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Resenha Tropa de Elite 2

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Filme: Tropa de Elite 2 – O Inimigo Agora é Outro
Diretor: José Padilha
Ano: 2010
Assistido em: 21/11/2017.
Tempo de filme: 118 min.
	O filme Tropa de Elite 2 (2010), do diretor José Padilha, dá continuidade ao aclamado filme Tropa de Elite de 2007. O filme relata a realidade da sociedade brasileira, em especial das favelas do Rio de Janeiro. O enredo mostra o agora Coronel Nascimento após treze anos do primeiro filme, já separado da esposa, que se casa com Diogo Fraga, ativista de direitos humanos e grande rival do Coronel no início do filme.
	O início do filme mostra a música e destaca a frase: “Agora o bicho vai pegar!” indicando, como se pode perceber ao longo do desenrolar da trama, que o então Capitão Nascimento, agora Coronel Nascimento, que inicia o filme comandando a tropa de elite, e depois se torna subsecretário da segurança pública do Rio de Janeiro, planeja derrubar o sistema corrupto da Polícia Militar.
	A narração de todo o filme é feita pelo Coronel Nascimento, o qual estabelece em suas falas uma relação de amizade com o espectador, utilizando expressões como “parceiro”, dando a sensação de estar conversando com o público. Esta narração enfatiza a estrutura binária, pois estabelece que o Coronel Nascimento e o BOPE como um todo são parceiros do espectador, enquanto os favelados, traficantes e policiais corruptos são postos como inimigos, de maneira generalizada.
	Ao longo da trama, porém, observa-se o amadurecimento do protagonista, ao mudar de perspectiva na medida em que o alcance da corrupção política e policial se revela ao Coronel. Não por acaso, o subtítulo do filme mostra que “o inimigo agora é outro”, isto é, houve um reconhecimento do equívoco, por parte do “policial herói” do primeiro filme, a respeito de suas visões sobre a favela, os seus moradores e a criminalidade no Rio de Janeiro, especialmente após a revelação da existência das milícias pelo seu filho. 
	O filme é calcado em diversas perspectivas sobre o direito penal, a política criminal e a ideia de criminalidade, fazendo uma crítica à atuação corrupta da polícia nas comunidades carentes e o poder dos interesses políticos por trás da “ideia” de uma criminalidade natural da favela. Fazendo uma relação com as escolas da criminologia, são possíveis as seguintes analises e interpretações:
	A escola clássica da criminologia teve como objetivo principal a construção de limites do poder punitivo do Estado em face da liberdade individual, outrora submetidas ao poder punitivo arbitrário dos monarcas absolutos. No filme, isso fica demonstrado, de forma análoga, com o posicionamento militante de Fraga, que critica o sistema penal atual, como fazia Beccaria, na época, se insurgindo contra aberrações teóricas e abusos da estrutura de segurança pública, denunciando as torturas, os suplícios, os julgamentos e a desproporcionalidade da pena e do uso da força policial, sempre defendendo uma reforma do sistema. 
	A escola positiva começa com a publicação da obra de Cesare Lombroso, o qual pretendia identificar o criminoso por intermédio de sua aparência física (orelha, tamanho da cabeça, ossos, cor da pele, olhos), ou seja, a criminalidade seria um elemento apurável pela ciência, sendo encontrada dentro do próprio indivíduo, nada tendo a ver com os aspectos sociológicos contextuais de sua existência. No filme é demonstrado que o sistema vive o dilema de selecionar os suspeitos especialmente pelos seus estigmas. O “criminoso nato” de um modo geral é caracterizado no filme pelo posicionamento da polícia de elite, que enxerga e passa a ideia de que o criminoso é uma categoria de indivíduo apartada da sociedade, devendo simplesmente ser esta categoria extirpada como solução para a criminalidade. 
	Este e o mais recente posicionamento do direito penal do inimigo são entendimentos criminológicos ainda presentes na mentalidade coletiva, fruto do racismo institucional, que é brilhantemente retratado na cena em que o Coronel Nascimento entra no restaurante e é aplaudido e tratado como herói pelos clientes – brancos – pela morte dos traficantes no motim do Bangu 1.
