias de hoje. No imaginário psicológico, a troika continua viva, embora os três já estejam mortos; sua morte foi como a de El Cid, pois ainda hoje continuam com batendo jun tos e vencendo b a talhas. Shakespeare disse certa vez que a m enti ra era a verdade com máscara. Há algo de ver dade nessa lenda, porém a máscara é grande demais. Tal lenda - inclusive em sua versão não-abreviada - é um conto de fadas que ofen de a inteligência de um adulto. Mas é difícil destruir lendas. Ainda hoje se escrevem esbo ços biográficos de Vigotski que reproduzem a lenda - nós mesmos o fizemos, de certa for ma, no passado (cf. G. Blanck, ed., Vigotski: Memória y Vigência, Buenos Aires: Cultura y Cognición, 1984). A lenda é um a espécie de filme cor-de-rosa que nunca se entendeu bem com a vida real. A v e rd a d e ira história de Vigotski não precisa de lendas, pois é suficien tem en te in teressan te pa ra abrir mão delas. Outros é que as necessitaram. Contaremos ago ra a verdade, nada mais que a verdade. Apresentaremos então um resumo da ver dadeira história de Vigotski, para os propósitos já anunciados neste prefácio. Liev Semionovitch Vigodski nasceu no final de 1896 na Bielo- Rússia. Quando adulto, m udou o “d” de seu sobrenome pelo “t”.* Ele cresceu na cidade de Gomei, situada perto de Chernobyl. Desde crian ça demonstrou ser muito talentoso. Estudou com um preceptor e concluiu o ensino médio com medalha de ouro. Conhecia nove idiomas e pos suía um saber enciclopédico - algo não muito raro n a^poca . Provinha de um a família judia não-religiosa, ainda que respeitosa das tradi ções. Vigotski teve seu bar m itzva.2 ) Quando terminou o ensino médio, Vigotski queria ingressar na Universidade de Moscou, porém existiam cotas: admitia-se apenas 3% de alunos judeus, escolhidos por sorteio. Ele teve sorte e foi sorteado. Na Universidade Im perial de Moscou, iniciou a carreira de medici na, mas depois m udou para direito. Ora, por que medicina ou direito? Essas carreiras abri am portas para o exercício liberal da profissão de médico ou advogado. No regime czarista, os judeus não podiam ocupar nenhum posto estatal; por isso, não podiam seguir uma car reira judicial, nem traba lhar em hospitais ou escolas. Simultaneam en te . Vigotski freqüentou a Faculdade de História e Filologia da Univer- ■ ■ . , , . . . . - -- ° -- sldadé Popular A. L. Shaniavski, fundada em 1906 e não-recpnhecida oficialmente; ela era ^'tim redu to jie réyolucionários anticzaristas que *N. de R.T. Foi o próprio Liev que mudou o “d” origi nal de seu sobrenome pelo “t”, porque acreditava que sua família procedia de uma aldeia chamada Vygotovo. A esse respeito veja-se: Riviére, A. La psicologia de Vygotski. 3. ed. Madri: Visor, 1988 e Van Der Veer, R.; Valsiner, J. Vygotsky: uma síntese. São Paulo: Loyola, 1996. Ao que parece, seus pais e irmãos, e posteriormente suas filhas, mantiveram a grafia original do sobrenome. 1 8 LIEV SEMIONOVICH VIGOTSKI tinham renunciado ou sido expulsos da Uni versidade Imperial, depois da derrota da revo lução de 1905. Nela concentravam-se os m e lhores cérebros da Rússia, como K. Timiriazev, um dos descobridores da fotossíntese, e V Vernadski, o criador da teoria da biosfera. Nes sa faculdade,!vigotski fez alguns cursos de psi cologia com Pável Blonski. Seriam os únicos de sua vida; na área da psicologia, foi autodi data. Nas férias de verão, Vigotski viajava para Gomei. Segundo Dobkin, m ontava jjeças^de t ^ o e m sua cj d ade natal. Em 1917, ano da revolução socialista de outubro, formou-se em ambas as universidades. Uma das primeiras m ed id as to m a d a s pelos co m u n is tas foi a derrogação da legislação anti-semita, o que foi ) apoiado pelos judeus, porque assim desapare ceu o.Rayon e, a partir desse momento, eles podiam ocupar qualquer cargo. Após a revolu-^ ção, porém, houve a guerra civil, fome e f r i o j Vigotski estabeleceu-se em Gomei com ; $ ' í sua família e, como já não era proibido, come çou a dar aulas em várias escolas e instituições estatais e a escrever críticas teatrais para jo r nais, etc. Não lhe foi difícil transformar-se nQ- líder intelectual de Gomei, cidade de 40 mil habitantes. Organizou as “Segundas-feiras Li terárias”, nas quais discutia literatura russa ou y- proferia conferências sobre temas como a teo ria cfa relatividade de Einstein . 