Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ FACULDADE DE CIÊNCIAS DA LINGUAGEM CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE ABAETETUBA LINCENCIATURA PLENA EM LETRAS- LÍNGUA PORTUGUESA O BARROCO NA AMAZÔNIA. Abaetetuba-PA 2021 2 FRAN DE VASCONCELOS FERRREIRA O BARROCO NA AMAZÔNIA. Trabalho apresentada como requisito parcial para obtenção de nota da Disciplina Formação da Literatura Brasileira do Curso licenciatura Plena em Letras- Língua Portuguesa da Universidade Federal do Pará campus Universitário de Abaetetuba, orientado pelo Docente: Benilton Lobato Cruz. Abaetetuba-PA 2021 3 Anjo Tocheiro – Detalhe de imagem esculpida em madeira, proveniente da Igreja de São Francisco Xavier do Colégio Jesuítico de Santo Alexandre em Belém, século XVIII. Acervo do Museu de Arte Sacra do Pará. Autor: Ricardo Hernán Medrano Frente a frente, abraçando o antigo Largo da Sé em Belém do Pará, cidade pertencente à região Amazônica (norte do Brasil), erguem-se com “fé maciça”, as “duas maravilhosas igrejas barrocas” do poema do pernambucano Manoel Bandeira (1886- 1968): a Catedral da Sé (1782) e a Igreja do Colégio Jesuítico de Santo Alexandre (1718 ou 1719)2. [Fig. 01] Figura 01: Largo da Sé (Praça Frei Caetano Brandão) na manhã do segundo domingo do mês de outubro, Círio de Nossa Senhora de Nazaré, procissão originária do século XVIII (1793). Observar “frente a frente”, a Igreja do Colégio dos jesuítas (MAS-PA) e a Catedral Metropolitana de Belém. Fonte: Luiz Braga, 2000. Imagem cedida para publicação sem ônus. 1 “Nunca mais me esquecerei do teu Largo da Sé. Com a fé maciça das duas maravilhosas igrejas barrocas” [grifo nosso]. “Fé maciça”, expressão extraída do Poema “Belém do Pará” de Manuel Bandeira, que abre nossa Introdução. Ver BANDEIRA, Manuel. “Belém do Pará” In: VAN STEEN, Edla. Melhores Poemas de Manuel Bandeira. Seleção de Francisco de Assis Barbosa. São Paulo: Global, 2004, pp. 89- 91. 2 A Igreja dos jesuítas de Belém, capital do estado do Pará, foi originalmente intitulada Igreja de São Francisco Xavier (1653), todavia seja bem mais conhecida pelo nome do patrono de seu Colégio, Santo Alexandre. A construção da atual edificação iniciou em 1668, e a igreja foi sagrada em torno de 1718 e 1719. LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil (1938). São Paulo: Edições Loyola, 2004, t. III, livro III, p.520. [1ª edição, Lisboa / Rio de Janeiro: Livraria Portugália / Instituto Nacional do Livro, 1938] 4 O poeta, que quase se tornou arquiteto, esteve em Belém, assim como o paulista Mário de Andrade (1893-1945)3, no final dos anos 19204, ou seja, no contexto de revalorização da arte e da arquitetura “nacionais” proposta pelos modernistas5, que desencadearia mais tarde, dentre outros episódios fundamentais para a história da arte brasileira, na criação do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) em 19376, e em estudos referenciais sobre a arquitetura religiosa no Brasil7, incluindo os edifícios jesuíticos8, tema de nosso principal interesse. Naquele ano de 1928, da Igreja do Colégio dos Jesuítas em Belém, a fachada era tudo o que se podia admirar, pois desde 1925, a Igreja estava fechada e abandonada. A Igreja do antigo Colégio foi reaberta ao culto em 19339 [Fig. 02], após um grande 3 “... inicialmente ligado ao grupo paulista, Mário de Andrade serviu de elo entre vários intelectuais modernistas de todo o país através de seus contatos pessoais, viagens e correspondências”. FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em Processo: Trajetória da Política Federal da Preservação no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ / MINC / IPHAN, 2005, pp. 81-82. 4 O poeta pernambucano Manoel Bandeira visitou a cidade de Belém em 1927, um ano após Mário de Andrade. Ver MORAES, Marco Antônio. Correspondência Mário de Andrade & Manuel Bandeira. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo / Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, 2000. Ver também GUIMARÃES, Julio Castañon Guimarães (Org.). Crônicas da Província do Brasil (1937). São Paulo: Cosac & Naify, 2006. 5 “... foram alguns intelectuais modernistas que elaboraram, a partir de suas concepções sobre arte, história, tradição e nação, essa idéia na forma do conceito de patrimônio que se tornou hegemônico no Brasil...”. FONSECA, Maria Cecília L. O Patrimônio em Processo..., Op. cit., 2005, p. 81. Há extensa bibliografia sobre a questão dos modernistas e o patrimônio artístico e arquitetônico brasileiros. Ver, entre outros autores, AMARAL, Aracy. Blaise Cendrars no Brasil e os modernistas. São Paulo: Editora 34 / FAPESP, 1997; e AMARAL, Aracy. Artes Plásticas na Semana de 22. São Paulo: Editora 34, 1998. 6 Sobre a criação do antigo SPHAN, atual IPHAN (Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) ver ANDRADE, Mário. “Anteprojeto elaborado por Mário de Andrade a pedido do Ministro da Educação e Saúde Gustavo Capanema para a criação do Serviço do Patrimônio Artístico Nacional”. In: CAVALCANTI, Lauro (Org.). Modernistas na repartição. Rio de Janeiro: UFRJ, 1993; ANDRADE, Rodrigo Melo Franco de (1898- 1969). Rodrigo e o SPHAN: Coletânea de Textos sobre Patrimônio Cultural. Rio de Janeiro: Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional / Fundação Nacional Pró-Memória, 1987; e também ANDRADE, Rodrigo Melo Franco de. Rodrigo e seus tempos. Rio de Janeiro: Fundação Nacional Pró-Memória, 1986. 7 Manoel Bandeira, por exemplo, publica em 1938, um guia sobre a cidade de Ouro Preto, Minas Gerais. Ver BANDEIRA, Manuel. Guia de Ouro Preto. Rio de Janeiro: MES, 1938. E Mário de Andrade publica na “Revista do Brasil” (1920) uma série de quatro artigos sobre arte religiosa no Brasil. Ver ANDRADE, Mário. “A Arte Religiosa no Brasil”. In: Revista do Brasil, Rio de Janeiro, 1920. 8 Como veremos, tem grande importância para nossa temática a publicação do artigo de Lúcio Costa sobre a arquitetura jesuítica no Brasil, na Revista do SPHAN, em 1941. Ver COSTA, Lúcio. “A Arquitetura dos jesuítas no Brasil”. In: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Rio de Janeiro, 1941, n. 5, pp. 09- 141. Sobre as concepções teóricas de Lúcio Costa sobre arte e arquitetura, pesquisa e preservação do patrimônio ver CARRILHO, Marcos José. “Lúcio Costa, Patrimônio Histórico e Arquitetura Moderna”. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2002. (Tese de Doutorado). 9 A Igreja foi reaberta ao culto em 03 de dezembro de 1933, dia do patrono jesuíta São Francisco Xavier. Dom Antônio Lustosa também reabre em 15 de março de 1933, o Seminário Metropolitano de Nossa Senhora da Conceição (antigo Seminário de Nossa Senhora das Missões), fundado pelo jesuíta Gabriel Malagrida em 16 de junho de 1749, e confia sua administração aos padres Salesianos. BREVE MONOGRAFIA SOBRE O SEMINÁRIO ARQUIEPISCOPAL DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO DE BELÉM POR OCASIÃO DE SUA REABERTURA A 15 DE MARÇO DE 1933. 5 esforço do Arcebispo Dom Antônio de Almeida Lustosa (1886-1974) em reunir doações para a recuperação da Igreja [Fig. 03], e a partir daí o monumento jesuíta oscila entre períodos de descaso total e de intervenções parciais10, até o início do projeto de restauração atual concluído em setembro de 1998.11 Belém: s/e, 1933. Ver também LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. São Paulo: Edições Loyola, 2004, t. III, Livro III, Cap. I, pp. 524-525, v. 1. 10 Nos anos 50, a Igreja de São Francisco Xavier volta a ficar abandonada, e posteriormente, são iniciadas diversas obras de restauro (1969, 1977, 1979, 1981/1982, 1992, 1994/1996). Em relação à conservação dos bens integrados (altares, púlpitos, forros, etc...)importa destacar a restauração realizada ainda no século XIX (1863). Sobre as intervenções realizadas na Igreja e no Colégio de Santo Alexandre no período pós-jesuítico (1760-1998) ver MARTINS, Renata Maria de Almeida. Igreja de São Francisco Xavier e Colégio de Santo Alexandre: Histórico das Intervenções. Belém: Projeto Fundação Vitae / Museu de Arte Sacra do Pará, 2002 (Monografia). 