	Já a ideologia da defesa social consiste em uma evolução do pensamento penal e penitenciário. Visando proteger bens jurídicos lesados garantindo penalidades igualitárias e controle da criminalidade em defesa da sociedade mediante a intimidação e ressocialização. Legitima a ideologia da punição na sociedade atual mostrada no filme, logo nos primeiros minutos do filme, no qual o deputado Fraga ministra uma palestra sobre o encarceramento em massa nas prisões brasileiras, que aumentaram exponencialmente desde meados do século XX para os dias de hoje. O encarceramento e a política penitenciária consideram que a saída para o sujeito é o isolamento da sociedade como castigos por terem praticado delitos, devendo ser ressocializados durante a “quarentena”. 
	Para a teoria estrutural–funcionalista do desvio e da anomia, o crime é considerado um fenômeno natural em toda a sociedade (visão de Durkheim). No entanto, o seu incremento representa uma disfunção na sociedade. Em contrapartida, o Estado, com o objetivo de reduzir a taxa de criminalidade, edita leis penais mais rigorosas, com o fim de intimidar possíveis infratores. Entretanto, a medida legislativa é ineficaz em razão da falta de eficácia social. Instala-se, portanto, a anomia, que significa a decomposição das normas sociais. O filme retrata esta decomposição das normas sociais, quando demonstra que as normas existentes são ineficazes dentro de um sistema de segurança pública corrompido internamente, de maneira a atender interesses escusos e acima da lei. 
	Observa-se, no decorrer do filme, traços da teoria das Subculturas criminais e técnicas de neutralização, na medida em que mostraria as distintas motivações dos criminosos retratados na trama: os presidiários de Bangu 1, a vingança e o status dentre os detentos; os políticos e os policiais corruptos, o dinheiro e a ascensão social na comunidade. 
	Por sua vez, a teoria da Reação Social, do "etiquetamento" ou da "rotulação", emergiu com um novo enfoque sobre a formatação do delito, dando maior ênfase ao estudo do próprio sistema penal, inclusive na análise de seu funcionamento desigual. Sua vertente mais conhecida é a do etiquetamento social, que consiste em uma teoria criminológica marcada pela ideia de que as noções de crime e criminoso são construídas socialmente a partir da definição legal e das ações de instâncias oficiais de controle social a respeito do comportamento de determinados indivíduos. Segundo esse entendimento, a criminalidade não é uma propriedade inerente a um sujeito, mas uma “etiqueta” atribuída a certos indivíduos que a sociedade entende como sendo delinqüentes em razão da existência de traços criminalizáveis – a condição social, a cor da pele, o sexo etc. Em outras palavras, os moradores da favela, no filme possuem um comportamento desviante e são rotulados como favelados.
	Podem-se observar, ainda, traços do interacionismo simbólico de Mead e Goffman na cena do motim do Bangu 1. Conforme o filme, a revolta dos presos não tinha como propósito principal a fuga, e sim a execução a sangue frio de traficantes rivais, também encarcerados. Esta motivação mostra a falácia do discurso da ressocialização, na medida em que, no âmbito de uma instituição total como a prisão, não há outro papel a ser interpretado; as demandas de papel que comumente coabitam na imagem pública que temos passam a ser apenas uma, que corresponde ao estigma uno e homogêneo do criminoso, do indivíduo perigoso, que necessariamente tem que agir como tal perante a sociedade. Quando, portanto, não se há um espaço para desempenhar os papéis normais de uma sociedade, relega-se o indivíduo à condição de criminoso e ele próprio passa a se enxergar como tal, inviabilizando qualquer ressocialização. 