'Vigotski lera toda a literatura russarCom o todo intelectual judeu, conhecia bem Spinoza. Também estu- j ... dou Hegel. Este o levou a Marx e Engels e es tes a Lênin, cujas obras compreendiacabalmen- ( te. Tornou-se comunista, embora nunca tenha se filiado ao partido. Dava aulas de lógica, fi /, losofia, estética, psicologia, etc. Antes dos 20 -anos, entre 1 9 1 5 e l9 1 6 , terminou seu primeiro livro, l íh íex trao rd inário ensaio sobre Hamlet, no qual havia certo grau de misticismo; no en tanto, essa faceta não duraria - desapareceu em uma segunda e breve versão posterior, parte in teg ran te de seu livro Psicologia da arte. Vigotski tam bém leu toda a história da psico logia e chegou a conhecer os clássicos de to das as correntes psicológicas da Rússia, da Eu ropa e dos Estados Unidos (ele sempre escre via “Rússia e Europa”, como se a Rússia não pertencesse à Europa). Na Escola de Forma ção de Professores, organizou um laboratório -é-; fl ¡ — & i v _ / I C ^ / J - 4 7E de psicologia experim ental e realizou muitos experimentos junto com seus alunos. Nesse âm bito teve seu primeiro contato com as defici ências infantis. Nessa etapa, que durou anos, Vigotski tinha um a concepção psicológica b a sicamente sociogenética, como se pode ver no presente livro.3 Assim, em 1919, Vigotski já sabia bastante de psicologia. Q uando com eçou a redigir o presente livro, faltavam três anos para o fa moso congresso no qual se apresentou publi cam ente pe ran te as celebridades científicas russas. Portanto, sua passagem da literatura à psicologia não ocorreu do dia para a noite. Durante anos trabalhou arduam ente com os textos clássicos da psicologia. Vigotski já sabia tudo o que o leitor encontrará neste livro dois anos antes do congresso de Petrogrado. Se isso for levado em consideração, é evidente que sua carreira de psicólogo não durou 10 anos, mas cerca de 15. Até seu aparecim ento no congresso, que mais pode ser dito? Em primeiro lugar, que Vigotski não era nenhum desconhecido. Muitos conspícuos intelectuais e cientistas moscovitas o conheciam desde seus anos de universidade. É m uito provável que vários deles o tenham con vidado para apresentar um a palestra no con gresso de Petrogrado, pois surge aqui uma per gunta que ninguém respondeu: como é que um professor de ensino fundam ental de uma re m ota cidade chega ao II Congresso Nacional de Psiconeurologia, o evento acadêmico mais im portante da disciplina? Essa é uma resposta que não temos, porque a lenda nunca expli cou nada a respeito. De forma sim ultânea com Psicologia pe dagógica, Vigotski começou a redigir parte de Psicologia da arte - um livro tão extenso quan to este - , continuou lendo, pesquisando e lecio nando, sem abandonar a atividade literária e artística, que nunca abandonaria . Com Dobkin e seu primo David Vigodski, destinado a ser um renom ado lingüista, fundaram a Editora “Bieka i dni” (“Eras e dias”) e publicaram um par de livros de poesia, até abandonarem o em p reend im ento por um recorren te problema russo: escassez de papel. David o pôs em con tato com destacados formalistas - alguns de les influenciariam Vigotski até em seu último PSICOLOGIA PEDAGÓGICA 1 9 livro, Pensamento e linguagem. Fragmentos de sua Psicologia da arte fariam parte de outras comunicações que tam bém apresen taria no congresso de Petrogrado - foram três, e não apenas uma. É claro que, nessa época, além de outras correntes, Vigotski tam bém era muito influenciado pela reflexologia e pela reatologia, ainda que nunca tenha aderido totalmente a nenhum a delas; até 1928, muitas vezes lhes tomou emprestados conceitos e termos; em ou tras oportunidades, só termos: significantes, dando-lhes outros significados. Muito se discutiu sobre o provável cami nho de acesso de Vigotski à psicologia. Em nossa opinião, todas as hipóteses construídas para explicar esse trânsito desmoronam com a leitura de Psicologia pedagógica. A importância fundam ental desse texto mostra muito bem como se realizou o trânsito - Psicologia pedagógica é o elo perdido que esclarece o problema. O livro Psicologia da arte também ajuda a compreendê- lo, mas não tanto. Isso coincide com nossas opiniões anteriores à leitura de Psicologia pe dagógica: sempre dissemos que os caminhos tinham sido tanto os problemas da psicologia da arte quanto os suscitados pela atividade pe dagógica e psicopedagógica, mas que estes ti nham sido mais importantes. F inalm ente , quando Vigotski falou no congresso, em 6 de janeiro de 1924 , parece que o único que ficou perplexo com sua palestra fo i Luria. É possível que Kornilov o tenha convida do sem que Luria