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DIVISAO Unidade I base fundamentos

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA 
LICENCIATURA EM LETRAS/ LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS 
 
 
 
 
 
DISCIPLINA: 
 
 
 
FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO DE SURDOS 
 
 
 
 
 
 
 
 
Andre Reichert e Gladis Perlin 
 
 
Florianópolis, 2014 
 
Índice 
Apresentação 
 
Unidade 1 – ALGUNS FUNDAMENTOS ATRAVÉS DA HISTÓRIA DE SURDOS 
1.1 Da História Antiga até a Idade Média 
1.2 Na Idade Moderna 
1.3 Depois da Revolução Francesa e durante a Revolução Industrial 
 
 
OS FUNDAMENTOS DE EDUCAÇÃO DE SURDOS 
 
Esta disciplina, Fundamentos da Educação de Surdos, procura situar a 
educação em fundamentos filosóficos, históricos, legais, culturais e linguísticos. Para 
isto, vamos ter, presentes, aspectos gerais da educação, salientando os que lidam 
com uma educação voltada para o indivíduo surdo, em sua diferença, ou seja, em 
sua identidade cultural e linguística. 
Hoje, os novos cenários educacionais deslocam as velhas estruturas e 
propõem, em conjunto, novos achados. O surgimento de movimentos sociais, e por 
mutações econômicas, tem contribuído para tanto. Novos atores sociais entram em 
cena e, por isto mesmo, novos métodos, bem como a renovação do pensamento. 
 A história continua indicando que os elementos fundamentais, que movem a 
educação, mudam na trajetória dos anos. Assim, a ideia do surdo como sujeito 
doente, deficiente, incapaz tem sua versão ultrapassada, e o que temos hoje é uma 
filosofia da diferença que introduz uma cultura diferenciada e que faz referência ao 
indivíduo surdo sob uma visão de ser diferente, capacitado e eficiente. 
Esta mudança de cenários traz, para o indivíduo surdo, novos desafios. O 
movimento político promove o que poderíamos denominar como novas ideias e 
estratégias. E o que se torna mais urgente é construir e tornar mais visíveis os 
direitos culturais e linguísticos dos surdos, possibilitando com isto, que os 
fundamentos da educação apresentem a vantagem de seus traços de identidade, 
como é o caso da educação bilíngue. 
 A educação de surdos, em seus fundamentos contemporâneos, está 
agregando o apelo à identidade surda, à reivindicação da diferença e aos 
significados culturais. Assim, percebe-se a caminhada para integrar a política 
linguística nacional, e esta, em conjunto com a filosofia da diferença, é parte dos 
fundamentos da educação dos surdos. 
Com isto, temos alguns pontos de partida e alguns tópicos que direcionam 
nossos estudos: 
 A história da educação dos surdos e seus fundamentos teóricos. 
 Educação de surdos e seus diferentes métodos. 
 Leis e decretos fundamentando a educação dos surdos. 
 A caminho de uma política nacional para a educação bilíngue. 
 
 Devido à necessidade de delimitação, as temáticas aqui abordadas não são 
abrangentes, completas. São selecionadas, entre muitas, ordenadas, facilitadas. Isto 
requer mais estudos com textos complementares. Estes textos são anexados ao 
texto base e dispostos em ordem por unidades, a bibliografia, em parte, consta no 
Plano de Disciplina. 
Desejamos que você se sinta bem nesta caminhada rumo aos conhecimentos 
que movimentam a educação dos surdos. Sentimos que nem sempre será fácil 
compreender estes fundamentos. Esperamos, no entanto, conseguir atingir os 
objetivos da disciplina. O conhecimento sobre a educação vai brotar destes aspectos 
que são humanos, daquilo que é respeito ao direito à liberdade nos domínios da vida 
pessoal e coletiva. 
 
 
Objetivo geral: Assimilar uma série de conhecimentos históricos, metodológicos, 
legais, culturais, linguísticos a fim de identificar os fundamentos da educação de 
surdos que sustentam a construção da identidade surda. 
 
Objetivos específicos: 
 Enunciar os fundamentos da educação de surdos; 
 fomentar uma análise crítica dos métodos de educação de surdos; 
 apresentar a legislação voltada para a educação de surdos; 
 discutir os fundamentos da educação de surdos e a inclusão; 
 analisar as relações existentes entre educação de surdos, cultura e Língua de 
Sinais; 
 refletir sobre a educação de surdos no Brasil e no mundo; 
 discutir os fundamentos de educação de surdos e sua concepção no 
movimento surdo brasileiro pela educação bilíngue; 
 discutir a importância de bases para a identidade surda nas práticas 
educacionais. 
 