	Ainda no que tange aos fundamentos da teoria da Reação Social, cite-se a fenomenologia, que reporta que o mundo é o conjunto de significados que é compartilhado com os outros dentro de uma relação social.Os acontecimentos da vida cotidiana se sedimentam com o tempo e se tipifica tornando-se anônimo, isto é, o ser humano se habitua. O mundo é a sedimentação do subjetivismo. Isso é visto no filme na medida em que toda a estrutura funciona em função do interesse subjetivo de quem tem o poder de criar, mandar e decidir. O subjetivismo dos políticos se sedimenta e a sociedade se acostuma e tem a falsa sensação de segurança sob a mira dos milicianos.
	A Criminologia Radical parte da análise crítica das estruturas sociais, determinadas pelos alicerces de classes e pelas relações de produção, que informam e definem o programa e a ideologia dos sistemas de controle social e punitivo. Nesse sentido o filme retrata o processo de criminalização e segregação de uma população que se enquadra nos elementos que levam um determinado ato a ser classificado como crime. 
	A teoria do Direito Penal do Inimigo é bastante retratada nos dois filmes, visto que coincide com a posição política do próprio protagonista no primeiro e no início do segundo. Segundo esta teoria, existem categorias de indivíduos na sociedade que, pela “periculosidade” para a segurança pública e a ordem social, são classificados como “inimigos” no âmbito do direito penal, possuindo, desta forma, menos direitos e garantias fundamentais que os “cidadãos de bem”. Esta corrente materializa-se na máxima “bandido bom é bandido morto”, pela qual o cidadão criminalizado que comete delitos teria menos direitos que os demais, incluindo o direito à vida e à dignidade humana. Observa-se este posicionamento na própria estrutura do BOPE, que tem como principal objetivo, conforme o próprio hino, “entrar na favela e deixar corpo no chão”. Isso também é observado na escolha do subtítulo, “o inimigo agora é outro”, o que mostra que a lógica de redução de direitos a uma categoria de pessoas continua, pois o que muda é tão-somente para onde a arma está apontada. 
	A criminologia midiática, por fim, é a teoria que mais se destaca no filme. Os meios de comunicação partem da premissa da necessidade de atingir o lucro, logo realizam um processo do que deve ser informado e agregam contribuições decisivas sobre a informação de forma a transformá-la em algo mais atrativo, sensacional e espetacular. O oferecimento da informação é muitas vezes mera opinião sem qualquer fundamentação, mas que atende a interesses individuais.
	No filme, a principal figura desta escola personifica-se no personagem Fortunato, deputado e apresentador de programa televisivo. No programa ele vira um ator, onde simula e desvirtua as informações para atender ao interesse pessoal.
 	Outrossim, a representação desta violência autoritária analisada no filme se mostra ao mesmo tempo naturalizada e espetacularizada, feita pela criminologia midiática. Cenas montadas para que se pareçam as mais próximas da realidade possível, podem trazer efeito contrário ao desejado, no momento em que se procura mostrar a favela como ela realmente é, a partir de elementos específicos na filmagem das cenas, o que acaba por induzir o espectador a acreditar que aquela violência brutal ocorre todos os dias, em todos os lugares. Neste momento, a generalização é a representação da violência traz ao público, que acredita que esta violência é exatamente como mostrada nas telas, com o intuito de que o espectador se identifique com o que vê, reforçado o discurso do estigma e da discriminação, do “nós”, os cidadãos, contra “eles”, os favelados.
	No entanto, acreditando ser real o que vê no cinema, o espectador tem a certeza de que aquela violência só ocorre dentro das favelas do Rio de Janeiro, ou que todos os policiais convencionais são corruptos ou que todos os moradores da favela são marginais. Essa ideia de certeza de que o que é visto na mídia é real, na maioria das vezes, interfere na visão de mundo do espectador, ou seja, como ele passa a perceber certos acontecimentos do cotidiano e da sociedade, o que pode agravar o estigma social contra a comunidade da favela e das periferias brasileiras como um todo – o que, ironicamente, é o objetivo oposto ao que o diretor José Padilha almejou com a elaboração do filme, qual seja, a crítica a todo o sistema que privilegia uns e encarcera outros, sob a mesma lógica perversa do tráfico e da corrupção.

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