11 Sobre a última intervenção na Igreja e no Colégio dos jesuítas em Belém (1998), ver FELIZ LUSITÂNIA: MUSEU DE ARTE SACRA DO PARÁ. Belém: SECULT, 2005. 6 Figura 03: Doações angariadas para a restauração da Igreja dos jesuítas em Belém. Fonte: Jornal A Palavra, Belém, 30 de abril de 1933. Durante as fases mais críticas, para que fossem preservadas da cruel ação do tempo que ano a ano destruía ferozmente o templo setecentista, algumas das belas imagens jesuíticas foram transportadas e abrigadas na vizinha Igreja da Sé. Outras importantes obras foram definitivamente perdidas. As conseqüências destes tristes anos, ainda hoje são visíveis, especialmente ao observarmos, com maior cuidado, as obras de talha da igreja.12 Importa destacar que a Igreja e o Colégio de Santo Alexandre foram tombados pelo então SPHAN em janeiro de 1941.13 Hoje, na área rebatizada “Feliz Lusitânia” (1998)14, primeiro núcleo de formação da cidade de Belém (1616), a Igreja e o Colégio dos jesuítas funcionam como Museu de Arte Sacra do Pará15. A arquitetura religiosa tem ainda hoje por companhia, na área que 12 Vejamos, por exemplo, o caso do Púlpito do lado Evangelho, parcialmente destruído pelo ataque de insetos xilófagos: “... Neste caso nós não optamos por refazer o púlpito, mas vamos conservá-lo nas condições em que se encontra...”. Nota publicada em jornal do então Secretário de Cultura do Estado do Pará, Paulo Chaves, principal responsável pelo projeto e conclusão das obras de restauração da Igreja dos jesuítas em Belém (1998). Jornal O Diário do Pará, Belém, 09 de agosto de 1994. 13 Ministério da Cultura, IPHAN, Livro de Belas Artes, inscrição nº 146, data da inscrição: 03 de janeiro de 1941. 14 Feliz Lusitânia é o nome do projeto de intervenção iniciado nos anos 90, inspirado no nome dado ao local de fundação do primeiro núcleo urbano de Belém em 1616. Não vem ao caso, discutirmos aqui o dito projeto. Sobre o mesmo, ver FELIZ LUSITÂNIA: FORTE DO PRESÉPIO, CASA DAS ONZE JANELAS, CASARIO DA RUA CHAMPAGNAT. Belém: SECULT, 2006; e também FELIZ LUSITÂNIA: MUSEU DE ARTE SACRA DO PARÁ. Belém: SECULT, 2005. 15 O Museu de Arte Sacra foi inaugurado em setembro de 1998. A Igreja do Colégio também funciona como auditório, onde são realizados eventos (congressos, consertos, casamentos, etc...). Algumas imagens do período jesuítico ainda estão expostas no espaço da Igreja (altar-mor, capelas do transepto, tribunas e coro), outras estão em exibição no Colégio. 7 circunda a Praça16, o antigo Hospital Real Militar17, obra do “desenhador” e arquiteto bolonhês Antônio Giuseppe Landi (1713-1791)18, algum casario colonial, as primeiras ruas do núcleo urbano seiscentista, e o Forte do Presépio19. Paisagem emoldurada e dominada pelo rio Guamá, Baía de Guajará. [Fig. 04] Figura 04: Vista desde o Rio Guamá (Baía de Guajará), da área de fundação da cidade de Belém do Pará (Feliz Lusitânia). No primeiro plano, o Forte do Presépio. Observar ao fundo, à esquerda, o Colégio de Santo Alexandre e as torres da antiga Igreja de São Francisco Xavier; e à direita do Colégio, as torres da Catedral da Sé. Fonte: Ricardo Hernán Medrano, agosto de 2007.16 Sobre o Largo da Sé (hoje Praça Frei Caetano Brandão) no período colonial, ver DERENJI, Jussara. “Sé, Carmo e Largo do Palácio. Espaços Públicos de Belém no Período Colonial”. In: TEIXEIRA, Manuel C. (Coord.). A Praça na Cidade Portuguesa. Lisboa: Livros Horizonte, 1999, pp.185-198. 