soubesse, porque Vigotski m a nifestou coincidências com sua teoria ou por que estava reestruturando o Instituto Experi mental de Psicologia e precisava de colabora dores; o mais provável, porém, conforme a his tória oral, é que o tenha convidado porque Luria insistiu. A versão escrita de sua palestra no congresso foi “Os métodos de pesquisa reflexo- lógicos e psicológicos” e não, como tem se re petido erroneamente, “A consciência como pro blema da psicologia do com portam ento” (cf. am bos os trab a lh o s , com pilados em L. S. Vygotski, Obras..., 1.1, op. cit., p. 3-22 e 39-60, respectivam ente). E in teressan te n o ta r que Vigotski, em sua conferência, criticou duram en te a reflexologia de Bejterev e Pavlov com re lação ao problema do estudo da consciência, mas manifestou algumas coincidências com a reatologia de Kornilov e com as posições de William James e John Watson (um ano mais tarde, criticaria todas elas). Vigotski retornou a Gomei e casou-se com sua nam orada, Roza Noievna Smiejova. O ca sal m udou-se para Moscou ainda em 1924. To das as irmãs de Vigotski já tinham saído de Gomei e, pouco tem po depois, seus pais tam bém se m udaram para Moscou. Luria disse que no dia seguinte à chegada de Vigotski a Moscou eles se reuniram com Leontiev, também m em bro do Instituto, e que os três propuseram reela borar toda a psicologia existente e criar uma nova psicologia geral, como objetivo de seu fu turo trabalho. No entanto, pairam dúvidas so bre essa mencionada reunião e, sobretudo, que ela tenha ocorrido im ediatam ente após a che gad a de Vigotski. É provável que Luria e Leontiev tenham ajudado Vigotski a se estabe lecer, porém afirmamos sem vacilar que a rea lização dessa reunião dem orou pelo menos um ano. Como disse Borges, a memória é mais in ventiva que evocativa. Em suas memórias, Luria diz que costu mavam encontrar-se com Leontiev no aparta mento de Vigotski um a ou duas vezes por se mana (cf. A. R. Luria, The making o f mind. A personal account o f Soviet Psychology, ed. de M ichael e Sheila Cole, C am bridge, Mass.: Harvard University Press, 1979, p. 45), embo ra não mencione datas, para planejar seus es tudos e seu trabalho experimental, que era rea lizado no laboratório de psicologia dirigido por Luria na Academia de Educação Comunista “Krupskaia” - experimentos que Vigotski pla nejava e supervisionava pessoalmente. No gru po de trabalho dirigido por Vigotski, Leontiev realizou um a pesquisa sobre a memória, de caráter plenamente vigotskiano, à qual retorna remos mais tarde. Com exceção dessa pesqui sa, não existem evidências de nenhum traba lho conjunto de Vigotski e Leontiev, nem m es mo um simples artigo em co-autoria. Muito mais intensa foi a colaboração de Luria com Vigotski, que incluiu artigos, livros e até mes mo um trabalho de campo que durou dois anos, realizado em duas remotas repúblicas soviéti cas da Ásia. O leitor perceberá que, no período em que se questionou o trabalho de Vigotski, ele sempre é mencionado ao lado de Luria, sem 20 LIEV SEMIONOVICH VIGOTSKI nunca haver referência a Leontiev. O mito de um trio equivalente aos três mosqueteiros de Dumas só tem o valor que lhe é atribuído pe los que acreditam nele. Visto de outro ângulo, podemos dizer que Vigotski, Luria e Leontiev constituíram um “trio” - não o negam os - , porém esse trio nunca teve as mesmas características pintadas pela lenda, com a seguinte acepção do vocábulo troika: “um por todos e todos por um ”. Durante um ano, Vigotski e sua esposa m oraram em um pequeno quarto, no porão do Instituto Experimental de Psicologia. Quando sua filha Guita nasceu, em 1925, eles se m u daram para um apartam ento de um quarto no número 17 da rua Bolshaia Serpujovskais, onde Vigotski moraria a vida inteira, com a mulher e duas filhas. Muitas vezes, Vigotski escrevia nesse quarto, enquanto, ao redor dele, outras crianças brincavam com sua filha. Outras ve zes recebia visitas nele, como as célebres reu niões que teria, por exemplo, com Kurt Lewin. Em seus últimos 10 anos, Vigotski dirigiu várias cátedras e instituições, organizou grupos de trabalho, dirigiu laboratórios de pesquisa e centros de saúde, fundou e presidiu o Instituto de Defetologia mais importante da URSS, etc. Em 15 de julho de 1924, Vigotski foi no meado diretor do Subdepartamento de Prote ção Social e Legal de Crianças Portadoras de Deficiências, subordinado ao Comissariado do Povo para a Educação Pública. No formulário que teve de preencher para se