 
Por fim nós, os autores, Andre Reichert e Gladis Perlin, somos surdos e 
estamos, aqui, nos referindo a nós, os surdos, em contraposição a eles, os ouvintes. 
Desejamos bom proveito e estudos aprofundados a todos, além do engajamento pela 
educação bilíngue nacional. 
 
 
UNIDADE 1 
 
ALGUNS FUNDAMENTOS ATRAVÉS DA HISTÓRIA DE SURDOS 
 
Na história de surdos, os fundamentos são desordenados. Colocar a 
educação, como se apresenta na história, como certa, completa e acabada é, no 
mínimo, ingenuidade. Os fundamentos se encontram dispersos em traços sutis que 
aos poucos vão sendo desvendados. Os registros históricos contam o desenrolar da 
educação dos surdos como um campo que não é homogêneo, nem consensual, pois 
ele é amplo, diversificado, contraditório, interessante, enigmático. Também trata de 
ser desumano, desprezível e, por vezes, aproxima os fundamentos que identificam a 
atividade como humana, com uma pedagogia rica e, salientemente, inovadora. 
Desse modo, há registros de alguns acontecimentos históricos em que 
aconteceram atrocidades. Outros nos incluem, os surdos, manifestando-nos como 
grupo que possui identidade, cultura e língua diferenciadas das dos ouvintes. Estes 
traços demoraram muito a ser reconhecidos. A sua dispersão foi inevitável. Fica a 
ideia de que, ao longo da história, nós surdos lutamos pela afirmação de nossa 
diferença até alcançarmos o reconhecimento que temos hoje. 
O que buscamos na história sobre os fundamentos da educação de surdos é 
uma dimensão dada ao conteúdo e à prática da educação, orientada para a resolução 
dos problemas concretos da diferença surda, por meio de enfoques 
interdisciplinares e de uma percepção ativa da diferença surda. 
 
1.1 Da História Antiga até a Idade Média 
 
No Egito, os surdos, éramos adorados como deuses. Porém, na Antiguidade, a 
China registrou que muitos de nós fomos lançados no mar. Em Esparta, tínhamos a 
mesma sorte das crianças que eram consideradas incapazes, pelo Estado, de serem 
treinadas como guerreiros. O destino era o de ser lançados do alto dos penhascos. 
Também na Grécia, os surdos fomos tratados como incompetentes e Aristóteles 
pregava que não tínhamos capacidade de raciocinar por não termos linguagem. Por 
isto, não recebíamos educação, não tínhamos direitos, e as atitudes dos ouvintes 
faziam com que fôssemos marginalizados, ou condenados à morte. Em Roma, muitas 
ideias eram semelhantes às da Grécia, onde o surdo era tido como um ser imperfeito 
e sem ter o direito de pertencer à sociedade. Os cristãos, ao que consta, entendiam 
que, diferentemente dos ouvintes, não tínhamos alma. 
O primeiro registro de ensino da fala ao surdo consta de 700 A.C. por St John 
de Beverley. Por esta razão, ele é considerado primeiro educador de surdos. 
No fim da Idade Média e início do Renascimento saímos da perspectiva 
religiosa para a perspectiva da razão, em que a deficiência passa a ser analisada sob 
a ótica médico-científica. 
 