17 Hoje o Hospital Real é mais conhecido como “Casa das Onze Janelas”. Após a revitalização da área foi transformado em bar e restaurante. Sobre o Hospital Real, ver MENDONÇA, Isabel. Landi: um artista entre dois continentes, 2003, Op. cit., pp. 422-466. Sobre a sua restauração, ver FELIZ LUSITÂNIA: FORTE DO PRESÉPIO, CASA DAS ONZE JANELAS, CASARIO DA RUA CHAMPAGNAT, 2006, Op. cit. 18 Sobre Antonio Giuseppe Landi, ver AMAZÓNIA FELSÍNIA: António José Landi: Itinerário Artístico e Científico de um Arquiteto Bolonhês na Amazónia do século XVIII. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1999. 19 O Forte do Presépio, é assim chamado, visto que os portugueses saíram de São Luís do Maranhão para fortificar a foz do Amazonas (fundar Belém) no dia de Natal do ano de 1615. Sobre o Forte de Belém ver ARAÚJO, Renata Malcher de. “O Presépio da Feliz Lusitânia” In: FELIZ LUSITÂNIA: FORTE DO PRESÉPIO, CASA DAS ONZE JANELAS, CASARIO DA RUA CHAMPAGNAT, 2006, Op. cit. 8 A “nortista” Belém, como veremos, foi fundada estrategicamente pelos portugueses na foz do Rio Amazonas em 12 de janeiro de 1616, no período de União das Coroas Ibéricas (1580-1640)20, com o intuito de defesa e demarcação do território.21 A jornada de fundação de Belém, e a tomada em 1615 de São Luís do Maranhão [Fig. 05], fundada pelos franceses em 1612, significou “uma espécie de dupla reconquista portuguesa: a do território do Maranhão em si que é liberto dos invasores e a do Marañon (o Amazonas) que é redescoberto”22. Figura 05: Imagem aérea de parte da área de fundação da cidade de São Luís do Maranhão. À extrema direita (canto inferior), a antiga Igreja e Colégio dos jesuítas (Nossa Senhora da Luz), atualmente Catedral de Nossa Senhora da Vitória. Fonte: Edgar Rocha, 2008. 20 Sobre arquitetura e urbanização no período de União das Coroas, ver BUENO, Beatriz Piccolotto Siqueira. “A Arquitetura Visual do Desenho Português. Nos Tempos dos Felipes (1580-1640)”. In: “Desenho e Desígnio: O Brasil dos Engenheiros Militares (1500-1822)”. São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – FAUUSP, 2001, pp. 155-216 (Tese de Doutorado). 21 ARAÚJO, Renata Malcher de. As Cidades da Amazónia do século XVIII: Belém, Macapá e Mazagão. Porto: FAUP Publicações, 1998, pp. 77-78 (Dissertação de Mestrado, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 1992). 22 ARAÚJO, Renata. As Cidades da Amazónia do século XVIII...,1998, Op. cit., p. 78. Sobre a importância dada à expedição, no sentido de “redescoberta” do rio Amazonas, André Pereira, participante desta jornada que viria a fundar a cidade de Belém, escreveu um relato denominado “Relação do que ha no Grande Rio das Amazonas Novamente Descoberto” (1616). Cf. ARAÚJO, Renata. As Cidades da Amazónia do século XVIII..., 1998, Op. cit, p.78. 9 Compreendidas em conjunto, as fundações das cidades de Belém e São Luís foram, portanto, fundamentais para a consolidação do projeto de domínio e expansão do Império português na região norte do Brasil23, marcando o início da formação da rede urbana da Amazônia24, sendo que as ordens religiosas, em particular, os franciscanos, os carmelitas, os mercedários e, principalmente, os jesuítas, desempenharam um papel decisivo dentro deste processo.25 Os primeiros missionários da Companhia de Jesus chegam ao Maranhão em 1615, retiram- se no mesmo ano para Madri, e retornam em 162226 em uma expedição comandada pelo Padre Luís Figueira (1575-1643)27; para depois de algumas tentativas frustradas, estabelecerem-se também no Grão-Pará (Belém) em 165328, até a expulsão definitiva em 1759.29 No antigo Estado do Maranhão e Grão-Pará30, criado por uma Carta-Régia em 1621, com administração autônoma ligada diretamente à coroa portuguesa e independente do Estado do Brasil31, as duas principais fundações dos jesuítas foram a Igreja e o Colégio de Nossa Senhora da Luz (1699) em São Luís, capital do Maranhão; [Fig. 06 a Fig. 08]e os já citados, Igreja de São Francisco Xavier e Colégio de Santo Alexandre (1718 /1719) em Belém, capital do então Grão-Pará. [Fig. 09] Também merece destaque, no Grão-Pará, a