inscrever no Comissariado, na seção em que se perguntava em que área considerava que poderia ser mais útil, Vigotski escreveu: “Na educação de crian ças surdas-mudas e cegas”. Desde seus anos em Gomei e até sua morte em Moscou, Vigotski viu milhares de crianças deficientes. Ele viajou ape nas uma vez ao exterior, para representar seu país na Conferência Internacional para a Edu cação de S u rd o s , r e a l iz a d a em L ondres , em l9 2 5 . Visitou muitas escolas para surdos, tanto lá quanto em Berlim, na Holanda e na França. Quando regressou a Moscou, sofreu sua segunda internação - um ano de cama - , em condições de extrema precariedade: as camas não e ram s e p a ra d a s p o r n e n h u m espaço . Vigotski sofreu um colapso em um pulmão de vido a um pneum otórax e não podia perm ane cer em pé sem ajuda. Nessas condições, no hos pital, escreveu sua monografia O significado his tórico da crise da psicologia, que terminou em 1926 e não em 1927, como afirm a a lenda. Vigotski tinha de defender publicamente sua tese de doutorado em psicologia - que foi seu livro Psicologia da arte, concluído em 1925 porém a comissão médica o liberou desse ritu al, e o título de doutor lhe foi concedido. Mais tarde, Vigotski trabalhou em estreita colabora ção com Nadiezhda Krupskaia, viúva de Lênin, que era membro da direção do Comissariado da Educação. Quando Vigotski morreu, sua fi lha mais velha, Guita Lvovna Vigodskaia, tinha 10 anos. Por esse motivo, é testemunha confiável de muitos acontecimentos de seus últimos cin co anos de vida, o que não acontece com sua irmã, Ásia, que tinha apenas 4 anos quando o pai faleceu. Guita recorda que Krupskaia costu mava ligar para sua casa (comunicação pessoal, Moscou, 1988). Em 1928, Vigotski escreveu os manifes tos fundam entais de sua Escola Histórico-Cul- tural de Psicologia, que com eçou a desenvol ver po r volta de 1927, em colaboração com Luria; essa colaboração não excluiu críticas epistemológicas profundas de Vigotski a Luria, a partir de 1926, relativas à relação marxis m o/psicanálise (tais manifestos são “O pro blema do desenvolvim ento cultural da crian ça” e “Primeiras teses sobre o m étodo instru m ental em psicologia”; cf. L. S. Vigotski, O de senvolvim ento cultural da criança..., op. cit., p. 31-64). Vigotski produziria quase 200 t ra balhos de psicologia, além de cerca de 100 sobre arte e li te ra tu ra - dos quais se conhe cem a p e n a s uns 60 . C om o já d issem os, Vigotski, Luria e Leontiev traba lharam juntos, mas desde o princípio Vigotski também este ve rodeado de outros colegas. Possuía uma p e rso n a lid ad e car ism ática , e um a de suas notórias características era a tendência a or ganizar facilmente grupos de trabalho, o que já era evidente desde sua adolescência. Quan do um “qu in te to” (p ia to rka ) de estudantes - R. I. Lievina, L. S lav ina , L. Boyovich, N. Morozova e A. Zaporoyets - uniu-se à troika, a lenda passou a m encionar um “octeto”. No entan to , ele teve vários outros colaboradores im p o r t a n t e s - L. S a ja rov , L. Zankov, I. PSICOLOGIA PEDAGÓGICA 21 Soloviov, etc. Esse grupo realizava as pesqui sas no laboratorio de Luria e, entre eles, e sta va A. N. Leontiev. Durante esses anos, Vigotski fez algumas viagens pela URSS. Por exemplo, esteve diversos meses em Tashkent, em 1929, lecionando na Universidade Estatal da Ásia Central. No entanto , estas não são as viagens que mais nos in teressam ; há ou tras muito mais reveladoras... Por volta de 1930, Vigotski encontrava- se no apogeu de sua carreira . Era editor- curador de livros em várias editoras, diretor da principal instituição' d e defectologia da URSS, integrava a comissão editorial das prin cipais revistas, projetava as pesquisas transcul- turais realizadas por Luria através de duas ex pedições ao Uzbesquistão e ao Kirquizistão, além das atividades anteriormente m enciona das e das vinculadas à arte que, como já disse mos, ele nunca abandonou - embora tivesse tido a prudência de se abster de publicar a res peito, pois a queda de Lunacharski como mi nistro da cultura representou um a sentença de morte para a revolução cultural russa da déca da de 20 (cf. G. Blanck, “Vygotsky: El Hombre y su C au sa”, op. cit., p. 50 -51 ) . O rum o stalinista adotado pela URSS começou a m a nifestar-se nas áreas da psicologia em que Vigotski trabalhava. Começaram a desapare cer as revistas que ele co-dirigia. Começaram os ataques dos ideólogos contra o Instituto Experimental de