1.2 Na Idade Moderna 
 
Há indícios de mudança, pois se distingue, pela primeira vez, a surdez da 
mudez. A expressão surdo-mudo deixou de ser usada como designação do surdo. 
Alguns professores iniciam o ensino aos surdos e se distinguem por adotar alguns 
fundamentos diferenciados. 
O monge católico, Pedro Ponce de León, fundou uma escola para surdos em 
Madrid e desenvolveu o alfabeto manual para facilitar a comunicação. Juan Pablo 
Bonet, que continuou o trabalho de León, era um estudioso dos surdos e escreveu 
sobre as maneiras de ensinar a ler e a falar por meio do alfabeto manual. Ele proibiu 
o uso da língua de sinaise optou pelo método oral. 
O médico inglês, John Bulwer, acreditava que a língua de sinais devia possuir 
um lugar de destaque. Na história da educação de surdos foi o primeiro a 
desenvolver um método para se comunicar com estes. Publicou livros que 
realçavam o uso de sinais. 
O educador de surdos e estudioso, John Wallis, dedicou-se mais ao ensino da 
escrita e também usava língua de sinais para a atividade de ensino. 
O professor George Delgamo desenvolveu um sistema inovador de 
datilologia. Já o defensor da leitura labial, Konrad Amman não fazia uso da língua de 
sinais, pois acreditava que ela atrofiava a mente, embora usasse a língua de sinais 
como método de ensino para atingir a oralidade. 
O monge Charles Michel usou a língua de sinais no ensino para os surdos. Ele 
não a considerava uma língua, mas entendia sua importância como instrumento no 
ensino dos surdos. Fundou a primeira escola de surdos do mundo, o Instituto 
Nacional de Surdo-mudos de Paris. Esta também foi a primeira escola de surdos a 
usar língua de sinais. Interessante que aí nós, os surdos, fomos considerados seres 
humanos, nossa língua, reconhecida, e entendido que ela deveria ser a primeira a 
ser ensinada. Consta que esta escola formou muitos professores surdos e eles se 
espalharam pela França e pelo mundo. Alguns professores surdos se destacaram, 
como o primeiro professor surdo Jean Massieu, Ferdinand Berthier, Laurent Clerc e 
Pierre Desloges. E. Huet o professor surdo, fundador do Instituto Nacional de 
Educação de surdos, no Brasil era procedente desta escola. Esta escola se destacou 
na história pelo fato de instruir os surdos, dados estes que mostram o progresso, 
pois pelo que sabemos, Berthier e Desloges foram escritores. 
Apesar destes progressos, Jacob Rodrigues Pereira entendia o uso de língua 
de sinais, mas defendeu a oralidade como primeira técnica a ser usada. E o alemão 
Samuel Heinicke, no trabalho como educador, utilizava o método oral. Foi 
considerado o criador deste método. 
 
1.3 Depois da Revolução Francesa e durante a Revolução Industrial 
 
As duas tendências em educação, o uso de língua de sinais (método francês) e 
o oralismo (método alemão) foram desenvolvidos no século XVIII. Neste tempo, 
iniciaram-se muitas disputas entre o oralismo e a língua de sinais. 
O movimento surdo começou a se organizar e em 1838 foi fundada a 
primeira associação de surdos do mundo. Nestas organizações, os surdos eram a 
favor do ensino em língua de sinais e os ouvintes insistiam no método oralista. 
O Congresso de Veneza difundiu o método oralista e, em 1880, o Congresso 
de Milão, constituído por ouvintes, decidiu excluir a língua de sinais do ensino de 
surdos. E obrigou os governos a tomar, sobre si, o encargo da educação daqueles. O 
método oralista perdurou desde os fins do século XIX até grande parte do século XX 
e encarava a surdez como algo a corrigir. Surgem, então, os aparelhos auditivos que 
subsistiram até o atual implante coclear. 
O século XX presenciou o fracasso do método oral e a língua de sinais voltou 
para a sala de aula a partir dos anos 1970. Esta já tinha sido reconhecida em seu 
status, por Stokoe, 10 anos antes. 
No Brasil, o início da educação de surdos feita pelo professor surdo E. Huet 
foi na língua de sinais. Mais tarde, Huet teve de deixar o país e pouco tempo depois 
teve início o oralismo. Em 1980, com o método da comunicação total, a língua de 
sinais foi, aos poucos, sendo reintroduzida. 
O movimento inclusivista, no ano 2005, em nosso país, ameaçou o 
fechamento de escolas de surdos e nosso destino foi a inclusão em escolas regulares. 
Tal método inclusivo também mostrou rapidamente o fracasso ou o abandono 
escolar dos surdos. 
Recentemente, o movimento surdo, desencadeado pela Federação Nacional 
de Educação e Integração (FENEIS), que representa os surdos, seus familiares, 
associações e outras agremiações, desencadeou o movimento por uma política 
nacional de educação bilíngue, descentrada da educação especial e anexa aos grupos 
necessitados por educação bilíngue, ou seja os índios, os filhos de imigrantes, as 
comunidades linguísticas, os habitantes de fronteiras. A busca por esta nova politica 
continua, gerando muitas adesões ativistas. 
Também é recente a ideia de que não mais é o surdo que tem que se adaptar 
à sociedade oralista, mas ela é que tem que se adaptar a eles, compreendendo a 
diferença e a língua específica. 
Neste ponto, a disciplina se orientou para uma revisão do processo 
educacional histórico, pela análise do fenômeno educativo constante e a necessidade 
de compreensão destas condições como ponto teórico-prático na formação de 
educadores. O desenvolvimento requer compreender o fenômeno educativo em sua 
complexidade na história, a partir de seus fundamentos, e refletir, especificamente, 
sobre seu compromisso político, que é um aspecto importante.

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