Casa- Colégio da Madre de Deus (1740) em Vigia (antiga Vila de Nossa Senhora de Nazaré da Vigia, 1693)32 [Fig. 10], edificação tombada pelo SPHAN no ano de 1954.33 23 Sobre a política de colonização da coroa portuguesa na região Amazônica, ver entre outros títulos: REIS, Arthur Cezar Ferreira. A Política de Portugal no Valle Amazônico. Belém: SECULT, 1993; e CHAMBOULEYRON, Rafael Ivan. “Portuguese Colonization of the Amazon Region, 1640-1706”. University of Cambridge, Faculty of History, 2005. (Tese de Doutorado) 24 ARAÚJO, Renata. As Cidades da Amazónia do século XVIII..., 1998, Op. cit, p. 78. 25 Ver HOORNAERT, Eduardo et alii. História da Igreja na Amazônia. Petrópolis: Vozes, 1992. 26 MORAES, José de. História da Companhia de Jesus na Extinta Província do Maranhão e Pará. Rio de Janeiro: Alhambra, 1987, pp. 79-80. 27 O padre Luís Figueira S.J (“Memorial sobre as Terras e as Gentes do Maranhão, Grão-Pará e Rio Amazonas”, Lisboa, 1637) é considerado o fundador das Missões inacianas no Estado do Maranhão [ver Capítulo I da tese]. Figueira morre tragicamente em expedição com 14 missionários ao Grão-Pará em 1643, em um naufrágio próximo à Ilha do Marajó (Ilha Grande de Joanes). Crônicas e cartas relatam que os tripulantes teriam sido quase todos trucidados pela tribo dos Aruãs. Ver CARDOSO, Alírio Carvalho; CHAMBOULEYRON, Rafael. “Fronteiras da Cristandade: Relatos Jesuíticos no Maranhão e Grão-Pará (século XVIII)”. In: DEL PRIORE, Mary; GOMES, Flávio (Org.). Os Senhores dos Rios: Amazônia, Margens e Histórias. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003, p. 34. 28 LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil (1938), 2004, Op. cit., t. III, livro III, p. 517. 10 29 Sobre a Expulsão dos Jesuítas do Estado do Grão-Pará e Maranhão ver RODRIGUES, Luiz Fernando Medeiros. “Conquista Recuperada e Liberdade Restituída: A Expulsão dos Jesuítas do Grão-Pará e Maranhão (1759)”. Pontifícia Università Gregoriana, Facoltà di Storia Ecclesiastica, Roma, 2006, 2 v. (Tese de Doutorado) 30 Segundo Chambouleyron, o antigo Estado do Maranhão e Grão-Pará corresponde, aproximadamente, à moderna região amazônica brasileira. CHAMBOULEYRON, Rafael. Portuguese Colonization..., 2005, Op. cit, p. 12. 31 Efetivamente, o novo governo do Maranhão começa em 1626, quando o primeiro governador do Estado do Maranhão e Grão-Pará, Francisco Coelho de Carvalho, chega a São Luís. CHAMBOULEYRON, Rafael. Portuguese Colonization..., 2005, Op. cit, p. 13. Figura 06: Atual Catedral de Nossa Senhora da Vitória em São Luís do Maranhão, antiga Igreja Colégio jesuíticos de Nossa Senhora da Luz. Fonte: Edgar Rocha, 2008. 11 Figura 07 (à esquerda): Frontispício da Catedral de São Luís (antiga Igreja dos jesuítas) em 1908. Sobre o histórico das intervenções após o período jesuítico, ver Olavo Silva.34 Figura 08 (à direita): Atual Frontispício da Catedral de Nossa Senhora da Vitória. Fonte: Renata Martins, julho de 2008. 32 Localizada na desembocadura do Rio Pará, a vila servia como controle de entrada de embarcações, daí o nome Vigia. Ver ARAÚJO, Renata. As Cidades da Amazónia do século XVIII..., 1998, Op. cit, p. 331. 33 Ministério da Cultura, IPHAN, Livro de Belas Artes, inscrição nº 424, data: 14 de dezembro de 1954. 33 SILVA F., Olavo Pereira da. Arquitetura Luso-Brasileira no Maranhão. Belo Horizonte: UNESCO / Governo do Estado do Maranhão / Ministério da Cultura / Agência Brasileira de Cooperação, junho de 1998, p. [Projeto Monumenta 97]. Figura 09: Igreja e Colégio jesuítico de Santo Alexandre em Belém, atual Museu de Arte Sacra do Pará. Fonte: Ricardo Hernán Medrano, agosto de 2007. 