Psicologia no qual ainda tra balhava, especialmente contra ele e Kornilov. Apesar de tudo isso, Vigotski continuou reali zando suas atividades e chegou a ocupar no vos cargos; entre eles, o de deputado do soviete do distrito Frunze de Moscou, onde elaborava políticas educacionais. No final de 1931, foi nom eado diretor do Departamento de Psicolo gia Evolutiva da Universidade da Ucrânia. Ucrânia, longe de Moscou... Por quê? Embora tivesse continuado trabalhando nessa situação adversa, tanto ele quanto seus colegas sentiram -se afetados pelo clima de perseguição reinante. Em 1930 fora fundada a Academia Ucraniana de Ps.iconeurologia, em Jarkov, e esta oferecia mais liberdade ideoló gica e salários mais elevados, ao contrário do que acontecia em Moscou. Devido a essa si tuação, um a parte do grupo de Vigotski, lide rado por Lèontiev, instalou-se e permaneceu em Jarkov, enquanto outros continuaram em Moscou. Vigotski começou a viajar e a dividir seu tempo entre essas duas cidades. Em Jarkov e Moscou, Vigotski se matri culou, 18 anos depois de sua primeira tentati va abortada, no curso de medicina, pois agora precisava de um a formação mais ampla devi do aos seus novos interesses - começara a es tudar patologias como a esquizofrenia, a d e mência, a doença de Pick e outras afecções neu rológicas e psiquiátricas. Luria fez o mesmo. Em suas breves estadas em Jarkov, Vigotski prestava seus exames de medicina, nunca em Moscou: ‘Aqui nunca conseguirei terminar o curso: os trâm ites burocráticos, por ter perdi do o diploma, te rm inaram com m inha paciên cia” (cf. carta a Luria, Moscou, 21 /02 /33) . Con seguiu realizar a m etade do curso e só não o com pletou to ta lm en te porque foi impedido pela morte. Luria conseguiu se formar. No fin a l dos anos 70, Leontiev escreveu sobre o “complexo p roblem a da área da psico logia” da ação m ediada: Deve-se dizer que alguns psicólogos dos anos 30 - como A. A. Talankin, P. I. Razmislov e ou tros - captavam e destacavam o ponto fraco que existia na interpretação da relação entre a consciência e a vida real, e que se evidencia ria na teoria histórico-cultural. (Cf. A. N. Leontiev, “Sobre o desenvolvimento criativo de Vigotski”, emL. S. Vygotski, Obras..., op. cit., t. I., p. 448; o grifo é nosso.) E alheio ao propósito desta narração a questão dos problemas teóricos de categorias psicológicas como a “ação mediada” e a “ativi dade”, na qual em alguns aspectos coincidimos com as concepções desenvolvidas por A. N. Leontiev. O que nos surpreende nessa afirma ção de Leontiev é que, da perspectiva privilegia da de quase meio século, ele fale desse modo de sujeitos como Talankin ou Razmislov, que care cem de todo atributo científico e moral para ser tratados dessa maneira. Vigotski tinha uma opi nião diferentes desses dois personagens: Quanto mais longe de nossas idéias estejam esses covardes barbeiros, escrevinhadores, 22 LIEV SEMIONOVICH VIGOTSKI contadores ou seja lá o que forem, porém não psicólogos nem homens de ciência, tanto me lhoro. (Cf. carta a Luria, 29/03/1933; o grifo é nosso.) Por que Vigotski se referia dessa maneira a esse tipo de psicólogos? Vejamos, por exem plo, o que escreveu Razmislov sobre as pes quisas transculturais vygotskianas, que conclu íram que as pessoas escolarizadas alcançavam um nível de abstração formal e as que não o eram perm aneciam prisioneiras de um pensa m ento concreto; no entanto,, se estas eram escolarizadas, diante dos olhos dos pesquisa dores passavam do plano concreto ao lógico formal (cf. A. R. Luria, El desarrollo histórico de los procesos cognitivos, Madri: Akal, 1986): A teo ria psicológica h istórico-cultural de Vigotski e Luria é pseudocientífica, reacioná ria, antimarxista e antiproletária, e na prática leva à conclusão anti-soviética de que a políti ca da URSS é conduzida por pessoas e classes que pensam de forma primitiva, incapazes de alcançar o pensam ento abstrato. (Cf. R I. Razmislov, “O kulturno-istoríchiestoi tieori psijologui Vigóstogo i Luria”, Kniga i Proletárs- kaia Revolutsia, n. 4, p. 78-86.) Esse artigo de Razmislov, “Sobre ‘a teoria psicológica h is tó rico-cu ltu ra l’ de Vigotski e Luria”, publicado na revista O livro e a revolu ção proletária em 1934, nos dá um a idéia da concepção que essas pessoas tinham da ciên cia psicológica e, sobretudo, do tom das críti cas sofridas por Vigotski a partir de 1931, que, além de tudo, eram totalm ente fa lazes. (A con clusão sobre a incapacidade de alcançar um pensam ento abstrato por parte dos dirigentes soviéticos inferida por Razmislov alude ao fato de que um dos muitos sujeitos experimentais era o presidente de um a cooperativa agrária). Quanto a Talankin, ele foi o primeiro, em 1931, a acusar a teoria do “grupo de Vigotski e Luria” de “não-m arxista” e a declarar que este “devia ser seriam ente com batido” (cf. A. A. Talankin, “O povorotie napsijologuíchieskom frontie” [“So bre o ponto de inflexão na frente psicológica”], Sovietskaia Psijonievrologuia, n2 2-3, p. 140 184); ele tam bém acusou Vigotski e Luria de infiltrar na psicologia russa as teorias de Karl Biihler, Freud e da escola da Gestalt de forma acrítica, o que não é verdade (cf. L. S. Vygotski, Obras...., op. cit., t. I; por exemplo, “O signifi cado da crise histórica da psicologia”). Depois de assistir a um a das conferências de Talankin, Vigotski escreveu um a carta a Luria, informan do-lhe que tinha decidido oficialmente “golpeá- los, porém não m atá-los” (“bit, no nie ubivat”; cf. carta a Luria, 0 1 /0 6 /1 9 3 1 ) . Depois das pesquisas transculturais rea lizadas no Uzbesquistão e em Kirquizistão, os ataques que excom ungavam Vigotski e Luria tornaram-se ainda mais duros, repletos de in sultos, tanto verbais quanto escritos. Duas áreas de trabalho fundam entais para Vigotski, como a defectologia e a pedologia começaram a cair em desgraça. Ele passou a ser acusado de “não ser marxista” e de outras tolices, como “não citar o cam arada Stalin” em suas obras; ape sar de tudo, essas acusações não eram inofen sivas, pelo contrário. A am eaça de interroga tórios inquisitoriais começou a pender sobre Vigotski. Não é preciso ser psicólogo para sa ber que u m a in d e f in id a a m ea ç a de estilo kafkiano é muito mais pertu rbadora que sua concretização. Na verdade, Vigotski teve de perder muito tem po preparando-se para esse eventual acontecim ento duran te seus últimos anos, e isso está docum entado em notas de reuniões internas de seu grupo de trabalho e em suas cartas. Em sua correspondência há fortes indícios de que em 1933 teve de com pa recer diversas vezes peran te um a comissão de inquérito. Felizmente, o caso não teve maiores conseqüências. Luria só se atreveu a publicar sua monografia sobre as experiências transcul turais 40 anos mais ta rde (cf. A. R. Luria, El desarrollo histórico... op. cit.). Em 1932, a situação de Vigotski em Mos cou tomou-se praticamente insuportável, e ele decidiu então aum entar suas atividades fora da cidade. Começou a trabalhar no Instituto de Edu cação Herzen, em Leningrado, onde rapidamen te organizou um grupo de trabalho - D. Elkonin, Y. Shif, M. A. Lievina, entre outros - e passou a viajar, minado pela tuberculose, entre Moscou, Jarkov e Leningrado, cidades muito distantes e com os precários meios de transporte da época. Mas por que Vigotski optou por ampliar suas ati vidades em outra cidade em vez de concentrá-las PSICOLOGIA PEDAGÓGICA 23 em Jarkov? Não conhecemos o motivo exato dessa decisão, porém sabemos o que aconteceu em Jarkov. Seu grupo se desintegrou nessa cida de e, com isso, acabou também a “missão histó rica” que, messianicamente, ele tinha traçado para si mesmo. , Quando um programa de pesquisa fenece, isso ocorre devido a causas históricas internas e/ou externas, utilizando de forma bastante li vre a terminologia de Imre Lakatos. O líder da rup tura com Vigotski foi Leontiev, como o lei tor já deve ter imaginado. Pode-se dizer que todos têm o direito de m udar suas concepções e que Leontiev m udara as suas paulatinam en te, afastando-se das de Vigotski. Isso pode ter sido resultado de uma “história interna” - uma mudança na teoria por causas imanentes a seu desenvolvimento, sem influências “externas” determinantes, fossem elas políticas, econômi cas ou outras. No entanto, tudo indica que isso não fo i o que aconteceu .4 Leontiev começou a tornar público seu distanciamento de Vigotski. Como resposta a essa situação, Vigotski lhe enviou um a carta, datada em 0 2 /0 8 /1 9 3 3 , na qual, em tom cor dial, não ocultava sua mágoa e lhe informava que estava ciente de tudo o que estava aconte cendo, que entendia a atitude de Leontiev e que lamentava que “todos eles” tivessem fra cassado em alcançar o objetivo ao qual tinham dedicado seu trabalho: “estou tentando com preender o m odo de Spinoza, com tristeza, porém aceitando que (seu distanciamento) é irremediável”.5 Nessas circunstâncias, no início de 1934, Vigotski foi convidado a assumir a