12 Figura 10: Igreja da Madre de Deus da antiga Casa-Colégio dos jesuítas em Vigia no Pará. Fonte: Ricardo Hernán Medrano, julho de 2008. Dos aldeamentos missionários, sabemos que no início do século XVIII havia cerca de 30 aldeias indígenas governadas pelos jesuítas ao longo do Rio Amazonas e seus afluentes; e que o número de “índios cristãos” das aldeias jesuíticas do Maranhão e Grão-Pará no ano de 1696, era de aproximadamente 11.00035, das mais diversas etnias.36 Em 1726 a Companhia de Jesus ali possuía 99 religiosos, 2 Colégios, 27 residências e 12 Missões.37 Em 1727 a Missão do Maranhão e Grão-Pará é elevada a Vice-Província38. Quanto à criação do Bispado no Estado do Maranhão e Grão-Pará, marcando também a “independência” eclesiástica quanto ao Bispado de Salvador na Bahia, capital do Estado do Brasil, primeiramente foi instituída a Diocese do Maranhão (São Luís) em 30 de agosto de 1677 pela bula Super Ecclesias Universas Orbis39, e somente no século XVIII, a do Grão- Pará (Belém), pela bula Copiosus in Misericordia em 04 de março de 171940. Naturalmente, ao longo de nossa pesquisa pela História da Amazônia entre a segunda metade do século XVII e a primeira metade do século XVIII (1653-1759), as cidades de São Luís e Belém vão se mostrando indissociáveis, o que se reflete também no estudo da 13 arquitetura e da arte dos jesuítas, já que nos Colégios de Nossa Senhora da Luz e de Santo Alexandre funcionaram as maiores oficinas missioneiras de todo o grande Estado do Maranhão e Grão-Pará. A questão da irradiação de modelos e saberes técnicos das Oficinas do Colégio de Belém para as Igrejas das aldeias jesuíticas do interior do Grão-Pará, um dos pontos focais da tese, foi gradualmente sendo elucidada à medida que mergulhamos nos relatos e notícias acerca das Oficinas e do trabalho artístico realizado pelos missionários e indígenas anteriormente no Maranhão. Capítulo I “Historiografia” (Segunda Parte, nomeada “O Rococó Religioso em Portugal e no Brasil Litorâneo”) da obra “O Rococó Religioso no Brasil e seus Antecedentes Europeus”117, que embora trate especialmente da segunda metade do século XVIII, dá um bom panorama acerca da “permanência de diretrizes nacionalistas de tradição modernista na historiografia da arte brasileira do século XVIII”118 Especificamente, quanto à historiografia da arquitetura e da arte nas missões dos jesuítas, nossa fonte de consulta primordial foi o excelente ensaio do historiador americano Gauvin Alexander Bailey, titulado Le style jésuit n’existe pas: Jesuit Corporate Culture and the Visual Arts119, e também a introdução da obra fundamental Art on the Jesuit Missions in Asia and Latin America (1542-1773)120 A cultura barroca, concebida na visão dramatizante e moralizante do catolicismo reformador do século XVI, veiculou a difusão de tradições religiosas de cunho lúdico e festivo nas terras ultramarinas conquistadas pelas coroas ibéricas. Sobretudo, o culto aos santos com suas ladainhas, procissões e confrarias tornou-se o eixo principal de uma religiosidade popular divulgada nas cidades fundadas nas colônias hispânicas e lusas. Tais fenômenos contribuíram, de maneira significativa, à formação de uma identidade local nos núcleos urbanos do além-mar a partir do final do século XVI. Junto com as práticas religiosas migraram também conceitos artísticos e técnicas arquitetônicas Esta transferência marítima – protagonizada, sobretudo pela Companhia de Jesus – engendrou, nas palavras de Jean Meyer (2004, p. 194), uma verdadeira géographiemiroir ou “geografia-espelho” barroca no além-mar. Neste sentido, o Estado do Maranhão e Grão-Pará não foi uma exceção, sendo que as suas principais cidades, São Luís e Belém, ganharam, desde o início da colonização portuguesa em 1615-1616, feições ibero-barrocas mediante a construção de prédios militares (fortificações), eclesiásticos (igrejas, conventos) e administrativos (palacetes). Porém, as crises políticas e econômicas do século XVII, que afligiram de maneira aguda o ImpérioPortuguês, e a precariedade desta colônia tardia, cuja rentabilidade principal provinha de um 14 extrativismo florestal e uma agricultura extensiva pouco