direção do D epartam ento de Psicologia do Instituto de Medicina Experim ental de toda a Rússia, em Moscou. Essa proposta poderia resolver de for ma considerável muitos de seus problemas. Aceitou e começou a p lanejar as atividades que desenvolveria no departam ento . Também se dispôs a concluir seu livro Pensamento e linguagem; alguns de seus capítulos foram di tados a Sofia Eremina, um a taquígrafa que, depois de datilografá-los, os devolvia para serem corrigidos. Em 8 de maio, ele teve um a hem orragia em seu local de trabalho e foi le vado para casa. De seu leito ditou o último capítulo do livro. Seu estado de saúde piorou e, em 2 de junho , foi in te rnado pela última vez. Sua esposa Roza Noievna e sua colabo radora Bluma Vulfovna Zeigarnik revezavam- se para cuidá-lo (G. Vigodskaia, comunicação, Moscou, 1988). M orreu du ran te a noite de 10 para 11 de ju n h o .6 Nesse mesmo ano de 1934, Leontiev pu blicou um obituário de Vigotski, no qual, ape sar dos elogios, se d istanciava da teoria “histó- rico-cultural”, que ele rebatizou de “histórico- social”.Em 1936, a obra de Vigotski foi proibi da. Durante duas décadas, todos seus ex-cola boradores se dedicariam a tarefas estritamen te científicas, afastadas de questões ideológi cas, com exceção de Leontiev. Ao contrário de outros grupos intelectuais, como o de Mikhail Bakhtin, por exemplo, o de Vigotski não so freu o Gulag nem perdas físicas.7 Em 1955, quando as obras de Vigotski estavam prestes a ser liberadas, Leontiev e Luria visitaram a família Vigodski - depois de 20 anos, por um a única vez - para examinar seus arquivos. A obra de Vigotski começou a ser novamente publicada a partir de 1956, de form a muito gradual. Luria foi quem mais con tribuiu para sua divulgação.8 Na década de 50 começou a ser difundida a lenda hagiográfica da “troika”, criada principal mente por Leontiev, que nunca falou sobre seu passado - um autêntico apoio à política cientí fica stalinista - e, à m edida que aumentava o re c o n h e c im e n to de V igotski, mais ele se autodenominava seu autêntico seguidor. De fato, Luria aparece na lenda como figura secundária, ao lado de Leontiev. A historiografia atual tem se dedicado a estudar a criação e a presença desse tipo de “lendas” nas narrações históricas, procedimento denom inado “invenção de uma tradição” (cf. E. Hobsbawm e T. Ranger, eds., The invention oftradition, Cambridge University Press, 1992, p. 1-14). A psicologia histórico-cul- tural de Vigotski, tão castigada em sua época, foi rebatizada como “sócio-histórica”, denomi nação que só apareceu nos anos 50 e que poste riormente abrangeria toda a psicologia soviéti ca - incluindo a “teoria histórico-cultural” de Vigotski e a “teoria da atividade” de Leontiev. O nascimento formal da “teoria da atividade” pode ser considerado o ano de 1940, quando Leontiev preparou a primeira parte de seu projeto de tese, 24 LIEV SEMIONOVICH VIGOTSKI O desenvolvimento do psiquismo, perdida durante a Segunda Guerra Mundial. Leontiev a recons truiu e a publicou em 1947 (120 páginas). Em 1959 foi publicada sua versão ampliada, Pro blemas do desenvolvimento do psiquismo (496 páginas). Sua concepção da atividade teve três variações, como pode-se perceber em seu últi mo livro, publicado em 1975 (cf. A. N. Leontiev, Actividad, Conciencia y Personalidad, tradução de Lya Skliar, revisão técnica de G. Blanck et al., Buenos Aires: Ciências dei Hombre, 1978, 230 p.; as reedições são mexicanas: Cartago). Nos anos 80, Luria afirmou, no prefácio para The Oxford companion to the M ind, que “Vigotski foi o mais destacado psicólogo sovié tico e fundador da escola mais influente da psi cologia soviética” (cf. a edição de R. Gregory, Oxford University Press, 1987, p. 805; o grifo é nosso). Até 1980, essa opinião de Luria não teria sido aceita na Rússia pelos seguidores de S. L. Rubinstein (cf. a nota 13 do Cap. 7) e por al guns dos seguidores de A. N. Leontiev. No entan to, ela foi aceita no seio da comunidade científi ca internacional. Os partidários de Rubinstein perderam atualmente toda a sua influência. O mesmo não ocorre com os de Leontiev, que sus tentam um amplo leque de posições, que vão da recusa da teoria de Vigotski à sua plena in tegração com a de Leontiev.9 O terceiro tipo de leitor deste livro é o espe cialista em psicologia educativa ou em ciências da educação. Esse leitor já conhece as teorias educativas de Vigotski mais divulgadas e cer tam ente já leu excelentes textos, como o de