lucrativos, retardaram este processo (ALENCASTRO, 2006, p. 67-76; MAURO, 1972, p. 80). No que diz respeito à produção arquitetônico, ela seguiu também os moldes do barroco ibérico. De fato, no século XVII, na medida em os núcleos urbanos no além-mar se consolidaram e se hierarquizaram socialmente em razão da crescente diversidade de funções administrativas, econômicas e eclesiásticas, eles se dotaram de uma primeira infra-estrutura patrimonial. Conventos, igrejas, colégios, palacetes e hospitais ou asilos – as casas de misericórdia7 – marcaram cedo a silueta de muitas cidades lusas na Ásia (Goa, Macau), África (Luanda) e América (Salvador, Recife, Olinda, São Luís, Belém) (MAURO, 1972, p. 167). No que se refere à Amazônia, Bettendorff (1990, p. 17-19 e 22-24) realça em 1698, isto é, bem no final do século XVII, a contribuição jesuítica para um primeiro aprimoramento urbanístico nesta colônia periférica e precária. Os escritos do padre luxemburguês apontam, sobretudo a partir do final dos anos 1660, para uma fase mais intensa de construção e/ou reforma dos colégios e igrejas nas duas cidades amazônicas. Foi justamente neste período que a presença inaciana começou a se consolidar novamente após dois graves golpes sofridos, a saber, o levante dos colonos de 1661, que levou Vieira e outros padres ao exílio, e a supressão do monopólio pastoral e jurídico da Companhia de Jesus sobre os índios, em 1663 (ARENZ, 2010, p. 168- 169). A cidade de São Luís, a sede da Missão, teve uma clara prioridade em vista de um patrimônio representativo, sobretudo durante a presença de Antônio Vieira nos anos 1650. Já na década seguinte, Belém começa a se destacar como novo lugar de referência da atividade – e da construção – jesuítica; sem dúvida, em razão de sua função de ponto de partida para o vasto vale do Amazonas com seu labirinto de afluentes (ARENZ, 2008, p. 85-86). A centralidade e a relativa suntuosidade das casas – elevadas à categoria de colégios em 16708 – e das igrejas adjacentes realçaram, de forma bem visível, a importância da Companhia de Jesus. É partir destes complexos que os missionários executaram suas múltiplas atividades pastorais, litúrgicas, educativas, administrativas, assistencialistas, artísticas, econômicas, jurídicas e até políticas (parcialmente CHAMBOULEYRON; NEVES NETO, 2010, p. 1-19). Quanto ao complexo do colégio em Belém, ele remonta à vinda dos padres João Souto Maior e Francisco Velloso à cidade em 1652. Estes dois jesuítas chegaram com a recomendação de D. João IV de “construir igrejas” nas capitanias do Grão-Pará. O primeiro estabelecimento em Belém, feito de taipa, encontrava-se na Campina, isto é, nos arredores 15 do núcleo habitacional de então, num sítio cedido pelos mercedários; mas logo os jesuítas mudaram-se para um terreno ao lado do forte. Sito num ponto central e estratégico, a nova residência inaciana tornou-se uma referência importante na ainda jovem cidade. O Colégio de Santo Alexandre – que abriga o Museu de Arte Sacra – ocupa o lugar até hoje. Segundo Leite, o primeiro prédio foi terminado entre 1656 e 1658, na época do visitador Francisco Gonçalves (LEITE, 1943, v. 3, p. 208-211; BETTENDORFF, 1990, p. 74-75). Em 1667-1668, por ocasião da visitação do padre Manuel Juzarte, que coincidiu com o início do primeiro superiorato de Bettendorff, a casa e a igreja foram renovadas. Tratou-se, sobretudo, da substituição da primeira capela de taipa, erguida em 1653. Bettendorff a descreveu – junto com a sacristia – como “pequenas cabanas feitas com folhas de palmeira” 11. Como em São Luís, a reforma foi realizada no contexto de uma conjuntura política relativamente favorável, marcada pela ascensão de D. Pedro II como príncipe-regente em 1667 (LABOURDETTE, 2000, p. 248-164). Também em decorrência disso, percebe-se, no final da década de 1660, uma consolidação geral do empreendimento jesuítico na região. A sagração da nova igreja de Belém ocorreu na festa de seu santo padroeiro, São Francisco Xavier, em 3 de dezembro de 1668. Bettendorff (ARSI, cód. Bras 9, fl. 261v, tradução nossa). Como já mencionado acima, parte da decoração interior da nova igreja foi realizada pelos irmãos João de Almeida e Baltasar de Campos. Finalmente, houve uma última remodelação dos prédios que iniciou em 1692, no término do terceiro superiorato de Bettendorff. Este novo canteiro resultou no conjunto, inaugurado em 1718, que conhecemos até hoje (LEITE, 1943, v. 3, p.211-216; BETTENDORFF, 1990, p. 250 e 253-255; SANTOS, 1951, p. 108). Para construir este patrimônio artístico-arquitetônico na Amazônia, os jesuítas contaram com o saber de seus próprios membros e o de profissionais leigos, como Cristóvão Domingos. Quanto à mão-de-obra indígena e suas condições de trabalho, as fontes jesuíticas se calam. Em contraste com este silêncio, Leite realça que havia cinco arquitetos ou peritos em arquitetura que pertenceram à Missão do Maranhão, sendo que todos atuaram na segunda metade do século XVII (LEITE, 1953, p. 42). São eles: o francês João de Almeida, o luxemburguês João Felipe Bettendorff e os portugueses Manuel Rodrigues, Diogo da Costa e Manuel da Silva. Trata-se, portanto, de um grupo diversificado quanto às origens e aos conhecimentos. Entre um total de vinte e um arquitetos inacianos “de ofício” e de talento em 16 todo o Brasil entre 1549 e 1759, este número elevado para a Amazônia revela a importância dada à construção nesta Missão periférica. Para financiar as obras, houve – além de somas provindas da atividade econômica da Missão – sobretudo a contribuição de amigos leigos que, muitas vezes, ocuparam altos cargos na colônia e integraram, ao mesmo tempo, uma confraria sob a direção espiritual de um padre jesuíta. Um exemplo ilustre destes benfeitores de destaque é o capitão Paulo Martins Garro (BETTENDORFF, 1990, p. 247-248). Embora a Amazônia constituísse neste período uma colônia tardia e precária – a colonização lusa só iniciou em 1616 e a única fonte de exploração lucrativa foi o extrativismo florestal –, os jesuítas conseguiram expandir a rede de aldeamentos e assegurar um controle estrito sobre os índios. Neste processo, os efeitos impactantes de imagens coloridas ou prédios vistosos sobre uma população ameríndia tida como rude foram essenciais. De fato, estampas representando diversos santos – sobretudo a Virgem Maria e os padroeiros da Companhia – ou mostrando cenas tanto das chamas infernais como do gozo celestial “ilustraram” uma catequese repetitiva. De fato, os jesuítas que não procuraram “civilizar” no sentido moderno de uma adaptação total aos modos de vida europeus, se contentaram com uma evangelização superficial marcada por elementos lúdicos que emanaram da cultura barroca. Esta facilitou, ao menos aparentemente, a mediação cultural. Nos encontros e desencontros entre missionários inacianos e missionados indígenas do século XVII origina-se o imaginário neobarroco dos amazônidas de hoje. 17 REFERÊNCIAS BETTENDORFF, João Felipe. Crônica dos Padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão. Belém: Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves/Secretaria de Estado da Cultura, 1990. LEITE, Serafim. Artes e ofícios dos jesuítas no Brasil: 1549-1760. Lisboa/Rio de Janeiro: Brotéria/Livros de Portugal, 1953. _______. História da Companhia de Jesus no Brasil. V. 3. Rio de Janeiro/ Lisboa: Instituto Nacional do Livro/Livraria Portugalia, 1943. _______. História da Companhia de Jesus no Brasil. V. 4. Rio de Janeiro/ Lisboa: Instituto Nacional do Livro/Livraria Portugalia, 1943. MARTINS, Renata Maria de Almeida. Tintas da terra – tintas do reino: arquitetura e arte nas Missões Jesuíticas do Grão-Pará(1653-1759). São Paulo: USP, 2009. 850 f. (2 v.). Tese de doutorado, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.
Compartilhar