L. Moll (org.), Vygotsky e a educação: implicações pedagógicas da psicologia sócio-histórica (1996), que reúne ensaios de alguns dos mais im por tantes pesquisadores de Vigotski e de suas teo rias educativas, bem como suas aplicações p rá ticas nos dias de hoje. Esse leitor tam bém pode considerar familiar o texto introdutório de R. Baquero, Vygotsky e a aprendizagem escolar (1998). No entanto, esse tipo de leitor tam bém é vítima de um a lenda: a terceira lenda sobre Vigotski. Esta afirma que existe apenas um a te oria educativa valiosa de Vigotski: a do Vigotski tardio, do Vigotski posterior à construção de sua concepção histórico-cultural, por exemplo, o Vigotski que fala da “zona de desenvolvimen to proxim al” - na verdade, deveria se dizer “zona de d esen v o lv im en to mais p róx im o” Czona bliyaishego razvitia).10 Vamos nos perm itir fazer uma advertên cia a esse tipo de leitor: a leitura de Psicologia pedagógica requer ativa participação e muita atenção. Se o leitor suspender seu juízo críti co, lerá um livro diferente do que leria se não o fizesse. Para citar apenas um exemplo, con siderará ingênua a concepção de Vigotski so bre o instinto; se ler com atenção, porém, com parando todas as definições clássicas de ins tinto com as de Vigotski, perceberá que a sua nada tem a ver com aquelas, pois ele atribui aos instintos um a plasticidade e uma falta de rigidez que contradizem todas as concepções clássicas. A TRADUÇÃO DE PSICOLOGIA PEDAGÓGICA De acordo com nossas informações, o m a nuscrito do presente livro se perdeu e, dos 10 mil exemplares publicados na primeira e única edição russa de 1926, restam poucas cópias. Sem pre foi difícil, em qualquer lugar, o acesso a um exemplar da primeira edição da década de 20, porém na URSS isso era ainda mais complicado. Não existe um “arquivo central” que reú na todos os materiais de Vigotski, no qual o público ou o especialista possa, por exemplo, solicitar um a fotocópia de um a primeira edi ção ou de um manuscrito. Esses materiais es tão dispersos entre o arquivo privado de sua família - o mais im portante - , os de interessa dos em Vigotski e os de algumas instituições. Felizmente tivemos acessos aos principais, so bretudo aos da família Vigotski. Mesmo assim não conseguimos ver muitos materiais impor tantes, especialmente manuscritos. Em Moscou, quando pedimos a Guita Vigodskaia um exemplar de Psicologia pedagó gica, para fotocopiá-lo na universidade, ela nos disse que tinha apenas um e que o emprestara a Vasili Davidov, que não estava em Moscou naquele momento. Como a data de nosso re gresso já estava muito próxima, renunciamos à PSICOLOGIA PEDAGÓGICA 25 idéia de conseguir um a cópia do livro e nos des pedimos de nossos colegas russos, além de de volver o gravador e a fotocopiadora portáteis. Quando nos despedimos de Anna Stetsenko, ela nos disse que queria nos dar um presente, em bora não soubesse se ele seria útil para nós, e nos en tregou um a pasta de papelão verde. Quando a abrimos, descobrimos que era urna copia completa de Psicologia pedagógica. Neste momento, a pasta está diante de nós. A primeira e única edição russa de Psico logia pedagógica, como já dissemos, é de 1926. Em escala mundial, a segunda edição é a da Editora St. Lucie (Boca'Ratón, Florida, Esta dos U n id o s ) , de 1 9 9 7 , com o t í tu lo de Educational Psychology, editada e traduzida por Robert Silverman e que inclui um a introdução de Vasili Davidov. A presente edição é a prim ei ra em espanhol e a terceira em escala mundial. O primeiro rascunho da presente edição em espanhol foi traduzido do russo por Lya Skliar no verão de 1988-89. Essa versão não fo i realizada para um a eventual publicação, mas para nosso uso pessoal, em um mom ento em que estávamos ocupados escrevendo alguns textos cujos prazos de entrega estavam aca bando. Por esse motivo, não tivemos n enhu m a participação nela - habitualm ente , com outros textos destinados à publicação, revisá vamos juntos, frase a frase, os termos técni cos, a redação em espanhol, etc. Portanto, essa versão não foi preparada com o esmero habi tual em Skliar. Esse rascunho era um a tradu ção totalm ente literal do russo. Precisamente por isso, era quase ilegível para um leitor de língua espanhola não-familiarizado com os tex tos originais de Vigotski, pois havia configura ções sintáticas russas e se respeitara to ta lm en te o peculiar estilo coloquial desse poeta soci
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